Análises

A GUARDA DOS FILHOS

-Introdução-

Muito tem sido discutido,principalmente em matérias na mídia em geral, sobre a existência de uma nova família, de uma nova relação de parentesco e conseqüentemente de um novo papel a ser desempenhado pelo homem ao ingressar na paternidade; esta discussão, que antecedia à edição, promulgação e vigência da Lei nº.10.406 de 10 de janeiro de 2.002, hoje vem e está aviventada pela enorme repercussão que vem ganhando um tema caro e nosso maior objetivo: a guarda compartilhada dos filhos após o desfazimento do casamento e/ou união estável ou nos casos de filiação sem compromisso afetivo (relacionamentos esporádicos , relações sexuais furtivas, etc..).

Por vezes, em seguidas respostas que oferecemos a questionamentos que nos são feitos , colocamos que a guarda relaciona-se (ainda que em raciocínio inviesado) com posse, e em verdade é um dos efeitos do Poder Familiar, relação esta de Direito Natural estabelecida no momento do nascimento do ser humano, em relação a si e a seus genitores.

Neste aspecto, soele afirmarmos que a Guarda é o exercício do Poder Familiar, pela posse exercida sobre os filhos por um dos genitores; e é neste ponto fulcral que a questão da Guarda mais gera discussões e alguma discórdia.

Evidenciando nossa pequena dimensão, ante inúmeros doutrinadores e juristas em sua essência, entendemos por bem a citação do cerne legal, e de algumas posições doutrinárias, para nos auxiliar a explicar um pouco o instituto e a sopesar a importância da adoção de uma nova modalidade de tratamento legal e jurisdicional para a questão dos filhos de pais separados ou solteiros.

-Pequena revisão histórica-

Iniciaremos pelo Código Civil de 1.916 (tão combatido por muitos, deve-se ressaltar), principalmente por alguns comentários que Clóvis Bevilaqua lhe fêz explanando motivos e posicionamentos (observaremos a grafia original, pela saborosa possibilidade de atentá-la à dos dias atuais); igualmente citaremos outros juristas, ilustrativamente.

O intuito é procurar dar não apenas aos técnicos em Direito, mormente os não especialistas em Direito de Família, como ao leitor leigo, alguma luz para clarificar tanto a Guarda como o Poder Familiar , de modo a ressaltar a necessidade premente de regulamentarmos à Guarda Compartilhada, ou instituto análogo que garanta a continuidade do pleno exercício do Poder Familiar após a separação judicial do casal, ou aos pais e mães solteiros.

No seu artigo 325, dizia o citado regramento legal : “(...) No caso de dissolução da sociedade conjugal por desquite amigável, observar-se-á o que os cônjuges accordarem sobre a guarda dos filhos.(...)”.

Comentando este artigo, Clóvis Bevilaqua (1) expõe : “(...)1.-É uma consequencia natural do direito de se desquitarem os conjuges por mutuo accordo, resolverem sobre a guarda dos filhos communs.Ninguem maior interesse poderá ter sobre a prole, salvo aberrações excepcionaes, que não são de presumir nos desquites amigáveis.E, desde que os progenitores, que se separam, combinam o modo de ter os filhos em sua companhia, a lei deve respeitar-lhes a vontade.A lei lhes confere o patrio poder, em attenção aos filhos, em attenção ainda aos filhos, permitte-lhes , quando já não os podem conservar ao lado e sob as vistas zelosas de ambos, que pactuem sobre o modo de os guardar.(...)2.-O direito anterior denominava posse dos filhos, o que o Codigo preferiu chamar guarda, por correção do Senador Ruy Barbosa.Pareceu grosseiro e inadequado o vocabulo posse applicado á pessoa do filho.Era um caso de residuo verbal, porque o pater familias entre os romanos tinha um poder quasi absoluto sobre os filhos, que a analogia contribuia para manter, como procurei mostrar em meu livro Em defesa, lembrando que, em nosso direito, se dava , muitas vezes ,á acção do pae para retirar filho do poder de quem o detinha , o nome de reinvindicação, como se se tractasse de cousa injustamente possuida.(...)Mas, em última analyse, foi bem que se désse voz mais adequada, para designar a relação existente entre os progenitores e a prole.(...)” .

