Análises

A CRIANÇA FRENTE À RUPTURA FAMILIAR *

Esta palestra faz parte do 5º Colóquio Internacional da Relação Mãe-Bebê – segundo o método Esther Bick –, cujo tema é a prevenção, o resgate e a afirmação do humanismo. E é com o sentido da prevenção que traremos algumas idéias para serem discutidas. O trabalho vai tratar da ruptura familiar pela separação dos pais e a repercussão no desenvolvimento emocional da criança. A ruptura familiar decorrente de outros fatores poderá ser foco de estudo em um outro momento.

Os estudos psicanalíticos dos distúrbios emocionais da vida adulta comprovaram que estes se originavam nos primeiros anos de vida. As contribuições de R. Spitz, D. Winnicott, Bowby, M.Malher e outros, tiveram como mérito alertar sobre os eventos realmente cruciais da infância e o período em que eles seriam mais desastrosos, como por exemplo: perda e separação na primeira infância, abuso físico ou sexual. Esses achados foram também confirmados pelos estudos da observação do desenvolvimento emocional primitivo e reafirmados pelo material clínico do método analítico (retrospectivo e histórico).

Atualmente, podemos constatar um número cada vez maior de casais – com filhos – que se divorciam, e essa situação tem sido fonte de preocupação de profissionais ligados à Saúde Mental, pois aumenta o número de separações dos pais ocorridas principalmente na primeira infância dessas crianças.

Os cônjuges, ao se constituírem como casal, estabelecem certos acordos e pactos conscientes e inconscientes que poderão manter a relação. A relação de casal é algo complexo e delicado. O vínculo de cada um dos elementos da dupla passa pela identificação com os seus pais enquanto casal parental, e cada um internalizará esse casal em função de suas próprias fantasias e desejos infantis e desenvolverá um modelo que pautará a sua relação futura. Muitas das dificuldades dos casais advêm daquele modelo internalizado, mesclado pela ambivalência infantil, que, ao se reatualizar numa relação atual, impede o relacionamento livre, sem aqueles fantasmas parentais.

Outro mal-estar que pode surgir ao longo da relação de um casal é aquele oriundo das projeções infantis em relação ao parceiro. É importante frisar que cada relação tem a sua própria história, e como toda a relação viva ela é sujeita a encontros e desencontros. Crises são inerentes ao próprio crescimento do indivíduo e de qualquer relação. Assim sendo, o casal poderá apresentar dificuldades reais em função da própria dinâmica da dupla, amplificadas pelas projeções e transferências infantis que podem ocorrer em menor ou maior grau, de acordo com a maturidade emocional de cada um dos parceiros desta díade.

Toda separação vai acarretar um grau de sofrimento a todos e à criança em particular, pois ela depende física e psiquicamente dos adultos cuidadores. A forma como cada membro do casal lidará com o fato pode propiciar uma melhor elaboração da situação ou um agravamento pelos desentendimentos que podem ocorrer após a separação.
O divórcio pode ser vivido como alívio, mas toda separação envolve uma perda e, esta, um luto. Um luto por um projeto de vida a dois, por anseios e expectativas atuais conscientes e inconscientes e o rompimento, podem reatualizar outras separações e perdas.

A revivência de separações traumáticas pode dar um colorido dramático e passional a uma decisão atual de dois adultos. Freud dizia que “as pessoas se despem de suas aquisições civilizatórias nos momentos de conflito, perdendo sua capacidade de contenção dos impulsos e tornando-se próximos dos selvagens, prontos a praticar os piores atos, mesmo aqueles que em outros momentos sequer imaginaria possível realizar (1915)”.

Nas separações litigiosas, presenciamos esse fato dramático, no qual o desejo de destruir o outro surge movido por um ódio arcaico e, muitas vezes, estimulado por profissionais que não buscam uma conciliação nesse momento de intensa sensibilidade e vulnerabilidade narcísica de ambos os ex-parceiros. Alguns deles recorrem à Justiça não medindo esforços para ferir o outro, usando todo tipo de argumentos, muitas vezes, deformando a realidade.

