Análises

UM OLHAR SOBRE A PATERNIDADE

O princípio da igualdade na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) proclama o reconhecimento da dignidade inseparável e da igualdade de todos os membros da família humana: homens, mulheres e crianças. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (Viena, 1993) ratificou a igualdade de direitos de homens e mulheres considerando qualquer forma de discriminação sexual como ação criminosa. A Constituição Federal Brasileira (1988) inicia o capítulo dos direitos individuais discorrendo que todos são iguais perante as leis sem qualquer distinção (Art. 5º, caput).

Quando tratamos os direitos humanos com uma perspectiva de gênero percebemos um grande avanço das mulheres que vêm exercendo influências na sociedade e na família conquistando espaços e derrubando paradigmas arraigados na visão humana. O século XX foi um marco na conquista dos direitos humanos, onde, a partir da década de 40, estabeleceu uma série de convenções internacionais que definiram os padrões mínimos para uma vida digna entre os seres humanos, tendo estes padrões adquirido um conceito contemporâneo marcado pela universalidade, indivisibilidade e interdependência. Porém, quando tratamos de reconhecer os direitos dos outros, onde o nosso próprio direito está aí inserido, sofremos várias influências que se transformam em preconceitos e que se decompõe em dogmas que chegamos a não permitir nenhuma outra visão fora daquela estabelecida pela sociedade, porque é muito difícil fugir do pensamento político, jurídico e social no Brasil, e que reflete grande parte do mundo ocidental, do paradigma do homem, adulto, heterossexual e dono de um patrimônio.

A questão do gênero, as diferenças além das físicas entre homens e mulheres, foi marcada por uma série de conquistas, rompendo com muitos tratamentos desiguais dispensados às mulheres historicamente em nossa sociedade. Estes tratamentos diferenciados entre homens e mulheres sempre levam a questionamentos em que as mulheres aparecem como vítimas de um processo discriminador, mas o que levantamos aqui é justamente o contrário, alguns direitos que historicamente foram conferidos as mulheres e que até hoje é um paradigma para a espécie humana masculina, estando ainda incorporados no inconsciente coletivo e que resultam em decisões que ferem o princípio da igualdade humana.

O relato verídico a seguir, cujos nomes são fictícios, reflete um problema comum facilmente encontrado nas raias da justiça brasileira. Manuel é uma pessoa próxima, que até um ano atrás era bem casado com Marta, pai de uma filha, vivendo a estrutura de uma típica família brasileira tradicional. Todavia, não foi o bastante para que sua esposa mantivesse relações com outro indivíduo, adotando um comportamento sexual desviante, além de tentar manter uma relação de poder através do sexo com seu esposo, no que Foucault (1983) chamou de “dispositivo de sexualidade” onde a estrutura social não é mantida apenas pela reprodução mas também pelo controle do corpo de cada cidadão, sendo a sexualidade manipulada como forma de manter uma relação de poder e não apenas de reprodução. A separação veio como única via de resolução e que trouxe um dilema maior que seria a guarda de sua filha de 11 anos, onde a questão foi levada à justiça, já que não foi estabelecido um acordo entre as partes.

Eis que Manuel se depara com um ato de cerceamento da justiça e confirmado pelo senso comum: a justiça dificilmente dará guarda de um filho ao pai. Imagine que no momento em que a sociedade discute um novo modelo de núcleo familiar, onde questões como a adoção por parte de casais homossexuais vem à tona, assistimos um verdadeiro ato de discriminação contra o pai, ferindo a própria Constituição Federal Brasileira (1988), que no seu primeiro inciso do Art. 5º, declara que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Existem inúmeros homens que criam e educam seus filhos sozinhos com comportamento exemplar, que só não amamentam por ser uma função natural conferida exclusivamente a mulher. Engraçado como a mãe, mesmo tendo um comportamento sexual desviante que, conseqüentemente, é empurrado para dentro do seio familiar, conseguiu o direito da guarda de sua filha movido por uma visão preconceituosa e discriminatória de que ao homem compete o papel patriarcal de trabalhar e garantir a pensão para a mulher e filhos, sendo que este não possui de fato o direito à guarda de seu filho, direito garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu Art. 21º, que reza que o pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

Diante de tantos paradigmas, resta-nos questionar: Ora, será que da mesma forma que a mulher evoluiu em direitos e conquistas o homem não evoluiu para ser pai?

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* Gestor em Direitos Humanos e Bacharelando em Ciências Sociais/UFS

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