VIOLÊNCIA E TV
O aumento do "consumo da violência" é fato notório: na mídia, o faturamento é garantido na exploração deste veio. Quase todas as emissoras de televisão têm programas onde a violência transborda: filmes, muitos deles à disposição de todos apresentados na "sessão da tarde"; programas onde acompanhamos, ao vivo, a polícia na perseguição de malfeitores; cenas reais de acidentes de carros, quedas de avião, incêndios e outras catástrofes. (Às vezes, somos prevenidos de antemão que "as cenas que se seguirão podem chocar".) Mais recentemente, os canais têm dedicado-se os acontecimentos em New York no dia 11 de setembro, repetidos à exaustão. Igualmente, a guerra que se seguiu tem sido transmitida para o mundo inteiro.
Por outro lado, um breve passeio pela História da Humanidade nos ensina que a violência, em suas várias versões, sempre existiu: os conflitos, em maior ou melhor escala, são incontáveis; as rebeliões, as revoltas; queimavam-se as bruxas e enforcavam-se os criminosos em praça públicas, e tantas outras coisas.
Entretanto, o que caracteriza a violência nos dias de hoje é que ela vem sendo utilizada como uma forma - às vezes a única - de dar vazão à crescente insatisfação social, que pode começar na própria casa, com a qual o indivíduo vê-se cotidianamente confrontado.
No caso de crianças, esta situação é particularmente preocupante. Sabemos da importância dos pais na construção do universo psíquico destas últimas. Porém, no caso de um ambiente familiar mal estruturado, a criança buscará modelos fora do âmbito familiar para construir seu sistema de valor ético-moral. Ou seja, na falta de referências no ambiente onde está inserida, a criança pode tomar aquilo que a televisão mostra como coordenadas de base na construção de seu sistema ético-moral. Cenas que evocam violência, agressividade, aquelas que sugerem relações baseadas na desconfiança, na falta de solidariedade e outras tantas, podem incentivar comportamentos e propor "valores éticos" divergentes daqueles necessários para a construção de uma estrutura social calcada no respeito e no direito do cidadão.
Quanto aos adolescentes, a situação tampouco é simples: estes buscam modelos externos durante o período de separação e luto dos modelos familiares. Aqueles carentes de referências no ambiente familiar, encontram nos “valores globais” respostas lá onde os pais, e em seguida a sociedade, nada lhes propõem, "assegurando" ao sujeito a ilusão de pertencer a um grupo. Alguns movimentos anti-sociais dos adolescentes - delinquência, uso de drogas... - traduzem bem esta configuração. Em ambos os casos - crianças e adolescentes - quando o mundo interno se encontra mal estruturado e pobre em imagens identificatórias, a televisão pode oferecer "soluções" a conflitos internos. Tal situação é particularmente dramática nas camadas sociais menos favorecidas, vítimas potenciais da propaganda (perversa?) do capitalismo. Pode acontecer que, para muitos, os valores exibidos pela TV sejam transformados em valores sociais de felicidade. Ora, quando se cria entre o Eu do indivíduo e estes "valores" uma distância intransponível, a violência pode ser a única maneira encontrada pelo sujeito como resposta à exclusão na qual o este mesmo sistema o colocou.
Finalmente, é importante lembrar que, muitas vezes, a realidade criada pela televisão, seja na publicidade ou nos programas, pode exibir, ainda que camuflada, um grau de violência altamente sofisticado na medida em que, seguindo normas rígidas do mercado em acordo com interesses econômicos dos patrocinadores propõe, sobretudo às crianças e aos adolescentes, referências de comportamento e de consumo por vezes em completa contradição com suas realidades sócio-econômicas.
Paulo Roberto Ceccarelli*
e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
* Psicólogo; psicanalista; Doutor em Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela Universidade de Paris VII; Membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental; Sócio do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais; Membro da "Société de Psychanalyse Freudienne", Paris, França; Consultor científico (Editorial Reader) do "International Forum of Psychoanalysis"; Membro do Conselho Científico da Revista Psychê; Membro do Conselho Científico da Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental; Membro Fundador da ONG TVer; Vice-presidente do TVer-MG; Professor Adjunto III no Departamento de Psicologia da PUC-MG; Conselheiro Efetivo do X Plenário do Conselho Regional de Psicologia da Quarta Região (CRP/O4).
