Artigos

O CRIME DO DR. LUCAS GARRIDO – ADOÇÃO À BRASILEIRA


Carlos Henrique Bastos da Silva, advogado militante em São Paulo, graduado pela Unip - Universidade Paulista, pós-graduando em Direito Público pela Unisal – Centro Universitário Salesiano de São Paulo. email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.




A adoção à brasileira

As novelas nacionais costumam trazer à discussão pública temas normalmente muito marcantes da sociedade brasileira. Não é raro a vida representada na televisão refletir de forma contundente as situações e fatos da vida real. Recentemente um fato a princípio sem importância, está chamando atenção das pessoas mais atentas, pois encobre uma prática danosa a todos os envolvidos.

Na novela “Caminhos da Índia”, em exibição na Rede Globo de Televisão, de autoria de Glória Perez, o médico Lucas Garrido, personagem do ator Murilo Rosa, resolveu assumir a paternidade do pequeno Antonio “Tony”, filho de Duda (vivida pela atriz Tânia Khalil) – sua namorada. Na trama, originalmente o bebê foi registrado apenas com o nome da mãe, pois foi concebido como fruto de um relacionamento extraconjugal do pai biológico Raj (o ator Rodrigo Lombardi) – que, por sua vez, não sabe (ainda) da existência da criança. Há de se prever grandes movimentações na novela para as próximas semanas.

O que a novela não mostrou, ao menos até agora, é que a atitude de Lucas é uma conduta clandestina e que aconteceu sem o devido respeito aos procedimentos legais. Por melhores que tenham sido as intenções de Lucas, não se pode admitir a prática de um ato ilegal, principalmente envolvendo uma criança inocente.

Ao invés de assumir o filho de Duda como se fosse seu, o bom médico Dr. Lucas Garrido deveria ter providenciado o processo de adoção.

Infelizmente, sabe-se que este tipo de situação não é incomum, e nos meios jurídicos é inclusive chamada de “adoção à brasileira”. Na prática, normalmente os adotantes justificam seus atos com várias explicações, por exemplo, o infundado receio de pedir autorização judicial por não possuírem condições financeiras, mas sempre se esquecem do direito da criança de viver uma verdade.

Adoção Unilateral

É importante dizer que nada impede que um cônjuge ou companheiro adote o filho do outro cônjuge ou companheiro. Amparada pela Lei 8.069/91 - Estatuto da Criança e do Adolescente, é a chamada adoção unilateral e que garante que será mantido o vínculo biológico com o outro cônjuge ou companheiro.

Caso o adotando esteja registrado em nome dos dois genitores, para vigorar a adoção unilateral será indispensável a destituição do poder familiar do outro genitor ou de sua formal anuência em juízo. O consentimento dos pais só será dispensando se os mesmos forem desconhecidos, ou caso tenham sido destituídos do poder familiar, mas sempre seguindo os procedimentos da legislação.

A lei brasileira equiparou os órfãos à situação dos pais destituídos ou que aderiram ao pedido de adoção, e, neste caso, serão dispensadas quaisquer autorizações de terceiros. Vale lembrar que o Código Civil determina que será considerada órfã a criança que não for reclamada por qualquer parente por mais de um ano.

Quando o Dr. Lucas da novela optou pela “adoção à brasileira”, por mais nobres e valorosos que tenham sido as suas razões, ele negou à criança um direito fundamental do ser humano, o de conhecer suas origens. E conforme a vida nos mostra a cada dia, não se pode apagar o passado de alguém. Por sinal, é por razões como esta que a nova Lei de Adoção formaliza este direito, até porque os especialistas são unânimes em afirmar que sempre se deve contar a verdade para a criança, pois a ela pertence o seu passado.

O crime e suas consequências

Além de ilegal sobre o posto de vista do Direito Civil e do Direito de Família, e desaconselhada por psicólogos e pedagogos, a “adoção à brasileira” também pode ser considerada como crime, conforme previsão dos artigos 242 e 299 do Código Penal (parto suposto e falsidade ideológica).

A pena por estes crimes é de reclusão, variando de 2 a 6 anos, e como normalmente envolve intermediários, estes também podem ser punidos à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Por fim, os pais biológicos podem ainda acionar o Poder Judiciário a qualquer momento para reaver o filho. E segundo o Superior Tribunal de Justiça, o próprio filho adotado poderá, a qualquer tempo, vindicar a anulação daquele registro de nascimento, com o objetivo de restabelecer a verdade real. Ou seja, na trama da novela, Tony poderá pleitear judicialmente que em sua certidão de nascimento conste Raj como seu verdadeiro pai.

Conclusão

A vida imita a arte, a arte imita a vida.

Não se sabe os rumos que a trama de Glória Perez tomará nas próximas semanas, mas em nome do esclarecimento público seria de muito bom tom que a autora providenciasse eventuais correções.

Em nome da vida, em nome da criança, a verdade sempre deve prevalecer.

Carlos Henrique Bastos da Silva, advogado militante em São Paulo, graduado pela Unip - Universidade Paulista, pós-graduando em Direito Público pela Unisal – Centro Universitário Salesiano de São Paulo. email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

Written by Carlos Henrique Bastos da Silva.

Imprimir