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GUARDA COMPARTILHADA: UMA ESPERANÇA PARA OS FILHOS DO PÓS-DIVÓRCIO

Toda criança que se depara com a terrível notícia da separação de seus pais, vai sofrer irremediavelmente uma profunda dor diante desta nova situação, a mesma que marcará intensamente a sua vida. Tanto faz se o menor tem três, sete ou quinze anos de idade, a dissolução da unidade familiar inevitavelmente lhe causará sofrimento. E além da dor própria da separação, na maioria dos casos, o sistema legal vigente fará ainda mais forte a sua angustia, já que daí em diante, um de seus pais terá o privilégio de continuar sendo isso, mas o outro vai virar uma mera visita. Quer dizer, a criança perde duas vezes: perde a sua unidade familiar e perde a um de seus pais. Freqüentemente, a cultura social e legal lhe impõe à criança a perda de seu pai (homem), ainda que também, em menor escala, pode impor-lhe a perda da mãe. Qualquer uma de estas duas alternativas é injusta para o menor. A Guarda Compartilhada rejeita esta perda para o filho no pós-divórcio.

Um esclarecimento preliminar.

Antes de qualquer outra consideração, permitam-nos fazer uma primeira observação válida para toda mãe ou todo pai que pensa em divorciar-se ou que já tem se divorciado: esta dura decisão traz inevitavelmente sofrimento para os seus filhos. Que nenhum pai ou mãe esteja terrivelmente iludido, nem seja cruelmente premeditado, para pensar que seus filhos, sozinhos ou com a ajuda de apenas um de seus pais (aquele que obtém a guarda), vai assimilar sem dor essa nova condição de vida. Aquilo que é perfeito, ideal para a vida de um filho, é que a unidade familiar seja sempre mantida, quer dizer, que seja mantida a convivência harmônica com papai e mamãe sob o mesmo teto. Não existe nenhuma outra fórmula que proporcione melhores bases para o desenvolvimento feliz e equilibrado de um filho; nem sequer a Guarda Compartilhada pode ser considerada uma panacéia que resolve o sofrimento de um filho depois do divórcio; a Guarda Compartilhada apenas se apresenta até agora como um modelo melhor, diante da vigência do modelo da Guarda Exclusiva.

Dizíamos para os pais não se iludirem ignorando a profunda dor que o divórcio irá trazer à vida de seus filhos, e é bom esclarecer isto. Ainda hoje muitos pais "pensam" que como seus filhos continuam assistindo à escola, brincando com seus amiguinhos e apresentando um comportamento aparentemente normal, seu filho não passa por nenhum grave sofrimento o que então o menino está se saindo bem a pesar de tudo. Já no caso de outros "pais", por serem cruéis com seus ex-parceiros e por um equivocado amor possessivo aos filhos, tiram uma premeditada vantagem do divórcio para distanciar cada vez mais às crianças do genitor que calculavam não obteria a guarda, acreditando que irão substituir com facilidade a figura paterna ou materna com algum parente próximo, sem perceber que esse rancor ao ex-parceiro se traduz em palavras, gestos e atitudes, que a criança é capaz de entender dentro dos padrões da sua idade, acrescentando a sua dor. Tanto esses pais iludidos como os calculistas, estão geralmente enganados. Aqueles argumentos tão freqüêntes: "hoje em dia as crianças assumem as coisas com uma facilidade incrível" ou então "não, meu filhinho está ótimo; até parece que aquele (ou aquela) nem faz falta", são apenas desculpas que ignoram que a ausência do pai ou da mãe pode interferir de diversas maneiras no processo de estruturação psíquica da criança.

Atualmente, diversos estudos demonstram que os menores sofrem com a ausência de um de seus pais depois do divórcio, podendo apresentar transtornos psíquicos e posteriores comportamentos sociopatas em sua vida adulta. Segundo o psicólogo e psicoanalista Evandro Luiz Silva, a ausência de um dos genitores depois da separação, traz claros sintomas: o menor apresenta dificuldades nos seus processos cognitivos, ansiedade, agressividade, estresse, diminuição no seu rendimento na escola, baixa auto-estima e depressão. Também existem estudos como o que foi publicado em março de 1999 pelo Departamento de Serviços Humanos e Sociais dos Estados Unidos, que diz que as meninas que crescem sem um forte referente paterno têm maiores chances de engravidar na adolescência e de cometer suicídio, em tanto que os meninos sem pai apresentam maior tendência a fugir de casa ou a consumir drogas.

