Análises

A POLÍTICA DA FAMÍLIA -- O PENSAMENTO DE R. D. LAING

Das inúmeras explicações apresentadas para responder pelas diferenças antagônicas de personalidade, relacionadas com a ordem de nascimento dos filhos , nenhuma satisfaz a todos. Os psicanalistas seguidores da "psicologia individual" de Alfred Adler salientam que o fato de ser "destronado" devido ao nascimento de um irmãozinho ou irmanzinha, fará o mais velho lutar para recuperar a atenção dos pais . Para o psiquiatra inglês Ronald David Laing, os instrumentos que os pais têm para aumentar a confiança ou a insegurança de seus filhos é o que realmente conta.

 

Na medida que a mente da criança se desenvolve, sua visão da vida, do que as pessoas são e do que elas mesmas são, cristaliza-se em seu subconsciente e conduz a que ela desenvolva um comportamento que a resguarda dos perigos noseio de sua própria família.

 

Para viver no mundo segundo essa visão, ela adota, em relação a si, à família e aos outros alguns princípios diretivos para o seu comportamento, e para ver confirmados esses princípios, ela forjará alguns jogos que oscolocará à prova.

 

Na educação dos filhos, os pais estimulam ou negam a realização pessoal da criança fazendo-lhes desconsiderações, injunções, atribuições ou asreconhecem limitada e especificamente, uma técnica que, para Laing tem um efeito decisivo na gênese do comportamento do adulto. Nesta mesma linha de pensamentos, Eric Berne enfatizou que as crianças fazem as coisas paraalguém. Um menino é brilhante, ou atlético, ou bem sucedido, para sua mãe, e uma menina é brilhante, ou bonita, ou fértil, para seu pai. Ser bonita (como ser bem sucedida) para ela não é questão de anatomia, mas de permissão paterna. "Somente o sorriso do pai pode fazer a beleza brilhar dos olhos de uma mulher", diz Berne. Por outro lado, o menino é estúpido, fraco ou desajeitado para seus pais, e a menina é estúpida, feia ou frígida, se issoé o que os pais querem. Esta técnica, que Laing detalha no seu livro, é exemplificada no livreto A Infância dos Três Porquinhos.

 

Considerações e Desconsiderações. Como regra, os pais aplaudem o comportamento do filho que pode fazê-los se sentirem importantes como pais de uma criança inteligente, bem dotada, ou que atendam Às suas necessidades de auxílio nas tarefas domésticas ou nos negócios, ou ainda para que possam aparecer como vítimas martirizadas de filhos que eles mesmos escolheram fazer as ovelhas negras da família.

 

Injunções. Os pais encorajam seus filhos por caminhos que, de acordo com sua visão do mundo e sua teoria de vida, supostamente lhes trariam bem estar e sucesso. "Trabalhe duro", "Seja uma boa menina", "Economize seu dinheiro","Seja sempre pontual" são exemplos do que Laing chama Injunções.

 

Atribuições. Laing (op. cit.) diz que o melhor modo de fazer alguém se tornar um certo tipo de pessoa é através de "atribuições", ou seja, é dizer a ela que ela é o tipo que se deseja que ela venha a ser. Se é dito à criança que ela é um bom menino ou boa menina, ele ou ela assumirão o papel de bom menino ou boa menina. Será ainda melhor se uma terceira pessoa transmite para ela a opinião ouvida a seu respeito.

 

Ao fazerem atribuições a seus filhos, os pais tendem a seguir uma regra que eu chamo "das três atribuições básicas" e que costume ilustrar com a fábula dos 3 porquinhos.. Se têm três filhos, eles usualmente buscam fazer de um deles, geralmente o mais velho, a criança prodígio. Outro filho, provavelmente o segundo, será treinado para ser responsável e prestativo, útil À família sob variadas formas. Outro, possivelmente o terceiro serátreinado para ser o filho difícil, podendo no entanto ser charmoso e desligado, ou repulsivo e estúpido, ou mesmo o bobo da família. Essa ordem pode, é claro, ser modificada e, no caso de mais filhos, diluída e cada posição compartilhada por dois ou mais.

 

Para conseguir seus propósitos, os pais não precisarão mais que dizer respectivamente a cada filho que ele é inteligente, que é prestativo e bom filho, ou que é um fracasso, fazendo/lhe atribuições arbitrárias que ascrianças aceitam. Para reforçar essas atribuições, no caso do exemplo acima, os pais presentearão os filhos de acordo: ao mais velho darão livros e jogos que requeiram reflexão ou o que quer que esteja em relação com a excepcionalidade que buscam desenvolver nele. Ao segundo, darão miniaturas de oficinas ou, se é uma menina, ferrinho de engomar, vassourinha, miniaturas de cozinhas e lavanderias, etc. Ao mais novo não se dão ao trabalho de dar qualquer presente ou, se lhes pede, lhe darão coisas que não seja bem o que ele quer.

 

Tanto quanto sei, a expressão Política da Família foi usada primeiro por Laing no seu livro deste mesmo título, significando que os pais usam táticas sutis para criar - no meio familiar - respeito em relação a alguns de seusfilhos, enquanto promovem o preconceito contra ao demais. Muito do que no tempo de Laing era considerado efeito de experiências abusivas, hoje é dito ser problema de falha genética. No entanto, como eu disse no meu livreto AInfância dos 3 Porquinhos (Ed. Valcy, Brasilia, 1985), os resultados estatísticos que mostram os mais velhos consistentemente diferentes dos nascidos depois, não guardam correspondência com a estatística biológica: seessas diferenças fossem devidas a genes, não seriam privilégio de determinado posto na ordem de nascimento.