Ou seja, verifica-se que, sem análise de valor a fundo, a vontade dos cônjuges sobrepujava a disposição jurisdicional e legal acerca da guarda e clarifica-se que esta tem e tinha (pelo que explica Clóvis) conotação de posse, de guarda, de ter para si e sob sua influência o menor; daí, muitas vezes justificarmos e explanarmos Guarda como posse física do menor, ou posse judicial do mesmo, quando a fundo e técnicamente, tratava-se do exercício do direito-dever de ter em companhia a prole, seja por motivo de fato, seja por decisão judicial.

Esta disposição legal (a do artigo 325) perdurou até a edição, promulgação e vigência da Lei nº.6.515 de 26 de dezembro de 1.977, a Lei do Divórcio, que no seu lugar estipulou em seu artigo 9º, genéricamente: “(...)No caso de dissolução da sociedade conjugal pela separação judicial consensual (art.4º.),observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.(...)”.

Mais, voltemos ao Código anterior, pois há que se verificar a questão da guarda do ponto de vista do então pátrio poder, do qual advém a guarda.

Dispunha o Código Civil, em seu artigo 379: “(...)Os filhos legítimos, os legitimados, os legalmente reconhecidos e os adotivos estão sujeitos ao pátrio poder, enquanto menores.(...)” .

Sobre isto comenta Clóvis Bevilaqua (2) : “(...)1.-Patrio Poder é o complexo dos direitos que a lei confere ao pae, sobre a pessôa e o bens dos filhos.(...)No direito moderno esse conjuncto de direitos é apenas tutelar, no sentido de que a sua organização visa mais o interesse do filho, que , por sua edade, necessita de um guia e protector, do que o interesse do pae, como no antigo direito.A autoridade dos paes é um poder familiar, quer dizer, uma autoridade que mantem os laços da familia , e dentro do circulo das relações desta se circumscreve.todavia está sobre ella vigilante o poder social para impedir os abusos, quer de ordem moral , quer de ordem economica.(...)2.-O patrio poder não é , no systema do Codigo, um instituto privativo da familia legitima.É a organização da autoridade protectora dos paes, durante a menoridade dos filhos. Já no ultimo periodo do direito patrio anterior, se estava accentuando esta tendencia,a que o Codigo deu forma definitiva.Todos os filhos necessitam da vigilância carinhosa de seus paes, e a sociedade, no interesse da sua propria consolidação, não deve interpor entre paes e filhos a autoridade de um estranho, se não quando razões poderosas aconselharem essa medida, que , sendo excepcional, actuará beneficamente, como seria dissolvente , se fosse commum.(...)Adoptando essa concepção do patrio poder, o Codigo Civil collocou debaixo de sua protecção os filhos legitimos,os legitimados, os adoptivos e os reconhecidos, segundo os preceitos, que estabelece.(...)” .

Citando a Maria Helena Diniz (3), excelente e reconhecida jurista, sobre o mesmo instituto (Pátrio Poder): “(...)I-Pátrio Poder.O pátrio poder consiste num conjunto de direitos e obrigações , quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido em igualdade de condições por ambos os pais, , para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe,tendo em vista o interesse e proteção dos filhos.(...)” .

Até então, verifica-se que na vigência do casamento este direito-dever era exercido pelo pai, e na falta deste, pela mãe como preceituava o artigo 380: “(...)Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais,.exercendo-o o marido com a colaboração da mulher.Na falta ou impedimento de um dos progenitores passará o outro a exercê-lo com exclusividade (...)Parágrafo único.Divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para solução da divergência.(...)” .

