Análises

GUARDA CONJUNTA DE MENORES NO DIREITO BRASILEIRO

1. Introdução

O tema da guarda de menores, na condição ou não de filhos, reveste-se de característica interessante: apesar da relativa singeleza do trato técnico-jurídico, é dos que mais angustia, tensiona, preocupa e comove seus lidadores. As pautas normativas reguladoras da matéria são poucas e, comumente, bastante claras e objetivas.

As correspondentes construções dogmáticas encontram escassas facetas para aprofundamento. No entanto, qual o magistrado, promotor ou advogado que não se atormentou ao extremo quando se depara com conflitos centralizados sobre menores? Se falta em implexidade legal e jurídica, sobra em problematicidade humana, sentimental, emocional, moral, psicológica e social.

Felizmente, as legislações mais avançadas colocam os interesses do menor como fundamentais e básicos no equacionamento de quaisquer polêmicas a eles respeitantes. O direito brasileiro não constitui exceção.

No afã de cada vez mais aperfeiçoar os mecanismos de proteção aos menores, profissionais do direito, da medicina, da educação, da sociologia, etc., buscam novas fórmulas para atenuar o impacto negativo de situações familiares conflitantes e de quadros de abandono. Cuida-se de tentar reduzir os efeitos patológicos, sob o prisma psíquico, das circunstâncias adversas vivenciadas por quem está em fase de constituição da personalidade e do caráter. Nesta perspectiva, vem-se estudando em nosso país a guarda ou custódia conjunta, ou seja, a situação em que fiquem como detentores da guarda jurídica sobre um menor pessoas residentes em locais separados. O caso mais comum será o relacionado a casais que, uma vez separados, ficariam ambos com a custódia dos filhos, ao contrário do sistema consagrado em nosso ordenamento jurídico. É modalidade com a qual ainda não estão habituados os brasileiros, repercutindo este desuso na ausência de abordagem do tema doutrinária e jurisprudencialmente; aliás, sequer a lei contempla qualquer regra específica a respeito.

No campo psiquiátrico, principiam os estudos e pesquisas no sentido de apurar as vantagens e desvantagens do novo esquema de guarda para os menores.

Conforme antes informado, sob o prisma do direito, incipiente é a questão em nosso meio, onde ainda se discute a licitude da medida. Neste trabalho procurarei demonstrar a viabilidade da guarda conjunta em nosso direito, e, seguindo adiante, já ponderarei conseqüências legais decorrentes da eventual aceitação daquela espécie de guarda. Relevante é ressaltar, está evidenciado, pela experiência alienígena, que pelos menos em determinado número de hipóteses reais se mostra valiosa a guarda conjunta para o bem-estar do menor, razão bastante para uma maior análise da questão.

Esclareço colima o item 3 deste estudo (Lineamentos Jurídicos da Guarda de Menores no Direito Pátrio) a preparação do enfoque da custódia conjunta, sendo endereçado notadamente ao leitor estrangeiro (o artigo, originariamente, destina-se à divulgação nos Estados Unidos).

2. Alguns subsídios de direito comparado.

De 29 de novembro a 2 de dezembro de 1984, a Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul promoveu, na Assembléia Legislativa do mesmo Estado, Simpósio Multidisciplinar de Estudos sobre a Família, ocasião em que proferiu conferência James Lewis Cavanaugh Júnior, MD, psiquiatra norte-americano e dirigente do Rusch Presbyterian St. Luke's Medical Center, de Chicago. Já nesta oportunidade foi possível perceber como a guarda conjunta, assunto abordado pelo conferencista, vem sendo bastante adotada nos EUA, inclusive com acentuada cobertura explícita da legislação. Por outro lado, Bárbara A. Weiner, J.D. (administradora e conselheira na secção de psiquiatria e direito daquele centro médico e professora assistente de direito e psiquiatria no Rush Medical College, também de Chicado), in artigo intitulado An Overview of Child Custody Laws, publicado na revista Hospital & Community Psychiatry (agosto de 1985, 36/838-843, n. , disserta que: 'During the past decade joint custody has gained great favor with state legisla-tures.

