Ser Pai

MULHERES PREFEREM NOVO TIPO DE “MACHO”

Como Gilberto Gil fez um dia, muita gente chegou a viver a ilusão de que ser homem bastaria – até que a TV Globo colocou no ar, no último dia 8, a novela “Uga-Uga”. A trama apresenta o machão em estado bruto: corpos musculosos desfilam para cima e para baixo, enquanto os respectivos personagens balbuciam: “Caté, totô, babá”.

Para felicidade dos meigos, um grande contingente de mulheres não se contenta com “uga-ugas”. “Até um tempo atrás, imperava na TV o tipo machão, o gorila, o Humberto Martins. Por isso, fiquei impressionado quando fiz o jovem João Batista, em “Chiquinha Gonzaga, e recebi cerca de 400 cartas de mulheres por semana”, diz Caio Blat, 19, que interpreta o personagem Bruno Sampaio na novela “Esplendor”.

Blat é a antítese do homem rústico. Muito branco, magro, de aparência lânguida, ele seria o que a revista norte-americana Talk chama de “gay na medida”.

“Meus amigos dizem que eu sou o maior veado sem ser”, conta o ator, que namora há cinco meses a empresária Preta Gil, 25, filha de Gilberto Gil.

O modelo norte-americano de “gay na medida” é heterossexual sem dúvida, mas sabe reconhecer uma cadeira do design Charles Eames e tem sempre chá de menta no armário da cozinha.

“O homem perfeito é aquele que chega à sua casa de Harley-Davidson, com a barba por fazer, e diz: “Recortei essa receita do jornal para a gente cozinhar junto hoje”, explica uma das entrevistadas na reportagem.

Entre outros exemplos de “gay na medida”, a revista cita o diretor de cinema inglês Guy Ritchie, namorado de Madonna, o norte-americano Spike Jones (”Quero Ser John Malkovich”), os atores Jude Law e Matt Damon (a dupla de “O Misterioso Ripley”) e Vince Vaughn (”Psicose”).

MODELO NACIONAL – O similar brasileiro do “gay na medida” apresenta pequenas alterações. Caio Blat não toma chá, mas sabe cozinhar (”Faço uma massa com queijo sensacional: quando o parmesão entra na panela, já ouço suspiros”) e sua sala é decorada com tapetes gabbeh, iranianos, objetos de bambu e metais recicláveis. “A casa dele é arrumadinha em excesso. Foge do modelo de casa do homem tradicional”, diz Preta Gil.

Em sua última folga, num dia ensolarado, Caio ficou em casa lendo “Os Negros', de Jean Genet, e sua obra de cabeceira é o “Livro do Desassossego”, de Fernando Pessoa.

Apesar da aparente fragilidade, o ator pode ser identificado com o modelo da “Talk” de segurança sobre a própria masculinidade. “Sou louco por mulher, mas não sinto a menor necessidade de ficar me afirmando; não faço pose. Estou muito tranquilo com relação a minha sexualidade. Não consigo nem me imaginar transando com homem”.

“O Caio é o homem mais viril, mais macho que eu conheço. Não vejo fragilidade nenhuma nele; vejo um homem muito especial, que tem uma capacidade maior de entender as minhas maluquices”, diz Preta Gil.

Os especialistas afirmam que o homem ideal, hoje, “é aquele que consegue dar a visão masculina do absurdo que a mulher é”.

“A mulher não quer alguém com a sensibilidade igual à dela. Não é para perder a identidade, se misturar. Ela espera ouvir desse homem a versão masculina de sua opinião sobre a comida, a roupa, a música”, diz o psiquiatra Luiz Cuschnir, 50, coordenador do Gender Centre, do Hospital das Clínicas.

O difícil, para esse “homem sensível”, é interessar-se pelo universo feminino e, ao mesmo tempo, continuar interessante para as mulheres.