Antes da alteração feita pela Lei nº.4.121, de 27 de agosto de 1.962 (que inseriu o parágrafo único ao presente artigo),Clóvis Bevilaqua (4) comentava que : “(...)Ambos os conjuges têm sobre o filho autoridade, a ambos deve o filho respeito. Mas , sendo o pae chefe da familia, compete-lhe, durante o casamento, o exercicio dos direitos, que constituem o patrio poder, sem comtudo, deixar de ouvira mulher, em tudo que disser respeito ao interesse do filho. O marido não absorve a personalidade da mulher, a autoridade do pae não faz desapparecer o direito da mãe, de velar pelo bem estar do filho.Apenas o pae, como chefe de familia, tem preeminencia e preferencia.(...)Se o pae está impedido por enfermidade mental, ausencia declarada , ou condemnação criminal, a mulher o substitue.Se morre o pae , transfere-se á mãe o poder paterno.(...) Com a feição que lhe dá o Codigo, o poder parental corresponde antes ao ellerlich Gewalt, autoridade dos progenitores , do que á patria potestas dos romanos, que era um poder essencialmente viril, que competia , exclusivamente, ao pae.(...)” .

No mesmo sentido, porém com ótica mais moderna, temos Maria Helena Diniz (5) ao comentar o citado artigo: “(...)I-Simultaneidade do pátrio poder.Na constância do casamento, sendo os consorte plenamente capazes, pátrio poder será exercido em igualdade de condições, simulteamente por ambos os pais,exercendo-o o marido com a colaboração de sua mulher.(...)” .

Mais adiante, verificam-se os pontos de mais pungência no Ordenamento Jurídico anterior, no que tange às discussões da Guarda Compartilhada, que são o artigo 381 : “(...)O desquite não altera as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.(arts.326 e 327)(...)” ; e artigo 384: “(...)Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: (...) I –dirigir-lhes a criação e a educação; (...)II-tê-los em sua companhia e guarda ; (...)III- conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; (...) IV- nomear-lhes tutor, por testamento ou documento autêntico , se o outro dos pais não lhes sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercitar o pátrio poder; V- representá-los, até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; (...) VI-reclamá-los a quem ilegalmente os detenha; (...)VII-exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.(...)”.

Quanto ao artigo 381, disse Clóvis Bevilaqua (6): “(...)O desquite dissolve a sociedade conjugal, porem não a parental, entre paes e filhos, cujos laços, feitos de affecto,direitos e deveres reciprocos, subsistem, apenas modificados tanto quanto é necessario para attender-se á separação dos conjuges, e á necessidade de conservar os filhos, na companhia do innocente, ou daquelle a quem couber esse direito, segundo as determinações dos arts.326, §§ 1 e 2, e 327.(...)O pátrio poder continua exercido pelo marido, attendidos os direitos da mulher, e , na falta ou impedimento do marido, competirá á mulher.(...)” .

