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O PAPEL DA PATERNIDADE E A PADRECTOMIA PÓS-DIVÓRCIO

Sem dúvida nenhuma o divórcio é um dos eventos de maior impacto na vida de uma pessoa. Apesar de ser, em certos casos, a solução para uma crise, é indispensável saber conduzi-lo para não produzir uma situação ainda mais difícil e prejudicial aos implicados.

Este estudo se posiciona desde a visão do pai, desde as conseqüências para ele do processo pós-divórcio, com respeito a seus direitos e a relação com seus filhos já que a tradição impôs uma série de costumes, condutas e disposições colocando o homem numa posição de desvantagem com respeito à mulher em relação aos filhos.

Dessa maneira são objetivos específicos dessa comissão relatora:
1)- Caracterizar a padrectomia e sua forma de expressão nos casos estudados.
2)- Redimensionar a síndrome do pai destruído e sua forma de expressão.
3)- Conhecer a vivencia negativa do pai durante esse processo e seus efeitos emocionais e de conduta.
De maneira mais geral, as características que nos propusemos possuem como objetivo comum avaliar as implicações que têm o manejo errado dos procedimentos pós-divorcio para o desempenho de uma paternidade adequada.

DESENVOLVIMENTO

Desde os primeiros instantes de toda relação interpessoal se desenvolvem processos de mudanças constantes, qualitativos e quantitativos, onde as sementes dos próximos encontram-se no aqui e agora. Mesmo assim na historia anterior do casal podem-se encontrar, potencialmente, antecedentes que influenciam de diversas maneiras no motivo, estilo, profundidade, responsabilidade, expectativas e qualidade emocional da relação.
Quando duas pessoas se transformam em cônjuges trazem para essa união suas características pessoais e expectativas de relação. O casal, junto aos filhos, empreende a grande aventura de formar uma família, grupo peculiar para o qual talvez não estão preparados e que exigirá deles o desempenho de novos papéis. Isto demanda que esta valiosa experiência se conduza com a virtude da responsabilidade.

Mas, o que acontece quando sobrevivem os desacordos, as distancias, o rompimento?
Freqüentemente encontramos em nossa prática clínica seres humanos de todas as idades e ambos os sexos com uma vivencia de perda tão profunda quanto irrecuperável. Os filhos se sentem desorientados e confusos, imersos num conflito que não queriam, nem previam. A paternidade e a maternidade se debatem num enfrentamento consciente ou inconsciente, direcionado inevitavelmente à quebra ou anulação dos papéis antes compartilhados.
Nos referimos a separação ou ao divórcio, sem distinção, como uma ação da dissolução dos vínculos emocionais do casal, tendo lugar ou não a dissolução legal.

Quando no desenlace desta decisão não se prioriza a finalidade de resgatar o positivo da união anterior (entenda-se: harmonia, a manutenção dos papéis paternos, etc) e o processo é guiado pela falta de responsabilidade pelos descendentes, estamos diante do caso de um divórcio "mal direcionado" que produz uma relação maléfica para todos os envolvidos no caso.
É fácil encontrar na literatura uma quantidade grande de estudos das conseqüências negativas que o divórcio traz para as crianças ( Hetherington e cols., 1979; Kelly e Wallerstein, 1976, Wallerstein, 1983). Também foram reconhecidas as conseqüências para a figura feminina ao assumir a maternidade sem o apoio do pai (Fustemberg, 1982; Jacobson, 1983; Price-Bonham e cols. 1980). No entanto os estudos sobre os efeitos nocivos desse processo nos pais são escassos ou não estudados o suficiente.

O pediatra Robert E. Fay (1989) descreveu como "padrectomia"e "síndrome do pai destruído" vivencias que afetam a paternidade, ambos conceitos que por sua importância, requerem maior precisão conceitual, desenvolvimento e aprofundamento. É uma necessidade aproximar-se da construção dessa parte importante da subjetividade masculina.
Ainda hoje, no limiar do século, não são tratadas com a mesma igualdade as conseqüências que para o pai implica o processo pós-divórcio. Corresponde ao pai, na grande maioria dos casos, o abandono do lar uma vez efetivado o divórcio. Isso implica, de maneira obrigatória, um reajuste no desempenho do papel paterno que passa, ao menos, por duas condições:
· A não-convivência com o filho.
· A relação com a criança mediada pela mãe em um relacionamento freqüentemente sem empatia.

O DIVÓRCIO

É um período que traz consigo a dissolução dos vínculos emocionais, os legais e sociais, e que não seguem uma ordem estabelecida, pois existem casais que dissolvem o vínculo jurídico rapidamente mas não o emocional, enquanto que em outros isso ocorre inversamente. O certo é que esse sucesso, chamado separação ou divórcio, resulta, sem dúvida nenhuma, num processo longo e complexo, ao qual o casal não se concede a devida atenção desde o ponto de vista da preparação que devem ter para empreendê-lo sem prejudicar a si mesmos, a família e aos filhos.
De maneira geral reconhecemos dois grandes períodos no processo de divórcio que podemos enunciar como sua preparação e evolução, que apontam o que aconteceu com o casal antes e depois do ato do divórcio.

PERÍODO DE PREPARAÇÃO

É uma etapa prévia ao processo específico de divórcio que é denominada "construção" e se refere à edificação do casal ou família, onde se firmam as bases da futura permanência ou ruptura, assim como os aspectos com que transcorrerá a mesma.
Scanzoni (1981) registrou diversos padrões de interação conjugal que se diferenciam pelos distintos graus de implicação de ambos e que vão desde uma relação de subordinação e distribuição de funções bem definidas (que correspondem ao padrão tradicional), até uma relação de igualdade pouco freqüente.

PERÍODO DE EVOLUÇÃO

O período anterior observado como o começo do fim termina em uma tomada de consciência (por um ou ambos cônjuges) de que o casamento não funciona e se conclui o processo específico do divórcio, separação, rompimento ou dissolução do vínculo matrimonial. Aqueles casais que construíram seu mundo familiar com base em desigualdades nocivas, costumam viver rompimentos destrutivos e fragmentados. O dano perdura no tempo e potencialmente afeta futuras relações costumando "usar" o filho como um instrumento de agressão contra o outro, transformando o filho numa das vítimas dos acontecimentos (Pereira de Castro, 1997), mas ele não é o único prejudicado já que na privação do papel paternal os homens se vêem fortemente prejudicados.
Começa então um processo de pós-divórcio cuja evolução segue diversos cursos mas que, de forma bastante comum, se pode identificar dois momentos, um de construção (Abelleira, 1995) e outro de reconstrução ou reajuste.
Nesta etapa têm lugar a separação do casal (divórcio conjugal) e o afastamento dos filhos (divórcio parental).

