ASPECTOS PRÁTICOS DA SEPARAÇÃO CONSENSUAL
I. INTRODUÇÃO
A separação consensual constitui forma amigável, mas não necessariamente amistosa, de dissolução da sociedade conjugal, evitando o litígio entre os cônjuges que, cientes da impossibilidade de continuarem convivendo, deliberam no sentido de fazer cessar os seus encargos conjugais recíprocos e os deveres matrimoniais. A Lei 6.515/77, dispõe a respeito em seu art. 4º, facultando ao casal, após dois anos da celebração do casamento, requererem judicialmente a homologação de sua separação.
No sistema adotado pela legislação brasileira, o que cessa, inicialmente, é a sociedade conjugal e não propriamente o casamento, que somente pode ser desfeito, em regra, decorrido um ano da decretação da separação, por intermédio do divórcio (Lei 6.515/77: art. 25). Merece crítica essa sistemática a que se vêem submetidas as partes, nem sempre dotadas de recursos necessários ao custeio das despesas que decorrem da dupla etapa que se vêem obrigadas a cumprir para encerrarem de forma plena e completa o vínculo matrimonial. Agregue-se a isso, ainda, o fato de que injusta demora se impõe às partes, acarretando mais demandas a um Judiciário que nem sempre dispõe de meios para prestar de forma ágil a sua função. O mais justo e razoável seria permitir o acesso direto à ação de divórcio, minimizando os custos para os interessados e retirando do Judiciário uma ação desnecessária.
De todo modo, considerado o sistema atualmente vigente, cumpre ver-se que a separação, como instrumento de dissolução da sociedade conjugal, não dissolve o casamento mas se presta a encerrar os deveres conjugais, dispondo acerca de guarda dos filhos, direito de visitas, alimentos e nome da mulher, prestando-se, outrossim, a disciplinar, se assim o desejar o casal, até mesmo a partilha patrimonial.
Não havendo como preservar-se a vida em comum, recomenda o bom senso, como melhor opção para o casal, a de acordar a extinção da sociedade regularmente constituída, evitando maiores desgastes para ambos e especialmente para os filhos, além da assunção de custos que nem sempre podem ser suportados e que apenas se prestam a afetar a higidez patrimonial do casal.
II. O ESTÍMULO AO CONSENSO
Necessário reconhecer, todavia, quem nem toda separação "amigável" se presta a indicar a existência de um relacionamento amigável e livre de litígio entre os acordantes. Quase sempre se tem a acomodação de interesses como instrumento vetor do pacto firmado, o que não se pode criticar. É extremamente positivo ver o casal minimizando o desgaste de sua relação com a discussão amistosa - ou não litigiosa - das cláusulas da separação.
Ganha o casal, não só em termos econômicos, porque desnecessário os ônus naturalmente agravados de uma ação litigiosa, mas também em termos de relacionamento, porque decerto obrigações estabelecidas continuará a ligá-los, ficando facilitados, assim, futuros contatos e entendimentos. Ganham ainda mais os filhos, que não colherão os frutos de uma relação desgastada e agravada pelo litígio judicial, onde ofensas de nenhum nível em geral são assacadas por contra o outro.
Nesse contexto, mostra-se de todo conveniente estimular a obtenção de um acordo entre os separandos, o que nem sempre é obtido pela falta de esclarecimentos e de orientação quantos aos desgastes descabidos que normalmente resultam de uma ação de separação litigiosa.
Especialmente nessa área e com maior razão ainda deve prevalecer a orientação que dimana do art. 2º, parágrafo único, do Código de Ética e Disciplina do Advogado, o qual impõe ao advogado o dever ético de estimular a conciliação entre as partes, prevenindo sempre que possível a instauração de litígios (inciso VII) e aconselhando ao cliente a não ingressar em aventura judicial (VII).
Isso nem sempre é observado e o desejo de litigar é acolhido e incentivado até porque ignoram as partes as consequências de seu ato.
Com esse desiderato de alcançar a conciliação, impõe-se não só a prestação de esclarecimentos quanto aos efeitos de uma separação litigiosa, como ainda sobre o que se deve discutir para formular um acordo de separação. Tais aspectos são a seguir comentados.
