Análises

APONTANDO A GUARDA COMPARTILHADA

A respeito do judiciário de São Paulo eu observei recentemente um evento peculiar que pode ser um “proxy” da questão da defesa da guarda compartilhada. Lembra do Richarlyson atleta profissional do São Paulo? Pois é, o presidente do Palmeiras acusou o jogador de ser homossexual e foi acionado na justiça pelo jogador por difamação. O juiz de 1ª instância julgou pela inépcia da ação e em seu despacho alegou que “futebol é esporte viril, coisa para homem” portanto atletas como Richarlyson tinham mais é que se contentar com este tipo de atitude. Longe de querer julgar a opção sexual de cada um, o fato é que no Brasil vigora um princípio chamado de “livre decisão fundamentada” ou seja, um juiz pode decidir como quiser (mesmo contra a lei) desde que fundamente sua decisão Nos últimos anos tem sido cada vez mais comum o questionamento da sociedade, em particular nos grandes centros urbandos, do papel do Estado na educação, saúde, segurança pública e transporte. A educação em especial tem merecido destaque não só na mídia como em todas as esferas do poder público. Curiosamente é no rápido processo de transformação da sociedade Brasileira, não só do ponto de vista do dinâmico ambiente em que está inserida, que se encontra a oportunidade de pavimentar o caminho da inclusão social, da isonomia e por fim, da própria democracia. Neste sentido, a formação do indivíduo que passa pela família, religião, escola, universidade e mercado de trabalho, consititui-se em elemento chave na consitituição de uma sociedade justa e igualitária.



Nos primeiros anos de vida, ainda desprovidas de capacidade mental e legal para tomar decisões, as crianças participam do mundo através de processos lúdicos desenvolvidos primariamente através da interação com os pais, tanto individual como coletivamente. A família desempenha, portanto um papel fundamental na formação do indivíduo, em especial do seu caráter, além de lhe fornecer segurança e capacidede de sobrevivência física e psicológica. Neste sentido o afeto dos pais consititui-se em ferramente essencial na consolidação da auto-estima na criança.



Com a evolução da sociedade, é natural que o formato tradicional da família tal qual conhecemos, tenha se transformado para acomodar as novas necessidades de adaptação dos indivíduos frente a desafios como: mercado de trabalho dinâmico, emancipação da mulher, aumento da expectativa de vida, novos hábitos de consumo, mobilidade, inclusão digital, acesso à informação, redução da participação do Estado na vida do cidadão, globalização etc. Isto não implica em dizer, no entanto, que a família tenha perdido completamente a sua importância dentro do contexto da formação do homem.



Não só no Brasil, mas em todo mundo, inclusive em nações com sistemas de governo não democráticos, temos testemunhado o esforço de legisladores e tribunais na busca de fornecer um sentido jurídico às transformações sociais como é o exemplo de: união entre indivíduos do mesmo sexo, guarda compartilhada, câmaras arbitrais e mediação etc. Apesar de encontrar resistência por parte de alguns, as mudanças têm ocorrido de forma tão avassaladora que terminam por isolar gradativamente as vozes do atraso.



A família, tal qual foi desenhada por nossos pais e avós, não está decadente e nem mesmo à beira da dissolução como pensam alguns. O divórcio, seja litigioso ou não, tornou-se apenas conseqüência normal de relacionamentos que terminam. Na cabeça das crianças, entretanto, pai e mãe continuam a representar o papel de protetores a despeito da posição de alguns contrários a esta tese.



É importante ressaltar que nem a constituição e muito menos as leis no Brasil, retiraram este papel natural dos pais após a dissolução do matrimônio. Ao permitir que o judiciário usasse de bom senso na decisão da guarda provisória pelo cônjuge que apresentasse "melhores condições" para criar o menor, o legislador certamente não imaginava que em 91% dos casos a opção fosse pela guarda monoparental à esposa/mãe. É difícil para qualquer cidadão imaginar que a mulher tem melhores condições para criar em 91% dos divórcios no Brasil de hoje. Estatisticamente seria o mesmo que afirmar que 91% dos pais divorciados são ruins, o que por si só consitui-se em um disparate. Presumo que a proporção de pais e mães competentes seja hoje em dia no mínimo semelhante e em nada afetada pelo divórcio. Nem o litígio - que nem sempre pressupõe violência doméstica como querem crer alguns, pode ser utilizado como argumento para dar celeridade à decisão da guarda provisória sem ser precedido de uma análise criteriosa e imparcial que se espera do poder judiciário. Em um raciocínio mais profundo verifica-se que ao separar a criança de um dos cônjuges criam-se condições favoráveis à Síndrome de Alienação Parental, de consequencias graves e que termina por representar mais custos ao judiciário, aos sistemas de saúde e consequentemente à própria sociedade.



Uma das respostas da sociedade à incompreensão, ao abuso de poder, falta de isonomia e violação dos direitos da criança é o instituto da guarda compartilhada. Certamente ele não existiria ou teria sua importância diminuída, não fosse o fato de decisões favorecerem o mesmo lado em 91% das vezes sob o pretexto de “melhor atender aos interesses do menor”. Prova disto é que muitas crianças acabam optando por "morar" com o pai quando atingem a idade para fazer esta escolha, ou melhor, para contrariar a estatística. Particularmente nos grandes centros urbanos a participação cada vez mais acentuada da mulher no mercado de trabalho, tem resultado em crescimento da importância do pai na educação dos filhos e não somente na provisão de condições materiais. Como consequência deste fato, os vínculos afetivos tendem a ser maiores e com isso as crianças saem ganhando.



A guarda monoparental, ao ignorar ou menosprezar a importância deste vínculo, destrói o que há de mais importante na evolução do conceito da família: é o rebalanceamento das relações afetivas entre pais e filhos como resultado do maior distanciamento físico das mães e maior envolvimento dos pais na educação das crianças. Este processo de adaptação ao mundo moderno, que é bemvindo pela sociedade, é retrocedido pela guarda monoparental cujos defensores em sua maioria ainda utilizam argumentos do início do século passado para apontar os seus benefícios. A meu ver o único benefício deste instituto é afastar a criança de um dos cônjuges quando assim se faz necessário para a sobrevivência da mesma. Não me parece ser este o caso de centenas de pais capazes que se predispõem a investir tempo precioso na educação de seus filhos. Infelizmente têm eles merecido desprezo e preconceito pelo poder judiciário que insiste em proferir decisões que criam “órfãos de pai artificiais”.



Em um mundo globalizado onde homens e mulheres competem cada vez mais em condições de igualdade, em um país democrático e com uma constituição que prega a isonomia, é inaceitável que se dê um tratamento tão desigual e parcial ao ex-cônjuge em casos de divórcio. O Direito de Família não está imune nem à Constituição Federal e nem às transformações da sociedade.



O que sevê na prática hoje, em muitos casos, é que ao se proferir decisão pela guarda monoparental favorável à genitora (e não necessariamente ao menor, diga-se de passagem) está se retirando tempo precioso de convivência afetiva como pai para se redistribuí-lo a babás e avós maternas. Não creio que seja esta a intenção do judiciário, que, no entanto não pode fechar os olhos diante das consequências desastrosas desta decisão.

Written by Samuel Oliveira.

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