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A GUARDA E VISITAÇÃO DOS FILHOS

A GUARDA E VISITAÇÃO DOS FILHOS - BREVES REFLEXÕES SOB A ÓTICA DO PRINCÍPIO DO INTERESSE MAIOR DOS MENORES
(01/05/05)

Ao iniciarmos o estudo da guarda e visitação dos filhos menores, em decorrência do término da sociedade conjugal ou da união estável, torna-se imperiosa a fixação do ponto fundamental a ser levado em consideração no enfrentamento de tais questões, qual seja, o de que os direitos a serem discutidos devem sempre ser analisados à luz dos interesses dos filhos, estando, desta feita, os interesses dos genitores subordinados àqueles.

Tal questão, por mais óbvia que possa parecer, merece ser ressaltada, pois não raras vezes nos deparamos, no cotidiano forense, com situações esdrúxulas, onde os genitores se esquecem de que a prole não pode ser encarada como objeto de direito, mas sim como sujeito de direito, ante a novel concepção, não só menorista mas familiar, que se desenvolveu ao longo das últimas décadas em nosso País, como sói comprovar a igualdade dos filhos independente de origem, o reconhecimento da união estável como entidade familiar a nível constitucional etc.

Muito se disse, notadamente na imprensa, quanto ao suposto avanço do novo Código Civil (Lei n.º 10.406/2002), especificamente quanto à previsão, no artigo 1.584, da concessão da guarda dos filhos ao cônjuge que revelar melhores condições para exercê-la, ou ainda, a terceira pessoa que revele "compatibilidade com a medida", quando não for recomendado que a guarda seja deferida a qualquer dos pais.

Em realidade, fora a introdução da norma jurídica em sede de codificação civil, não houve qualquer alteração no sistema adotado diturnamente nas comarcas de todo o País. Vale lembrar que a Lei n.º 6.515/77, que instituiu o divórcio em nossa realidade legal, já continha dispositivo semelhante (artigo 13), dispondo que havendo motivos graves o juiz poderia regular a questão da guarda levando em consideração os interesses dos filhos do casal. Posteriormente, com o advento da Lei n.º 8.069/90, conhecida como o Estatuto da Criança e do Adolescente, a situação tornou-se ainda mais clara, pois ao criar o sistema da proteção integral, onde as crianças e adolescentes deixaram de ser encaradas como objetos (como ocorria com o antigo Código de Menores), passando à posição de sujeitos de direitos, delineou o caminho a ser seguido pelos operadores do Direito.

A nível internacional, cumpre registrar que desde 1989 o princípio supralegal do melhor interesse da criança passou a integrar a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, consoante nos aponta o minucioso trabalho elaborado por ANA CRISTINA SILVEIRA GUIMARÃES e MARILENE SILVEIRA GUIMARÃES, constante da obra coletiva "Aspectos Psicológicos na Prática Jurídica", coordenada por David Zimerman e Antônio Carlos Mathias Coltro, Editora Millennium, p. 447/470.

Assim, em nosso atual estágio legislativo e sociológico, torna-se evidente que todos os esforços devem ser reunidos a fim de que possamos, efetivamente, buscar a solução que preserve, ao máximo, os interesses dos menores nos milhares de processos que deságuam no Poder Judiciário todos os dias.

Torna-se importante mencionar que a posição de destaque dos filhos não possui o condão de relegar a plano meramente secundário os interesses dos pais. Apenas frisamos que a própria situação pessoal dos envolvidos em um processo de separação, divórcio ou extinção de união estável, onde é comum a pessoa se mostrar abalada psicologicamente, demonstra que o posicionamento dos pais deve ser analisado com certa cautela.

Neste ponto, torna-se imprescindível a existência de uma rede bem estruturada, englobando assistentes sociais, psicólogos, membros do Ministério Público e juizes, a fim de que o resultado final seja a soma do posicionamento técnico e pessoal de todos os envolvidos. Não há lugar, no moderno direito de família, ao julgador que simplesmente ignora a necessidade de um trabalho conjunto e dedicado de todos os envolvidos na máquina estatal, tomando a decisão final com base, tão somente, em sua impressão pessoal dos fatos, impressão essa, sem dúvidas, coberta de subjetividade e conceitos próprios, ainda que o próprio julgador não se dê conta de tal realidade quando de sua decisão.

