A MEDIAÇÃO FAMILIAR E SUA APLICAÇÃO NAS VARAS DE FAMÍLIA
Sumário
1. Objetivos da mediação familiar.
2. A aplicação da mediação familiar.
3. Formas e modelos de intervenção.
4. A mediação familiar e o ordenamento jurídico brasileiro.
5. A experiência da aplicação da mediação familiar na 1ª
Vara de Família em Maceió.
6. Considerações gerais.
1. Objetivos da mediação familiar. Das dificuldades enfrentadas pelo Poder Judiciário dos Estados Unidos da América com o excesso de demandas e a sua conseqüente morosidade, decorreu o desenvolvimento de estratégias, como a solução alternativa das disputas (ADR - Alternative Dispute Resolution), os tribunais de pequenas causas, a arbitragem, a avaliação neutra antecipada e a mediação.(1)
A mediação, como uma forma de heterocomposição (2) dos conflitos sociais, é uma prática exercida por uma ou mais pessoas não envolvidas, que, usando técnicas apropriadas, assistem às partes na solução dos conflitos, identificando os pontos de controvérsia, visando facilitar que os
mediandos tomem as decisões que componham, da forma mais completa possível, os respectivos interesses.
Em meio ao desenvolvimento da mediação, utilizado nos mais diversos campos do direito, a mediação familiar, como área especializada, surgiu nos EUA por volta de 1974, e teve como objetivo prevenir os danos produzidos pelo divórcio, e sobretudo as suas conseqüências negativas no desenvolvimento
dos filhos.
Fiel a estes objetivos iniciais, a mediação familiar sobretudo tem por objeto a família em crise, quando seus membros se tornam vulneráveis, não para invadir ou para dirigir o conflito, mas para oferecer-lhes uma
estrutura de apoio profissional, a fim de que lhes seja aberta a possibilidade de desenvolverem, através das confrontações, a consciência de seus direitos e deveres3, criando condições para que o conflito seja resolvido com o mínimo de comprometimento da estrutura psico-afetiva de
seus integrantes, podendo também ser vista como uma técnica eficiente para desobstruir os trabalhos nas varas de família e nas de sucessões, influindo decisivamente para que as querelas judiciais tenham uma solução mais fácil, rápida e menos onerosa.
2. A aplicação da mediação familiar. A mediação familiar não é um substituto à via judicial, mas uma via alternativa e complementar desta4, embora possa ser utilizada independentemente da submissão do caso a uma corte, na
solução de conflitos familiares que não tenham que ser necessariamente submetidos ao Judiciário. Nas hipóteses dos conflitos em que obrigatoriamente deverá haver a intervenção judicial, a mediação pode ocorrer antes do ingresso em juízo, que é sem dúvida a opção mais favorável, com a prévia intervenção que terá por objetivo a conscientização dos mediandos a respeito de suas
controvérsias e das possibilidades de confronta-las da maneira mais produtiva, e, quando possível, o preparo de um acordo que será submetido a homologação, ou no curso do processo, por recomendação do juiz ou iniciativa das partes, ou mesmo do representante do Ministério Público.
Concebida originalmente para atender aos casos de divórcio, atualmente a mediação familiar teve ampliado o seu espectro de aplicação nas varas de família em todos os países onde é utilizada, passando a ter aplicação em todas as situações de conflito ou desagregação dos núcleos familiares, nos
processos de alimentos, guarda de crianças e adolescentes, regulação de visitas e outras situações presentes no dia-a -dia da família contemporânea. (5)
3. Formas e modelos de intervenção. Existem basicamente três formas de mediação familiar: a de intervenção mínima, no qual o mediador é uma presença neutra que estimula a duplo fluxo de informações; o da intervenção dirigida, que identifica e avalia com as partes as opções existentes, tentando persuadi-las a adotar aquela que considera mais conveniente; a intervenção terapêutica, que tem por objetivo proceder a um intervenção que corrija as disfuncionalidades detectadas, procurando uma decisão
conjunta.(6)
A cada forma de intervenção podem corresponder vários modelos de mediação, que vão do unidisciplinar, feita preferencialmente por um terapeuta familiar, ao interdisciplinar, no qual o mediador e o advogado atuam conjuntamente, até à abordagem terapêutica da mediação, e da utilização de modelos de mediação/aconselhamento.