Comentando ao artigo 384, antes das modificações que a Lei 8.069 de 13 de julho de 1.990, Clóvis Bevilaqua (7) esclarece: “(...)1.-No pátrio poder distinguem-se duas categorias de relações :a)direitos dos paes quanto á pessôa dos filhos (relações pessoaes); b)direitos quanto aos bens dos filhos (relações partimoniaes).O art.384 enumera os elementos juridicos da primeira categoria.Releva notar que não enumera o direito de castigar moderadamente os filhos.Não é que se recuse, aos paes, a autoridade de usar de meios coercitivos brandos para dirigir os filhos, e do art.395, I, se vê que lh’ a não desconhece; mas é que essa materia não tem cabida num artigo de lei e a educação prefere suggerir o sentimento do dever nos espiritos, que se formam, a incutir-lh’o pela ameaça ou pelo castigo.O filho deve ter pelo pae respeito e veneração;porem, se autoridade paterna se impõe pelo medo, pode afugentar a affeição, que é a base da sociedade parental entre paes e filhos.(...)2.-O direito de dirigir a educação do filho é também um dever do pae.Compete-lhe dar uma educação ao filho, para que este seja uma pessôa digna da sociedade e util ao seu paiz.Se o pae não se desempenha dessa missão sagrada, não somente infringe preceito da moral, como , ainda ,offende direitos do filho.Por isso, embora não deva intervir, senão em casos graves e manifestos, porque é da maior conveniencia cultivar-se o affecto da familia, o direito se mantem vigilante pela sorte dos filhos.(...)3.-É também ao lado dos paes, na atmosphera da familia, que devem estar os menores, porque é nesse meio que melhor se pode desenvolver o seu espirito, no sentido do bem, do justo e, ainda, do util social e individual.Reconhece a lei esse direito aos paes, como uma consequencia natural natural da paternidade e da maternidade, e , tambem , como uma condição do dever de educação, que lhes incumbe.(...)Desse direito derivam duas consequencias: a)o domicilio legal do menor é o de seu pae; b)se alguem se apoderar do menor por seducção ou violencia,compete ao pae o direito de o reclamar, judicialmente.(...)4.-Atendendo ao natural interesse dos paes pelos filhos,a lei lhes confere o direito de escolher quem, depois de sua morte,deva tomar conta dos menores, apara dirigir-lhes a educação e cuidar dos seus bens.Esse direito, porem, só pode ser exercitado, se não sobrevive o outro progenitor ou se o sobrevivente não é capaz.(...)5.-O direito de representação é uma consequencia da incapacidade juridica do menor. Existindo qualquer dos paes, ninguem melhor pode exercer essa funcção complementar da personalidade juridica do menor. Ainda por esse motivo da representação legal , o domicilio do filho menor é o do pae no exercicio do poder parental.(...)6.-Uma das formas da educação é habituar a creança ao trabalho compativel com a sua edade.Alem disso, trabalhando para os paes, os fihos sentem que a sua parte da vida não é feita somente de direitos.Competem-lhes, tambem , deveres.E é com essa troca de serviços reciprocos que mais se apertam os laços affectivos da família.(...)” .

Na mesma lógica anterior, no corpo deste texto, trazemos comentários de Maria Helena Diniz (8) quanto ao artigo 381 : “(...)I-Pátrio poder de consorte separado judicialmente ou divorciado.Se os pais estiverem separados judicialmente ou divorciados, as suas relações com os filhos, relativamente à titularidade do pátrio poder, não se alterarão, mas aquele que ficar com a guarda dos filhos menores do casal dele terá o exercício, o que não significa que o outro deixa de ser seu titular conjunto, uma vez que se discordar de alguma coisa poderá recorrer ao magistrado para solucionar o problema.(...)” .

Igualmente o fazemos, com Maria Helena Diniz (9), em relação ao artigo 384, especificamente com relação à guarda e companhia dos filhos: “(...)I-Conteúdo do pátrio poder relativamente à pessoa dos filhos menores.O pátrio poder engloba normas atinentes ais direitos e deveres dos pais quanto à pessoa dos filhos menores, contidas no art.384 do Código Civil, ora comentado.(...)II-Criação e educação dos filhos.Os pais deverão dirigir a criação e educação dos filhos menores, proporcionando-lhes meios materiais para a sua subsistência e instrução, de acordo com suas posses econômicas e condição social, amoldando sua personalidade e dando-lhes boa formação moral e intelectual.(...)III-Direito de guarda.Os pais têm o direito-dever de ter os filhos em sua companhia e guarda para poder dirigir-lhes a formação,regendo seu comportamento, vigiando-os, uma vez que são civilmente responsáveis pelos atos lesivos por eles praticados.(...)” .

Como se verifica, o denominador comum à questão do Poder Familiar, e conseqüentemente, à guarda os filhos, sempre contemplou a tomada de decisões e de dirigismo conjunto em campo hipotético.

O grande problema enfrentado, sempre, foi tanto a baixa consciência do homem em seu papel na criação dos filhos após o rompimento da união (casamento ou não) e ou nos casos de filhos havidos fora do casamento, e o crescente enraizamento de crenças ferrenhas de que é tanto inconcebível quanto inimaginável a guarda não-exclusiva.

