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O PARADOXO DA GUARDA COMPARTILHADA

Poucos têm sido os esforços do Estado no que se refere à adoção de todos os meios necessários à proteção da infância, conforme art. 6, Capítulo II, do Título II, da Constituição Federal, refletidos na ausência de políticas públicas que possibilitem acesso à saúde, à educação e à segurança – direitos fundamentais sequer atendidos pelo Estado e pela sociedade civil.

Soma-se a isso aos horrores da invisibilidade psicológica ao qual o Brasil condena seus pequenos cidadãos.

Nesse sentido, a prática no Direito de Família tem invertido a lógica da proteção constitucional do Direito dos menores. A guarda compartilhada, segundo alguns advogados e juristas, é vista como geradora de problemas na noção de casa e de acarretaria transtornos emocionais ao menor. Tal interpretação está focada na noção do espaço físico como delimitador da casa/lar. Confina a casa às paredes, restringindo a proteção fisicamente sem considerar a possibilidade de relativização dos espaços e a questão emocional do pertencimento.

A jurisprudência gaúcha tem entendido que a guarda só deve ser compartilhada havendo consenso entre os pais. Não condeno o que se vem decidindo, mas sim levanto hipóteses que contribuam com esse entendimento ou auxiliem no processo de inversão do mesmo.

Assim, cabe a primeira questão: por que deve haver consenso entre os genitores, havendo a possibilidade de ser estabelecido pelo juízo o regramento da guarda compartilhada?

O art. 1584 do Código Civil conceitua guarda compartilhada como a responsabilização conjunta e o exercício e direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. Se o poder familiar não se altera com a questão da separação, por que deve ser alterada a guarda? Por que um dos pais deve ser afastado dos deveres e direitos em relação a seu filho? E, o que é mais importante, a quem e quando foi dado o poder de negar às crianças e jovens o direito adquirido de serem educados, cuidados e amados por ambos os pais?

Essas são as questões cruciais que devem permear a questão sobre o assunto.

A prática diária tem nos mostrado que tais perguntas devem ser levantadas a cada caso. Atualmente, muitos são os casos de pais que demonstram o maior cuidado na rotina diária de seus filhos, preocupados e amorosos na sua educação. Em contrapartida, a figura da mãe amorosa e dedicada de até algumas décadas vem sendo substituída pela de mães ausentes e pouco comprometidas que usam o acesso aos filhos, na separação, como moeda de troca na hora de aumentar o valor dos alimentos.

Vários foram os episódios nos quais constatamos que os alimentos destinados ao menor eram usados para quaisquer outras despesas que não as daquele. Assim, a guarda compartilhada tem, também, a capacidade de permitir verificar a correta utilização dos alimentos em prol de quem lhes faz jus. A interpretação constitucional do direito civil nos possibilita entender o objetivo do legislador no sentido de guardar princípios fundadores do direito.

De acordo com o § 2º do art.1584, “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”. Ora, se a jurisprudência determina que a guarda compartilhada só é possível havendo acordo entre os pais, está invertendo a lógica do artigo, alterando seu suporte fático e, portanto, agindo em confronto com a lei.

A questão da guarda compartilhada como direito do menor é suplantada por outras questões, de relevância muito menor, porém de consequências igualmente nefastas. A alegação de observância ao melhor interesse do infante é, muitas vezes, o eufemismo para o despreparo dos operadores do Direito na busca de soluções que priorizem o essencial: os direitos a quem efetivamente é titular dos menores.

Assim, usando da política do menor conflito, ainda que este efetivamente cause o maior dano aos menores, crianças e adolescentes têm sido alijados de seu direito ao convívio diuturno com um de seus pais em franco prejuízo ao seu desenvolvimento emocional e social.

Isabel Cochlar,
advogada, (OAB/RS nº 71.415)
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