DIVÓRCIO CONJUGAL

O divórcio conjugal não constitui necessariamente uma "patologia" obrigada para os implicantes, mesmo que quase sempre suponha adaptações, sofrimentos para um dos afetados, etc. A doença parece depender mais do direcionamento que se dê ao evento do que ao evento em si. Não obstante, implica um momento de crise existencial, de perda para todos os membros da família; e os investigadores coincidem em assinalar que significa uma quebra emocional importante como acontecimento potencialmente psicopatogênico, que pode derivar em manifestações patológicas sendo sua direção cada vez mais desajustada ou inadequada (Sekin, 1997; Biblarz e cols, 1997).
É a separação judicial ou de fato - habitualmente de mútuo acordo - entre duas pessoas com um vínculo conjugal de certa estabilidade, que implica num distanciamento físico e afetivo devido à impossibilidade de continuá-la. Diz-se da dissolução do vínculo matrimonial público e particular. Supõe uma divisão dos bens em comum assim como a manutenção mútua dos papéis paternos e maternos.
É especialmente doloroso quando há filhos, pois as crianças se vêem envolvidas numa dinâmica polarizada e sem possibilidades de escolha (Fay, 1989). Na realidade não poderia existir escolha viável para o filho que costuma conceber - quando foram figuras significativas e positivas - os pais como união indissolúvel. Para eles papai e mamãe são dois conceitos inseparáveis, que englobam um sentido pessoal de elevada conotação afetiva e de proteção, inclusive naqueles casos nos quais a separação é vista como uma saída necessária para a crise do cotidiano.
Ele precisa de ambos em circunstancias diferentes ou similares, mas precisa deles de igual maneira, já que cada um deles oferece uma saída, ou simplesmente o acompanha, com um selo pessoal próprio para cada acontecimento que a criança vivencia. Não se trata de que um proporcione mais carinho que o outro, nem sequer que as habilidades de um ou suas possibilidades materiais sejam mais importantes; o decisivo está em que são alternativas diferentes e igualmente úteis e necessárias afetivamente, um pólo não pode existir sem a presença do outro. Na complementaridade cobram vida das partes do todo.
O divórcio conjugal habitualmente conduz ao divórcio parental.

DIVÓRCIO PARENTAL

A experiência clínica nos permite falar de divórcio parental quando o pai se afasta abrupta ou paulatinamente dos filhos com um comportamento aprendido e "exigido" pela sociedade, já que existe a representação da norma social (designada), a qual estabelece que diante um divórcio o pai deve ir embora zelando assim pela estabilidade de seus filhos e daquele lar que ele contribuiu para formar, do contrario não será um "bom pai" ou talvez não é um "bom homem".
É a separação de fato, tanto física quanto afetiva entre as figuras parentais e os filhos com a particularidade de que habitualmente o pólo "filhos" não pode participar da decisão, não tomando em conta suas ações e necessidades. Afastamento ou destruição do vínculo e dos papéis parentais com a descendência, haja ou não o divórcio conjugal.

Os filhos parecem ser propriedade natural e indiscutível da mãe. A ela corresponde o poder de permitir ao pai continuar sendo pai ou de se converter em visita de seus filhos. Começa então uma seqüência de segregação, junto com uma desautorização da imagem paterna que conduz à anulação do papel paterno. O pai é afastado e arrancado de seu papel e do afeto dos filhos como uma espécie de morte "natural" e como vai desaparecendo, então, freqüentemente é acusado de
estar ausente, de não "vir para ver seu filho", que "não liga para seu filho", que "ele nunca ligou", etc.
Com nosso silencio contribuímos, sem querer, para "assassinar" os pais, depois simplesmente, costumamos acusá-los de que estão mortos. Este afastamento tem várias causas, com ou sem fundamentos, mas o que verdadeiramente causa impacto é que ocorre debaixo de nosso olhar cúmplice.

A PATERNIDADE: PAPÉIS E MITOS

Os postulados de Pichón-Riviere nos levam certeiramente ao problema dos papéis. Para o autor existe um imaginário social dado por idéias, imagens e estereótipos, isto é, representações simbólicas compartilhadas sobre o significado conceitual e pragmático de qualquer papel a exercer, e neste caso, também do exercício da paternidade. Tal imaginário se fixa no que a sociedade designa ao indivíduo no decorrer da história, depositando nele um acúmulo de representações simbólicas, compartilhadas com certa homogeneidade pelas pessoas da época histórica de que se trata (Pichón-Riviere, 1985).

O decorrente é o legado sócio-cultural depositado no indivíduo em forma de normas éticas e morais, princípios, conhecimentos, imagens estereotipadas, idéias, etc., através da família e da sociedade. Por sua parte, o sujeito como depositário acata e faz seu o depositado, mediante uma série de representações cognitivas, com as quais se implica emocionalmente e age em conseqüência. No decorrer de sua vida o sujeito a incorpora com adaptações pessoais, se convertendo no assumido, o qual mantém estreita relação com o fixado. Esta relação não resulta nem linear nem direta, é produto da mediação exercida pelas adaptações individuais surgidas em ocasiões por inconformismos pessoais com a norma social que impera, e em outras por possuir fortes modelos contrários, antagônicos ou a margem do que é sócio-culturalmente imposto.

Todo este processo social fica invisível pois se "naturalizam" qualidades e atitudes como inerentes à natureza e essência do homem ou da mulher. Desta maneira se sustenta a premissa de que ser mulher e ser mãe é uma condição imposta pela natureza, genética, ancestral e através da qual se pode alcançar a identidade feminina (Snyder e cols.,1997).

Os meios de comunicação, às vezes até sem querer, vão estereotipando modelos de mulher-mãe e de homem, que posteriormente cada uma das pessoas se encarrega de reproduzir com adaptações pessoais no seio de sua família.
Por sua parte vários autores (Ares, 1996,; Fernández, 1994; Silveira, 1997; Fay,1989) coincidem em descrever a existência de uma série de características estereotipadas e assumidas pela mídia social como indicadores da norma. Tais características são:
* Provedor, trabalhador, disciplinador.
* Forte, calado, valente. Racional, agressivo, afirmativo.
* Invulnerável à ternura e a emoção.
* Rude corporal e gestual. Dono do exercício do poder.
* Possuidor de virilidade de competições.