Nisto alguns aspectos merecem destaque, para além do conservadorismo da sociedade, e estes são muito claros.

Na maior parte das vezes, a decisão sobre o destino dos filhos, pede e compreende uma interação e harmonia mínimas entre os parentes; no mais das vezes, seja pela natureza do povo brasileiro, seja pela forma como o instituto do casamento sempre foi mantido em nossa legislação, esta interação e esta harmonia não encontravam campo (como ainda não encontram) para desenvolverem-se.

O casamento por nós adotado, é conceitualmente de difícil classificação quanto sua natureza jurídica, se contratual, se instituto de direito; não queremos descer ao cerne da questão, pois poderá sem dúvida gerar vertentes e interpretações dissonantes e alguma confusão , mas o fato é que até 1.977, era tanto inconcebível como inaceitável do ponto de vista social, a natureza contratual que o casamento poderia ter ou não.

Desde sempre, o instituto (coloquemos assim) do matrimônio era regido pelo Direito Canônico e de exclusividade da Igreja Católica, predominante no Brasil até meados do nosso século; assim , a dissociação da Igreja e do Estado (e por conseqüência dos atributos de cada qual) era então extremamente embrionária.

Ou seja, mesmo que se dispusesse legalmente a “estatização” do matrimônio, este seguia sendo um instituto indissolúvel, somente permitindo-se, como verifica-se até então, o desquite;situação somente modificada com a evolução e o clamor da sociedade e o advento da Lei do Divórcio.

