Análises

O HOMEM-PAI NO DIVÓRCIO

Homens e mulheres sentem dificuldades em acompanhar o progresso tecnológico e emocional, deixando-nos perdidos nas imensas transformações resultantes do progresso. A todos são exigidos novos papéis, difíceis de definir, num contexto de constante mudança. Por isso, é cada vez mais uma preocupação de todos redefinir as funções de cada um e assegurar a importância de todos. Nesse sentido, o que é esperado de um homem e pai, nos dias de hoje? Onde estão, o que mudou e para onde é necessário que caminhem?

Como para a mãe, sabe-se hoje que «pai é quem cuida e desse cuidado nasce o amor». Ser-se homem e ser-se pai são rituais que regulam a vida em sociedades, onde a família é o centro nevrálgico da sua existência e continuidade.

Até aos anos 70, o pai era visto como o progenitor biológico, com função de educar, transmitir valores, responsabilidade pessoal e social, sempre em segundo plano, relativamente á mãe. Agora, espera-se alguém que se dedique afectivamente á família, ampare, converse e «esteja presente». Pede-se, ainda, uma função lúdica, onde a brincadeira, o desporto e o passeio completam a complexidade deste novo modelo masculino, tornando-o imprescindível.

Há três décadas que nos confundimos tentando aproximar os modelos de mãe e pai, homem e mulher, como se tivessem de ser semelhantes mas, para funcionar, devem ser complementares e diferenciados.

Estes e outros desencontros têm sido decisivos nas separações e divórcios. Todos nos sentimos lesados e «enganados», pelo cônjuge, quando as nossas expectativas não só saem goradas como associamos esse «logro» a falta de interesse, estima, respeito e amor da parte do companheiro. Será assim? Será deliberado da parte de tanta gente falhar nas coisas mais caras para cada um de nós? Estaremos todos a brincar com a vida ou antes enredados em sentidos e significados bem mais difíceis de decifrar e coadunar do que antes? Mais parece esta última hipótese!

Escrevem-se livros sobre a comunicação, sexologia, técnicas disto e daquilo e talvez quase tudo passe por compreender os diferentes funcionamentos e como são independentes de questões mais pessoais. Homens e mulheres escutam coisas distintas quando cada um fala e o homem tem escutado, vezes de mais e erradamente, a pouca falta que faz para assegurar um crescimento equilibrado numa criança. Hoje sabe-se tão fundamental quanto a mãe, mas ainda não está suficientemente interiorizado. Embora o homem esteja sensibilizado para fazer diferente, ainda não sabe como se faz ? e as mulheres também não! É uma fase de transição e experiência para todos, com uma identidade masculina múltipla e até contraditória.

Talvez os homens sejam o resultado das mulheres que somos e as mulheres dos homens que temos. Talvez nos definamos uns aos outros sem assim o percepcionar, para concretizar expectativas, ás vezes pouco razoáveis. Queremos uns á semelhança dos outros, e teimamos em não perceber que isso nos deixa infelizes.

Quem passa por um divórcio, em especial quando não foi desejado e há filhos, apresenta marcas de um sofrimento suficiente para se reconhecerem uns aos outros. Numa primeira fase, ainda não falam dos filhos, enumeram--nos. Quase todos se queixam de falta de liberdade, incompreensão e falta de reconhecimento por parte do outro.

O homem divorciado pode passar por fases distintas nesse processo. Primeiro celibatário, depois vive uma segunda adolescência, onde se entrega ao jogo de seduzir e ser seduzido, muitas mulheres a contar muito pouco. Mais depressa do que as mulheres, sente o vazio aumentar no abismo de tantas relações pelo que mais vezes recorre a um segundo casamento. As estatísticas falam que o divórcio é pedido pelas mulheres em 80% dos casos, mas há mais mulheres divorciadas do que homens, contudo, estes recasam mais, talvez por estabelecerem relações mais dependentes, por quase sempre deixarem a casa e ficarem sem os filhos.

A separação acontece muito antes da decisão de divórcio. Há um divórcio psicológico antes do decisório e do judicial e, enquanto processo, é sempre uma crise e uma perda. Decorre do desfasamento nas vivências emocionais e na dificuldade em viver com as diferenças.

Os filhos são, tradicionalmente, entregues á custódia da mãe, com o pai relegado para segundo, ás vezes terceiro planos, pois os avós sobrepõem-se-lhe. O pai, «inveja» á distância, uma rotina quotidiana em que não participa e, por isso, o faz sofrer. É-lhe negado o direito de se queixar, pois tudo decorre da lei e é-lhe exigido que receba o que lhe quiserem dar e dê tudo o que tiver. Terá de ultrapassar a rejeição e encontrar uma cooperação possível com a mulher, mãe dos seus filhos, forma única de não perder o direito a eles.

O direito de visita, a pensão de alimentos e a convivência com o segundo cônjuge da mãe dos filhos resumem apenas alguns dos conflitos possíveis que terá de gerir até renegociar o relacionamento conjugal e parental, com novos papéis e novas fronteiras.

Temos, também, de enquadrar os novos «pais», não biológicos e criar leis que defendam os seus direitos nos segundos casamentos, onde tanto se envolvem, investem e trabalham, sem nunca poderem reclamar o direito a serem chamados de «pai». Sabe-se que os homens se ligam melhor ás crianças com quem vivem e quando têm uma mulher a fazer a mediação, delineando as linhas de orientação através das quais vai pautar os seus comportamentos protectores.

Embora só muito raramente o divórcio acabe por ser um acontecimento positivo, também pode ser vivido como uma crise pessoal, com oportunidades e características exclusivas para o desenvolvimento de alguns indivíduos. Contudo, a maioria das vezes, é o acontecimento mais doloroso da vida do ser humano, logo a seguir á morte de um filho e aquele em que ninguém ganha e todos perdem muito.

Autora: Dr.ª Cristina Freire - Psicóloga clínica e terapeuta familiar

Fonte: http://www.medicosdeportugal.pt/action/2/cnt_id/986/

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