Today approximately 60 percent of the states have laws specifically providing for joint custody under certain circums-tances.

Some states laws, such as those of California, reflect a preference for awarding custody jointly. In other states, joint custody in one of several options. Even in states that lack a specific statutory provision for joint custody, the arrangement is not precluded since the courts will generally accept arrangements agreed upon by the involved parties' (p. 841).

O Centro Nacional de Pesquisa Científica da França editou volumes sobre a temática Mariage et Famille en Question, sob a direção de Roger Nerson e de H. A. Schwarz Liebermann von Wahlendorf, abrangendo a própria França e mais Alemanha, Inglaterra, Suíça, Áustria, Bélgica e Holanda. A pesquisa foi coordenada pelo Instituto de Direito Comparado da Universidade Jean Moulin, de Lyon, na qual lecionam os citados professores, sendo que as correspondentes publicações datam de 1979 e 1980. Destas emergem informes de interesse sobre a prática da guarda conjunta nos países europeus.

No volume L'Évolution Contemporaine du Droit Anglais, P. M. Bromley (professor na Faculdade de Direito da Universidade de Manchester), após distinguir entre guarda legal e guarda física, ensina que: 'A une certaine époque, il n'était pas d'usage de confier la garde légale aux deux parents si ceuxci vivaient séparés; on pensait, en effet, qu'ils seraient rarement susceptibles de coopérer et que la nécessité de consultations régulières pourrait bien envenimer leurs rapports. Toutefois, dans de nombre cas, les conjoints continuent à faire preuve de responsabilité à l'égard de leurs enfants et, lorsqu'un parant n'exerçant pas la garde physique de son enfante désire continuer à donner son opinion sur la manière dont il será élevé, et s'il existe en outre une sérieuse chance de voir les parents coopérer, les tribunaux ont aujourd'hui, beaucoup plus que par le passé, tendance à maintenir le'statu quo' en laissant la garde légale aux deux parents.

Lorsqu'il y a conflit entre les parents, sur la question de savoir lequel d'entre eux doit exercer la garde physique de l'enfant, le tribunal doit trancher le conflit en s'inspirant exclusivemente de l'interêt de l'enfant' (p. 115).

No volume L'Évolution Contemporaine du Droit Allemand, o Dr. H. J. Sonnenberger (professor na Universidade de Augsborg) mostra como, após discussões sobre o tema, a orientação atual se inclina pela admissibilidade da guarda conjunta também na Alemanha: 'Le pont de savoir si le tribunal doit accorder I'autorité parentale conjointement aux deux parents, lorsque ces derniers le désirent, fait l'objet de controverses. On a pensé longtemps que le § 1.671 al. 4 du BGB s'opposait à une telle interprétation, mais l'opinion se répand actuellemente que, dans ce cas, il est possible, voire obligatoire, de prende en considération la proposition des parents, compte tenu du principe de la subsidiarité du droit d' intervention de l'État et du privilège des parents garanti par l'article 6 al. 2 de la loi fondamentale (118). II est plutôt étrange que, lors des débats sur la réforme des rapports entre parents et enfants, le problème ait été à peine abordé, et cela malgré les discussions animées sur les limites du droit d'intervention de l'État' (p. 178).