Embora praticamente todos os métodos de mediação possam ser utilizados nos casos submetidos às varas de família, é importante observar que a mediação, tanto na sua formulação teórica quanto na sua técnica, deve ter em vista o respeito à família e à cultura da sociedade na qual é adotada, pois assim como a família é o pilar da sociedade, a mediação vem em sua defesa e em seu fortalecimento, podendo-se estimular o seu valor para o exercício da cidadania.(7)
É necessário, portanto, que se desenvolva uma proposta sintonizada com a cultura brasileira, levando em conta, por exemplo nossas dificuldades de lidar abertamente com os conflitos, o que desaconselha a técnica do face-a-face tão a gosto dos norte-americanos.
Levando em conta alguns aspectos observados na prática judicial, entendo que como técnica a intervenção mínima me parece a mais eficiente, por fazer com que o acordo decorra de uma tomada de consciência, sem incorporar algumas
características autoritárias e paternalistas presentes na nossa sociedade. (8)
Por outro lado, a abordagem interdisciplinar é igualmente mais completa,pois a análise dos aspectos psico-socias do caso não pode ser dissociada da viabilidade das propostas no campo jurídico, bastando lembrar que este foi o método preconizado pelo criador da mediação familiar, O. J. Coogler. (9)
4. A mediação familiar e o ordenamento jurídico brasileiro. Introduzida como prática no Brasil em 1996, juntamente como a arbitragem, a mediação entre nós ainda não foi regulada através de legislação (10), mas nos sistemas legais no qual a mediação familiar foi implementado através de legislação
específica, o reconhecimento da autonomia da vontade dos interessados e da sua capacidade de resolução das questões familiares encontram afirmação no sistema jurídico, através do papel subsidiário e supletivo reservado ao Estado neste campo, num franco processo de desjudiciarização, de um modo
ainda não presente no ordenamento brasileiro, ainda excessivamente interventivo. (11)
Mas o fato de ainda não existir no Brasil uma legislação que venha a regular a aplicação da mediação familiar nos tribunais não impede a sua aplicação desde logo, possibilitando uma maior celeridade e eficácia nas decisões judiciais, que consolidarão os resultados obtidos através da homologação dos acordos a que chegarem os interessados, com a intervenção do mediador.
Isto porque a harmonia social e a solução pacífica das controvérsias é um dos enunciados do preâmbulo da Constituição Brasileira, e a quase totalidade dos instrumentos processuais adotados em ações de direito de família já prevêem uma fase de conciliação prévia, não só através da aplicação dos princípios gerais do Código de Processo Civil, 331, e da Lei nº 968/54, 5º e 6º, como das regras insertas em legislação especial, como a Lei de
Divórcio, e a Lei de Alimentos.
A mediação poderá ocorrer através de proposta do juiz, se aceita pelas partes, quando na fase de conciliação verificar a ocorrência de uma exacerbação dos pontos controversos ou de posições aparentemente
inconciliáveis nos interesses das partes, podendo ter início no curso do processo, ultrapassada sem êxito a fase de conciliação, pois até a prolatação da sentença sempre será viável.
Por outro lado, em qualquer fase processual que anteceda a sentença, poderão as partes requererem a suspensão do processo por um determinado prazo a fim de dar início ao processo de mediação.
Em ambos os casos, a medida estará amparada pelo CPC, 265, II, e, uma vez excedido o prazo de seis meses do § 3º sem que as partes tenham chegado a uma solução adequada, poderá ordenar o prosseguimento do processo.
Tratando-se a voluntariedade de um dos princípios da mediação, a participação no processo deverá sempre ser uma opção dos interessados, e assim tem sido na maioria dos ordenamentos nos quais a mediação familiar foi regulamentada, muito embora algumas delas, como a da Flórida, a encorajem fortemente12, com a adoção de facilidades para os casos já protocolados com mediação.
Algumas dessas vantagens poderão ser oferecidas desde já às partes pelo juiz no nosso sistema atual, como a de antecipação de audiências, desde quando já é costume nas varas de família que as audiências de homologação sejam
marcadas com prioridade em relação àquelas que dependam de instrução demorada, até mesmo porque podem ser realizadas em maior número sem que seja necessário o dispêndio de muito tempo.
