GUARDA COMPARTILHADA - MONOGRAFIA - PARTE 1 DE 2
Monografia de conclusão do Curso “Direito Especial da Criança e do Adolescente” - Turma 1994 - Departamento de Pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
GUARDA COMPARTILHADA
UM NOVO ENFOQUE NO CUIDADO AOS FILHOS DE PAIS SEPARADOS OU DIVORCIADOS.
Aluno: Dr. Sergio Eduardo Nick.
Orientador: Dr. Ricardo Cezar Pereira Lira
Rio de Janeiro - Brasil
outubro de 1996
Agradecimentos:
Em primeiro lugar, devo agradecer à Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ, especialmente ao corpo de professores e coordenadores do curso de pós-graduação em direito da criança e do adolescente, pela oportunidade de convívio e aprendizado que me possibilitaram chegar até aqui.
Ao Prof. Ricardo Lira, meu muito obrigado pela paciência, pelas sábias lições, e pelo apoio incomensurável na confecção desta monografia.
Aos meus amigos Caio Ávila Pinhão, Pedro Batista Martins, e Mª Tereza da Fonseca Castelo Branco, sem cuja ajuda eu não iria tão longe.
Aos meus colegas de turma, em especial às inseparáveis e insuperáveis Stella e Viviane, pela possibilidade de estarmos juntos compartilhando este aprendizado, e à Madalena, pela contagiante vitalidade que tanto me estimulou.
À Suzy e suas colegas, ‘experts’ nas buscas bibliográficas que tanto enriqueceram este trabalho; bem como às bibliotecas centrais da USP (Universidade de São Paulo) e da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), cujo grau de competência deve ser louvado por todo pesquisador.
Às queridas Ana Maria e Melanie, muito mais que secretárias, pessoas queridas que me ajudaram na dura tarefa escrever com o computador.
À Dra. Rosa, pela inestimável lição de vida e o estímulo a pensar e escrever.
E por último, mas principalmente, às minhas amadas Luciana, Patricia e Isabela, por todo apoio, acompanhamento, e amor que me dão.
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo estudar um novo enfoque de atendimento aos casais separados ou divorciados, bem como a seus filhos.
Para tanto, buscamos fazer uma ampla pesquisa bibliográfica sobre o assunto, bem como a coleta de informações com profissionais envolvidos com a matéria.
Os conceitos-chave estudados foram ‘guarda compartilhada’, ‘shared parenting’, e ‘mediação’; dentro daquilo que está sendo utilizado nos Estados Unidos da América nos casos de separação ou divórcio para melhor atender aos ex-cônjuges e a seus filhos. Pela pesquisa realizada, concluímos que está ocorrendo uma rápida mudança no modelo de atendimento a esse público; cuja base é a substituição do modelo adversarial típico dos embates judiciais por um modelo que privilegia a busca de preservação do melhor nível de relacionamento entre pai e mãe, com vistas a proporcionar um desenvolvimento ótimo dos chamados ‘filhos do divórcio’.
Fizemos ainda um breve estudo da legislação brasileira para avaliar e sugerir a aplicabilidade deste modelo no Brasil. Nossa conclusão é de que a guarda compartilhada tem amplo respaldo no Estatuto da Criança e do Adolescente, uma vez que privilegia os interesses das crianças e dos adolescentes como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. A utilização da mediação é sugerida com vistas a alcançar a melhor aplicação deste modelo, uma vez que possibilita a busca de acordos que contem com a participação direta de ambos os ex-cônjuges.
ÍNDICE
1) INTRODUÇÃO 1
2) CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES 3
3) DEFINIÇÃO DE GUARDA COMPARTILHADA 9
4) A GUARDA NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA - EUA 13
5) DISCUSSÃO DO PROBLEMA DA GUARDA NO BRASIL 21
6) IMPORTÂNCIA DA INCLUSÃO DA GUARDA COMPARTILHADA NO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO 28
7) SOBRE A ABORDAGEM DO PROFISSIONAL DE SAÚDE MENTAL NOS LITÍGIOS ENTRE CASAIS 35
8) CONCLUSÃO 45
BIBLIOGRAFIA 48
1) Introdução
Este trabalho tem como objetivo estudar o tema da guarda compartilhada, para com isso trazer aos estudiosos do assunto mais subsídios sobre esse que é considerado um grande avanço no trato de crianças oriundas de casais divorciados ou separados.
Para atingir este objetivo fizemos inicialmente uma ampla pesquisa bibliográfica para rastear o tema na literatura científica. Os resultados foram compilados, comparados, analisados e resumidos para dar ao leitor uma noção contemporânea da guarda compartilhada, suas aplicações no direito de família, as controvérsias quanto ao seu uso, e as possibilidades de sua aplicação no direito brasileiro.