Estereótipos nos quais o papel da paternidade não é observado, ela não está presente; enquanto a funcionalidade masculina aparece absolutamente dividida, isto é impensável no caso da mulher com relação à maternidade.
No entanto é freqüente ver que os atributos inerentes ao masculino-paternal e os tributos inerentes ao feminino-maternal são opostos irredutíveis, percebidos e explicados como o mero decorrer de uma verdade biológica ou de um código genético que é carregado por toda vida - a mercê do que foi herdado -como uma "marca registrada" (Lowewenstein, Barker, 1996).

No entanto os genes não determinam os mecanismos de dominação social nem sexual, as construções do sócio-cultural são o verdadeiro "código hereditário", que por serem elaborados podem ser elaborados novamente quantas vezes forem necessárias, ou ao menos são susceptíveis a "melhorias construtivas" ou a "verdadeiras remodelações" levada pela realidade em constante mudança.
Dessa maneira para a sociedade fica evidente que o pai não possui um instinto como o da mãe, mas como justificar que os homens não possuam um instinto de paternidade? Não estaremos diante da presença de mitos, mais do que de verdades científicas?

O mito dos instintos supõe um problema inatingível, ou pelo menos de difícil manejo, pois troca as condutas com tendências à maternidade por instintos, pelo que deveria se assumir então que seria esta uma conduta decorrente em toda a espécie humana e é óbvio que não é assim. Mas ao assumir conotação de mito torna-se "intocável" pois os mitos costumam não sofrer reformas nem adaptações.

O PROBLEMA DOS MITOS

O imaginário social assume que a mulher se encontra "naturalmente" mais dotada do que o homem para o cuidado e atenção com os filhos. É essa idéia que possivelmente facilita a decisão quase sempre a favor da mãe da maioria dos direitos sobre os filhos no caso de divórcio, em detrimento dos direitos do pai. O problema consiste em esclarecer se esta idéia tem um fundamento de razão ou se somente se trata de uma crença.

Os mitos jamais se questionam, quando algo falha, por exemplo, no caso do instinto maternal, o fracasso é atribuído à pessoa, mas o mito não falha nunca. E se acaso a experiência funciona como previa o mito, então este se confirma novamente; ou seja, de qualquer maneira os mitos tendem a se reforçarem a si mesmos e se reproduzirem cada vez com mais força. Mas, isto os faz verdadeiros?
Os instintos, de forma geral, se expressam em condutas, em formas de atuar que são características para uma espécie determinada e que são inegáveis; neles não intervêm a vontade nem a consciência e se adquirem geneticamente através da herança.

"Classicamente, o instinto é um esquema de comportamento" herdado, próprio de uma espécie animal, que varia pouco de um para outro individuo, e que se desenvolve segundo uma seqüência temporal pouco suscetível de se perturbar e que parece responder a uma finalidade" (Laplanche, Pontalis, 1994).
Vejamos então o instinto materno como um dos mitos centrais a partir do qual se desprendem outros mitos que tendem a anular toda proximidade paternal. Este instinto nos fala de certas particularidades que com freqüência escutamos em nossa cotidiano, tais como:

"Não existe melhor afeto que o de uma mãe ".
"Não existem cuidados mais esmerados que os de uma mãe".
"Ninguém gosta de seu filho mais do que uma mãe".
"Pais podemos encontrar muitos, mas mãe é uma só".

Os pontos anteriores elevam (e ao mesmo tempo reduzem) a condição feminina à maternal e a condição de filhos à de "prisioneiros" de um amor que seria pecaminoso não sentir. Isto resulta uma apropriação cultural e histórica talvez tão antiga quanto a humanidade mesma, reforçada com freqüência pela ciência.

É provável que nos atuais círculos científicos se reconheça que não é possível falar da maternidade em termos de instinto, mas por outro lado, na linguagem popular se estimula sorrateiramente sua existência (Ferro, 1991).
E não é que não exista amor maternal, pelo contrário, existe e é maravilhoso e digno, o que não resulta real é que obrigatoriamente toda mulher, para sê-lo deve ser mãe e que toda mãe inquestionável e automaticamente deseja e quer um filho, devendo ser amada por este.

Investigações recentes coletadas num informe da ONU mostram que há 45 milhões de abortos por ano no mundo, 20 milhões deles em condições inadequadas por ser ilegal, ou por outras razões, e dos 175 milhões de gestações, 30 milhões de nascimentos são não desejados por diversas causas. Por outro lado, acrescenta o informe que entre 120 e 150 milhões de mulheres do planeta desejam limitar o número de filhos, mas não podem por falta de recursos ou por ignorância (FNUP, 1996).

Isto conduz, mais uma vez ao questionamento do mito. Como se explicaria aqui a inexistência do instinto maternal nesses milhões de seres humanos que nos cercam diariamente, ano após ano, impedindo o nascimento de outros seres humanos já formados e em alguns casos quase no final? Trata-se verdadeiramente de uma herança natural? Se fosse certa essa herança natural do instinto maternal, de que maneira poderíamos explicar essas cifras? De que maneira se poderia explicar a existência de bebes que são abandonados na via pública? Como se explica que existam tantas mães no mundo que desde épocas primitivas até hoje, século XXI, descuidem seus filhos até a desnutrição mais severa, permitam ou os obriguem a prostituir-se, os vendam a casais estéreis em qualquer parte do mundo, ou emprestem seu útero para gerar um bebê de outro casal, ou que inclusive os afoguem ou os joguem no lixo, contanto que seus pais ou a sociedade não saibam de seu infortúnio? De qual instinto estamos falando? Qual instinto é o que está se sustentando socialmente e até quando se manterá?
As crenças tradicionais que atribuem os papéis de gênero e que são naturais, inerentes ou biológicas, fazem a possibilidade de tal realidade mudar, tornar-se limitada.

Ao contrário, se tais papéis de gênero forem percebidos como o que são, formações sócio-históricas mediadas pelas construções pessoais, então isso significaria que também podem ser destruídas e reconstruídas quantas vezes forem necessárias, se propiciaria à mudança, mas sabe-se que as mudanças têm muitas resistências (Bleger,J. 1965).
Como vimos até aqui, tanto os encargos sociais depositados no papel de homem, como a mística crença de que a mulher é a única capaz para a melhor atenção dos filhos, reduziram desde o ponto de vista familiar, social e até legal as funções do pai ao de contribuinte biológico, ao de progenitor, limitando as potencialidades deste de exercer e desfrutar a plenitude da alegria de ser pai.