Como não existe no Brasil ainda a mediação como serviço público, o custo da intervenção em princípio ficará a cargo das partes, mas nada impede que através de convênios com entidades públicas seja viabilizado o acesso à mediação às partes reconhecidamente pobres.
5. A experiência da aplicação da mediação familiar na 1ª Vara de Família em Maceió. Como entusiasta da mediação familiar, tão logo assumi a 1ª Vara de Família em Maceió me propus a viabilizar a sua implementação aos casos em
andamento.
A oportunidade surgiu através da parceria, ainda em fase experimental, com a CAMEAL - Câmara de Mediação e Arbitragem de Alagoas, entidade encarregada da formação de mediadores e árbitros, que vem atendendo às partes
interessadas, achando-se entre as metas imediatas do projeto a realização de Convênio com o Tribunal de Justiça de Alagoas com a CAMEAL, para viabilizar a mediação familiar sob a forma de estágio para os formandos das turmas de mediadores e árbitros, a exemplo do que já vem sendo feito através da OAB-AL, e, segundo proposta em andamento, da ABMCJ-AL, para a mediação prévia.
Como toda experiência, a mediação familiar e os seus resultados efetivos deverão ser objeto de observação e avaliação, sendo, contudo, possível destacar desde já a receptividade altamente positiva dos interessados e
dos advogados que assistem às partes, assim como da representante do Ministério Público junto à vara, como incentivadora e partícipe do projeto.13
6. Considerações gerais. A mediação familiar nas varas da família se apresenta como uma interessante alternativa na ampliação da consciência das partes envolvidas em ações judiciais para suas dificuldades, ajudando-as extrair das adversidades vividas o próprio caminho da reoganização
pessoal, tendo como resultado mediato a solução dos conflitos jurídico-familiares, evitando a morosidade dos litígios, reduzindo os custos do processo, tanto para o Estado quanto para as partes, reduzindo a conflitualidade e fomentando a cooperação familiar, auxiliando, enfim, os seus membros a enfrentarem de uma forma mais digna e menos dramática os impasses e os inevitáveis sofrimentos pessoais decorrentes desses conflitos.
A sua adoção no Brasil, em modelos teóricos e técnicos adequados à nossa realidade cultural em desenvolvimento pela doutrina, a ser estimulada através de legislação especifica e da criação de serviços públicos e acessíveis aos mais carentes, representará um notável avanço para a
preservação da dignidade da pessoa humana, enfatizando a responsabilidade pessoal e o exercício da cidadania, evitando a vitimização freqüentemente presente nas partes frustradas com a solução judicial14, e no cumprimento
do preceito constitucional contido no "caput" do art. 22 da nossa Constituição, segundo o qual a família, como base da sociedade, tem direito à especial proteção do Estado.
Notas de Rodapé
1 - Ver acerca da questão William Douglas, "Anotações sobre o poder judiciário norte-americano" in Doutrina, nº 1, Coordenado por James Tubenchlack, : Instituto de Direito, Rio de Janeiro, 1996, p. 438-446.
2 - A mediação na verdade se situa entre a eterocomposição, pois envolve a participação de uma pessoa estranha ao conflito, e a autocomposição, pois o mediador não participa da decisão, apenas a facilita.
3 - Esta perspectiva apontada por Giselle Groeninga Almeida me pareceu extremamente adequada, quando chama a atenção para o fato de que é pela confrontação, necessária para a organização da identidade dos indivíduos, que se desenvolve a alteridade e a reciprocidade. Cf. "Mediação - Respeito
à família e à cultura - Mediação: Além de um método, uma ferramenta para a compreensão das demandas judiciais no direito de família- a experiência brasileira", em conjunto com Águida Arruda Barbosa e Eliana Riberti Nazareth, in Revista Brasileira de Direito de Família, ano II, nº 7-ou-nov-dez 2000: Síntese, Porto Alegre, 2000, p. 19-37. 3 - Giselle Groeninga Almeida, op. cit., p. 19-37.
4 - António H.L. Farinha e Conceição Lavadinho, Mediação familiar e responsabilidades parentais: Almedina. Coimbra, 1997, p.19.