Como estudioso de psicanálise e de sua aplicação ao estudo psicológico da criança, busquei articular noções desta área com a pesquisa realizada. Com isto viso dar mais informações ao interessado no assunto, sempre no intuito de mostrar a importância e a aplicabilidade da guarda compartilhada para o melhor interesse das crianças e, porque não acrescentar, de seus pais. Além disso, creio que esta é uma forma de fazer jus à orientação interdisciplinar do curso e mostrar que a troca entre várias disciplinas pode e deve ser praticada, uma vez que a complexidade dos fenômenos que abordamos só pode ser abarcada com a contribuição de vários vértices teóricos.
Em decorrência desse ponto de vista, busquei ainda dar uma contribuição pessoal ao estudo do tema, ao imprimir a esta monografia um enfoque que me é particularmente caro e com o qual me identifico emocional e intelectualmente. Digo emocional porque creio que a abordagem dos assuntos ligados à família e ao ser humano em geral demanda do estudioso um mergulho na intimidade dos sentimentos que só é possível se pudermos ter um mínimo de identificação e empatia com o que ocorre com aqueles cujo problema estamos estudando. Pode parecer que isso me tiraria a neutralidade científica muito cara aos positivistas e àqueles que ainda se pautam essencialmente no pensamento cartesiano. Tal não é minha orientação teórica e tampouco minha convicção científica. Pelo contrário, acredito que ao nos aproximarmos de nosso objeto de investigação, estamos inevitavelmente interferindo e interagindo com ele; fato particularmente verdadeiro no tocante às ciências humanas. Assim, creio que meu leitor terá a oportunidade de conhecer um pouco das minhas opiniões sobre como encaminhar um processo de divórcio, especialmente no que diz respeito aos filhos do casal. Talvez a idéia-chave que pretendo desenvolver aqui é a de que - se marido e mulher tem que se separar, que o façam; mas sem separar o papai e a mamãe das crianças filhas desse casamento.
Abordarei também o conceito de Mediação, na medida em que é um procedimento contemporâneo à guarda compartilhada e por fazer parte daquilo que entendo como o melhor enfoque para casais que estão se separando ou divorciando.
2) Considerações Preliminares
Todas as pesquisas atuais são unânimes em constatar o crescimento de casais que se separam. Por exemplo, estima-se que os primeiros casamentos de 49% dos americanos entre 25 a 34 anos vão acabar em divórcio (Glick,1984).O incremento do divórcio levou a uma enorme preocupação com suas conseqüências no desenvolvimento psicossocial das crianças oriundas dessas famílias. Estudos foram também feitos no sentido de pesquisar as implicações da separação sobre os pais e suas conseqüências nos filhos. É esperado que 40 a 50% das crianças nascidas nos EUA durante os anos 70 e 80 vão experimentar o divórcio de seus pais, freqüentemente na primeira infância (Emery, 1988); a maioria delas ficará sob guarda da mãe (Buehler,1989). Mas aquilo que mais preocupa é o fato de que o desentendimento e a hostilidade entre os pais após o divórcio está sendo cada vez mais relacionado a dificuldades de ajustamento da criança (Emery,1988).
Um dos fatos mais comuns é o afastamento do pai, fruto de uma ideologia muito difundida desde o inicio deste século e ainda muito influente em nosso meio: a de que a mãe é a figura parental mais importante para a criança. É curioso constatar que tal não era a prática até o final do século 19: era atributo do pai deter a guarda e o pátrio poder de seus filhos e a mulher se submetia às suas determinações ( Ashley, 1994 ). Com o advento da era moderna a mãe passou a ser aquela a quem era destinada a guarda dos filhos de pais divorciados e/ou separados, salvadas poucas exceções (Ashley,1994). Por conseqüência, o pai viu seu papel ser desvalorizado pela sociedade, o que terminou por influir no seu afastamento do convívio com os filhos (Luepnitz,1980;Welsch-Osga,1981;Bredefeld,1984). A divisão entre o pai que trabalha e provê as necessidades materiais e a mãe que cuida da casa e da prole se acentuou nos casais divorciados, com efeitos variados sobre a família. Sabemos hoje que as visitas quinzenais típicas dos arranjos jurídicos quanto à guarda freqüentemente tem efeito pernicioso sobre o relacionamento pais-filhos, uma vez que propicia um afastamento grande (tanto no sentido físico, como no emocional), devido a angústias frente aos encontros e separações, levando a um desinteresse defensivo de estabelecer contato com as crianças(Cowan,1982; Dolto,1989). A visitação regular é um fator significativo na explicação de padrões de ajustamento escolar positivo nas crianças após o divórcio (Pearson e Thoennes,1990; Bisnaire, Firestone e Rynard,1990).
