Análises

O PROCESSO “MÁGICO” DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

Certa vez, dentro do elevador em um prédio comercial, um senhor bem vestido perguntou-me se eu era médica do hospital (aquele do outro lado da rua!), pois eu havia esquecido meu crachá de identificação preso na blusa. Disse-lhe que trabalhava lá, mas era psicóloga. Imediatamente ele segurou a porta do elevador e saiu, dizendo que não iria ficar ao meu lado porque “psicólogos liam mentes”. Eu tive que rir e, enquanto o elevador subia, fiquei imaginando o que ele temia tanto revelar, afinal essa história de ler mentes só existe na fantasia das pessoas que desconhecem a profissão.

O trabalho do psicólogo parece habitar o imaginário das pessoas como algo místico, que pertence à magia e não a uma ciência humana, premiada de estudiosos, pesquisadores e construtores do saber. O mistério parece se intensificar quando se fala em “avaliação psicológica”, cujo profissional lançaria mão de seus “super-poderes” e desvendaria os segredos da mente, atestando que todos são loucos ou, pelo menos, neuróticos, psicóticos, psicopatas, etc... Nomes que, por hora, nem ouso descrever.

Logo, para entendermos o que significa uma avaliação psicológica, também chamada de Psicodiagnóstico, pego emprestado o conceito de Cunha (2000), uma grande pesquisadora nessa área, que afirma ser o Psicodiagnóstico um processo científico, limitado no tempo, que estuda a personalidade, utilizando-se de técnicas e de testes psicológicos que melhor permitam a obtenção da Projeção. Podemos descrever, sucintamente, que projeção é um processo psicológico em que se atribui qualidades, sentimentos, atitudes e anseios próprios, aos objetos do ambiente, sendo estes conteúdos conhecidos ou não pelo indivíduo como pertencente a ele.

Em suma, a avaliação psicológica utiliza-se de testes, entrevistas, observações de comportamento para identificar a personalidade das pessoas avaliadas com a finalidade de elucidar problemas com base em pressupostos teóricos. Também consiste em identificar e avaliar aspectos específicos de cada situação, assim como prever o curso possível de casos, quando o psicólogo pode comunicar os resultados e propor soluções.

De acordo com minha prática (USP e UERJ), posso recomendar alguns cuidados na seleção dos testes psicológicos. Eles devem estar coerentes com o propósito da avaliação e de acordo com a capacitação do examinador. Também devemos nos preocupar com avaliações rápidas, baseadas em apenas um único teste psicológico, mesmo que este seja de excelência, como o Rorschach (teste de personalidade). Uma bateria de testes bem organizada tende a nos fornecer informações confluentes, deixando-nos mais seguros quanto aos resultados.

Alguns procedimentos do psicólogo avaliador não estão explícitos em resoluções, mas devem ser considerados como obrigatórios, na intenção de salvaguardar a qualidade e a ética em seu trabalho, como: responsabilidade, independência, imparcialidade; rigor e seriedade; conhecimento técnico; prudência e espírito investigativo (curiosidade); ser polido, honesto e não ser omisso. Há outras tantas qualidades, mas, basicamente, o psicólogo avaliador deve ter preparo técnico e pessoal, devendo, inclusive, estar em acompanhamento terapêutico.

Com relação ao laudo, este é o fechamento do trabalho do psicólogo avaliador. Segundo a Resolução do Conselho Federal de Psicologia n° 007/2003, existem critérios para a elaboração de documentos escritos por psicólogos decorrentes de avaliação psicológica. O laudo deve conter descrições acerca das condições psicológicas e histórico de vida – social, política e cultural – do indivíduo avaliado; deve apresentar a análise dos dados colhidos à luz de um instrumental técnico – entrevistas, testes psicológicos, observação do comportamento, exame psíquico, intervenção verbal – consubstanciado em referencial teórico adotado pelo psicólogo. O corpo do laudo deve apresentar cinco itens básicos: identificação, descrição da demanda, procedimento, análise e conclusão.

E, para concluir, um psicólogo clínico não deve redigir laudos ou qualquer documento sobre seu cliente/paciente, salvo se o contrato de psicoterapia previr a elaboração deste material. Caso contrário, haverá uma quebra de contrato, onde o cliente sairá prejudicado, pois os procedimentos de terapia e de avaliação psicológica são completamente distintos.

O primeiro prevê que psicólogo clínico e paciente estabeleçam uma Aliança Terapêutica, fenômeno previsto por Freud (1913a) como um “vínculo amistoso” entre paciente-analista. Desta forma, a Aliança Terapêutica seria este vínculo que gera um ambiente favorável às comunicações, facilitador da terapia.

O paciente que procura fazer terapia deseja melhorar-se, para isso, revela conteúdos inconscientes, segredos e intimidades sobre sua vida para que seu terapeuta o auxilie a compreendê-los. Se o psicólogo não estabeleceu, no contrato terapêutico, a possibilidade de elaborar qualquer tipo de documento que descreva os aspectos da vida desse paciente, ele não deve fazê-lo, pois não só estaria quebrando um vínculo terapêutico e/ou o contrato de terapia, mas, principalmente, o sigilo entre paciente-terapeuta, ou seja, estaria infringindo o Código de Ética Profissional do Psicólogo.

O segundo procedimento, o de avaliação psicológica, implica em um contrato de trabalho bastante específico, onde são previstas entrevistas, testes e um documento por escrito ao final do processo. O paciente é informado sobre essas atividades e pode optar em colaborar ou não com o trabalho do psicólogo avaliador.

Em trabalhos com terapia infantil isso fica ainda mais evidente: o terapeuta, por vezes, não comunica à criança que estará revelando o que se passa em terapia, mantendo o acerto com os pais/ou responsáveis. Nesses casos, o melhor que o terapeuta tem a fazer é encaminhar a criança para outro profissional realizar o trabalho de avaliação psicológica.

Esse mesmo procedimento deve ser adotado quando um juiz solicita ao terapeuta um laudo psicológico da criança. O psicólogo não deve se intimidar com a solicitação, mas esclarecer ao juiz, as responsabilidades e compromissos que assumiu com a criança, resguardando a relação terapêutica. Uma solução rápida e prática seria indicar outros profissionais para realizar a avaliação psicológica da criança em questão.

Como pudemos constatar, a “mágica” da avaliação psicológica não reside no fato do psicólogo ter “poderes sobrenaturais” de adivinhação, mas no prazer de fazer um trabalho com competência e seriedade.

Marcia Amendola
Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Especialista em Psicologia Clínico-Institucional, modalidade residência hospitalar HUPE/UERJ e aluna do Mestrado em Psicologia Social/Jurídica da UERJ.

Written by Marcia Ferreira Amendola .

Imprimir