Esta realidade se faz extremamente crítica na situação do divórcio.
Diante desta realidade cabe se perguntar se todos poderiam se guiar comodamente por estas regras amplamente compartilhadas pela maioria. Quantos assumem a regra sócio-cultural como imposição de sabor agridoce? Para quantos o sabor é amargo? Quantos recusam esta norma de forma silenciosa? Os poucos que advogam por outro modelo de paternidade costumam ser censurados ou objeto de piadas.
Aqueles que se opõem às normas sociais se convertem em depositários e reveladores dos conflitos e tensões sociais, grupais e de gênero. Eles decidem, talvez porque não lhes resta outra saída para serem coerentes com sua afetividade, não assumir os aspectos nocivos ou patológicos da norma social que impera, inclusive com o risco de serem apontados como violadores utópicos do designado. A grande pressão exercida e a impossibilidade de elaboração da ansiedade e os antagonismos entre o designado e o assumido, a alguns paralisa e inclusive os molda com "fórceps" ao que nesta época "deve ser feito para poder continuar sendo visto como homem".

A revisão da literatura (Griffin, 1997; Fay, 1989; P.A.P.A .,1992; Padrectomia? Atas do Congresso, 1995) e o estudo realizado deste assunto, tanto desde o ponto de vista científico como a análise de seu comportamento na vida cotidiana não nos permite - e não é nosso propósito - culpar a ninguém em particular por isso, mas também não nos obriga a aceitá-lo, mas sim nos promove a refletir e a advogar por uma mudança a favor de uma paternidade mais comprometida e plena.
Por exemplo, a cultura gravou em seus dicionários um conceito de pai como "o macho que engendra, principal e cabeça de um povo ou linhagem."(Larrouse, 1990); ou como "o varão ou macho em respeito a seus filhos...coisa que dá origem a outra." (Aristos, 1992).

Por acaso estes conceitos lançam luz ao fenômeno da paternidade? Não deveríamos atualizar os guias orientadores da nossa língua?
Deve-se desvincular a figura do pai da idéia do progenitor, ainda que tal vínculo apareça como o desejado, e sem dúvida nenhuma para muitos, como o ideal. Nosso conceito de pai se encontra em outra dimensão, associada a um novo e incipiente movimento masculino que pretende se incluir como individuo e como sujeito emocional na relação com seus filhos. Tal movimento pareceria estar no contexto de grandes mudanças dos paradigmas existenciais do século XX (Loewenstein, Barker, 1996).


PAI

Deve-se entender por pai aquela figura masculina que em seu constante intercâmbio com a criança (num espaço de tempo determinado) escolhe construir junto ao seu filho laços afetivos duradouros em ambas direções (pai-filho, filho-pai) e é escolhido e reconhecido pelo menor como a figura parental significativa com base no apego emocional desenvolvido e não necessariamente por ser o progenitor.

Atendendo à anterior definição é compreensível que ser o progenitor de uma criança não garante o estabelecimento de um vínculo de apego significativo entre ambos. Tais relações se encontram determinadas pela vivencia afetiva que ocorrem no seu transcurso (Silveira, 1996).

Não nascemos pais e mães, mas nos tornamos tais mediante uma construção pessoal baseada no que a família, a sociedade e as pautas culturais vão depositando nas nossas historias pessoais, quer dizer, no processo de apreensão da cultura. Mais ainda, nossos próprios filhos constituem um guia orientador de tal construção, já que suas condutas e afetos podem nos afirmar ou nos lançar um S.O.S. sobre algumas incorreções paternais.

Partimos da compreensão de que um pai sem compromisso e emocionalmente distante de seus filhos é uma figura socialmente construída e não biologicamente determinada. Pelo que então, a figura do pai comprometido que cuida de seu filho, é também uma realidade que pode e deve ser construída socialmente.
Dessas dimensões concebemos o exercício da paternidade (dentro e fora dos laços matrimoniais) como a necessidade e possibilidade de:

*Manter um contato físico duradouro e responsável com os filhos.
*Criar, manter e fortalecer laços afetivos (ternura, compreensão, carinho).
*Participar na guarda, custodia e manutenção dos filhos.
*Garantir o pleno desenvolvimento das potencialidades da criança em seu processo de crescimento e socialização.
*Propiciar a possibilidade de acordo, colaboração e ajuda mútua com a mãe.
*Zelar pela integridade das imagens paterna e materna, cuidando e fortalecendo o respeito e carinho de ambos diante dos filhos.

O papel paternal se define como funcional quando, uma vez estabelecidos os direitos e deveres para a pessoa que o assumirá, permite-lhe garantir sua execução e concretização prática real, mas além disso, só é possível que seja funcional quando a situação - e as pessoas que nela participam - promovem e garantem que assim seja, trazendo como conseqüência a sensação de bem estar e satisfação na atividade desenvolvida (desenvolvimento de uma relação de apego). Em última instância, também se produz o desenvolvimento de um compromisso com o papel, ou dito de outro modo, produz responsabilidade com o papel da pessoa implicada.

Não defendemos que tais características e funções da paternidade sejam privativas do pai, nem que se exerçam em detrimento das da mãe. Mas quando produto dos embates do divórcio, a funcionalidade paterna em termos de responsabilidade e compromisso se põe em risco, há cada vez mais pais dispostos a defender o exercício de seus direitos, aqueles pais que vêem reforçadas suas posturas enriquecedoras do papel com importantes vivencias de relacionamento de apego.

Esses pais poderiam estar vivenciando certas mudanças alternativas, ou a aparição de novas alternativas nos paradigmas paternais do homem nos umbrais do século XXI, com postulados destinados à concretização de um modelo paternal afetivamente próximo do seu filho, comprometido com motivação e não contido nos modelos paternais anteriores.

Não se trata de uma rivalidade de sexos, onde um sempre deve subjugar o outro, é mais, acreditamos que a complementação de ambos os sexos faz esta vida gratificante e impulsiona a vivê-la, salvar essa felicidade implica se opor à guerra de gêneros.

PADRECTOMIA

A experiência clinica comprova os efeitos devastadores que para o pai tem o divórcio por estar associado a ele a perda dos filhos: a ruptura do vínculo relacional, a interrupção de uma paternidade construída desde o compromisso e a perda de espaços geradores de experiências gratificantes com os filhos. Disto foram testemunhas psicólogos e especialistas afins, o que provocou que, mesmo relativamente recente, mas cada vez mais forte grupos de estudiosos abordem este fenômeno tratando de esclarecer suas causas, condicionantes, manifestações e vias para sua profilaxia e tratamento.

Pelo que chamaremos de Padrectomia o afastamento forçado do pai, corte e subtração do papel paterno e a perda parcial ou total de seus direitos diante dos filhos, o qual se expressa a nível sócio-cultural, legal, familiar e maternal.