3. Lineamentos jurídicos da guarda de menores no direito pátrio.

De maneira geral, revelam-se incensuráveis as regras alicerçantes da normatização jurídica sobre guarda de menores no Brasil. Isto porque impregnada do princípio fundamental, tendente a prevalecer no direito moderno (com fartos motivos para tal), que impõe se verifique, antes de tudo e de forma dominante, o interesse dos menores atingidos pela situação litigiosa. Em plano secundário ficam os interesses dos adultos. Dispositivos legais existem de grande expressividade a respeito. Dos mais significativos é o art. 13 da Lei federal n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977 (observação destinada ao leitor estrangeiro - N.B.: doravante este tipo de observação será designado pelas letras ODLE: o direito civil é unificado para todo o território nacional, não havendo condição constitucional de os Estados da federação editarem leis próprias); após estabelecer várias diretrizes sobre guarda em caso de separação judicial (ODLE: no sistema brasileiro a separação judicial - cognominada 'desquite' antes da Lei n. 6.515/77 - não se confunde com o divórcio, pois que, enquanto este implica dissolução do matrimônio mesmo, aquela apenas termina com a sociedade conjugal, mas não com o casamento), o diploma legal referido, no art. 13 enuncia: 'Se houver motivos graves, poderá o Juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os pais'. Como se constata, é uma regra que desfaz todas as regras, ou, se preferirem, passa a ser a regra das regras, entregando à discrição do magistrado a palavra última. Nada mais acertado. Somente o exame profundo pelo Juiz, no tocante a determinado caso concreto, permitirá o decisório mais justo, porque baseado nas peculiaridades e facetas especialíssimas dos fatos sub judice e porque radicado em variados elementos probatórios, não faltando estudos sociais, familiares, econômicos, psiquiátricos e psicológicos, desenvolvidos por técnicos especializados que assessoram o julgador. Está o Juiz revestido de poderes para afastar os menores até das mãos dos pais legítimos e que prossigam convivendo em sociedade conjugal. Em idêntica dimensão opera o art. 8º da Lei federal n. 6.697, de 10 de outubro de 1979 (Código de Menores): 'A autoridade judiciária, além das medidas especiais previstas nesta lei, poderá, através de portaria ou provimento, determinar outras de ordem geral, que, ao seu prudente arbítrio, se demonstrarem necessárias à assistência, proteção e vigilância ao menor, respondendo por abuso ou desvio de poder'. A propósito deste Código de Menores, faculta ele a atuação do Juiz de Menores quando se encontra o menor em 'situação irregular', situação esta definida em lei (ainda que em conceitos abertos, vagos e genéricos, facilitando a exegese enriquecedora do magistrado) e que compreende eventos como privação de condições de subsistência, saúde e instrução obrigatória; ocorrência de castigos ou maus-tratos imoderados; configuração de perigo moral; desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; autoria de infração penal (art. 2º da Lei n. 6.697/79).

A melhor doutrina brasileira não deixa dúvida sobre o que realmente importa na decisão sobre guarda de menores.

Caio Mário da Silva Pereira (professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal de Minas Gerais), in Instituições de Direito Civil, Forense, 4ª ed., 1981, V/189, leciona, comentando a atividade decisional do Juiz: 'O que lhe serve de inspiração é o interesse dos filhos, sobre quaisquer outras ponderações de natureza pessoal ou sentimental dos pais'. Silvio Rodrigues (professor catedrático de direito civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo), em Direito Civil, Saraiva, 10ª ed., 1983, Vl/254, ponderando a atuação do legislador, disserta que: 'De resto, e em rigor, a regra que o inspire, conforme se verá, é uma só, a saber: em todos os litígios em que se disputa a guarda de filhos, o julgador deve ter em vista sempre e primordialmente o interesse dos menores'. Pontes de Miranda (ODLE: um dos maiores juristas do mundo ocidental, em todos os tempos), em seu Tratado de Direito Privado, Editor Borsói, 1955, Tomo Vlll, p. 96, é categórico ao asseverar 'o que importa é o bem dos filhos...'.

Washington de Barros Monteiro (professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo), em Curso de Direito Civil, Saraiva, 20ª ed., 1982, II/226, preconiza:

'O critério a orientar o Juiz, em semelhantes conjunturas, será o do interesse ou conveniência do menor, interesse ou conveniência que há de preponderar sobre direitos ou prerrogativas, a que, porventura, se arroguem os pais'.

Outro princípio do direito brasileiro, que denota e conota a preocupação máxima pelo bem-estar do menor, diz com a possibilidade de modificação, a qualquer instante, de deliberação sentencial em torno da guarda de menores, desde que surjam fatos novos indicativos de que não mais deva aquele permanecer sob a guarda da pessoa com quem está.

