ALIENAÇÃO PARENTAL JUCIDIAL
Consta que a OAB/RJ será a sede do III Congresso Nacional e I Congresso Internacional sobre alienação parental, nos dias entre os dias 3 a 5 de abril. O tema será "Um novo tempo - a informação transformando vidas", que seria (em tese) novidade no ordenamento jurídico. Trata-se de "novidade", porque juízes simplesmente ignoram e não aplicam os dispositivos da lei da alienação parental, criando um circulo vicioso e continuo, eis que os alienadores (constituídos na maior parte das vezes pelas genitoras) sentem-se incentivadas com a omissão judicial, agravando, muitas vezes, a alienação.
Ocorre que é impossível dissociar o assunto "alienação parental" de outro tema, a "guarda compartilhada", que passou a ser a regra, instituída no art. 1.583, § 2º, CC, mesmo nos casos em que não "há acordo entre as partes". É este o teor do referido artigo:
"Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada".
A necessária associação entre ambos os temas decorre do seguinte fato: a alienação parental é perpetrada, na maioria das vezes, pelas mães, às quais o Judiciário sempre defere a guarda unilateral (com raríssimas exceções), muitas vezes em afronta a outro importante dispositivo, o artigo 1583, § 2º, I, CC, que trata da guarda pelo genitor que revele melhores condições para exercê-la, inclusive que possa propiciar afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar.
Basta que supostamente "não haja acordo entre as partes" para que essa condição seja transformada em fator de indução da existência de um "clima não ameno" ou "beligerância" entre as partes, abrindo caminho para uma guarda unilateral (que seria exceção).
Isso decorreria, em tese, porque a expressão "sempre que possível" (art. 1583, § 2º, CC) daria margem para interpretação diversa, abrindo caminho para a guarda unilateral. Ora, isso é pura teratologia, eis que essa expressão refere-se, por óbvio, a situações fáticas e logísticas que inviabilizariam, na pratica, a guarda compartilhada; nada tem a ver com a suposta condição de "não haver acordo entre as partes" ou uma eventual beligerância entre as partes, hipóteses onde a guarda compartilhada deve ser imposta, até mesmo, por decisão judicial, se necessário, conforme magistral decisão da lavra da Ministra Nancy Andrighi, no Respe 1.251.000 (STJ).
É por demais evidente que a expressão "sempre que possível" estará relacionada, por exemplo, a casos de pais que residem em cidades diferentes, ou de pais que encontram-se na prisão, ou ainda, em situações onde um dos genitores encontra-se com problemas graves de doença.
Caso pairassem duvidas, bastaria a leitura atenta e responsável da CF (artigo 223, caput), da lei de alienação parental, do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, de dispositivos do CC, em interpretação sistemática, para se afastar, completamente, o uso indevido, equivocado e abusivo da expressão "sempre que possível" para conceder a guarda compartilhada à genitora (que é o que acontece na maioria dos casos), em situações da existência de supostos conflitos entre os pais.
A simples aplicação dos artigos 3º a 6º, do ECA, seria suficiente para afastar quaisquer entendimentos em sentido contrário. Destaque-se o texto do artigo 6º:
Na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
A propósito, é na situação de conflito entre os pais que a guarda compartilhada se justifica, inclusive com imposição judicial, para resguardar os interesses dos menores, jamais os dos pais.
Ora, é de sabença geral que na maioria das vezes, são as próprias mães que criam toda a sorte de obstáculos em relação aos filhos, justamente para provocar o suposto "não há acordo entre as partes", levando a reiteradas e equivocadas decisões judiciais pela guarda unilateral, em escancarada violação dos direitos dos menores em conviverem com ambos os pais.
A propósito, percebemos elevado número de decisões que são construídas não por magistrados, mas por sua assessoria técnica, composta, muitas vezes, por pessoas sem maturidade ou experiência de vida (ou doutrinaria), que permita atuar com isenção e segurança, em campo tão complexo e sensível como o Direito de Família; inexperientes, adotam o principio do "Ctrl Alt Ctrl V", sempre repetindo decisões anteriores, levando aos juízes (que não tem tempo de ler os autos, face à quantidade e volume) decisões prontas, como num “script”, para simples assinatura do magistrado, que, por sua vez, faz de conta que cumpre com o seu dever. As consequências são trágicas, pois afetam gravemente a vida de inocentes que não podem se manifestar.
Ocorre que o legislador, atendendo os anseios da sociedade e acompanhando a evolução dos tempos atuais, além da necessidade de adotar, na pratica, o principio do superior interesse da criança - em defesa dos menores e não dos genitores - percebeu a equivocada intenção das genitoras (sempre criar obstáculos), muitas vezes orientadas por advogados, e assim instituiu a guarda compartilhada mesmo quando não houver acordo entre as partes!