Imprescindível, até pelo conteúdo histórico, apontar a opinião de Clóvis Bevilaqua (9) esclarece quanto a divórcio e desquite, em comentário ao artigo 345 do Código Civil antigo: “(...)4.- Desquite e divorcioNa discussão do Código Civil, na Camara dos deputados, em 1.901, foi debatida com solemnidade excepcional , a preferencia entre o desquite e o divorcio.ANISIO DE ABREU, FAUSTO CARDOSO, ADOLPHO GORDO, CARLOS PERDIGÃO, VERGNE DE ABREU, SÁ PEIXOTO, defenderam o divórcio.Combateram-no: M.F.CORREIA,ALENCAR ARARIPE, ANDRADE FIGUEIRA, COELHO RODRIGUES, GABREL FERREIRA,GUEDELJHA MOURÃO e LOIMA DRUMOND.(...)É assumpto em que as opiniões se mostram irreductíveis, porque dependem da concepção que cada um tem do mundo e, em particular, da sociedade.Discutir o divorcio não é discutir uma questão exclusivamente jurídica.A materia, é, antes , do dominio da sociologia, pois transcende os limites do direito, e interessa á moral, aos costumes e á educação.(...)Parece ocioso ainda renovar um debate, que não mostra tendencia a resolver-se.Mas, sendo a questão da mais alta relevancia, por entender com a organização da familia , e tendo o legislador brasileiro mantido a sua posição contrária ao divorcio, é conveniente apontar, condensadamente, as razões que o justificam.(...)5.-A alguns espiritos afigura-se que a indissolubilidade do matrimonio é, apenas, uma instituição religiosa consequencia do caracter sacramental., que o catholicismo attribuiu á união; que a lei civil, imprimindo uma feição contractual ao sacramento , lhe retirou a perpetuidade.(...)Ainda não existia o catholicismo, e já os romanos consideravam o casamento um consortium omnis vitae, embora illogicamente, lhe permitissem a dissolução.Mas a verdade é que o casamento, sendo um contracto de natureza particular, a um tempo, social e pessoal, não interessando, simplesmente, á pessôa dos contrahentes, mas ainda, á sociedade, no seio da qual vivem, e á família, que vão constituir, é natural que a sociedade o submetta aos preceitos, que julgar necessarios á sua propria segurança, tranquillidade e bem estar.Como os interesses, que se regulam pelo casamento não são transitorios; como não são, apenas, dos individuos, que se unem, e sim, tambem, da sociedade e dos filhos ; como esses interesses são permanentes, porque a familia é de natureza permanete,a perpetuidade do vinculo matrimonial traduz,. Com felicidade,a relação creada por esse concurso de solicitações dioversas, egoistas e altruistas, harmoniza e equilibra os impulsos da liberdade individual, que não quer limitações, e as necessidades sociaes, que as impõe, em benefício da collectividade, da prole, e , tambem, dos proprios conjuges, para os quaes a dissolubilidade é , muitas vezes, um incentivo para a dissolução.(...)6.-Allega-se contra o desquite, por ser uma simples separação de pessoas e de bens, que é medida injusta, que fere , ao mesmo tempo, o innocente e o culpado.É , realmente, assim. Mas, no divorcio, veja a mesma injustiça.Olhando as cousas de um ponto de vista geral, elle prejudica muito mais a mulher do que o homem; e tanto ella assim o sente que tem por esse instituto uma aversão quasi instinctiva.Honesta,recatada, teme o escandalo, sente-se diminuida pelo divorcio;e, quando este sobrevem, encontra-se desarmada para a vida, impotente para luctar e manter-se.(...)7.- Outro argumento , que se levanta contra o desquite, é que o celibato forçado produz uniões illicitas.Mas essas uniões illicitas não são consequencias do desquite , e , sim , da educação falsa dos homens. Não é com o divorcio que a combateremos e, sim, com a moral; não é com o divorcio que as evita, e, sim, a diginidade de cada um.E é curioso que se lembrem de evitar as uniões illicitas com o divorcio, quanto este é, principalmente, o resultado das uniões illicitas dos adulteros.(...)Não é o celibato forçado um estado contrário á natureza, porque, nas familias honestas, nelle se conservam , indefinidamente, as mulheres.É contrario,apenas, á incontinencia.(...)8.-HUME, fundado na psychologia, em que era mestre, e Portalis, no conhecimento da vida commum, observaram que a indissolubilidade do casaemento actua sobre os conjuges como elemento moderador das paixões e consolidador da amizade recíproca.Pequenas querellas se esquecem, quando os conjuges têm diante de si a indissolubilidade da união; avultam, são levadas ás ultimas consequencias , se a separação é possível.(...)Deante da exaltação das paixões, que tendem a dominar a intelligencia e a vontade, é preciso pôr um freio poderoso, que as possa conter.(...)9.-A sorte dos filhos, como sentiram ROUSSEAU, MONTESQUIEU e GLASSON, é um dos argumentos mais imprescionantes contra o divorcio.São orphãos que têm paes vivos.Os paes,com a procreação dos filhos, assumem a obrigação imperiosa de educal-os, consegrar-lhes as suas energias affectivas, para guial-os e preparal-os para a vida social.Não têm direito de sacrifical-os ao seu egoismo.Mas , se os conjuges se divorciam e contraem novos casamentos, os filhos perdem os cuidados continuos de um dos seus genitores, e são levados a lares estranhos, numa atmosphera deprimente de odio da madrastra ou indifferença do padrasto, que lhes difficulta , se não impede, a expansão dos bons sentimentos, e , moralmente, os deforma.(...)E, sob esse aspecto, o divorcio é um mal de consequencias funestissimas, para a sociedade:perturba o desenvolvimento moral de muitos sere, prejudicoa o surto natural dos affectos que têm na familia o seu meio proprio, e prepara gerações inaptas para a vida normal na familia e na sociedade.(...)10.-A tendencia que o divorcio revela para ampliar-se é, por toda parte, assustadora.Na França, em 1.855, em seguida á lei que restabeleceu o divórcio, 4.700 casaes aproveitaram-se da faculdade que lhes era offerecida; em 1.911, o numero dos divorcios ascendeu a 6.374.É , afinal, o casamento temporario que instituem.E , se a progressão continúa, chegar-se-á, dentro de alguns annos, a um estado não distante das unições passageiras, da promiscuidade.(...)11.-Uma illusão commum é a de que o divorcio diminue o numero de crimes de paixões e das uniões illegitimas, COLIN recorda que as queixas por adulterio, que , antes do divorcio,durante quatro annos, não passaram , na França, de 804, nos quatro annos, que vão de 1.899 a 1.893 (sic),elevaram-se a 2.214.A natalidade decresceu de 230 nascimentos para 10.000 habitantes.O numero de crimes por paixão amorosa augmentou; e os suicidios, cuja curva se desenvolve parallelamente á do divorcio, segundo a observação de DURKEIM, tambem ascenderam a cifras apavorantes.(...)Por todas essas considerações , merece o Congresso os applausos das melhores consciencias,por não Ter atirado o paiz nesse despenhadeiro.(...)”.

