Análises

A GUARDA DOS FILHOS!

A guarda do filho

Um dia, o macho homem descobriu que sua fêmea não era uma deusa reprodutora; que ele contribuía para a geração daquele ser que ela carregava em seu corpo. Preocupado com os direitos sucessórios, deixou-a sob suas vistas, como medida assecuratória de que os filhos seriam realmente fruto seu. Nessa sociedade patriarcal cristalizou-se o modelo de que a responsabilidade pelo gerenciamento da vida dos filhos seriam da mãe. E, em caso, de dissolução da sociedade conjugal, a guarda desse seria materna, cabendo ao pai atuar como provedor de alimentos. Somente em caso de desajuste da mãe, pensava-se na reversão da guarda. A pílula contraceptiva gerou uma revolução social. O modelo de família mudou após a inserção da mulher no mercado de trabalho, criando um vácuo no modelo familiar tradicional. A Lei do Divórcio e o princípio constitucional da igualdade trouxeram a quebra desse modelo. Em decorrência, apesar dos resquícios da sociedade patriarcal, a mulher não mais possui o monopólio do bem-estar dos filhos. No Rio de Janeiro, ano passado, 53% dos pedidos de guarda foram ajuizados por homens que querem participar do desenvolvimento dos filhos.

Ensina-nos Arruda Alvim que o direito de família começa onde termina o amor. O casal, ao decidir dissolver a sociedade conjugal, deve viabilizar arranjos de guarda favoráveis ao filho. E, se necessário, fazer uso da grandeza da renúncia já que inexiste acordo ideal. Ambos devem ter o poder de decisão. Caso contrário, um terceiro – desconhecido dos direitos dos litigantes – vai decidir suas vidas observando o interesse do menor - princípio básico e determinante de todas as avaliações que refletem as relações de filiação. E um filho não é objeto de decisão. Ele é sujeito de direito.

O casamento termina; a família não acaba: transforma-se em outra organização. Os problemas oriundos da separação são relacionados com a ausência de um dos pais. O contato escasso com o filho tende ao desaparecimento daquela figura parental. A guarda exclusiva torna frágil o vínculo com o genitor que não a detém. O ideal é a guarda compartilhada porque oferece condições ao filho de crescer em família. Fala-se em guarda legal conjunta, na qual os pais repartem responsabilidade, afeto e despesas mas o filho mora na casa de um deles; na guarda física compartilhada, onde o filho tem duas casas com todas as dificuldades – direitos e deveres diversos - daí decorrentes; em guarda midação, quando os filhos moram no mesmo local e os pais se revezam nessa moradia. Mas, se é impossível o diálogo e convivência entre os pais, nenhuma guarda funciona. Por isso, toda e qualquer revolução relacionada a este assunto tem que ser interior e não legislativa.

A paternidade/maternidade sócio-afetiva está acima da biológica. Se o terceiro reúne melhores condições, e traz vantagens para o menor ou incapaz sob o ponto de vista social, não há óbice à guarda, ainda que destituído de vínculos biológicos. Afinal, vivemos na época da hipervalorização do afeto, da amizade, da compreensão.

Pai e mãe são construções sociais com vínculos eternos e obrigação de formar um indivíduo para a sociedade. Ambos detêm o pátrio poder do qual a guarda é apenas uma parcela. Como essa envolve emoções e o futuro de uma criança, de um adolescente ou de um incapaz, será detida por quem tiver maior vínculo com esses. Valendo-se da ética no direito de família, fala-se em condições de afeto. É sabido que recurso material é irrelevante para obtenção da guarda. No direito de família não há ganhadores: todos perdem. Mas quem perde mais é a criança, cuja família está sofrendo alteração. Inevitável é a ansiedade e frustração. Mas ela tem que se adaptar à nova realidade. Isso a ajudará a crescer.


Ana Candida Echevenguá* é advogada em SC e RS, pós-graduanda em Direito Tributário, Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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