Mas também existem pesquisas sobre crianças de casais separados, cujos pais porém optaram pelo modelo de Guarda Compartilhada; tais pesquisas concluem que essas crianças têm maiores benefícios do que aquelas que vivem sob a Guarda Única ou Exclusiva. Teses de Doutorado como a de D. A. Luepnitz (State University of New York at Buffalo, 1980) e a de E. B. Karp (California School of Professional Psychology, 1982) indicam, nesta ordem, que os filhos sob Guarda Compartilhada se sentem mais satisfeitos com a companhia de ambos pães ou apresentam um significativo aumento na sua auto-estima. Em tanto que a Tese de Doutorado de B. H. Granite (University of Pennsylvania, 1985) detecta que os pais que optaram pela Guarda Única, usam técnicas de persuasão para controlar os filhos, coisa que rara vez acontece quando os pais assumem a Guarda Compartilhada.


A Guarda Exclusiva

Quando os filhos moram sob o mesmo teto com ambos pais, a Família Nuclear assim constituída, encontra-se intacta; os filhos desfrutam da assistência material e dos
importantíssimos laços afetivos de seus dois pais, quer dizer, desfruta da unidade familiar mesma. Quando começam a surgir sérias incompatibilidades entre o pai e a mãe, a sociedade conjugal e a unidade familiar, começa desestabilizar-se.

O Direito compreende a existência do conflito conjugal irreconciliável e proporciona os instrumentos adequados por meio da Separação e do Divórcio. Porém, quando a sociedade conjugal gerou filhos, abre-se o caminho para um dificílimo tema do Direito de Família: procurar a melhor alternativa para os menores, depois da ruptura familiar.

Lamentavelmente, a solução que tem proporcionado o sistema legal vigente, é a de dar a um dos pais o direito à convivência diária com seus filhos, limitando ao outro (geralmente o homem) a um papel secundário, a daquele que proporciona uma mensalidade e a daquele que somente pode ver os seus filhos nos fins de semana em um horário pré-determinado. A este modelo de "guarda dos filhos", é que denominamos Guarda Exclusiva, ou que também é chamado de Guarda Singular, Guarda Monoparental, Guarda Única ou Guarda Dividida.

A Guarda Exclusiva traz várias conseqüências negativas. Em muitos paises latino-americanos a legislação tem chegado a separar o conceito de "Guarda" do de "Custódia" dos filhos, quer dizer, o genitor que não obtém a guarda dos filhos, na teoria não perde seu direito de custódia. Mas pela sua própria lógica, a prática da Guarda Exclusiva tende a minimizar o legítimo direito da custódia do pai que não obtém a guarda. Dito de outra forma: Cómo pode exercer um pai ou uma mãe o seu direito a decidir sobre os aspectos fundamentais da vida de seus filhos, tais como a educação, saúde ou lazer, se o genitor tem limitado o acesso aos seus próprios filhos a umas quantas horas semanais ou quinzenais? Além disso, e antes de mais nada: Cómo podem os filhos preservar o seu legitimo direito ao amparo psicológico, ao amor e à satisfação emocional da companhia e presença de ambos pais, se uma decisão legal lhes impede tais direitos?

A prática da Guarda Exclusiva origina a Família Monoparental (família com somente um genitor) e a autoridade parental exercida anteriormente pelo pai e a mãe em forma conjunta e em igualdade de condições, se dilui e passa a ser preponderantemente exercida por apenas um deles.

Para o menor de idade, a Guarda Exclusiva agrava seriamente a sua situação. A Sociologia e a Psicologia Social sabem da grande importância das Relações Primárias, dos Grupos Primários e da Família Nuclear na vida de todo individuo, mais ainda tratando-se de um individuo em pleno processo de desenvolvimento como tal.