No mesmo diapasão protetivo ao menor ainda merece destaque o art. 24, caput, do Código de Menores citado:

'A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional ao menor, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive pais'.

Pois bem, obedecidos sempre os parâmetros essenciais e basilares até agora expostos, sintetizo as regras legais do direito brasileiro concernentes à guarda de filhos menores quando não estão os pais coabitando:

A) se a separação judicial for consensual, observa-se o que os cônjuges acordarem sobre a guarda (art. 9º da Lei n. 6.515/77);

B) se a separação judicial for litigiosa (quando é necessário provar conduta desonrosa ou ato que importe grave violação de dever do casamento, com insuportabilidade da vida em comum): a) um só dos cônjuges é culpado: os filhos menores ficam com o cônjuge que não deu causa à separação (art. 10 da Lei n. 6.515/77); b) ambos os cônjuges são culpados: os filhos menores ficam em poder da mãe, 'salvo se o Juiz verificar que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles' (art. 10, § 1º, da Lei n. 6.515/7); c) em qualquer dos casos de letras a e b: 'Verificado que não devem os filhos permanecer em poder da mãe nem do pai, deferirá o Juiz a sua guarda a pessoa notoriamente idônea da família de qualquer dos cônjuges' (art. 10, § 2º, da Lei n. 6.515/ 77);

C) se a separação judicial é litigiosa, mas sem perquirição de culpa: a) separação pedida com base em ruptura da vida em comum há mais de cinco anos, com impossibilidade de reconstituição: os filhos ficam em poder do cônjuge em cuja companhia estavam durante o tempo de ruptura da vida em comum (art. 11 da Lei n. 6.515/77); b) separação postulada com supedâneo em grave doença mental de um dos cônjuges, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de cinco anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável: o Juiz defere a entrega dos filhos ao cônjuge que estiver em condições de assumir, normalmente, a responsabilidade de sua guarda e educação (art. 12 da Lei n. 6.515/77);

D) em caso de divórcio: a legislação não constrói normatividade específica, salvo uma exceção, com o que se vem aplicando, analogicamente, os preceitos destinados às separações; ao leitor estrangeiro é oportuno explicar existem duas modalidades fundamentais de divórcio no Brasil: por conversão de separação judicial em divórcio e por divórcio direto (este após cinco anos de separação de fato, principiada antes de 28 de junho de 1977); assim, resulta que: a) no divórcio por conversão subsiste o quadro fático emergente da separação convertida (art. 27 da Lei n. 6.515/77); b) no divórcio direto consensual e no divórcio direto litigioso (este tem as mesmas causas fundantes da separação litigiosa) prevalece a analogia com a separação, antes apontada;

E) na anulação de casamento: atende-se ao disposto nos arts. 10 e 13 da Lei n. 6.515/77, já referidos (art. 14 da Lei n. 6.515/77);

F) filhos naturais reconhecidos: a) se um só progenitor reconheceu, fica com o filho sob sua guarda (art. 360 do CC); b) se ambos reconheceram: a guarda é dada à mãe (art. 16 do Decreto-Lei n. 3.200, de 19 de abril de 1941 com a redação que lhe foi emprestada pela Lei n. 5.582, de 16 de junho de 1970); c) novamente a lei é expressa em ordenar resolva o Juiz de modo diferente das regras versadas, se for para o interesse do menor (§§ 1º e 2º do art. 16 do Decreto-Lei n. 3.200/41);

G) hipótese de separação de fato: a lei silencia a respeito; a doutrina preleciona remanescem ambos os pais com o direito de guarda, sem preferência para nenhum (Mário Aguiar Moura, Guarda do Filho Menor, AJURIS, 19/23 e 24, 1980), advindo a conseqüência, do acatamento ao fato consumado da guarda por um dos cônjuges.

Neste sucinto repassar legislativo relevante notar como se renovam e se repetem as recomendações atinentes ao proveito e vantagem do menor.