“O problema é que a gente cresceu nesse ambiente de homens travados, que não relaxam. Aí, quando aparece um informado, que não tem medo de parecer isso ou aquilo, a gente fica intrigada”, explica a produtora de moda Paula Lang, 28, uma das convidadas pela Revista para o debate da página 22.

“O homem tem de ter disposição para conhecer o mundo feminino, mas não dá para parecer veado demais, desmunhecar”, diz a advogada Krishna Brunoni, 26, outra convidada.

Krishna, Paula e as outras debatedoras explicam que o novo heterossexual dever ser, ao mesmo tempo, “estiloso e um pouco avacalhado” (ex: suéter de cashmere+jeans gasto+tênis rodado); bem-humorado, sem ser deslumbrado (”cuidado com o tom da risada”) e refinado, sem ser afetado (”topa comer um filé no bar das putas e sabe escolher um vinho italiano no Fasano”).

“Não pode ser fresco. Tem uns caras que estão impecáveis, a roupa, tudo, aí cai batatinha no colo, ele já levanta pra limpar”, diz Alessandra Levtchenko, 25, que fotografa homens nus para a revista “G”.

A verdade é que o “gay na medida” não deve perder por completo seu lado “uga-uga”. Tem de ler o “Livro do Desassossego” e contar que frequentou muito estádio de futebol, junto com a galera do “Pavilhão 9”, tocando bateria, torcendo, como Caio Blat.

O paisagista Gilberto Elkis, 41, por exemplo, ama com o mesmo desvelo seus jardins de azaléias, primaveras, camélias e gardênias e sua moto Harley-Davidson (olha ela aí) modelo Soft-Tail. “Toda vez que viajo, trago um acessório dela. A moto é minha bonequinha”, diz Elkis, que namora há dois anos a engenheira Deborah Cordovil, 30.

Com as namoradas, ele diz ser ainda mais apaixonado. Adora encantá-las com suas habilidades. Cozinha, tem uma casa cheia de antiguidades (”Sou um cata-lixo”) e costuma observar tudo. “Não tenho tipo: a mulher pode estar de jeans, camiseta, ou ser uma perua. Olho o sapato e a bolsa, para ver se estão dentro do contexto. Só unha descascada, ou mal feita, é que me tira o tesão”, diz Elkis, que se considera “muito vaidoso” para se vestir.

No dia da entrevista, ele estava com uma malha canelada de gola alta azul marinho, jeans 501, tênis de corrida cinza com detalhes em abóbora, bem usado, e relógio Nike com correia de plástico transparente e mostrador luminoso no pulso esquerdo. “Esse relógio dá as 180 marés do mundo”, mostra o paisagista, que usa também um anel grande, quadrado e de ouro, com hieroglifos, no dedo anular da mão direita. Quem corta o cabelo de Elkis, máquina dois, é ele mesmo.

O paisagista acredita que a estampa ajuda, mas que, apesar de todas as liberdades adquiridas, a mulher continua valorizando o homem cavalheiro. “Gosto de abrir a porta, pagar a conta. Na verdade, o básico continua igual. Eu não acho legal que minha namorada saia sozinha na noite. Esse papo de moderno não existe”, diz.

DIFERENÇA NA CAMA – E na cama, qual a diferença entre transar com um “macho tradicional” e o “gay na medida”?

“O bofe clássico estabelece restrições na cama, porque pensa: “Isso, com a minha mulher, não'. O cara mais relaxado diz: Claro que sim. Por que não com a minha mulher?”, acredita a gerente de produto Márcia Lagos, 31, namorada do chef de cuisine Alex Atala, 32, outro representante do novo heterossexualismo.

Uma das explicações para esse “coleguismo” na cama seria a estréia da afetividade masculina (declarada) nas relações sexuais. “O sexo, para mim, depende muito da afetividade. Preciso estar minimamente envolvido para ter tesão. Transar por transar já tentei, mas não passam de transadas mal dadas”, explica Atala.