Claro está que a casuística e a realidade evolutiva da sociedade infirmaram parte das razões de Clóvis; porém, é de se notar , e aí o motivo da extensa citação, que o conservadorismo era e é extremamente enraizado no assunto divórcio, como o é hoje na questão da guarda dos filhos.

Sem sombra de dúvidas,que a atual evolução da sociedade permite e pede possam os filhos ser criados em consenso por ambos os pais, separados ou não.

O dualismo, e principalmente a saúde mental da criança, merece e necessita de evidente preservação, por isso temos em muitos casos ferrenha resistência de juízes e setores da sociedade contra a adoção de um regime de exercício do Poder Familiar amplo e livre, como o encontrado no seio do matrimonio.

Outrossim, verifica-se que a falta de um regramento legal claro, objetivo e conciso, que defina pontualmente os limites mínimos das cláusulas de convivência entre parentes e seus filhos na dissolução do matrimônio ou da vida conjugal, piora em muito o quadro.

Ao julgador, muitas vezes, é dado decidir e homologar acordos judiciais que poderão ensejar INÚMERAS possibilidades de interpretação e discussão; neste particular, a sentença declaratória/homologatória que formaliza o acordo dos cônjuges quanto aos filhos pode gerar resistência e problemas.

Ou seja, ao juiz de direito é imperioso declarar homologado acordo que tanto seja claro , certo quanto exigível judicialmente , pois nada impede que a harmonia e consenso do casal na separação se quebre posteriormente ensejando novas discussões judiciais.

E para tal, não existem,parâmetros legais, mas sim construções jurisprudenciais que nos trouxeram ao que hoje temos como comum no que concerne a regime de visitas, por exemplo.

Como esta discussão desborda no item seguinte, nele ingressaremos mais a fundo.

–A Guarda e o Poder Familiar no Novo Código Civil - Crítica sucinta -

Realizada a extensa mas necessária análise histórica da guarda e do Poder Familiar, cremos que o mais correto é a análise da legislação vigente, dos Projetos de Lei para alterá-la, e porque é imprescindível a adoção de uma nova modalidade de guarda ou de exercício do Poder Familiar.

O Novo Código Civil, em seus artigos 1.630 e 1.634, trata do Poder Familiar (antigo Pátrio Poder ) e de seu exercício; neste particular verificamos que pouco pode ser considerado como relevante em termos de modificação que não a inclusão da figura jurídica da união estável, da igualdade entre ambos os sexos (parentes) e a disposição de exercício conjunto deste poder que doravante é reconhecido como familiar e não apenas pátrio, dando um dimensionamento mais abrangente e mais propício ao compartilhamento de decisões sobre como exercer o Poder Familiar, entre os cônjuges.

Senão, vejamos: o artigo 1.630 dispõe que “(...) Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.(...)”; o artigo 1.631, dispõe que “(...)Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais;na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.(...)Parágrafo único.Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.(...)” .