As Relações Primárias ocorrem dentro dos Grupos Primários, isto é, dentro dos grupos pequenos de convivência constante, nos quais as pessoas estão intimamente unidas por laços emotivos e expectativas mútuas. Os Grupos Primários tais como os círculos de amigos, os parceiros sentimentais e a família, são os que proporcionam ao individuo as satisfações e as descargas emocionais para o seu adequado ajuste social; a pessoa que carece de tais grupos, não obtém o sustento psicológico necessário e tende a apresentar comportamentos sociais desajustados. A Família Nuclear, por sua parte, proporciona ao menor o contexto material e psicológico para a satisfação de todas as suas necessidades. Mais ainda, a família e os papéis parentais, quer dizer, o desempenho de papai e mamãe como tais, são para a criança um de seus principais pontos de partida para a sua descoberta e compreensão do mundo social, assim como para a auto-afirmação de sua própria personalidade. A ausência ou a forte limitação de uma destas figuras no seu desenvolvimento, faz da criança um sério candidato a algum tipo de desadaptação social posterior.

Além disso, a Guarda Exclusiva é susceptível de virar um amparo legal favorável aos rancores do genitor que a detenha e é perniciosa para o vínculo entre pais e filhos.
Toda ruptura conjugal ocorre em meio de lógicos rancores e mágoas em um ou em ambos membros do ex-casal. Mas o fato de que um dos pais seja favorecido com a convivência dos filhos, serve em muitos casos para que estes sejam virtualmente tomados como reféns, porque ficam criadas as condições para que o genitor assim favorecido descarregue o seu rancor ou até o seu ódio contra o ex-cônjuge, por meio da limitação ou da obstaculização do regime de visitas ou então pressionando aos filhos em contra do pai que não convive com eles, por meio da chantagem sentimental.
Fatalmente, nunca faltam os maus profissionais envolvidos no processo, que induzem a uma das partes a práticas antiéticas, em quanto tiram proveito próprio de sua particular e funesta "indústria do divórcio". Assim, uma das artimanhas mais baixas, e por desgraça, recorrente é a de acusar a uma das partes de algum tipo de abuso contra os filhos. Em meio desses graves enfrentamentos, mais uma vez, são as crianças as que resultam oprimidas.

O vínculo entre os filhos e o pai que não obtém a guarda tende irremediavelmente a deteriorar-se sob un estrito regime de visitas; o filho não terá mais do seu lado ao pai ou a mãe, agora ausente, quando queira partilhar uma alegria, fazer uma consulta sobre alguma importante dúvida em sua vida ou até quando necessite chorar alguma tristeza. Terá que faze-lo de imediato com aquele genitor com o que convive e adiar esses momentos para com o outro genitor, e quando o possa fazer, a emoção já não será, mas a mesma, já não estará tão vívida como antes e terá um cúmulo de coisas desejosas de partilhar num tempo sempre curto, o que inevitavelmente será um empecilho para o fluxo emocional adequado.

A Guarda Compartilhada

Os danos inerentes ao modelo da Guarda Exclusiva tem sido detectados pela jurisprudência no mundo. Parece ser que a primeira possibilidade de uma alternativa de Guarda Compartilhada foi dada por um tribunal inglês em 1964, no "caso Clissold". Em 1972, uma corte inglesa reconheceu o valor de uma guarda em conjunto e em 1980, a Corte de Apelações da Inglaterra denunciou a concentração da autoridade parental em apenas somente um dos pais. Na França, a noção de Guarda Compartilhada surgiu em 1976, sendo consagrada na lei em 1987 ("Lei Malhuret"). Na Alemanha, a Corte Constitucional considerou em 1982 que a Guarda Exclusiva era inconstitucional e que o Estado não deve intervir quando ambos pais são capazes e estão dispostos a assumir a Guarda Compartilhada. No Canadá, a lei favorece este modelo desde 1985 ("The Divorce Act", seção 16). Nos E.U.A. já são 33 os estados que dão preferência ou que permitem a opção da Guarda Compartilhada.