O processo pós - divórcio traz consigo o nível real e de vivencia, de um rompimento da família com a figura paterna, ou seja, que de forma inevitável ocorre um grau de perda ou afastamento do pai, com seu correspondente preço afetivo. Por diversas razões que já mencionamos anteriormente, é ao pai que corresponde dizer adeus, ou até logo, se despedir, o qual em muitas ocasiões vai acompanhado de saudades e de um sentimento de dor, pois se trata de separar-se precisamente de quem ele mais ama.

Segundo Goldhaber (1986) esta situação de perda é sofrida para sempre, mesmo que amenizada pelo tempo. É então quando o afastamento do pai se transforma em extirpação. A mudança obrigatória do papel paterno em disfunção e a dor se transformam em angústia e desespero.

Esta privação paterna, esta padrectomia, parece tão nociva para os filhos quanto a privação materna, mesmo que seus efeitos sejam diferentes. É nociva em três direções:
*O filho sofrerá a privação paterna e a dor da distancia de um ser significativo que ele precisa ter por perto.
*O pai vê podados os seus direitos funcionais, os quais causam dores, culpas e ressentimentos.
*A mãe se verá sensivelmente afetada com uma sobrecarga de tarefas e funções ao se ver obrigada (ou por escolha pessoal) a suprir as ausências paternais desde a condição materna.

A Padrectomia atua em dois âmbitos

Âmbito sócio-cultural

Nos âmbitos da cultura patriarcal se exalta um modelo de paternidade de autoridade e disciplina avalizada por ser o pai o provedor familiar quase exclusivo ou, ao menos, o mais importante; distante afetivamente e portador de um status de poder público com conotações de onipotência.
Existem poderosos instrumentos de reprodução constante dos designados sócio- culturais, sendo alguns deles os meios de comunicação encarregados de gerar e propagar como verdadeiros "vírus" alguns poderosos sinais da cultura patriarcal onde o "ser homem" se traduz como ser distante, esquivo, torpe nos cuidados e atenções aos filhos, rude, que não se comove, etc.; assim como as políticas sociais e disposições desde a legalidade contribuem para criar um perfil monolítico e intocável da paternidade, ao mesmo tempo em que fica reduzido a funções estereotipadas e limitantes do desenvolvimento pessoal.

É assim que esta designação do papel no que se refere ao exercício da paternidade na sociedade atual deixa o homem extirpado, podado de uma paternidade próxima, empática e nutriente, privado da convivência de seus filhos, colocando-o num "status periférico" e excluindo-o da função de educação e criação de seus filhos (Ares, 1996).

Âmbito legal

Do âmbito legal se implementa o cumprimento da norma social. As leis regem as liberdades e os limites de movimento conceitual e prático dos deveres e direitos, mas sempre atendendo a uma correspondência estreita com o sócio-cultural designado.
Assim os códigos e as leis descrevem o que é ser homem e ser pai a partir de um modelo de patriarcado. O patriarca provedor é representado agora como o chefe da família (Linhares, 1997). Institucionaliza-se legalmente a distancia afetiva e o papel do poder arcaico como protetor e autoridade indiscutível. Mais ainda, neste âmbito o mito do instinto maternal e a redução do feminino ao maternal conduz ao suposto - jamais questionado - que só a mãe é imprescindível para a criação das crianças. A norma "natural" é que a mãe consiga a guarda e ao pai seja concedida a "visita" na ampla maioria dos casos que chegam aos tribunais dos paises da América Latina.

Em muitos casos, a guarda da criança passa a ser atribuída à vitima como se fosse um premio e como instrumento de reparação dos danos causados por seu ex-consorte, enquanto que o cônjuge culpado como responsável ( mesmo que não o seja) da ruptura do matrimonio, fica automaticamente impossibilitado para o exercício da guarda (Pereira de Castro, 1997).

Apesar do suposto teórico de que a lei zela pela igualdade de direitos e deveres da união conjugal, existe a tendência legal já instituída como um "saber" desde o "natural de outorgar a custódia à mãe como portadora indiscutível das qualidades e capacidades para a criação, educação e afeto para seus filhos (em paises como Chile, Uruguai, Argentina, Brasil e Cuba)".
Do ponto legal o pai vivencia a exclusão familiar à qual se vê submetido quando vê podados os seus direitos funcionais quase totalmente, pois na melhor das hipóteses o exercício da paternidade é reduzido a um sistema de visitas quinzenais ou a uma pensão alimentícia aos filhos que desestimula o interesse paterno pela figura da criança, trazendo como resultado o abandono físico e afetivo do menor. São drasticamente reduzidas as possibilidades de contribuir na educação, hábitos e costumes de seus filhos, ganhando terreno a falta de motivação e de estímulo. Isto traz consigo sentimentos de perda de prestigio, sentimento de inferioridade e nenhuma implicação afetiva ao se ver impedido de participação, ou gerando nele uma presença intermitente que com freqüência desorienta e confunde (tanto quanto ao seu próprio filho) sobre o afazer educativo (Gilberti, 1985).

A literatura assinala que com um pai intermitente tende à deformação de personalidade da criança que carece dos atributos paternos no processo de sua formação (Pereira de Castro, 1997).

Âmbito Familiar

Como instituição social com um caráter sócio-histórico, reproduz e recria as normas macro sociais que regem a época em consonância com o lugar e à classe social correspondente. No seu interior e para cada um dos integrantes da família, como primeiro lugar de transmissão da cultura, proporciona as normas da sociedade na que se constrói.

Nesse sentido vai se segregando, excluindo o pai - e em grande parte ele se auto exclui, pois é a norma social que impera como adequada e ele se vê levado a prover a sobrevivência material da família, perde o espaço para a expressão de suas emoções e só lhe resta o dever de ser o responsável do sustento material da mesma (Lowenstein, Gary, 1996).

Âmbito Maternal

Na fase matrimonial, pela reprodução do designado socialmente no seio familiar, o casal tem sua expressão terminada com a ausência de disposição, equilíbrio, controle e equidade ao conceber o estilo de relações que regerão na nova situação, ou seja, a inter relação.

Levando-se em conta a reprodução dos estereótipos patriarcais pré-concebidos e depositados na mulher (e em todos os membros da sociedade), esta encontra sua identidade e realização feminina através da identificação entre "cônjuge", "mãe" e "mulher", englobando em sua reafirmação genérica os cuidados, afetos, educação e proteção dos "outros", principalmente dos filhos, mas também de seu esposo, sobrinhos, etc., o qual assume "mamãezando" todas as suas relações com o meio, como algo "natural" que é inerente "biologicamente", e portanto do qual "não pode escapar, mesmo que queira".