Para a mãe, antes de ser uma dádiva, a guarda é muitas vezes vista como um ônus. Especialmente hoje em dia, em que a mulher anseia cada vez mais buscar sua inserção no mercado de trabalho, a guarda dos filhos é mais um obstáculo a exigir dela tempo e dedicação que muitas delas prefeririam dividir com seus ex-maridos. Tal não é constatado com as mães que se ocupam exclusivamente dos filhos; para essas mulheres, dividir a guarda pode significar a perda de sua grande fonte de auto estima(Pearson e Thoennes,1990; Richards e Goldenberg,1985). Pelo exposto vemos a necessidade de estudar os aspectos socioeconomicos e culturais em cada caso para podermos determinar o que é mais indicado para cada família.
Uma questão muito atual e importante é como adaptar as leis para atender à crescente demanda de pais divorciados quanto à guarda de seus filhos. Cresce, principalmente nas duas últimas décadas, o envolvimento de pais no cuidado a seus filhos, levando-os a lutar mais pela possibilidade de estar com eles (lutando pela guarda) e a aceitar compartilhar a guarda com a mãe das crianças. Um exemplo dessa mudança pode ser dado por uma pesquisa que avaliou o numero de pais que obtiveram a custódia de seus filhos após o divórcio nos EUA. Em 1977 eram 400.000; em 1983, 600.000; em 1988 esse numero estava em torno de 1.000.000; sendo que o ultimo relatório do Censos Burgau indicava que mais de 1.200.000 pais tinham obtido a guarda simples (i.e., não compartilhada) de seus filhos (Ashley,1994; Greif,1990). Isto representa, em números relativos, que 20% das crianças que vivem com um só genitor estão sob a guarda do pai; este tipo de família, onde o pai é quem toma conta, é a que mais cresce nos EUA (crescimento de 73% nos anos 80, enquanto que famílias em que a mãe toma conta sozinha cresceu somente 20% no mesmo período) (Ashley,1994). Além disso, fruto da evolução do seu papel social e do movimento feminista, o homem tem avançado na busca de assumir papéis outrora limitados à mulher. Porém, tal evolução provocou um enorme rebuliço no seio da família moderna, sendo apontado por especialistas como um dos fatores predisponentes ao divórcio. O homem de hoje se vê às voltas com questões complexas para as quais muitas vezes não se vê preparado, sendo que algumas delas concernem ao cuidado a ser dispensado aos filhos. Mas esse é o corolário da evolução dos costumes: enquanto alguns se adaptam rapidamente, outros custam a se adaptar; o que repercute nas famílias de forma contundente. Uma das ferramentas sociais muito utilizadas atualmente é fornecer informações, apoio técnico e humano, e quaisquer outras medidas que possam facilitar aos membros da comunidade na sua adaptação aos novos tempos.
A mesma dificuldade atinge juizes, advogados, e todos aqueles que lidam na área do direito de família. Enquanto os papéis no lar eram relativamente estanques, as decisões jurídicas eram mais facilmente tomadas e aceitas pelas partes.
Ocorre que as relações intrafamiliares foram se tornando mais complexas, ou, como defendem alguns, se tornando mais aparentes, o que redundou em uma gama cada vez maior de aspectos a serem considerados na abordagem do tema. Por exemplo, a busca de saber quem é o mais capaz dos genitores está levando os juizes americanos a pesquisar quem é que terá mais tempo, estabilidade e desejo de ser um guardião responsável e um bom modelo para seu filho (Ashley,1994).
Criticas ao sistema jurídico tem levado muitos estudiosos a buscarem soluções antes sequer imaginadas, contribuindo para o aperfeiçoamento do direito. Um dos problemas que nos interessa abordar é o fato de que os “procedimentos jurídicos junto à família que se separa reforçam a disputa entre os cônjuges, acarretando sérios prejuízos emocionais aos membros dessa família.” . É nesse campo que a guarda compartilhada tem algo a acrescentar: a possibilidade de se pensar um sistema jurídico capaz de unir os pais, ou, ao menos, de não aumentar as diferenças e desavenças tão comuns na família moderna. Para isso, é mister que os juristas estejam munidos do que há de mais moderno e avançado na teoria que estuda a família e de leis que lhes permitam agir em conformidade com cada caso. Para isso, a American Bar Association (órgão de disciplina e defesa dos advogados nos EUA, semelhante à nossa OAB) criou um comitê especialmente para estudar custódia de crianças (o Child Custody Committee).