Em um mundo onde a especialização tornou-se a regra, dispensar o auxílio de profissionais específicos nas áreas de psicologia e assistência social denota verdadeiro contra-senso. É claro que a palavra final sempre foi e será do juiz, mas nosso próprio sistema processual é claro ao definir o princípio da persuasão racional como norte a ser seguido pelo julgador quando da análise das provas dos autos e posterior decisão. Segundo HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, "no sistema de persuasão racional, o julgamento deve ser fruto de uma operação lógica armada com base nos elementos de convicção existentes no processo". (Curso de Direito Processual Civil, Vol.1, 32ª edição, Ed. Forense, p. 371)

Insta salientar que em muitas situações, que vivenciamos na prática, não raro buscam os operadores do Direito imiscuir-se em questões pacificadas no âmbito pessoal do casal em vias de separação. É o que costuma ocorrer, com certa freqüência, quando as partes afirmam em juízo que o direito de visitação dos filhos será exercido de forma livre. Muitos juizes e promotores de justiça enxergam a visitação livre como futura fonte de celeumas entre os pais, buscando, rapidamente, inserir no acordo a famosa cláusula padrão de visitação, limitando as visitas do genitor destituído da guarda a finais de semanas alternados.

No momento em que nos deparamos com novas possibilidades envolvendo a própria questão da guarda, tal como a guarda compartilhada ou conjunta, ou mesmo o exercício do direito de visitas pelos avós e outros parentes, inclusive afins, consoante dispõe expressamente o Projeto n.º 6.960/2002, que visa alterar certos pontos de nosso "novo" Código Civil, a posição de rechaçar a visitação livre não encontra legitimidade.

Ademais, o artigo 1.589 do novo Código Civil é expresso ao afirmar que o genitor que não estiver com a guarda do filho poderá visitá-lo e tê-lo sob sua companhia, "segundo o que acordar com o outro cônjuge". A possibilidade de intervenção do juiz limita-se aos casos em que não há acordo, ou quando o acordo não preserva os interesses do filho. No caso de visita livre, torna-se clara a desnecessidade de intervenção estatal.

Lado outro, quando necessária a regulamentação judicial das visitas, temos que a cláusula padrão acima referida, de visitação em finais de semanas alternados, também merece ser reavaliada, à luz de nossa nova realidade familiar.

Possibilitar ao genitor que não esteja com a guarda do filho o exercício do direito de visitas a cada 15 dias sempre me pareceu penalizá-lo por demais. É sabido que muitos pais sequer visitam seus filhos. Todavia, não podemos punir o bom pai sob o escudo do comportamento omisso de outros. É primordial fixarmos a idéia de que o término do vínculo conjugal separa apenas os cônjuges, não podendo servir de empecilho à convivência de pais e filhos, sob pena de afronta aos direitos de ambos.
Em realidade, limitar o convívio do filho com um de seus genitores a quatro ou seis dias ao mês não deixa de constituir afronta ao princípio de proteção ao interesse maior da criança.

Vale lembrar que "a partir da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989) a convivência com os pais é entendida como um direito inalienável da criança, de grande importância para o seu desenvolvimento, dado que conduziu à alteração da legislação em outros países que optaram pela adoção da guarda conjunta ou autoridade parental conjunta, ao mesmo tempo que tornaram o exercício unilateral da guarda uma exceção." (Prof. LEILA MARIA TORRACA DE BRITO, Revista Jurídica Del Rey, Ano IV, n.º 08, 2002, p. 25).

Assim, torna-se necessário que cada pedido de visitação seja analisado de per si, afastados modelos preconcebidos e enraizados em nosso subconsciente, de modo a que estejamos, efetivamente, atendendo aos interesses dos filhos e, via de conseqüência, dos pais. Neste sentido, além dos finais de semanas alternados, a fixação de dias de visitação durante a semana, sem comprometimento das atividades escolares do filho, constitui saída propícia à situação posta em análise, vez que a visitação em todos finais de semana acaba por limitar o direito do cônjuge guardião, especificamente quando este necessita trabalhar durante a semana.

Outrossim, cumpre ressaltar que em casos graves o próprio direito de visitas poderá ser suprimido, de acordo com a realidade fática trazida aos autos, utilizando-se o julgador, mais do que nunca, da rede interdisciplinar antes apontada, visando, uma vez mais, atender aos interesses da prole.

Por fim, dado o atual estágio de nossa sociedade, podemos afirmar que o Direito de família exige de seu operador grande atenção com os fenômenos sociais que o cercam e se alteram com grande rapidez, pelo que finalizamos a presente exposição com as sábias palavras do Professor SÍLVIO DE SALVO VENOSA: "Deve sempre ser lembrado pelo juiz e pelo advogado, bem como pelo membro do Ministério Público, que toda sentença decorrente de um conflito de família é parte de um trágico drama. ...nenhum outro campo do Direito exige mais do jurista, legislador, juiz, Ministério Público e advogado uma mente aberta, suscetível para absorver prontamente as modificações e pulsações sociais que os rodeiam." (Direito Civil: Direito de Família, 4ª edição, São Paulo, Ed. Atlas, 2004, p. 27)



*Sérgio Soares da Silveira
Promotor de Justiça
Caratinga/MG

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