 

Assim, pouca dúvida fica de que seja influência da política da família aqueles traços de personalidade encontrados usualmente como característica dos mais velhos ou dos caçulas. Isto é o que faz da teoria de Laing uma conquista importante na compreensão da formação da personalidade. É ainda mais importante quando se considera a infelicidade que o preconceito cria no seio da família. Se deseja conhecer em resumo a tese de Laing, eu a exponho no livreto acima referido; basta clicar aqui

 

-----Página de Educação e ComportâmentoSite original: www.cobra.pages.nom.br)

 

NOTA BIOGRÁFICA:Ronald David Laing, renomado e controvertido psiquiatra, conferencista e autor de vários livros, rebelou-se contra a psiquiatria ortodoxa e buscou um novo método de tratamento da loucura. Nasceu em Glasgow, Escócia, em 7 de outubro de 1927, e faleceu em 1989. Teve uma infância de sofrimento, por apanhar surras de seu pai, tormentos que superava refugiando-se em "um ponto no espaço sem qualquer dimensão"; então leu intensamente desde a Bíblia até os filósofos e cientistas de renome. Ronald David Laing, renomado e controvertido psiquiatra, conferencista e autor de vários livros, rebelou-se contra a psiquiatria ortodoxa e buscou um novo método de tratamento da loucura. Aos 14 anos, lendo Platão, sentiu despertar em si o interesse pelapsicologia.

 

Após formar-se em medicina na Universidade de Glasgow em 1951, Laing serviu um período no exército e na sua prática convenceu-se de que um comportamento "maluco" pode ter um efeito salutar se for permitido o seu curso sem supressão por meio de drogas e choque elétrico, o que caracterizaria a linha existencialista trazida à psiquiatria.

 

Após um período como psiquiatra no exército britânico, Laing trabalhou no Royal Medical Hospital de Glasgow e lecionou no Deparatmento de Psicologia Médica da Universidade até 1956, quando submeteu-se a treinamento depsicanálise no Tavistock Institute of Human Relations, em Londres.

 

Seu primeiro livro, The Divided Self ("O Eu dividido") foi completado em Tavistock em 1957 e publicado em 1960; o livro despertou as respostas contraditórias com que todos os seus livros foram depois recebidos nos meios científicos.

 

De 1962 a 1965 Laing empreendeu inúmeras experiências com uma nova abordagem da doença mental: a do existencialismo. Em Reason & Violence: A Decade of Sartre's Philosophy (1950-1960) ("Razão e violência, uma década da filosofia de Sartre"), de 1964, Laing analisa aspectos da filosofia de Jean-Paul Sarte contidos em Critique de la Raison Dialectique (1960) daquele filósofo. (A mesma obra contem comentários a outras obras de Sartre, feitos pelo autorprincipal D. G. Cooper). Nestes anos dirigiu a Langham Clinic, em Londres e começou também experimentos com drogas estimulantes do pensamento como meio de acelerar viagens transcendentais ao Eu interior. Ele e outros fundaramuma comunidade terapêutica em Kingsley Hall em Londres em 1965; a utópica clínica faliu cinco anos depois, mas centros semelhantes apareceram em vários pontos dentro e fora de Londres. Laing dedicou-se então à psicologiano seio das famílias. No início da década de 70 estudou com mestres budistas e hindus em Ceilão, Índia e Japão, e fez conferências nos Estados Unidos. Faleceu em 23 de agosto de 1989 quando em férias em St. Tropez, França.

 

Principais obras: The divided self, 1960; The politics of experience and the bird of paradise, 1967; Self and others, 1969; Knots, 1970; The Politics of Family, 1971; Reason & Violence: A Decade of Sartre's Philosophy (with D.G.Cooper), 1964; Do You Love Me?: An Entertainment in Conversation and Verse, 1976; Intervista sul folle e il saggio, 1979; The Voice of Experience, 1982; Wisdom, Madness and Folly: The Making of a Psychiatrist, 1985.

 

----------BIBLIOGRAFIAOBRAS DE LAING:

 

A política da experiência: a ave do paraíso. (Tít. orig. The politics of experience and the bird of paradise). Trad. Áurea B. Weissenberg. 2ª ed. Vozes, Petrópolis 1978.

 

Equilibre mental, la folie et la famille (L') (Sanity madness and the family), Ed. F Maspero , Paris 1975: 220 p.: il

 

Fatos da vida (The facts of life). Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1982: 169 p. : il

 

La voix de l'expérience (Tít. orig.: The voice of experience). Trad. Christian Cler, Jean-Pierre Simon. Seuil, Paris, 1986.

 

Laços (Tít. orig. Knots). Trad. Mário Pontes. 2ª ed. Ed. Vozes, Petrópolis 1977.

 

O eu dividido: estudo existencial da sanidade e da loucura (The divided self). Traduçäo de Aurea Brito Weissenberg. 6ª ediçäo, Vozes, Petrópolis, 1991.

 

O eu e os outros: o relacionamento interpessoal (Self and others). Trad. Aurea Brito Weissenberg. 7ª ediçäo. Ed. Vozes, Petrópolis 1989.

 

Percepcao interpessoal (Interpersonal perception) Ed. Eldorado, Rio De Janeiro, 1972: 214 p. : il

 

Politica da Familia(A). 2. ed. Ed. M. Fontes, Sao Paulo, 1983: 155 p

 

Politics of experience(The). 11. ed., Ballantine, New York, 1979: 190 p

 

Sagesse, déraison et folie: la fabrication d'un psychiatre(1927-1957) (Tít. orig. : (Wisdom, madness & folly: the making of a psychiatrist(1927-1957)) Trad. Brice Matthieussent, Catherine Cassin. Seuil, Paris, @1986.

Imprimir Email