Impulsionados pela dor da ferida narcísica , são capazes de expor a vida íntima do ex-casal no tribunal. O luto quando não elaborado pode ficar se perpetuando nos tribunais através dos intermináveis processos que o outro, ferido, impetra ao longo da vida, como forma de manter a relação, mesmo pelo ódio. O conflito conjugal pode ser deslocado para as questões materiais, como pensão alimentar dos filhos, partilha dos bens, desembocando tanto na posse e na guarda quanto na própria relação pais-filhos. O cônjuge que se sente lesado passa a cobrar do outro, ex-cônjuge, em nível concreto, todas as perdas e faltas vividas na relação, dificultando um acordo justo e razoável para todos.

Esses ex-casais em litígio, ao recorrerem à Lei, buscam a intervenção da Lei do Pai-Juiz, do Estado, procurando restabelecer alguma ordem na situação caótica que estão vivendo. Mas, para alguns casais, nem essa lei externa funciona, pois o tipo de vínculo emocional estabelecido é da ordem do primitivo, do inconsciente e, assim, vivido como indestrutível. Entre eles parece persistir o pacto inconsciente de que só a morte poderia separá-los. Essa idéia pode ser reforçada por algumas religiões, em que o vínculo do casamento é considerado indissolúvel.

Mas, em determinadas estruturas de personalidade (borderline e narcísica), essa lei reforça o tipo de vínculo que estas pessoas estabelecem entre si. A relação faz reviver uma situação primária e arcaica, e pode acarretar a instalação de um quadro psicopatológico tão grave que a perda do outro implicaria na perda de parte do próprio eu. Neste tipo de relacionamento, chamado fusional, separar seria sinônimo de morrer, e desta maneira o afastamento só seria tolerado no caso da morte concreta do outro e a criança muitas vezes, poderá ser usada como simples objeto de manipulação pelo ex-casal.

Esta foi à situação que ocorreu a Tatiana. Paula, mãe de Tatiana, uma criança de oito anos, solicitou ao Juiz a Revisão da Visitação e pedia a suspensão das visitas do pai, pois a filha se negava terminantemente a sair com ele. Nos dias de visitação, estipulado pelo juiz, Tatiana ficava com febre, vomitava e apresentava outros sintomas físicos. O juiz da Vara de Família solicitou à Perita um acompanhamento psicológico. A Orientação Psicológica foi feita com cada um dos pais e com a criança, inicialmente separados e depois, juntos.

Durante o processo, Paula, a mãe de Tatiana, trouxe um artigo de revista de grande circulação que contava a história de um modelo de sucesso, separada do marido com quem mantinha uma relação conturbada. Ele vivia a ameaçando de tirar a posse e a guarda do filho, uma criança de um ano e dez meses. Quando o ex-marido conseguiu da Justiça a posse e a guarda do filho, ao surgir na casa de sua ex-mulher com o Oficial de Justiça, ela, desesperada, agarrou o filho e se atirou do 16 o andar. Perder o filho para o ex-marido era da ordem do insuportável, assim como foi perdê-lo, e seria novamente perder parte do próprio self; perda essa que equivaleria à morte e sem alternativa cumpriu o seu mandato psíquico.

Paula tinha transmitido o seu recado ao me entregar esse artigo. Sentia-se profundamente ameaçada com a maior proximidade entre o ex-marido e a filha e, assim, com a possibilidade de perdê-la para ele. Os pais de Tatiana viviam em litígio mesmo antes do seu nascimento. As atitudes dos pais demonstravam um profundo desafeto para com a filha, mas camuflado por uma aparente proteção e atenção. O cerne do conflito era o desejo de um derrotar o outro. O ex-cônjuge era visto como adversário a ser aniquilado, e a criança era um mero instrumento para alcançar o objetivo.

Paula, mãe de Tatiana, colocava textualmente que não facilitaria a vida do ex-marido, mesmo que isso pudesse prejudicar a filha. Paula reafirmava a falta de um afeto verdadeiro. Esses pais, envolvidos em sua disputa, eram incapazes de olhar e perceber o sofrimento da filha, que regressivamente mostrava no corpo a angústia desse confronto permanente. Vale lembrar que, em outros casos, os sintomas psicossomáticos que certas crianças apresentam nos dias de visitação do genitor descontínuo podem ser a maneira delas expressarem a ansiedade pelo encontro e pelo sentimento de falta, considerado um sinal de vinculação.

O casal adulto, em união estável ou não, quando decide consciente ou inconscientemente ter filhos, assume as seguintes funções: parental e tutelar. Todo casal partilha a função tutelar em relação aos filhos, e cada um exerce a função parental. Há um campo específico do casal em que ocorrem as trocas afetivas e que diz respeito à sexualidade genital e à manutenção do tabu de incesto em relação aos outros elementos da família. O amadurecimento do campo conjugal permite que as duas outras funções possam ser desempenhadas a contento.