Muitos interpretam este parágrafo único como fundamento necessário para a ação de modificação de guarda (dentre outros dispositivos legais), porém, ainda que com fraca fundamentação, entendemos que NADA a rigor impede que seja ao juiz plausível discutir NÃO a guarda, mas sim as decisões dela inerentes, eventualmente tomadas pelo parente detentor exclusivo desta; o problema seria, em tese, a abrangência e alcance desta discussão, e a prova cabal de prejuízo ou má formação do menor,podendo ser esta ação tão disputada quanto a da modificação de guarda.

Mais especificamente quanto à questão da guarda na separação, temos que os artigos 1.583 e 1.574 são flagrantemente colidentes e contraproducentes para a completa adoção de um regime diferenciado de guarda compartilhada, exercício conjunto do poder parental ou outra denominação que se queira dar à adoção de medidas de consenso entre os pais separados na criação e formação dos filhos e no exercício do Poder Familiar.

Enquanto o artigo 1.574 dispõe sobre a separação judicial consensual em seu caput: “(...)Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção.(...)” , seu Parágrafo único dispõe: “(...)O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges.(...)” .

A verdade é que o intuito do legislador foi aqui de preservação PATRIMONIAL, em nosso ver, porém, sem sombra de dúvida melhor esclarecimento deste aspecto se faria necessário quanto a possibilidade de colidência de um caráter patrimonial com uma questão relacionada à guarda dos filhos.

No que tange ao artigo 1.583, que igualmente trata da questão da separação judicial e do divórcio direto, consensuais e é claro com relação à questão da guarda temos que este favorece a adoção da Guarda Compartilhada, mas em caráter consensual, ao nosso ver já possível, em tese, no ordenamento anterior.

Diz: “(...)No caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual, observa-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.(...)”.

Nos resta claro e sem maiores ilações, que a adoção da Guarda Compartilhada pede modificações mais profundas que a simples estipulação legal de forma clara e direta.

Ainda temos no Direito Brasileiro, a figura da dissolução da sociedade conjugal ou do vínculo matrimonial pela culpa de um dos cônjuges, o que gera intermináveis disputas judiciais em que confundem-se e mesclam-se direitos ou pseudo-direitos, sentimentos mal resolvidos, desequilíbrios psicológicos, dentre outras posturas; isto sem contar a disputa por patrimônio.

Cremos que não há necessidade de se enfatizar que a simples IMPOSIÇÃO de decisões conjuntas sobre o futuro da prole, em situações limites e de conflito aberto, poderá ser danosa em excesso aos menores, gerando por conseguinte maior desgaste e desequilíbrio emocional e psicológico.

Sem a adoção de uma possibilidade de intermediação interdisciplinar nos processos litigiosos de separação e divórcio, sem a adoção de uma regra legal clara e completa sobre os pontos de abrangência mínimos de um acordo de Guarda Compartilhada de filhos em sede de ação de separação judicial ou a ação divórcio judicial, que estabeleça especificamente todos os pontos de interesse do menor (convivência, regras de visitas ou de permanência na residência de um ou outro parente, regras de decisão sobre criação, educação, formação, e demais aspectos), temos que a Guarda Compartilhada seguirá sendo letra vida nos processos de separação judicial e divórcio consensuais.

Sem um novo enforque acerca do papel da culpa no rompimento do matrimônio e de seus deveres, provavelmente relegando esta investigação a um segundo plano, ou extirpando a figura da culpa por completo, temos que adoção de Guarda Compartilhada em processo litigiosos será complexa e difícil.

Estes foram os aspectos que me pareceram relevantes abordar neste texto; aguardando ansiosamente a crítica e a discussão .

Luís Eduardo Bittencourt dos Reis
Advogado

Citações:
1)in “Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Commentado”, Volume II – Livraria Francisco Alves, 1.917-pags.287/289
2)idem, pags.360
3)in “Código Civil Anotado” –Ed.Saraiva-1.995-pags.310
4)ibidem pags.361/362
5)idem, pags.311
6)ibidem, pags.362
7)ibidem,pags.365/367
8)ibidem, pags.311
9)ibidem , pags.268/271

Imprimir Email