Análises

GUARDA COMPARTILHADA SEM ALTERNÂNCIA DE LARES: UM SEM-SENTIDO

Há algum tempo já estava querendo escrever sobre isto. Minha experiência pessoal me colocou em diversas situações de claro preconceito com a figura do pai que efetivamente cuida do seu filho. Este é o tipo de pai que não se preocupa somente em visitar o filho, levá-lo para passear ou “supervisionar” sua educação.

Encontro este preconceito no restaurante, onde não há espaço para troca de fraldas no banheiro masculino; no consultório médico, em que me pedem o nome da mãe e esquecem de pedir o meu; e até em opiniões informais sobre a “importância de o filho ter apenas uma casa”, onde subliminarmente temos: “desde que a casa seja a da mãe”.

Antes de qualquer consideração jurídico-dogmática, esclareço que meu caso particular é um sucesso. Exercito a guarda compartilhada do meu filho há mais de 2 anos e tudo vem correndo muito bem. Apesar disso, o exercício da guarda compartilhada aparece regularmente em argumentos pouco fundamentados como algo perigoso ou mesmo extremamente difícil de ser realizado. Muitos costumam dizer que a alternância de lares pode ser prejudicial à saúde mental da criança!

Eu pergunto: com que base científica os chamados “especialistas” dizem estes absurdos? Algum dado da realidade é apresentado? Ao menos um caso concreto? Não. Ao que me parece, tais reações são fruto do mesmo preconceito machista que eu encontro nos restaurantes ou nos comentários de alguns. É como se a guarda compartilhada fosse tirar das mães seu direito sagrado de conviver com os filhos.

Normalmente, no meio jurídico, afirma-se existirem tipos diferentes de guarda, entre os quais a “guarda alternada” e a “guarda compartilhada”. O problema é que a primeira delas aparece normalmente como contra-indicada, pois demandaria uma separação mais longa de convivência com um ou outro genitor, implicando a divisão também do que a dogmática do direito civil chama de “guarda jurídica”. É o caso da divisão em períodos longos de permanência sob a guarda de um e de outro genitor, geralmente quando têm domicílios distantes, em outras cidades por exemplo. Por isto, muitos excluem da guarda compartilhada a possibilidade de convivência igualitária, ou seja, a alternância de lares.

Talvez as críticas a este modelo tenham até alguma razão de ser, já que o longo tempo de ausência imposto a um dos genitores seria exatamente o oposto do que os princípios defendidos pela guarda compartilhada tendem a enfatizar.

Todavia, querer excluir a alternância de domicílios do conceito de guarda compartilhada é um completo absurdo. Como, afinal, poderia o genitor “não-residente” (chamaremos assim por falta de melhor denominação) exercer “responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns” sem a convivência de um tempo razoável na casa de um de outro genitor? Como criar o filho sem que ele de alguma forma também resida na casa do pai?

O modelo de guarda compartilhada deve ser visto como sendo aquele que reúne as melhores condições e qualidades de todos ou outros tipos de guarda, preservando, inclusive, a possibilidade de alternância de lares, desde que por períodos curtos e proximidade de residência dos genitores.
Ora, no caso da guarda compartilhada “a criança deve se sentir em casa tanto na residência de seu pai quanto na de sua mãe” já que “o vínculo principal a ser mantido é com o pai e com a mãe e não com o domicílio ou imóvel.” (BRITO, Leila Maria Torraca de. Guarda conjunta: conceitos, preconceitos e prática no consenso e no litígio. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Afeto, ética e o novo código civil brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 362.)

Sendo a chamada “guarda jurídica” atribuída a ambos os genitores “poderão os pais planejar a guarda física, ou seja, a alternância de lares. Poderão, então, estabelecer que a criança terá uma residência fixa, na casa de um dos pais, tendo o outro o filho em sua companhia por períodos bem mais amplos do que o direito de vistas convencional, ficando compartilhadas as obrigações e facilitadas as formas de acesso. Ou poderão estabelecer que os filhos permanecerão, alternadamente, na residência de ambos, repartindo a companhia e a custódia material sobre a prole”. (23/10/2006 - Atuação do Ministério Público Guarda compartilhada: uma alternativa à guarda exclusiva Por: Luis Carlos Gick Fan www.mp.rs.gov.br/atuacaomp/not_artigos/id14912.htm)

A lei não prevê nada a respeito, falando apenas em “guarda compartilhada” e em “estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada”, cabendo ao juiz definir este tipo de guarda sempre que possível. Contudo, estabelece que a guarda poderá ser “decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe”.

Assim, percebe-se que o critério legal adotado envolve também a consideração sobre a convivência, e esta não pode se dar apenas em fins de semana ou feriados. É necessária uma distribuição razoável, ou quiçá igualitária da convivência com o filho.
às 17:52


12 de Setembro de 2008 (antes do decreto da lei sobre da Guarda Compartilhada)

Adrualdo Catão é professor de Filosofia do Direito da UFAL e doutorando em Direito pela UFPE. Trabalha ainda como advogado, mas em questões bem específicas, já que se dedica mais à academia.

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