O exercício da parentalidade – paternalidade e maternalidade – faz parte da função parental dos pais e vai retratar a trajetória das experiências infantis e das identificações desses pais com seus próprios pais. O desejo adulto de ter um filho vai possibilitar a esses pais acolher as necessidades emocionais reais de uma criança. O aspecto tutelar partilhado se refere ao intuito do casal de sustentar e preservar o grupo familiar. Na separação, a dissolução ocorre na Conjugalidade e na Tutelaridade Compartilhada, mas isso não se processa em nível psíquico de maneira simultânea, tornando-se necessário um tempo para a elaboração dessas mudanças e de adaptações à nova realidade.

Os pais, no auge da discórdia, às vezes não conseguem discriminar que foi o seu casamento que se rompeu e não a sua função paterna ou materna, e que esta deve permanecer inalterada. O divórcio não deve incluir nem a parentalidade nem a tutelaridade, que são responsabilidade permanente do pai e da mãe, mesmo quando a posse e a guarda não está sob seu domínio. Françoise Dolto coloca que os pais nem sempre têm consciência de que, no coração da criança, dá-se um processo dinâmico e inconsciente, sobre o qual ela não pode falar naquele momento, mas que trará conseqüências.

Cabe enfatizar que as crianças não internalizam só a relação com o pai e a mãe e os cuidados que são dispensados por cada um deles, mas introjetam o tipo de relacionamento que ocorre entre os pais. Winnicott, em Agressão e sua Relação com o Desenvolvimento Emocional, lembra que a criança interioriza a totalidade da experiência de forma a dominá-la e, assim, “pode-se então dizer que, um estado físico de pais que brigam vive dentro dela e, daí em diante, uma quantidade de energia é dirigida para o controle da relação má internalizada. Em certos momentos, a relação má internalizada assume o controle e a criança passa a se comportar como se estivesse possuída pelos pais que brigam.

Clinicamente aparece uma dramatização da expulsão da maldade como pontapés, flatulência, cuspidelas etc. Uma outra alternativa é a propensão a acidentes (pág.361)”. Muitos casos não chegariam a situações difíceis caso pudessem contar com a ajuda de um Mediador técnico capacitado para essas situações, junto à Vara de Família. O Mediador poderia atuar durante o processo do divórcio de pais com filhos, nos processos de revisão da posse e da guarda, assim como nos processos de mudança na visitação. O trabalho teria o objetivo de orientar o ex-casal no que se refere a essa nova situação que eles estariam vivendo e aos cuidados necessários com os filhos.

Para Winnicott, a doença das crianças que sofreram privações não resulta da própria perda, mas que esta ocorreu num estágio do desenvolvimento emocional em que a criança ou o bebê ainda não era capaz de uma reação madura a ela. O ego imaturo não pode lamentar a perda, não pode sentir o luto. Nesse sentido, seria importante alertar aos pais a ficarem atentos ao sofrimento que a desorganização familiar poderá acarretar à criança, principalmente na primeira infância.

Françoise Dolto enfatiza que, além dessa fase inicial, o período edípico poderá ser uma fase difícil dos filhos elaborarem a separação de seus pais, em função da intensidade dos conflitos e das fantasias que permeiam este momento.

As crianças, ao se constituírem como sujeito, precisariam manter o casal parental íntegro internamente, pois isto as impediria de verem concretizadas suas fantasias agressivas e invejosas em relação ao casal idealizado, assim como as protegeria de realizarem as fantasias edípicas incestuosas -- o desejo de separar os pais e ter o genitor do outro sexo ou do mesmo (Édipo invertido).

Dessa forma, o filho, em hipótese alguma, poderá e deverá ocupar o lugar do genitor ausente. Os pais, mesmo separados, ao se manterem, dentro do possível, unidos como pais daquela criança e, ao tentarem preservar a imagem do outro, podem ajudá-la a atravessar este período delicado e conturbado.