Fazer com que o cultural apareça como algo natural e biologicamente determinado parece responder mais à ideologia de determinadas estruturas sociais, pois é inegável que a definição da cultura é social. Os pais transmitem normas que foram transmitidas a eles por seus pais e que se constituem em estrutura psíquica assumida, diretamente relacionada com as pautas sociais e que além do mais têm garantido sua réplica. Estas normas se assumem com tanta credibilidade como se estivessem incorporadas geneticamente. Desta maneira se tomam processos sociais como se fossem naturais, normas sociais que por sua implantação etnocêntrica são tomadas como congênitas (Ferro, 1991).

A prática demonstra que habitualmente a mulher ao se sentir proprietária natural da educação e do cuidado de seus filhos, se apropria fisicamente dos menores e de seus destinos, marcando as pautas de relacionamento com o pai deles. Desta maneira as relações do pai com seus filhos ficam a mercê da boa ou da má vontade da mãe, para continuar sendo pais ajustados à nova situação ou converter-se em pais de fins de semana alternados, na melhor das hipóteses, pois em incontáveis oportunidades, e usando as crianças, costuma-se usar a permissão de contato como uma ferramenta de vingança e desforra.

Não é imprescindível que a mãe possua uma evidente tendência a negar ou impedir a existência de uma relação livre e aberta da criança com o pai, basta que ela coloque obstáculos, ponha travas, impedimentos mais ou menos sutis em uma confrontação de "nervos", na qual aquele que não possui a custodia da criança costuma perder a compostura rapidamente e começa a se "auto-excluir" em ocasiões com elevadas vivencias de dor, em outras com resignação, e talvez em outras com certa tranqüilidade devido à ausência de "batalhas".

A padrectomia pois, é originada em última instancia, pela privação do papel paternal através da desestruturação e anulação da função consolidada pela ausência de compromisso e da responsabilidade, assim como por meio da abolição ou eliminação do lugar ocupado antes pelo pai.

Quando a funcionalidade parental se fragmenta e começa a desaparecer até o extremo de correr o risco de se abolir completamente, observamos que alguns pais acompanham o crescimento e o desenvolvimento de um fenômeno denominado Síndrome do Pai Destruído. Este processo se vivencia como uma síndrome ou como dimensões da mesma, a partir da privação ou carência da relação afetiva significativa com seus filhos como resultado da separação conjugal.

A Síndrome do Pai Destruído

O fenômeno da padrectomia limita ou impede o pai de exercer seus direitos e o prazer do contato com seus filhos. E é, em essência, a vivencia da perda com seus múltiplos tons, a que provoca no plano da subjetividade masculina um conjunto de manifestações ou sintomas que é necessário estudar, assim como considerar necessários de orientação terapêutica.

A padrectomia é um fato, não é uma doença nem uma síndrome; as vivencias lacerantes do pai são também fatos lamentáveis e também fenômenos subjetivos que é necessário prevenir.

A suspensão dos direitos paternais gera logicamente desespero paternal, disfunção e desaparecimento. Este trágico trio sintomático constitui uma desenfreada e terrível aflição psicológica que pode ser tratada, e mais importante ainda, pode ser prevenida "(Fay, 1989, pág.407). Os casos estudados por nós confirmam tal afirmação, pelo que concebemos a Síndrome do Pai Destruído como a constelação de sintomas (depressão, desespero, sofrimento, sentimentos de inferioridade, ansiedade, culpa, ira, agressividade ou rejeição)" que nos planos emocional e de conduta, provoca no pai a vivencia da perda de seu filho no processo pós-divórcio. A intensidade dessas vivencias encontra sua origem no grau de apego no significado da relação pai-filho.

CRITÉRIO DE SELEÇÃO DOS CASOS

Selecionaram-se 6 casos estudados atendendo o seguinte critério:
· Pais que vivenciam o desajuste se seu papel paterno no processo de pós-divórcio, e que recorreram a consulta espontaneamente.

MÉTODO

Utilizou-se o método clínico, pois permite utilizar diversos recursos para obter a informação relevante sobre os sujeitos investigados (aplicação das técnicas) assim como criar a comunicação empática o paciente e o profissional como condição de implicação do sujeito no processo de seu conhecimento. Este método em combinação com o método fenomenológico está dirigido ao conhecimento profundo e dinâmico com uma concepção longitudinal do sujeito, em atenção ao seu desenvolvimento e evolução (passado, presente e projeções futuras), em atenção às vivencias sentidas pelo paciente.

INTEGRAÇÃO E DISCUSSÃO DOS CASOS

Como se assinalam nos estudos realizados, as características do processo pré-divórcio como o tipo de relação conjugal e a qualidade da relação pai-filho, condicionarão o desenlace deste processo e as vivencias do pai diante da separação dos filhos. Na seguinte tabela se expressa de forma resumida o comportamento destes fatores nos casos que estudamos.

TABELA 1

Características da relação pré-divórcio.

DINÂMICA CONJUGAL - RELAÇÃO AFETIVA COM OS FILHOS

Caso 1 (Chile) - Rotineira, cooperação mútua de apego.
Caso 2 (Chile) - Harmônica e cooperação mútua. Apego extremo.
Caso 3 (Cuba) - Desarmônica. Distante.
Caso 4 (Chile) - Rotineira, divisão rígida das tarefas, pouca cooperação. De Apego.
Caso 5(Cuba) - Rotineira, divisão das funções com pouca cooperação. De apego
Caso 6(Cuba) - Rotineira e cooperação mútua. De apego.

Como se observa, a maioria das relações anteriores ao divórcio expressa uma relação conjugal que declinou em rotineira, monótona ou em desarmônica. No entanto, na metade dos casos o pai acaba tendo uma relação de cooperação com a mãe nas tarefas da casa, na qual implica também aquelas relativas ao cuidado e atenção dos filhos.

Por outro lado, em quase todos os casos, a relação do pai com os filhos é de apego, de grande envolvimento e compromisso emocional, com laços afetivos fortes, que se expressam na vida cotidiana em atividades conjuntas, comunicativas e empáticas.

Também nos propusemos registrar a partir do ponto de vista legal o regime de relações e a pessoa para a qual se designa a guarda do menor. A partir do ponto de vista da mãe consideramos importante tomar em conta os obstáculos que ela coloca ao contato físico e sua conseqüente limitação à participação do pai na formação dos filhos.

Consideramos de interesse a desvalorização da figura paterna que pode fazer a mãe durante esse processo pós-divórcio, podendo chegar ao extremo de incutir com malicia.