(Texto publicado no Jornal de Opinião da Arquidiocese de Belo Horizonte, em março de 2002)
Por outro lado, um breve passeio pela História da Humanidade nos ensina que a violência, em suas várias versões, sempre existiu: os conflitos, em maior ou melhor escala, são incontáveis; as rebeliões, as revoltas; queimavam-se as bruxas e enforcavam-se os criminosos em praça públicas, e tantas outras coisas.
Entretanto, o que caracteriza a violência nos dias de hoje é que ela vem sendo utilizada como uma forma - às vezes a única - de dar vazão à crescente insatisfação social, que pode começar na própria casa, com a qual o indivíduo vê-se cotidianamente confrontado.
No caso de crianças, esta situação é particularmente preocupante. Sabemos da importância dos pais na construção do universo psíquico destas últimas. Porém, no caso de um ambiente familiar mal estruturado, a criança buscará modelos fora do âmbito familiar para construir seu sistema de valor ético-moral. Ou seja, na falta de referências no ambiente onde está inserida, a criança pode tomar aquilo que a televisão mostra como coordenadas de base na construção de seu sistema ético-moral. Cenas que evocam violência, agressividade, aquelas que sugerem relações baseadas na desconfiança, na falta de solidariedade e outras tantas, podem incentivar comportamentos e propor "valores éticos" divergentes daqueles necessários para a construção de uma estrutura social calcada no respeito e no direito do cidadão.
Quanto aos adolescentes, a situação tampouco é simples: estes buscam modelos externos durante o período de separação e luto dos modelos familiares. Aqueles carentes de referências no ambiente familiar, encontram nos “valores globais” respostas lá onde os pais, e em seguida a sociedade, nada lhes propõem, "assegurando" ao sujeito a ilusão de pertencer a um grupo. Alguns movimentos anti-sociais dos adolescentes - delinquência, uso de drogas... - traduzem bem esta configuração. Em ambos os casos - crianças e adolescentes - quando o mundo interno se encontra mal estruturado e pobre em imagens identificatórias, a televisão pode oferecer "soluções" a conflitos internos. Tal situação é particularmente dramática nas camadas sociais menos favorecidas, vítimas potenciais da propaganda (perversa?) do capitalismo. Pode acontecer que, para muitos, os valores exibidos pela TV sejam transformados em valores sociais de felicidade. Ora, quando se cria entre o Eu do indivíduo e estes "valores" uma distância intransponível, a violência pode ser a única maneira encontrada pelo sujeito como resposta à exclusão na qual o este mesmo sistema o colocou.
Finalmente, é importante lembrar que, muitas vezes, a realidade criada pela televisão, seja na publicidade ou nos programas, pode exibir, ainda que camuflada, um grau de violência altamente sofisticado na medida em que, seguindo normas rígidas do mercado em acordo com interesses econômicos dos patrocinadores propõe, sobretudo às crianças e aos adolescentes, referências de comportamento e de consumo por vezes em completa contradição com suas realidades sócio-econômicas.
Paulo Roberto Ceccarelli*
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* Psicólogo; psicanalista; Doutor em Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela Universidade de Paris VII; Membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental; Sócio do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais; Membro da "Société de Psychanalyse Freudienne", Paris, França; Consultor científico (Editorial Reader) do "International Forum of Psychoanalysis"; Membro do Conselho Científico da Revista Psychê; Membro do Conselho Científico da Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental; Membro Fundador da ONG TVer; Vice-presidente do TVer-MG; Professor Adjunto III no Departamento de Psicologia da PUC-MG; Conselheiro Efetivo do X Plenário do Conselho Regional de Psicologia da Quarta Região (CRP/O4).
(Texto publicado no Jornal de Opinião da Arquidiocese de Belo Horizonte, em março de 2002)