Márcia diz que “Alex cumprimenta todo mundo, homem, mulher, beijando e abraçando”. “E ele tem essa coisa legal de mulher, que é gostar de fofoca. Acredito que as pessoas mais tradicionais vejam isso com outros olhos. Para muita mulher, é instigante. Elas pensam: “Se for gay, comigo vai deixar de ser”.

Alex não se importa que suspeitem dele. “Conheci uma mulher que transou comigo para tirar a prova. Quando terminamos, ela confessou. O povo acha que eu sou gay ou rico. Não teria problema em ser nenhum dos dois. Tenho muitos amigos gays: prefiro até conversar sobre a minha vida com eles do que com os heterossexuais”, diz o chef, cujo CD preferido é “Stonewall Celebration”, de Renato Russo.

Ele pilota dois restaurantes de muitas estrelas nos Jardins e está sempre em evidência: chama a atenção pela barba ruiva, as tatuagens no antebraço, o avental impecável, os tamancos brancos e o celular prateado. Sempre risonho atrás do vidro que divide o salão da cozinha do Dom, na rua Barão de Capanema, Alex dá tchauzinho com uma das mãos para quem chega, enquanto, com a outra, prepara pratos como arraia com emulsão de sambuca, telha de amêndoas e bacon.

Separado, pai de um filho de 6 anos, Atala divide atualmente um apartamento com uma lésbica. “Eu e ela temos uma sintonia muito fina para falar de amor e sexo. Acho até que sou meio lésbico”.

Falar de sexo abertamente – sem ser para contar vantagem – é outra diferença do novo heterossexual. Eles admitem até que existem momentos em que são mais masculinos, e em outros, mais femininos. “É uma contradição poética. Eu me sinto muito masculino exatamente na hora em que sou mais feminino, sensível: no sexo. Na verdade, existe uma meiúca (um momento) ali, em que você deixa de ser masculino ou feminino e passa a ser humano”, diz o ator e compositor Cláudio Lins, 27, casado com a atriz Adriana Garambone (a Taís, da novela Esplendor).

Voz mansa, gestos suaves, Cláudio diz que não é “um retrato muito fiel” de sua geração. “Gosto de MPB, música clássica, instrumental, coisas mais profundas”, conta o filho mais velho de Lucinha e Ivan Lins.

Cláudio lembra que, na adolescência, lia a revista “Capricho” de sua irmã, para saber mais sobre as meninas. “Existe coisa mais masculina do que se interessar pelo universo feminino?”, pergunta.

Um dos pré-requisitos exigidos dos participantes desta reportagem foi não temer arranhões na própria imagem. Afinal, quem se incomoda com isso (e houve muitos) não pode entrar no rol dos “seguros de sua própria masculinidade”.

Cláudio Lins tem uma idéia muito própria sobre essas “obrigações” clássicas do mundo masculino. Compôs até uma música, “Homem Natural”, sobre o assunto: “Uma vez, quando eu era adolescente, estava na praia caminhando com um amigo e passamos por uns caras que jogavam 'porradobol' (espécie de vale-tudo do futebol); meu amigo comentou: “Imagina a vontade que esses caras têm de se pegar”, lembra.

O cenógrafo e designer Gil Hagenauer, 46, passaria por uma partida de “porradobol” sem notar. Ele diz que nunca frequentou o universo machista tradicional.

Em sua casa de pé direito alto, no meio do mato, em um condomínio na Barra da Tijuca, Gil cria a labrador Happy, de dois anos, e também peças em vidro e luminárias. Ele tem um ritmo menos acelerado de trabalho do que a mulher, Márcia Italo, 45, produtora de elenco.

“O bom do Gil é que ele não é esse tipo de homem que se sente ameaçado, ou enche o saco, se não está em um período tão produtivo quanto o da mulher dele”, diz Márcia. “Sinto mais orgulho de uma mulher que tenha uma postura legal no trabalho, que se dê bem, do que uma piloto de fogão”, diz

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