Se bem que as limitações aparecem em diferentes âmbitos, consideramos que as de mais peso e conseqüências práticas imediatas são aquelas dadas a nível maternal e legal como se pode observar na seguinte Tabela II.

TABELA II

Limitação dos direitos do pai

CASO
LIMITAÇÃO LEGAL
LIMITAÇÃO MATERNAL

Guarda. Regime de encontros. Contato Físico. Educação. Deterioração da imagem.
N1) - Mãe. Inicialmente muito limitado, depois com permissão de visitas. Limitado em sua totalidade
N2) - Mãe. Limitado. Inicialmente compartilhado. Limitada a visita quinzenal. Limitado em sua totalidade
N3) - Mãe. não se reporta. Limitado em sua totalidade. Limitação parcial.
N4) - Mãe. Livre. Limitação parcial. Limitado em sua totalidade. Não explícito.
5 Mãe. Limitado. Visita na casa materna. Limitado em sua totalidade. Não explícito.
6 Mãe. Posse compartilhada. Não há limitação.
Como se observa do ponto de vista legal, a guarda é sempre designada à mãe. É interessante ver como, na maioria dos casos, se estabelece um regime de encontros limitados para o pai sem que existam razões que justifiquem. Como tendência, as mães mostram conformismo com a decisão legal de limitar os encontros dos filhos com os pais, e inclusive agregam obstáculos desestimulando o contato físico, mesmo quando o pai tenha condições e desejos de estabelecer uma relação mais sistemática e de proximidade com o filho.
Como o regime de relação pai-filho se estabelece, na maioria dos casos, através de visitas, isto traz como conseqüência uma limitação da participação paterna na educação da criança, sem que de maneira clara seja uma preocupação da mãe, ainda que apareça com freqüência nos pais.
Isto conduz a vivencias negativas dadas pela certeza da perda do papel do pai e do contato com seu filho, traduzidas em vivencias emocionais e de conduta que mostramos na tabela III.

TABELA III

Reações emocionais e de conduta do pai

VIVENCIA EMOCIONAL - REAÇÃO DE CONDUTA

Caso 1) - Depressão. Angústia. Sentimento de solidão. Inicialmente conduta evasiva intermitente. Conduta perseverante de reclamação.
Caso 2) - Depressão. Angústia elevada. Desespero. Reclamação perseverante.
Caso 3) - Depressão. Ira. Evita contato. Evasão.
Caso 4) - Ira. Agressividade. Depressão. Reclamação perseverante de contato.
Caso 5) - Culpabilidade. Angustia. Impotência. Reclamação perseverante de contato.
Caso 6) - Temor. Ansiedade. Tristeza. Defesa da custodia.

As vivências emocionais experimentadas pelos pais se caracterizam por um tom negativo. Segundo o que se reporta, são vivencias intensas mantidas por um período de tempo prolongado, a tal ponto que provocam transtornos ou desequilíbrios emocionais e de conduta geradoras de grande frustração. Isto faz que se convertam em motivo de consulta.

Essas reações emocionais giram, geralmente, ao redor da depressão e de um grande sentimento de perda, e de carência. Não obstante, na realidade elas constituem um amálgama de sentimentos, sem chegar a expressar um quadro clínico único. Isto pode responder às situações confusas, muitas vezes inesperadas, nas que o pai se vê envolvido no processo de separação.

No plano de conduta a reação mais comum é uma reclamação pelo contato físico relacionado com o filho, tentando estabelecer ou manter a relação empática anterior. A impossibilidade de atingir este propósito faz com que essa relação se converta, às vezes, em uma conduta perseverante e com certos matizes obsessivos, o qual o transforma num sintoma clínico. Em todos os casos pode-se afirmar que estas reações emocionais e de conduta respondem, em último caso, a uma não aceitação por parte do pai da situação a que vem sendo submetido.
Resumindo, poderíamos apontar algumas características que permitem, em sentido geral, descrever os casos estudados:

1) - O processo pré - divórcio esta matizado por uma relação de casal rotineira, na qual de maneira implícita havia dissolução dos vínculos emocionais. O padrão de interação conjugal mais comum é o de uma distribuição de funções sem chegar a uma relação de igual ou total implicação de não interferir nas tarefas do outro.

2) - A relação pai-filho(s) no período pré-divórcio é empática; caracterizada por uma paternidade comprometida e responsável, onde primam as demonstrações de carinho e afeto recíproco com os filhos.

3) - Da parte legal a custodia sempre é designada à mãe. No geral se estabelecem sistemas de encontros limitados de contato do pai com o filho de forma rotineira sem responder a razões fundamentadas. Não existe uma avaliação das possibilidades ou capacidades do pai, nem se leva em conta seu desejo ou disposição.

4) - É interessante como, apesar da relação conjugal e do padrão de inter-relação familiar variarem de um caso para o outro, sem que predomine como regra um ambiente hostil ou marcado pelas discrepâncias, as decisões com respeito à limitação do direito dos pais no processo pós-divórcio é bastante comum. Isto permite pensar que se replica uma conduta promovida pelo costume onde se faz presente o exercício forçado do papel paterno, a semelhança de um designado social que nem sempre se ajusta à situação concreta.

5) - Na maioria dos casos a mãe faz sua - com satisfação - a decisão legal e acrescenta obstáculos à relação pai-filho. Isto limita a participação do pai na formação integral do menor. Dos relatórios se constata uma relação desarticulada com os filhos, isto é, não existem atividades familiares, os contatos têm forma de visita,etc. Quando se expressa por parte da mãe a necessidade do contato pai-filho, é quase sempre para corrigir um sintoma aparecido no filho ou evita-lo, mas nunca se trata de oferecer ao pai o espaço e oportunidade de compartilhar a responsabilidade. Na mesma medida não se observa nessas mães (geralmente) uma busca de consenso nem cuidado da imagem paterna, ao contrário, uma conduta de indiferença ao respeito ou às ações, ou expressões, que deteriorem dita imagem com uma evidente malicia proposital.

6) - Mesmo que haja diferença no grau de limitação que sofre cada um dos pais, a todos une o sentimento de insatisfação com a "quota" de contato físico que lhe foi "permitida". Todos manifestam o sentimento de perda que pode estar expressando a inconformidade que pauta sua relação de pai, que limita sua espontaneidade e criatividade.

7) - O sentimento de perda desencadeia um conjunto de reações emocionais que, com diversidade de matizes, giram em torno de uma profunda dor e desespero, que se torna às vezes intolerável ao pai, frustrante, convertendo-o em nosso paciente.