Devemos entender a Guarda Compartilhada como um modelo ainda perfectível e que, por tanto, ainda é debatido e estudado em diferentes paises. O modelo da Guarda Compartilhada contempla que tanto o pai como a mãe deve seguir partilhando os deveres e os direitos sobre seus filhos, com o compromisso de faze-lo em igualdade de condições e com respeito mútuo. Na Guarda Compartilhada um dos genitores pode detentar a guarda física ou material dos filhos, porém partilhando com o outro genitor o poder familiar. O genitor que não co-habita com os filhos não fica limitado a supervisar os cuidados deles, mas participa de maneira efetiva na educação, nos cuidados de saúde, na religião e no lazer das crianças. A Guarda Compartilhada permite a convivência dos filhos com o pai ou a mãe que não co-habita com eles, fazendo assim efetivos os laços afetivos entre eles.

A Guarda Compartilhada não deve ser confundida com o modelo chamado “Guarda Alternada”. Na Guarda Alternada os filhos co-habitam a metade do tempo na casa da mãe e a outra metade na casa do pai. Alguns investigadores da área jurídica desaconselham este modelo, argumentando que ele tira os referentes de estabilidade da criança e que o expõe a constantes aproximações e rupturas emocionais com seus dois pais; mas também existem pesquisadores da área psicológica que acreditam que o menor pode adaptar-se muito bem a esse sistema.

A Guarda Compartilhada é um verdadeiro chamado à racionalidade dos pais, muito além de suas diferenças pessoais, procurando continuamente o maior benefício dos filhos por meio da reorganização das relações entre pais e filhos no pós-divórcio, diminuindo os traumas resultantes da não co-habitação com um dos genitores.

Deve entender-se que por mais legitima que possa ser a dor de um pai ou de uma mãe que foi afastado de seus filhos, ou por mais legitimas que sejam as diferenças entre os membros do ex-casal, a Guarda Compartilhada, ao ser um modelo baseado na racionalidade em benefício dos filhos, implica uma pré-disposição para a negociação respeitosa que permita a aproximação dos filhos com os pais.

Até o momento, não temos notícias de que exista uma fórmula universal na aplicação da Guarda Compartilhada, trata-se mais de um princípio diretor baseado na Igualdade Parental entre pai e mãe no que diz respeito à assistência material e psicológica dos filhos depois do divórcio. Trata-se de que ambos, papai e mamãe anteponham o bem-estar de seus filhos a qualquer outra coisa; trata-se de que mamãe e papai sejam capazes de seguir reconhecendo-se como tais, a pesar do divórcio. E é claro, trata-se também de que o Estado ampare legalmente tudo isto.

Ser mãe ou pai é uma das maiores realizações e também uma das maiores responsabilidades que uma pessoa pode ter na vida. E nada nem ninguém devem impedir esse direito e este dever. Para uma criança, "papai" e "mamãe" são muito mais que simples palavras; são as pessoas nas quais depositam com ingenuidade sua absoluta confiança para todas as suas necessidades, para todas as suas necessidades. Mamãe e papai sejam casados, separados ou divorciados, devem sempre antepor isso às diferenças pessoais que tenham entre si, por mais incômodas que sejam estas.

Que fique claro, a Guarda Compartilhada não faz nenhum chamado a nenhum genitor que sistematicamente descuida, maltrata, machuca ou abusa física ou psicologicamente de seus filhos. A Guarda Compartilhada é um chamado à mamãe e ao papai médios, aqueles que amam seus filhos e que realmente desejam ajudá-los a encontrar sua própria felicidade; para esses pais, a Guarda Compartilhada lhes diz que se a vida os colocou no difícil drama da separação, não esqueçam que nem mesmo o divórcio deve tirar de seus filhos o direito à convivência e à assistência de ambos pais, porque Papai e Mamãe são para sempre.
Lima, fevereiro de 2003

Wilfredo J. Césare* é Mestre em Ciências Sociais Aplicadas à Educação

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