5 - A mediação familiar, a partir do modelo norte-americano, se acha presente não só nos Estados Unidos da América mas também na Argentina e Canadá, expandindo-se para a Europa através da Grã Bretanha, Escócia, e
outros. Na Europa, desenvolveu-se na França um modelo que foi sistematizado por sua introdução no Código de Processo Civil, em 1995, utilizado, por exemplo, na Espanha, Itália e Portugal.
6 - António H.L. Farinha e Conceição Lavadinho, ob. cit., 23.
7 - Giselle Groeninga Almeida, "Mediação - Respeito à família e à cultura - Mediação: Além de um método, uma ferramenta para a compreensão das demandas judiciais no direito de família- a experiência brasileira", em conjunto
com Águida Arruda Barbosa e Eliana Riberti Nazareth, in Revista Brasileira de Direito de Família, ano II, nº 7-ou-nov-dez 2000: Síntese, Porto Alegre, 2000, p. 29.
8 - Estas características da sociedade brasileira são apontadas por Giselle Groeninga Almeida, que indica como consequências uma forte idéia de hierarquia, a transferência de responsabilidades e uma certa dificuldade
na internalização das regras. "Mediação - Respeito à família e à cultura - Mediação: Além de um método, uma ferramenta para a compreensão das demandas judiciais no direito de família- a experiência brasileira" , p. 29.
9 - Maria Nazareth Serpa, Mediação de família: Del Rey, Belo Horizonte, 1999, p. 23.
10 - Muito embora a Lei da Arbitragem, de nº 9.307, tenha sido sancionada em 23 de setembro de 1996, não temos ainda em relação à mediação senão projetos de lei, sendo um deles, o de nº 4.827/98, apresentado pela deputada Zulaiê Cobra Ribeiro, o mais completo.
11 - Como exemplo, a idéia da desjudiciarização no campo do direito de família está bem patente em Portugal, onde através do Decreto Lei nº 163/95, de 13 de julho, a decretação do divórcio por mútuo consentimento é feito
perante o Conservador do Registro Civil (correspondente aos nossos Escrivães do Registro Civil) nos casos em que o casal não tenha filhos menores, ou se tendo-os, já se encontre regulado o exercício do poder paternal
(denominado no Brasil de pátrio poder), como explica António H.L. Farinha e Conceição Lavadinho, ob. cit., 35. Embora a Constituição Brasileira assegure como direitos fundamentais a inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art 5º, X ), incorpora ao seu próprio texto conceituações do que seja família, união estável e entidade familiar (art. 226 §§ 1º a 4º), gerando incontáveis controvérsias acerca do que, afinal, é ou não sociedade familiar entre nós. Do mesmo modo, estabelece o texto constitucional até mesmo o lapso temporal para a obtenção do divórcio (art 226 § 6º), podendo-se afirmar que, a
rigor, apenas o planejamento familiar é de livre decisão do casal (art. 226 § 7º). Esta visão mostra-se presente nos instrumentos processuais utilizados nas varas de família, exigindo-se a homologação judicial das separações,
divórcios e de acordos acerca de alimentos.
12 - Maria Nazareth Serpa, Mediação de família: Del Rey, Belo Horizonte, 1999, p. 35.
13 - Dra. Lina Acioli Lins.
14 - Inúmeros são os casos em que um divórcio ou uma separação "consensual" apressada, de um processo que deveria ser simples e cordato, se transformam no ponto de partida para inúmeras ações subsequentes, como regulação de visitas, alteração de guarda, revisão ou execução de alimentos, resultando até na prisão de um dos "acordantes", numa avalanche de sentimentos e sofrimentos que sempre se espraia nas varas de família. Frequentemente estes "acordantes" que foram buscar a homologação judicial para um proposta que se entendeu formulada no atendimento dos seus interesses, se sentem vítimas dos advogados ou do sistema judiciário, sem que assumam a responsabilidade
pela própria decisão.