Entretanto, a guarda compartilhada é um dos dispositivos legais mais violados pelo próprio Judiciário, com a leniência do MP, implicando em odiosa forma de alienação parental judicial face o imenso prejuízo causado ao estabelecimento ou manutenção de vínculos entre pais e filhos.
Explico.
A lei 12.318/10 (alienação parental), trouxe em seu artigo 2º, parágrafo único, algumas formas exemplificativas de alienação parental. Portanto, é evidente que existem outras formas de alienação parental, sendo a mais comum delas a alienação parental judicial, que deveria constar como a primeira forma no referido rol exemplificativo.
Dessa forma, a alienação parental judicial é forma gravíssima de alienação parental que vem ocorrendo diariamente nos tribunais brasileiros, onde magistrados recusam-se a aplicar o disposto no artigo 1.583, § 2º, CC (a guarda compartilhada como regra geral).
Confira-se a definição de "alienação parental" (lei 12.318/10):
Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (grifamos e negritamos)
Nesses termos, percebe-se que a violação perpetrada pelo Judiciário, nas decisões que implicam em guarda unilateral, é evidente.
Portanto, é necessário que também sejam adotadas as devidas sanções contra magistrados e membros do Parquet que violam os preceitos do artigo 227 (CF/88) e da Guarda Compartilhada, pois ao não assegurar absoluta prioridade à criança, destroem o seu direito ao duplo referencial (pai e mãe) e o direito à convivência familiar, transformando-a, nos casos de separação entre seus pais, em órfãs de pais vivos.
É de se estranhar que CNJ e o CNMP tenham silenciado até o momento. Deveriam interferir no caso, expedindo as devidas orientações e instruções, no sentido de que magistrados e promotores observem o cumprimento das leis.
Proliferam audiências de conciliação sem o cumprimento do rito exigido no artigo 1.584, § 1º (matéria de ordem pública), onde o juiz é obrigado a explicar às partes o significado da guarda compartilhada, implicando que o tema fique obscuro, em violação direta da doutrina da proteção integral da criança, estabelecida no artigo 227, caput, da Carta Magna. Ao iniciar as audiências, ignoram solenemente o dispositivo (a não ser quando as partes "concordam"). Entendo que qualquer audiência de conciliação que não cumpra o rito do artigo 1.583, § 1º, CC, é nula de pleno direito.
Tenho a impressão de que o "superior interesse da criança", principalmente o direito da convivência familiar do menor com ambos os pais (garantia do direito ao duplo referencial para a sua sadia e plena formação psicológica) só irá se concretizar a partir do momento em que juízes passarem a ser exemplarmente punidos por suas decisões ilegais e inconstitucionais, na maior parte das vezes sem quaisquer justificativas ou fundamentações minimamente razoáveis.
Tão mais grave é quando as provas constantes nos autos indicam indícios de alienação parental em curso; ainda assim, omitem-se ou, o que é pior, adotam decisões teratológicas. Por exemplo, tomamos conhecimento de caso em que a genitora, por guardar mágoas da separação, passou a praticar todos os obstáculos possíveis para dificultar, ao máximo, a aproximação e convivência entre pai e filho, inclusive mudando de residência e ocultando o endereço. O genitor ingressou com ação de busca e apreensão do menor. Para "solucionar" o caso, o magistrado determinou a guarda unilateral, não ao genitor, mas à alienadora. Como "consolação", foi deferido ao genitor o direito de "visitas" ao seu próprio filho "de quinze em quinze dias" (circunstância que, data máxima vênia, trata-se de verdadeiro deboche ao principio do superior interesse no menor). Violou-se os artigos 4º, 6º e 7º da lei 12.318/10 (apenas para citar a lei especifica).
Entretanto, enquanto os magistrados se omitem, a alteração desse odioso status quo dependerá das novas condutas que devem ser adotadas pelos membros do Parquet em suas manifestações, devidamente fundamentadas, bem como dos advogados das partes (por meio de recursos cabíveis e representações ao Conselho Nacional de Justiça e do Ministério Público, quando for o caso).
O Legislativo jamais esteve inerte na questão do superior interesse da criança. Plasmou dispositivos de proteção na Constituição (artigo 227), no CC, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na lei de alienação parental. Se os dispositivos fossem efetivamente aplicados pelo Judiciário (notadamente as referentes à alienação parental e guarda compartilhada), é certo que os números desse crime silencioso (alienação parental) seriam reduzidos.