8) - A recusa em renunciar seus direitos o leva a uma conduta de reclamação pertinente, que provoca um sentimento de impotência que não é sempre bem canalizado e o leva à condutas de perseverança, evasão e/ou fuga.

9) - Em nenhum dos casos estudados a mãe está inteiramente convencida e/ou preparada para favorecer uma paternidade comprometida. Supondo que elege o melhor para os filhos, assume como boa a decisão legal e relega ao pai o papel mais tradicional.

10) - A angústia manifestada pelo pai devido a perda do filho costuma atribuir-se socialmente a outras causas, como ciúmes, saudades da relação do casal, ou a segundas intenções como vingança, represália, etc. Isso expressa uma discriminação em relação aos sentimentos do pai ou, na melhor das hipóteses, uma incapacidade para compreender seu sofrimento ou associa-lo à interrupção de seu papel de pai.

11) - Com o aval pelo exposto com respeito aos papéis, e o designado aos pais no sócio-cultural, a mãe expressa sua superioridade em relação ao pai no processo de pós-divórcio, e se sente segura da situação . Não é a mãe, em nenhum dos casos, portadora de um sentimento de perda.

CONCLUSÕES

A análise "clínica-fenomenográfica" dos casos estudados nos sugere as seguintes conclusões:

*Em quase todos os casos tem lugar o fenômeno de limitação dos direitos do pai em relação a seus filhos, denominado padrectomia. O pai é condenado ao afastamento tirando-o daqueles espaços geradores de vivencias afetivas com seus filhos. O fenômeno da padrectomia está presente em quase todos os casos. Salvo no caso Nº 6 onde se compartilha tudo com igualdade o que favorece e protege a manutenção dos contatos afetivos, físicos e a responsabilidade paternal.

*A limitação dos direitos do pai ocorre quase sempre de forma rotineira, respondendo a padrões pré-estabelecidos de posse mono parental, sem razões que a fundamentem.
Consideramos que isso expressa, por um lado, a crença acerca da incapacidade do homem na melhor atenção aos seus filhos, e por outro, a ausência de compreensão da necessária participação do pai na formação integral dos filhos.

*A prática da padrectomia, em qualquer de suas formas, é expressão de um legado sócio-cultural baseado em:
**Uma concepção estereotipada da família.
**Uma crença da superioridade da mulher no cuidado dos filhos.
**Uma concepção mutilada da paternidade.

*A síndrome do pai destruído, como conjunto de vivencias negativas, aparece ainda sem que tenha lugar uma limitação expressa dos direitos do pai, ou então incluso como sentimento de antecipação da perda.

**A manifestação da síndrome do pai destruído não responde a um quadro clínico idêntico. As reações que o acompanham estão matizadas pelas condições em que ocorre a padrectomia e as características de personalidade dos pais. Não obstante, pode-se registrar o aparecimento de sintomas como o desespero e a ansiedade, e uma conduta perseverante de reclamação com o filho que parece conformar um quadro muito parecido à depressão ansiosa. O anterior nos permite deduzir diferentes dimensões da síndrome.

** O problema de desempenhar uma adequada paternidade no processo de pós-divórcio não é de fácil solução, nem em uma situação de guarda compartilhada. Isso não deve ser justificativa para nos refugiarmos no tradicional, num estereotipo de relação de corte patriarcal, mas sim num desafio para lutar para que o exercício da paternidade não seja presa da dicotomia matrimônio-divórcio.

** O fato de que os casos estudados sejam tanto de Cuba quanto do Chile, aumenta a transcendência das conclusões mesmo não sendo nosso propósito realizar generalizações.


RECOMENDAÇÕES

*A partir do sócio-cultural e familiar, sensibilizar os especialistas e a população em direção à busca de variações do designado e o imaginário social, em direção à assimilação de novos paradigmas de paternidade cada vez mais progressistas, e que signifiquem uma opção válida para pais como emergência de mudança. Direcionar a sensibilização através de uma adequada divulgação pelos meios de comunicação de massa, e campanhas educativas a respeito do assunto, em função de um redimensionamento dos papéis paternos e maternos.

*Da parte legal, promover a busca de novas alternativas de posse da guarda e custodia dos filhos de maior equidade e consenso que a atual. Atualmente existe na América Latina (Brasil, Argentina.Uruguai e Chile) uma tendência a conceber a posse como um processo da analise de idoneidade dos tutores, independentemente do sexo e papel que exerçam.

*A escolha da guarda deveria ser analisada sendo observadas as condições individuais de cada um dos pais, de modo a outorga-la àquele que possua maior capacidade de proporcionar ao filho um desenvolvimento saudável em todos os sentidos. Inclusive devemos incluir a possibilidade de que ambos os pais possam compartilhar equilibradamente a funcionalidade da relação anterior na nova situação pós-divórcio, chamada guarda compartilhada. Outra alternativa a ser tomada em conta, poderia ser designar um especialista para a tarefa de desenhar instrumentos que permitam avaliar objetivamente qual dos pais responde aos interesses e
características da criança para sua melhor colocação (Jameson e cols.1997).

*Nos casos que assim o permitissem, dever-se-ia caminhar em direção à guarda compartilhada por ambos os pais, o que poderia, ainda que não a melhor, ao menos a opção menos maléfica para todos os implicados.

*Da parte familiar, promover através de meios educativos uma conscientização dos conceitos culturais no seio familiar, na busca de estilos de relacionamento com tendência a uma reformulação do estilo patriarcal.

*Da parte maternal, impulsionar a necessidade da busca de consensos e tentar diminuir a onipotência materna no cuidado, afeto e desenvolvimento do filho, promovendo maior integração do masculino a funções que não possuem sexo, como são o contato e o apego paternal com os filhos.

Guardamos a esperança de que os resultados deste trabalho sirvam para aumentar a consciência e a compreensão sobre os efeitos nocivos da ruptura paulatina, abrupta ou radical da paternidade, como um aspecto importante a ter em consideração pelo casal (e pela sociedade) na decisão de seu divórcio e no seu desenlace. É nosso propósito final tentar contribuir com nossa experiência como psicólogo e como pai na defesa de uma paternidade não condicionada à dicotomia
matrimônio-divórcio. Nós pais também sofremos. Não se deve subestimar nossa dor ao nos separarmos de nossos filhos.



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(Nota: por falta de espaço, não foi incluída a relação completa da bibliografia).

Chillán, Agosto de 1999.
Nelson Zicavo Martínez
Master en Psicología Clínica
Docente Universidad del Bio-Bio
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Fonos: (42)214417 - (42)212701

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