---------
Ana Florinda Dantas
Juíza de Direito da 1ª Vara de Família de Maceió
Professora do Centro Universitário de Ciências Jurídicas do Centro de
Estudos Superiores de Maceió
Mestranda em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade
de Lisboa. Conselheira da ABMCJ - Alagoas
fonte:eHealth Latin America
http://www.abmcj.org.br/pap_media.html
1. Objetivos da mediação familiar.
2. A aplicação da mediação familiar.
3. Formas e modelos de intervenção.
4. A mediação familiar e o ordenamento jurídico brasileiro.
5. A experiência da aplicação da mediação familiar na 1ª
Vara de Família em Maceió.
6. Considerações gerais.
1. Objetivos da mediação familiar. Das dificuldades enfrentadas pelo Poder Judiciário dos Estados Unidos da América com o excesso de demandas e a sua conseqüente morosidade, decorreu o desenvolvimento de estratégias, como a solução alternativa das disputas (ADR - Alternative Dispute Resolution), os tribunais de pequenas causas, a arbitragem, a avaliação neutra antecipada e a mediação.(1)
A mediação, como uma forma de heterocomposição (2) dos conflitos sociais, é uma prática exercida por uma ou mais pessoas não envolvidas, que, usando técnicas apropriadas, assistem às partes na solução dos conflitos, identificando os pontos de controvérsia, visando facilitar que os
mediandos tomem as decisões que componham, da forma mais completa possível, os respectivos interesses.
Em meio ao desenvolvimento da mediação, utilizado nos mais diversos campos do direito, a mediação familiar, como área especializada, surgiu nos EUA por volta de 1974, e teve como objetivo prevenir os danos produzidos pelo divórcio, e sobretudo as suas conseqüências negativas no desenvolvimento
dos filhos.
Fiel a estes objetivos iniciais, a mediação familiar sobretudo tem por objeto a família em crise, quando seus membros se tornam vulneráveis, não para invadir ou para dirigir o conflito, mas para oferecer-lhes uma
estrutura de apoio profissional, a fim de que lhes seja aberta a possibilidade de desenvolverem, através das confrontações, a consciência de seus direitos e deveres3, criando condições para que o conflito seja resolvido com o mínimo de comprometimento da estrutura psico-afetiva de
seus integrantes, podendo também ser vista como uma técnica eficiente para desobstruir os trabalhos nas varas de família e nas de sucessões, influindo decisivamente para que as querelas judiciais tenham uma solução mais fácil, rápida e menos onerosa.
2. A aplicação da mediação familiar. A mediação familiar não é um substituto à via judicial, mas uma via alternativa e complementar desta4, embora possa ser utilizada independentemente da submissão do caso a uma corte, na
solução de conflitos familiares que não tenham que ser necessariamente submetidos ao Judiciário. Nas hipóteses dos conflitos em que obrigatoriamente deverá haver a intervenção judicial, a mediação pode ocorrer antes do ingresso em juízo, que é sem dúvida a opção mais favorável, com a prévia intervenção que terá por objetivo a conscientização dos mediandos a respeito de suas
controvérsias e das possibilidades de confronta-las da maneira mais produtiva, e, quando possível, o preparo de um acordo que será submetido a homologação, ou no curso do processo, por recomendação do juiz ou iniciativa das partes, ou mesmo do representante do Ministério Público.
Concebida originalmente para atender aos casos de divórcio, atualmente a mediação familiar teve ampliado o seu espectro de aplicação nas varas de família em todos os países onde é utilizada, passando a ter aplicação em todas as situações de conflito ou desagregação dos núcleos familiares, nos
processos de alimentos, guarda de crianças e adolescentes, regulação de visitas e outras situações presentes no dia-a -dia da família contemporânea. (5)
3. Formas e modelos de intervenção. Existem basicamente três formas de mediação familiar: a de intervenção mínima, no qual o mediador é uma presença neutra que estimula a duplo fluxo de informações; o da intervenção dirigida, que identifica e avalia com as partes as opções existentes, tentando persuadi-las a adotar aquela que considera mais conveniente; a intervenção terapêutica, que tem por objetivo proceder a um intervenção que corrija as disfuncionalidades detectadas, procurando uma decisão
conjunta.(6)
A cada forma de intervenção podem corresponder vários modelos de mediação, que vão do unidisciplinar, feita preferencialmente por um terapeuta familiar, ao interdisciplinar, no qual o mediador e o advogado atuam conjuntamente, até à abordagem terapêutica da mediação, e da utilização de modelos de mediação/aconselhamento.