A guarda compartilhada poderia ser uma solução, principalmente nos casos de litígio, para evitar que um dos genitores possa ter um poder adicional em relação à criança em detrimento do outro, possibilitando a ambos o exercício pleno de sua parentalidade. A guarda compartilhada deveria se limitar à responsabilidade partilhada, que em muitos ex-casais já ocorre normalmente, mas ela não deveria significar divisão rígida em termos do tempo e do espaço físico da criança. Uma divisão do tipo um mês com cada um, seria contra-indicada, principalmente na primeira infância. A criança necessita de um porto seguro que a casa de origem proporciona, na qual possa se reconhecer no ambiente conhecido e estável. Preservar este lugar significa manter constante o mundo da criança, já que o quarto da criança representa inicialmente, a extensão do seu mundo interno, pois é através da constância dos objetos conhecidos e familiares repletos de significados em seu ambiente, que a criança reencontrará a paz que precisa para lidar com a instabilidade que a situação acarreta. Isto não impede que possa ter e, é fundamental que tenha um espaço na casa do genitor descontínuo, pois isto representa para a criança a comprovação concreta de ter um espaço no coração e na mente do mesmo. Lembremos que, no Brasil, o pátrio poder é responsabilidade de ambos, sendo assim, o pai que não tem a posse e guarda é responsável legalmente pelo filho, o que não ocorre em alguns países, como, por exemplo, os Estados Unidos.

Uma das conseqüências que o litígio dos pais pode trazer à criança, diz respeito ao chamado dilema da lealdade. Alguns genitores que detêm a posse e a guarda consciente ou inconscientemente podem exercer tal pressão em maior ou menor grau e se sentem rejeitados ao perceberem o afeto e o carinho que a criança possa manifestar pelo pai ausente. Esta exigência implícita ou explícita pode desencadear uma cota de angústia adicional à criança, dificultando o relacionamento com o genitor descontínuo e com o próprio genitor contínuo. Mesmo não havendo aparentemente do genitor contínuo esta cobrança, a criança poderá sentir que deve essa lealdade a ele, pois este não a abandonou na hora da separação.

Tereza, uma criança de nove anos, filha única do casal, viveu a saída do pai de casa como um abandono a ela. O pai procurou explicar o que havia ocorrido, mas ela se negou a escutar. A situação se agravou quando o pai conheceu a atual mulher. Tereza passou a se recusar terminantemente a sair com ele nos dias combinados. O pai, acreditando que a ex-mulher estava por trás da situação e vendo esgotadas todas as possibilidades, recorreu à Justiça. O juiz solicitou um trabalho de Acompanhamento Psicológico. Neste caso, os conflitos da antiga conjugalidade colaboraram com a situação, mas o que predominou foram os aspectos emocionais da criança.

Tereza pôde perceber que sua resistência estava ligada ao profundo sentimento de abandono vivido em relação ao pai, principalmente naquele momento de sua vida e ao medo de perder a mãe, caso viesse a estar bem com o pai. O trabalho psicológico com a mãe de Tereza possibilitou que esta a libertasse do pacto de lealdade que inconscientemente também, a mantinha.

Um outro comportamento que a manutenção do litígio pode desencadear nos filhos é o uso e a manipulação da culpa que os pais possam sentir. Algumas crianças e adolescentes passam a aprender a manipular a situação aproveitando-se da falta de diálogo entre os pais, para obter benefícios materiais de ambos os lados. A motivação inconsciente presente parece ser o desejo de obter a atenção e os cuidados de que se sentiam privados; contudo, essa atitude pode ser o indício de um transtorno de caráter, pelo lucro secundário que a situação possibilita.

Há casais que, ao decidirem pelo divórcio, conseguem se colocar à disposição dos filhos para ajudá-los a elaborar essa situação. Como foi o caso dos pais de Maria Julia, que tinha oito anos quando eles resolveram se separar consensualmente. Os pais juntos comunicaram às filhas a decisão tomada. Cada criança reagiu de uma forma. Ana Maria, filha mais velha do casal, questionou muito procurando entender o porquê da separação já que eles quase não brigavam. Ela falou, chorou, querendo saber tudo o que poderia ocorrer.

Maria Julia, a caçula, não manifestou aparentemente qualquer reação, não perguntando nada, parecia alheia à situação. Com o transcorrer dos meses, passou a ficar pelos cantos, choramingando principalmente, ao anoitecer. Os pais lhe perguntavam, mas ela não sabia o porquê. Em outros momentos, expressava a dor, o pavor da mãe não voltar do trabalho, e quando ela se demorava um pouco mais entrava em desespero. Relatou que assistiu pela televisão, as pessoas serem carregadas numa enxurrada. Contudo, a situação foi se agravando e passou a não querer brincar com os amigos, reclamando que eles implicavam com ela e a excluíam das brincadeiras. Os pais preocupados com Maria Julia procuraram a ajuda de um profissional.