4. A custódia conjunta no Brasil:

a) Sua possibilidade jurídica:

O direito brasileiro - como, aliás, foi possível vislumbrar - não possui norma jurídica impeditiva da guarda conjunta. Bem ao contrário: de sua sistemática desponta a conclusão de que precisa ser aceita esta modalidade de custódia. O desuso doutrinário e jurisprudencial, a toda evidência, não tem o dom de elidir o instituto em estudo.

O pátrio poder e a guarda jurídica competem ao pai e à mãe (ODLE: ainda que o pátrio poder seja exercido pelo marido com a colaboração da mulher, art. 380, caput, do CC; a propósito, no novo CC o exercício do pátrio poder será igual para marido e mulher). Dissolvida a sociedade conjugal ou o casamento, ambos prosseguem portadores do pátrio poder. Não há por que afastar, aprioristicamente, a possibilidade de o mesmo acontecer no pertinente à guarda jurídica, se esta providência se revelar benigna e até imprescindível ao interesse do menor. É necessário, isto sim, distinguir entre a guarda jurídica e a guarda meramente física, como bem o fez o prof. P. M. Bromley (cf. item 2 deste trabalho).

Lógico estará a guarda física forçosamente sempre com apenas um dos genitores, em determinado momento. Mas, acima, paira a guarda jurídica, esta sim comum, facilitando o desenrolar das relações entre pais e filhos e dos pais entre si.

Os vários dispositivos legais aludidos no item 3 deste estudo fazem ressaltar a notável liberdade do Juiz quando se cogita de resolver sobre a guarda de menores. Ora, exatamente utilizando-se desta prerrogativa, irá o magistrado autorizar a guarda conjunta, se comprovada nos autos sua conveniência em certa situação submetida ao seu julgamento. Em linhas gerais, temos:

A) se os pais se afastaram amigavelmente (quer por separação, quer por divórcio, etc.) e dispuserem pela guarda conjunta, sua volição será respeitada, como comanda o art. 9º da Lei n. 6.515/77 (dispositivo antes citado);

B) se o afastamento foi em quadro de litigiosidade, o art. 13 da Lei n. 6.515/77, em sua generalidade, legitima regule o Juiz a divergência através da guarda conjunta (o art. 13 igualmente foi já reproduzido);

C) mesmo em não se tratando de pai e mãe, mas de terceiros, a guarda poderá ser conjunta, face à amplitude com que o CC e o Código de Menores autorizam o magistrado a regular a condição do menor.

Outrossim, se a felicidade dos menores é o escopo maior colimado obsessivamente, mais um motivo robusto para o direito brasileiro adotar a custódia conjunta, se esta resultar recomendada por especialistas ou por ela conclua o Juiz em face de suas próprias percepções, tudo em cada caso, sem precipitações ou modismos inconseqüentes.

Não impressionam argumentos como o calcado no art. 186 do CC (complementa o art. 185, que exige consentimento de ambos os pais para o casamento de menores de 21 anos):

'Discordando eles entre si, prevalecerá a vontade paterna, ou, sendo o casal separado, divorciado ou tiver o seu casamento anulado, a vontade do cônjuge com quem estiverem os filhos'.

Dir-se-ia impraticável a aplicação desta norma, se a guarda jurídica fosse de ambos os cônjuges, mesmo após dissolvida a sociedade conjugal ou desfeito o casamento. Não procede a asserção. Basta aplicar, analogicamente, o art. 380, parágrafo único, do CC: 'Divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao Juiz para solução da divergência'. Portanto, em caso de conflito de volições entre os pais, o magistrado comporia o litígio.

Aliás, no tocante ao próprio art. 186, apesar de que nele não conste a ressalva, precisa ser combinado com o art. 380, parágrafo único, a fim de se facultar à mulher a via judicial para impugnar consentimento indevido oriundo do homem. Igual equacionamento poderá ser empregado em hipóteses semelhantes. De minha parte, vou mais adiante: penso que, consumada a dissolução da sociedade conjugal ou do casamento, nem é mais caso de se cogitar sobre prevalência da vontade paterna, já pela razão elementar de não mais se situar o marido como chefe da sociedade conjugal (ODLE: o art. 233, parte inicial, do CC, estipula que: 'O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos (arts. 240, 247 e 251)', desfeita que esta foi.