Embora praticamente todos os métodos de mediação possam ser utilizados nos casos submetidos às varas de família, é importante observar que a mediação, tanto na sua formulação teórica quanto na sua técnica, deve ter em vista o respeito à família e à cultura da sociedade na qual é adotada, pois assim como a família é o pilar da sociedade, a mediação vem em sua defesa e em seu fortalecimento, podendo-se estimular o seu valor para o exercício da cidadania.(7)
É necessário, portanto, que se desenvolva uma proposta sintonizada com a cultura brasileira, levando em conta, por exemplo nossas dificuldades de lidar abertamente com os conflitos, o que desaconselha a técnica do face-a-face tão a gosto dos norte-americanos.
Levando em conta alguns aspectos observados na prática judicial, entendo que como técnica a intervenção mínima me parece a mais eficiente, por fazer com que o acordo decorra de uma tomada de consciência, sem incorporar algumas
características autoritárias e paternalistas presentes na nossa sociedade. (8)
Por outro lado, a abordagem interdisciplinar é igualmente mais completa,pois a análise dos aspectos psico-socias do caso não pode ser dissociada da viabilidade das propostas no campo jurídico, bastando lembrar que este foi o método preconizado pelo criador da mediação familiar, O. J. Coogler. (9)
4. A mediação familiar e o ordenamento jurídico brasileiro. Introduzida como prática no Brasil em 1996, juntamente como a arbitragem, a mediação entre nós ainda não foi regulada através de legislação (10), mas nos sistemas legais no qual a mediação familiar foi implementado através de legislação
específica, o reconhecimento da autonomia da vontade dos interessados e da sua capacidade de resolução das questões familiares encontram afirmação no sistema jurídico, através do papel subsidiário e supletivo reservado ao Estado neste campo, num franco processo de desjudiciarização, de um modo
ainda não presente no ordenamento brasileiro, ainda excessivamente interventivo. (11)
Mas o fato de ainda não existir no Brasil uma legislação que venha a regular a aplicação da mediação familiar nos tribunais não impede a sua aplicação desde logo, possibilitando uma maior celeridade e eficácia nas decisões judiciais, que consolidarão os resultados obtidos através da homologação dos acordos a que chegarem os interessados, com a intervenção do mediador.
Isto porque a harmonia social e a solução pacífica das controvérsias é um dos enunciados do preâmbulo da Constituição Brasileira, e a quase totalidade dos instrumentos processuais adotados em ações de direito de família já prevêem uma fase de conciliação prévia, não só através da aplicação dos princípios gerais do Código de Processo Civil, 331, e da Lei nº 968/54, 5º e 6º, como das regras insertas em legislação especial, como a Lei de
Divórcio, e a Lei de Alimentos.
A mediação poderá ocorrer através de proposta do juiz, se aceita pelas partes, quando na fase de conciliação verificar a ocorrência de uma exacerbação dos pontos controversos ou de posições aparentemente
inconciliáveis nos interesses das partes, podendo ter início no curso do processo, ultrapassada sem êxito a fase de conciliação, pois até a prolatação da sentença sempre será viável.
Por outro lado, em qualquer fase processual que anteceda a sentença, poderão as partes requererem a suspensão do processo por um determinado prazo a fim de dar início ao processo de mediação.
Em ambos os casos, a medida estará amparada pelo CPC, 265, II, e, uma vez excedido o prazo de seis meses do § 3º sem que as partes tenham chegado a uma solução adequada, poderá ordenar o prosseguimento do processo.
Tratando-se a voluntariedade de um dos princípios da mediação, a participação no processo deverá sempre ser uma opção dos interessados, e assim tem sido na maioria dos ordenamentos nos quais a mediação familiar foi regulamentada, muito embora algumas delas, como a da Flórida, a encorajem fortemente12, com a adoção de facilidades para os casos já protocolados com mediação.
Algumas dessas vantagens poderão ser oferecidas desde já às partes pelo juiz no nosso sistema atual, como a de antecipação de audiências, desde quando já é costume nas varas de família que as audiências de homologação sejam
marcadas com prioridade em relação àquelas que dependam de instrução demorada, até mesmo porque podem ser realizadas em maior número sem que seja necessário o dispêndio de muito tempo.