III. QUESTÕES A DISCUTIR E A DEFINIR
Diversos aspectos e questões deverão ser apreciados, discutidos e definidos pelo casal com vista à formulação de acordo de separação. Incumbe ao advogado, visando à conciliação, colocá-las em sequência, abordando sempre em primeiro lugar as questões em que se apresente menor dificuldade, o que poderá variar de situação para situação.
Normalmente, no entanto, constata-se que a situação alusiva à guarda de filhos e visitas oferece menor dificuldade de discussão. Em geral o casal já tem uma opinião a respeito e faltam apenas os ajustes finais. Deve-se, portanto, iniciar as discussões por intermédio de tais aspectos, realizando, a partir daí, uma abordagem de questões como a seguir se tece considerações.
1. A GUARDA DOS FILHOS MENORES E DIREITO DE VISITAS:
Os filhos, enquanto menores (21 anos), terão que ficar submetidos à guarda, orientação e proteção de um dos genitores. A homologação da separação exige prévio acordo sobre a guarda. O casal deve discutir e decidir previamente a respeito.
É comum ver-se, em tais casos, a guarda sempre deferida à mãe, assegurando-se ao pai o direito de visitas correspondente.
Ao genitor a quem não se assegura a guarda devem ser garantidos dias de visita aos filhos, permitindo-se, inclusive, tê-los em sua companhia em finais de semana e feriados.
Aqui surge uma primeira dificuldade de acerto, até porque não se imagina que não há, em lei, nenhuma disposição expressa nesse sentido. É sempre indispensável conciliar os interesses do menor com a garantia de visitas assegurada ao seu genitor.
O razoável é que estabeleça o casal dias específicos (semanalmente, quinzenalmente) em que as visitas serão realizadas. Devem definir os horários, o local em que os filhos serão recepcionados e deixados pelo genitor e, também, as visitas no período de férias escolares, bem como se estarão ou não autorizadas viagens dos filhos em companhia do cônjuge-beneficiário.
Ocorrem, às vezes, desentendimento fundados apenas no capricho de um dos cônjuges que assume a falsa postura de proteção do filho contra o direito do outro cônjuge, como se o contato com este pudesse, em regra, causar danos irreparáveis à formação do menor. Tal atitudes devem ser desestimuladas e coibidas, até porque em juízo não prevalecerão.
2. A PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS:
Estabelece a Lei do Divórcio, a respeito dos alimentos, que o cônjuge responsável pela separação judicial (litigiosa) prestará ao outro, se dela necessitar, a pensão que o juiz fixar, asseverando, outrossim, que para a manutenção dos filhos, os cônjuges, separados judicialmente, contribuirão na proporção de seus recursos (arts. 19 e 20).
A fixação da verba alimentar, embora inafastável, como visto, oportuniza, em geral, um debate mais acirrado, centrado este no desejo - do credor - de ter uma prestação de valor substancial, contrariado pela intenção - do devedor - de minimizar sempre a sua contribuição.
Indiscutível, entretanto, que os alimentos devem ser obrigatoriamente previstos e que não poderão deixar de ser prestados. Mas como fixá-los?
Em primeiro lugar é preciso lembrar que os alimentos dever ser prestados de forma proporcional, levando em conta as necessidades de quem tem a eles direito e as possibilidades de que vai prestá-los (Código Civil: art. 400).
Não se deve admitir, nesse particular, seja o devedor espoliado, como se não tivesse direito a continuar vivendo. Deve-se definir as necessidades a serem atendidas e, em vista disso, verificar as possibilidades do devedor, fixando-se, então, a verba alimentar a ser prestada. O melhor mecanismo para isso, evitando debates descabidos e desgastes desnecessários, é fazer um levantamento das despesas, incluindo alimentação, educação, saúde, lazer, moradia, transporte etc. Determinado o valor estimado das despesas, divide-se esse valor por ambos os cônjuges - se ambos possuírem renda - fixando-se, assim, o encargo devido por cada e, em consequência, definida estará a verba alimentar.