Marido e mulher põem-se em igualdade, remetida a eventual disputa ao Poder Judiciário. Por sinal, é o sistema constante do novo CC brasileiro, além de, inegavelmente, se apresentar como mais consentânea aos tempos atuais e mais razoável, justa e adequada. Cresce a sensação da absurdidade da posição inferior na qual é posta a mulher em regras legais que tornam mais importante a vontade masculina.

Portanto, a guarda conjunta não esbarra em obstáculos no direito brasileiro.

Ao leitor nacional enfatizo não examino a matéria senão sob o prisma estritamente técnico-jurídico, sem desconhecer as divergências intensas no plano psicológico. Mesmo aqueles favoráveis à guarda conjunta admitem vários aspectos adversos a ela, no tocante ao psiquismo do menor, se não utilizada com sabedoria e quando comprovadamente proveitosa. Este ângulo da questão será melhor formulado pelo psicólogo e pelo psiquiatra (no Rio Grande do Sul cabe destacar a preocupação com que estuda a matéria o Dr. Silvio Antônio Erné, psiquiatra com atuação nas Varas de Família e integrante da Sociedade de Psiquiatria). b) Questões legais emergentes: Certamente brotarão dificuldades jurídicas diante da nova espécie de guarda. Não é meu desiderato esgotá-las ou aprofundá-las aqui, sob pena de até ir além dos objetivos deste artigo.

Mais se trata de detectá-las e ousar propostas tentando resolvê-las.

Um dos problemas foi colocado em letra A antecedente: os conflitos advindos da divergência de opiniões entre os detentores da guarda jurídica, quanto ao que é melhor para o menor. Ali mesmo, porém, tracei os rumos capazes de vencer o óbice.

Outra gama de controvérsias se põe no campo do exercício dos poderes de representação e assistência do menor (ODLE: a representação abrange os filhos até 16 anos; depois dessa idade, até os 21, dá-se a assistência ou autorização para certos atos), com o assunto correlato da validade ou invalidade das obrigações assumidas para com terceiros.

A solução parece-me sem implexidade e consiste em atribuir o poder de representação e assistência a ambos os pais. Não me parece deva persistir o direito paterno de representar ou assistir se foi dissolvida a sociedade conjugal, razão de ser do poder de chefia e representação geral da família exercido pelo pai. Nem é tão intocável o direito paterno, bastando observar se desloca o exercício do pátrio poder para a mulher quando, ocorrida dissolução da sociedade conjugal, fica ela com a guarda dos filhos (Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, Saraiva, 2ª ed., 1985, 5º/272). Em assunto de representação e assistência, é óbvio, deve importar a guarda jurídica e não a mera guarda material, mesmo porque esta poderá mudar semanalmente e até diariamente, fator desencadeante de intolerável incerteza e insegurança para todos quantos negociassem com o menor; a propósito, é a solução que melhor atende à defesa dos terceiros de boa-fé celebrantes de negócios jurídicos com a pessoa do menor, através, naturalmente, de seu representante ou com participação de assistente; estes terceiros presumirão, sem dúvida, o poder de representação e assistência por ambos os pais, se custódia conjunta houver.