No transcorrer da análise, Maria Julia trouxe no material clínico, a separação dos pais. Ela se sentiu frágil e vulnerável frente às forças da natureza (a situação dos pais), das quais não tinha controle e que de repente, sentiu sua vida ser desmoronada como na enxurrada. O pavor de perder a mãe apareceu como forma reativa da raiva pela fantasia da mãe ser responsável pela saída do pai de casa, assim como o medo dela também abandoná-la. Em uma das sessões analíticas, um outro material surgiu através da história do Rei Leão. Ela desenha o leãozinho no rochedo, onde ele assistiu à morte do pai.

Surgindo, então, a fantasia dela ter se sentido responsável pela perda do pai-leão. O seu afastamento de todos seria uma forma de se punir. A história da separação dos pais, que Maria Julia tentou negar inicialmente, transformou a elaboração do luto natural pela ruptura familiar num processo melancólico. Na análise, pôde elaborar a ambivalência sentida com a situação, resgatando a verdadeira história do seu Rei Leão.

O casamento, assim como o divórcio, é um ato legítimo entre dois adultos. Este trabalho não teve o objetivo de fazer apologia a manutenção da relação conjugal mas contribuir com uma leitura psicanalítica das situações e principalmente, alertar em relação à dor e aos cuidados que se deve ter em relação às crianças, principalmente na primeira infância. O casal, ao se decidir pela separação, deveria ter em mente que os filhos continuam sendo os seus filhos, que haverá sempre uma responsabilidade adulta e permanente, e que a ruptura familiar acarretará modificações na vida da criança em diferentes níveis.

Com a saída de um dos pais, a estrutura e a dinâmica familiar são alteradas, primeiramente fisicamente e será necessário um tempo de elaboração para todos. No processo da separação, a criança tem o direito de ser informada a respeito do que ocorreu e do que ocorrerá com ela, mesmo quando muito pequena. A comunicação verbal vai permitir que ela possa dar um sentido simbólico a suas percepções, emoções e fantasias. Dolto relata em seu livro Quando os Pais se Separam a questão da “ventilação dos afetos”, que implica na possibilidade de tratar a separação em família, permitindo que a angústia indizível da situação possa ser traduzida em palavras e, assim transformando a dor em algo possível de ser partilhado e elaborado.

Na situação clínica, acompanhamos os sofrimentos das crianças, algumas hoje adultas, cuja situação litigiosa dos pais, que se manteve ao longo de suas vidas, criou marcas profundas que ressurgiam ora no corpo em manifestações somáticas, ora em dificuldades na constituição de um relacionamento afetivo duradouro como a reedição da antiga situação vivida. Esta criança-adulta que chega aos nossos consultórios, vem num momento de esperança buscar romper uma compulsão à repetição que é um processo inconsciente, e que, poderá se perpetuar a nível transgeracional, afetando várias gerações.

BIBLIOGRAFIA
BOWLBY, John. Uma base segura - aplicações clínicas da teoria do apego. Ed. Artes Médicas, P. A, 1989.
DOLTO, Françoise. Quando os pais se separam. Ed. Jorge Zahar, R.J., 1989.
FREUD, S. Repressão. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de S. Freud, Vol. XIV, ED. Imago.
LANG, Rosa Sender. Avaliação Psicológica na Justiça: Prisão ou liberdade - Apresentado em Mesa
Redonda sobre Avaliação Psicológica em 17.10.1997, Fundação Getúlio Vargas - ABPA
(Associação Brasileira de Psicologia Aplicada).
WINNICOTT, D. (1950) - Agressão e sua relação com o desenvolvimento emocional. In: Textos
Selecionados Da Pediatria à Psicanálise. Ed. Francisco Alves, 1982, p. 361.
O Brincar e a Realidade, Ed. Imago.


* Trabalho apresentado na Palestra Preliminar do 5º Colóquio Internacional da Relação Mãe-Bebê, em
Mesa Redonda realizada na Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, 13 de junho de 2000.
** Membro Docente da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro

Fonte: REVISTA PSICANALÍTICA, v.II, n.1
Sociedade Psicanalitica do Rio de Janeiro
A CRIANÇA FRENTE À RUPTURA FAMILIAR - Rosa Sender Lang

Imprimir Email