Outro aspecto igualmente importante, refere-se à verificação dos beneficiários da prestação alimentar. O cônjuge sem meios próprios de subsistência - seja por não ter renda ou patrimônio - deve ser contemplado com a prestação alimentar correspondente. Os filhos, enquanto menores, se capazes, e desde que não disponham de meios próprios de sustento, também terão direito aos alimentos.
O que se recomenda é que o casal discuta um percentual sobre os rendimentos ou rendas do cônjuge que deve prestar alimentos, o qual deve bastar para a manutenção dos beneficiários da prestação alimentar, respeitando, dentro do possível, o status até então desfrutado.
O percentual discutido deve incidir sobre todos os ganhos do alimentante, deduzindo-se, de tais ganhos, os descontos compulsórios (Imposto de Renda, Previdência Social).
Importante definir, também, a data do pagamento e o meio pelo qual será ele efetuado, privilegiando-se sempre que possível o desconto direto em folha de pagamento e o depósito bancário em favor da pessoa que assumirá o encargo de administrar as despesas familiares.
3. PARTILHA DE BENS:
A partilha de bens não precisa ser necessariamente tratada na separação consensual, podendo ser discutida por ocasião do divórcio. O ideal, no entanto, é que já se discuta e se defina também este aspecto, evitando futuros litígios entre o casal.
Serão objeto de discussão e partilha os bens comuns do casal, observando-se, a esse respeito, o regime de bens eleito no momento do matrimônio.
Deve-se, com esse escopo, relacionar os bens comuns do casal da forma mais completa possível, evitando-se o surgimento de dúvidas ou questionamentos futuros.
Relacionados os bens comuns do casal, delibera-se, na própria petição, aqueles que passarão a pertencer a cada cônjuge, indicando-se o valor de avaliação de cada um de modo a demonstrar a isonomia na partilha.
Devem ser objeto da partilha aqueles bens de valor representativo como, por exemplo, imóveis, veículos, móveis de valor, jóias, pinturas etc.
4. NOME DA MULHER:
Um último aspecto diz respeito ao nome da mulher, mas isso somente quanto tiver ela adotado os apelidos do marido ao casar-se. Veja-se que a esse respeito faculta a Lei do Divórcio (art. 17, § 2º) que o casal disponha a respeito preservando a mulher, por opção, o nome de casada. Deve a petição inicial, de todo modo, tratar desse aspecto, deliberando o casal sobre se deve a mulher continuar fazendo uso dos apelidos do marido ou se voltará ela a usar o seu nome de solteira. Esse aspecto é de livre deliberação do casal.
IV. DA ELABORAÇÃO DA PETIÇÃO E A SUA DISCUSSÃO E ASSINATURA PELO CASAL
Obtida a conciliação e estabelecidas as respectivas condições, incumbe ao advogado elaborar a petição inicial, observadas as disposições processuais pertinentes (CPC: art. 1.121). Em se tratando de peça que deve representar o consenso do casal, de todo oportuno que seja a peça por eles lida e aceita, evitando-se questionamentos futuramente no momento da ratificação ou até mesmo após a homologação.
Aprovados os termos pelo casal, é de bom alvitre que o advogado não desejando colher de logo as assinaturas (LD: art. 34, § 4º), que serão, no ato de ratificação, lançadas na presença do juiz, obtenha a aprovação do casal em pelo menos uma via, a ser mantida em seus arquivos.
V. CONCLUSÃO
Examinados tais aspectos, pode-se concluir que a separação judicial por mútuo consentimento - prevista no art. 4º da Lei 6.515/77 - é sempre a melhor solução para a dissolução da sociedade conjugal, eliminando, para os cônjuges, desnecessários gastos com a manutenção de um litígio que, ao final, apenas lhe oportunizará o que já poderiam ter de logo pactuado.
A conciliação entre ambos sempre pode ser estimulada, desde que sejam adequadamente cientificados dos aspectos a serem previamente discutidos e definidos, até porque isto é exatamente o que será objeto de específica deliberação em eventual demanda de caráter litigioso.
Airton Rocha Nóbrega - Advogado no Distrito Federal e Professor da Universidade Católica de Brasília-UCB e da Escola Brasileira de Administração Pública -EBAP/FGV.
Fonte: http://www.neofito.com.br/artigos/art01/civil62.htm