Finalmente, a dificílima questão da responsabilidade civil por atos do filho (ODLE: o art. 1.521 do CC estabelece: 'São também responsáveis pela reparação civil: I - Os pais, pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia...'). Neste tema não há como, no espaço reduzido do presente trabalho, alinhavar todos os ângulos de análise, principalmente porque na exegese do art. 1.521 citado são já notáveis as discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Digladiam-se os pontos de vista, todos amparados em sólidos argumentos; uns dão relevo ao exercício do pátrio poder; outros, à guarda jurídica; ainda outros, ao efetivo e concreto controle físico, reflexo da guarda física ou material (cf. José de Aguiar Dias, da Responsabilidade Civil, Forense, 5ª ed., 1973, II/148 a 158). Arrisco adiantar minha concepção: inclino-me a dar maior importância à efetiva guarda física, ou seja, responsabilizar quem mantêm a verdadeira vigilância atual sobre o menor; ressalvo, desde logo, as várias hipóteses nas quais poderá ser solidária a responsabilidade, porque se trate de matéria na qual é fundamental o bom desempenho do dever de educar por ambos os genitores (sobre a culpa in educando: Antônio Junqueira de Azevedo, Responsabilidade Civil dos Pais, estudo incluído in Responsabilidade Civil, Doutrina e Jurisprudência, Saraiva, 1984, sob coordenação de Yussef Said Cahali, nas p. 53 a 67; a referência destacada está em p. 59/60). Minha posição não se deve apenas à literalidade legislativa (nem é de meu feitio raciocinar nestes termos estreitos), mas porque me parece a solução mais justa para a maior parte dos casos, dado que a fiscalização real advém de estar o pai ou a mãe com o menor em sua companhia efetiva. De qualquer maneira, em nada dogmatizo ou sou categórico, pois o assunto (como é freqüente ou quase inerente do direito) reclama soluções casuísticas, ditadas por uma série imprevisível de fatores do evento concreto. Só assim se consegue a justiça, sendo o direito - como o é - ciência cultural, afeita ao ato gnosiológico da compreensão e ao método empírico-dialético, impregnado como está seu objeto pelos valores, ou seja, o direito não é abordável por métodos racional dedutivos ou empírico-indutivos (A. L. Machado Neto, Introdução à Ciência do Direito, Saraiva, 1960, 1º/222; aliás, e como este artigo vai aos EUA, o pensamento norte-americano atingiu conclusões práticas idênticas por meio de sua Escola da Jurisprudência Sociológica - Oliver Wendell Holmes, Roscoe Pound, Benjamin Cardozo, Luís Brandeis - e de sua Escola do Realismo Jurídico - John Chipmann Gray, novamente Oliver W. Holmes, Karl Llewellyn, Jerome Franck).

Um único exemplo demonstrará a imprescindibilidade de o Juiz sopesar e dissecar pormenores do evento submetido à sua apreciação, impossibilitada como está a fixação de diretrizes apriorísticas e inalteráveis: menor comete acidente de trânsito, decorrendo a responsabilidade civil de quem estiver com sua guarda; o menor está sob a guarda física da mãe (o exemplo é construído, é claro, em função de um caso de custódia conjunta); seria a mãe obrigada a ressarcir e somente ela? Em princípio, pelo ponto de vista genérico que expendi há pouco, minha resposta seria positiva. Entretanto, suponhamos foi o automóvel emprestado pelo pai, proprietário do mesmo, apesar de intensa contrariedade e divergência da mãe, abertamente declarada.

Eis um componente capaz de tornar bem mais complexa a questão.

Como poderia a pobre mãe evitar a entrega do veículo ao filho, mais ainda se esta se verificou de inopino? Entendo que aí o dever de ressarcimento se deslocaria para o pai, ou, pelo menos, seria dele igualmente (solidariedade).

E não ficaria nisto o exemplo: poderia o pai ter, inclusive, convencido ou forçado o filho a utilizar o automóvel. Assim por diante, é fácil multiplicar as circunstâncias especialíssimas. Outro conjunto de situações (as exceções são tantas que abalam a pretensa solidez da regra...) a merecer trato diferenciado consistiria em casos nos quais, estando o menor sob a guarda material de A, se envolva em fato ilícito relacionado a um assunto no qual toda a orientação, aconselhamento, controle e fiscalização coubesse a B, por acordo prévio entre A e B.

Ressalto que as finalidades destas ponderações se limitavam a:

1º) para o leitor brasileiro: mostrar a licitude da guarda conjunta em nosso direito;

2º) para o leitor estrangeiro: expor o que há (ou não há) no Brasil sobre custódia conjunta.

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