Como não existe no Brasil ainda a mediação como serviço público, o custo da intervenção em princípio ficará a cargo das partes, mas nada impede que através de convênios com entidades públicas seja viabilizado o acesso à mediação às partes reconhecidamente pobres.
5. A experiência da aplicação da mediação familiar na 1ª Vara de Família em Maceió. Como entusiasta da mediação familiar, tão logo assumi a 1ª Vara de Família em Maceió me propus a viabilizar a sua implementação aos casos em
andamento.
A oportunidade surgiu através da parceria, ainda em fase experimental, com a CAMEAL - Câmara de Mediação e Arbitragem de Alagoas, entidade encarregada da formação de mediadores e árbitros, que vem atendendo às partes
interessadas, achando-se entre as metas imediatas do projeto a realização de Convênio com o Tribunal de Justiça de Alagoas com a CAMEAL, para viabilizar a mediação familiar sob a forma de estágio para os formandos das turmas de mediadores e árbitros, a exemplo do que já vem sendo feito através da OAB-AL, e, segundo proposta em andamento, da ABMCJ-AL, para a mediação prévia.
Como toda experiência, a mediação familiar e os seus resultados efetivos deverão ser objeto de observação e avaliação, sendo, contudo, possível destacar desde já a receptividade altamente positiva dos interessados e
dos advogados que assistem às partes, assim como da representante do Ministério Público junto à vara, como incentivadora e partícipe do projeto.13
6. Considerações gerais. A mediação familiar nas varas da família se apresenta como uma interessante alternativa na ampliação da consciência das partes envolvidas em ações judiciais para suas dificuldades, ajudando-as extrair das adversidades vividas o próprio caminho da reoganização
pessoal, tendo como resultado mediato a solução dos conflitos jurídico-familiares, evitando a morosidade dos litígios, reduzindo os custos do processo, tanto para o Estado quanto para as partes, reduzindo a conflitualidade e fomentando a cooperação familiar, auxiliando, enfim, os seus membros a enfrentarem de uma forma mais digna e menos dramática os impasses e os inevitáveis sofrimentos pessoais decorrentes desses conflitos.
A sua adoção no Brasil, em modelos teóricos e técnicos adequados à nossa realidade cultural em desenvolvimento pela doutrina, a ser estimulada através de legislação especifica e da criação de serviços públicos e acessíveis aos mais carentes, representará um notável avanço para a
preservação da dignidade da pessoa humana, enfatizando a responsabilidade pessoal e o exercício da cidadania, evitando a vitimização freqüentemente presente nas partes frustradas com a solução judicial14, e no cumprimento
do preceito constitucional contido no "caput" do art. 22 da nossa Constituição, segundo o qual a família, como base da sociedade, tem direito à especial proteção do Estado.
Notas de Rodapé
1 - Ver acerca da questão William Douglas, "Anotações sobre o poder judiciário norte-americano" in Doutrina, nº 1, Coordenado por James Tubenchlack, : Instituto de Direito, Rio de Janeiro, 1996, p. 438-446.
2 - A mediação na verdade se situa entre a eterocomposição, pois envolve a participação de uma pessoa estranha ao conflito, e a autocomposição, pois o mediador não participa da decisão, apenas a facilita.
3 - Esta perspectiva apontada por Giselle Groeninga Almeida me pareceu extremamente adequada, quando chama a atenção para o fato de que é pela confrontação, necessária para a organização da identidade dos indivíduos, que se desenvolve a alteridade e a reciprocidade. Cf. "Mediação - Respeito
à família e à cultura - Mediação: Além de um método, uma ferramenta para a compreensão das demandas judiciais no direito de família- a experiência brasileira", em conjunto com Águida Arruda Barbosa e Eliana Riberti Nazareth, in Revista Brasileira de Direito de Família, ano II, nº 7-ou-nov-dez 2000: Síntese, Porto Alegre, 2000, p. 19-37. 3 - Giselle Groeninga Almeida, op. cit., p. 19-37.
4 - António H.L. Farinha e Conceição Lavadinho, Mediação familiar e responsabilidades parentais: Almedina. Coimbra, 1997, p.19.