A omissão do Judiciário na questão sugere a necessidade de se apresentar denúncia, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da violação do direito das crianças ao convívio com ambos os pais, à semelhança do que fez a Sra. Maria da Penha (quando denunciou a apatia e inoperância do Brasil na questão da violência contra a Mulher; somente a partir da referida denuncia - e após muitas vítimas - a denominada Lei Maria da Penha "pegou"). Vale lembrar que os pais afastados de seus filhos são igualmente vítimas.
Por conta dessa odiosa omissão, eis que o Congresso Nacional, ouvindo o clamor da sociedade e o choro silencioso das milhões de crianças vítimas do "apartheid" entre pais e filhos imposto pelo Judiciário (alienação parental judicial), está tomando providências importantes.
Emergiu do Congresso o PL 1009/11, aprovado na Câmara em dezembro de 2013, alterando os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do CC, para estabelecer o significado da expressão "guarda compartilhada". Encontra-se na Comissão de Direitos Humanos do Senado, tramitando como PLC 117/13.
O PLC 117/13 está pronto para votação desde 25.02.14, na referida Comissão de Direitos Humanos do Senado, com parecer favorável pela aprovação, com a seguinte redação:
Art. 2º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 1584 (...)
§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao juiz que não deseja a guarda do filho.
Vale dizer que, em tese, o referido projeto de lei é absolutamente desnecessário, eis que o comando do artigo 1.584, §§ 1º e 2º, do CC é claro no que se refere à instituição definitiva no ordenamento jurídico brasileiro, da guarda compartilhada, que passou a ser a regra, mesmo quando não houver acordo entre as partes.
Provavelmente o Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá, autor do projeto de lei, e a Senadora Angela Portela, relatora do projeto no Senado Federal, não se deram conta que estão diante de um dos mais relevantes projetos de proteção das crianças.
Sem embargos, a guarda compartilhada é o melhor antidoto contra a alienação parental. O magnífico voto da Ministra Nancy Andrighi, no REsp 1.251.000, ratifica esse entendimento.
Cabe lembrar que a guarda compartilhada é dispositivo legal com elevado potencial, registre-se, de maximizar a segurança dos próprios menores, uma vez que estes contarão com a presença constante e supervisão de ambos os genitores em suas vidas além de minimizar as condutas de alienação parental.
Afirma-se "segurança dos próprios menores", uma vez que abundam no noticiário nacional notícias de crimes cometidos contra menores que estavam, via de regra, em guarda unilateral.
Ao final de 2013, por exemplo, o corpo do menino Joaquim Ponte Marques, de apenas três anos, foi encontrado boiando no Rio Pardo, em São Paulo, causando comoção nacional. O menor era considerado um "empecilho" pelo padrastro Guilherme Raymo Longo, que via nele a presença do ex-marido da mãe do menor.
Em 29/3/14 um menino de dois anos, morador de Vicente Pires, no DF morreu em consequência de espancamento e abuso sexual, cometido pelo padrasto, que vivia com a mãe do menor há cerca de seis meses.
Apesar de desconhecer as razões pelas quais esses menores estavam apenas com uma das partes (mas certamente com amparo judicial para uma guarda unilateral), casos e mais casos como esses ocorrem diariamente no Brasil e poderiam ser evitados (ou bastante reduzidos), caso as vítimas estivessem sob guarda compartilhada, permitindo o acompanhamento e o efetivo exercício da supervisão dos interesses dos filhos por ambos os genitores, face o Poder Familiar (outra disposição ostensivamente violada pelo Judiciário, incentivadora da alienação parental). Dessa forma, a guarda compartilhada permitiria a detecção tempestiva de indícios de irregularidades (inclusive os eventualmente cometidos pelo outro genitor), viabilizando a tomada de ações preventivas ou repressivas.
Portanto, a responsabilidade culposa do Judiciário e do MP, nesses casos, é enorme, da qual não poderão jamais se esquivar. Muitas vezes ocorre acirramento de ânimos entre as partes por conta da alienação parental judicial amplamente praticada no Brasil. Basta ler o noticiário e chegar até as origens dos problemas (afastamento das crianças de seus pais, pelos juízes, na maioria das vezes sem quaisquer justificativas minimamente razoáveis).
Por essa razão nos referimos, desde o inicio, na forma da alienação parental judicial. Apenas quando essa conduta equivocada do Judiciário estiver sido definitivamente banida, os novos tempos para as crianças, filhas de pais separados, serão mais promissores.
Não existirão menores órfãos de pais vivos, e serão menores o numero de crianças vítimas de violências e crimes cometidos por pessoas próximas do próprio núcleo familiar.
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* Milton Córdova Júnior é migalheiro e advogado.