5 - A mediação familiar, a partir do modelo norte-americano, se acha presente não só nos Estados Unidos da América mas também na Argentina e Canadá, expandindo-se para a Europa através da Grã Bretanha, Escócia, e
outros. Na Europa, desenvolveu-se na França um modelo que foi sistematizado por sua introdução no Código de Processo Civil, em 1995, utilizado, por exemplo, na Espanha, Itália e Portugal.
6 - António H.L. Farinha e Conceição Lavadinho, ob. cit., 23.
7 - Giselle Groeninga Almeida, "Mediação - Respeito à família e à cultura - Mediação: Além de um método, uma ferramenta para a compreensão das demandas judiciais no direito de família- a experiência brasileira", em conjunto
com Águida Arruda Barbosa e Eliana Riberti Nazareth, in Revista Brasileira de Direito de Família, ano II, nº 7-ou-nov-dez 2000: Síntese, Porto Alegre, 2000, p. 29.
8 - Estas características da sociedade brasileira são apontadas por Giselle Groeninga Almeida, que indica como consequências uma forte idéia de hierarquia, a transferência de responsabilidades e uma certa dificuldade
na internalização das regras. "Mediação - Respeito à família e à cultura - Mediação: Além de um método, uma ferramenta para a compreensão das demandas judiciais no direito de família- a experiência brasileira" , p. 29.
9 - Maria Nazareth Serpa, Mediação de família: Del Rey, Belo Horizonte, 1999, p. 23.
10 - Muito embora a Lei da Arbitragem, de nº 9.307, tenha sido sancionada em 23 de setembro de 1996, não temos ainda em relação à mediação senão projetos de lei, sendo um deles, o de nº 4.827/98, apresentado pela deputada Zulaiê Cobra Ribeiro, o mais completo.
11 - Como exemplo, a idéia da desjudiciarização no campo do direito de família está bem patente em Portugal, onde através do Decreto Lei nº 163/95, de 13 de julho, a decretação do divórcio por mútuo consentimento é feito
perante o Conservador do Registro Civil (correspondente aos nossos Escrivães do Registro Civil) nos casos em que o casal não tenha filhos menores, ou se tendo-os, já se encontre regulado o exercício do poder paternal
(denominado no Brasil de pátrio poder), como explica António H.L. Farinha e Conceição Lavadinho, ob. cit., 35. Embora a Constituição Brasileira assegure como direitos fundamentais a inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art 5º, X ), incorpora ao seu próprio texto conceituações do que seja família, união estável e entidade familiar (art. 226 §§ 1º a 4º), gerando incontáveis controvérsias acerca do que, afinal, é ou não sociedade familiar entre nós. Do mesmo modo, estabelece o texto constitucional até mesmo o lapso temporal para a obtenção do divórcio (art 226 § 6º), podendo-se afirmar que, a
rigor, apenas o planejamento familiar é de livre decisão do casal (art. 226 § 7º). Esta visão mostra-se presente nos instrumentos processuais utilizados nas varas de família, exigindo-se a homologação judicial das separações,
divórcios e de acordos acerca de alimentos.
12 - Maria Nazareth Serpa, Mediação de família: Del Rey, Belo Horizonte, 1999, p. 35.
13 - Dra. Lina Acioli Lins.
14 - Inúmeros são os casos em que um divórcio ou uma separação "consensual" apressada, de um processo que deveria ser simples e cordato, se transformam no ponto de partida para inúmeras ações subsequentes, como regulação de visitas, alteração de guarda, revisão ou execução de alimentos, resultando até na prisão de um dos "acordantes", numa avalanche de sentimentos e sofrimentos que sempre se espraia nas varas de família. Frequentemente estes "acordantes" que foram buscar a homologação judicial para um proposta que se entendeu formulada no atendimento dos seus interesses, se sentem vítimas dos advogados ou do sistema judiciário, sem que assumam a responsabilidade
pela própria decisão.
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Ana Florinda Dantas
Juíza de Direito da 1ª Vara de Família de Maceió
Professora do Centro Universitário de Ciências Jurídicas do Centro de
Estudos Superiores de Maceió
Mestranda em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade
de Lisboa. Conselheira da ABMCJ - Alagoas
fonte:eHealth Latin America
http://www.abmcj.org.br/pap_media.html