Creio que é interessante destacar que aquele que milita na Justiça, na medida em que é chamado a intervir nas questões conjugais, é muitas vezes alçado à condição de “sujeito suposto saber” (Lacan, 1963), lugar onde se é colocado por aquele que se sente incapaz de resolver suas questões. O sentimento de impotência dos membros desse casal em conflito resulta na projeção de atributos onipotentes na pessoa do juiz ou daquele a quem se busca ajuda. Muitos juristas se valem dessa condição para adquirir poder e glória, na ilusão de que podem de fato ocupar este lugar. Não realizam que esse lugar não pode ser ocupado e custam a se dar conta do efeito pernicioso dessa postura, uma vez que acabam tendo que decidir pelo outro algo que só cabe a este decidir. O resultado freqüente é que o casal, à medida em que descobre que seus desejos e necessidades não estão sendo satisfeitos pela solução arbitrada, começam a reagir de maneira pouco saudável; seja ficando deprimidos e frustrados, seja brigando entre si, já que se sentem impotentes para brigar (ou mesmo questionar) o “poder maior” representado pela Lei e seus representantes (juizes, advogados, etc.). Assim é que hoje grande numero de juizes optam por buscar ao máximo uma solução consensual, entendendo que esta é uma forma de evitar futuras desavenças e um compromisso maior com aquilo que foi acordado entre as partes. Dentro deste eixo de pensamento, a mediação tem sido utilizada de forma crescente desde 1970 nos EUA, com vistas a ajudar ex-cônjuges a negociar um acordo legal e a pensar sobre seu futuro relacionamento de uma forma que seja benéfica para ambos e para seus filhos(Emery,1995).
A antropologia, na medida em que estuda o comportamento humano, dá uma outra dimensão à questão. Ela desvela as questões ligadas ao comportamento sexual dos casais e isso nos interessa aqui porque a separação, muitas vezes, envolve questões sexuais complexas não reveladas e muito menos investigadas ao nível do direito. A idéia aqui é que as questões íntimas (libidinais), por compreenderem vergonha e sigilo, terminam por serem reprimidas tanto pelos membros do casal quanto por aqueles que cuidam dos aspectos legais da separação. O que a psicanálise tem a mostrar é que essas questões íntimas reprimidas terminam por trilhar o único caminho possível: as demandas legais(Parker, 1991).
Há que considerar também os aspectos emocionais em jogo quando a família se desfaz. Sabemos hoje que é muito importante para a criança ter em mente um casal de pais em quem ela possa se espelhar. Quanto mais saudável e harmônico esse casal parental, mais crescem os índices de saúde mental nessas crianças (Lohr, Mendell e Riemer,1989; Bisnaire,Firestone e Rynard, 1990; Frost e Pakiz,1990; Dolto, 1989). Uma grande oportunidade de crescimento surge nas situações de crise. Conforme Caplan , é nas crises que o ser humano experimenta a possibilidade de incorporar novas formas de agir, novas maneiras de encarar os problemas, sendo portanto um momento propício tanto para o crescimento emocional quanto para o surgimento de desordens mentais. Tudo depende da maneira como a família e seu entorno vão lidar com o problema. Assim, é sabido que o aporte de cuidados os mais variados é crucial nas situações de crise; o que implica no cuidado dos profissionais que lidam com famílias em dar uma assistência que acarrete em promoção de saúde e evolução para todos aqueles que dela vierem a necessitar.
Algumas variáveis importantes a serem pesquisadas por aquele que quer estudar os efeitos da guarda sobre os filhos são aquelas relacionadas a: 1) A relação pai-filho: freqüência de encontros, sentimentos de proximidade à criança antes e depois do divórcio, satisfação com a guarda, tempo despendido com a criança; 2)O divórcio atual: grau de hostilidade entre os ex-cônjuges; 3) O relacionamento entre os ex-cônjuges: qualidade do relacionamento, concordância sobre a educação dos filhos; 4) Fatores econômicos: Suporte econômico à criança, satisfação com esse suporte, nível salarial; 5)Características demográfica e socioemocional dos pais: educação, auto-estima, etc. (Arditti,1992).
Um dos aspectos mais importantes a serem considerados no cuidado das crianças atingidas pelo divórcio refere-se à decisões que os pais devem tomar sobre seus filhos. Decisões quanto a importantes matérias que afetam o bem estar da(s) criança(s) deveriam ser tomadas por ambos os pais (Gornbein,1995). Elas incluem educação, saúde, religião, procedimentos médicos eletivos, questões psicológicas, atividades extracurriculares, férias, entre outras. O mesmo deve ser dito sobre as decisões do dia a dia, que muitas vezes tem impacto decisivo no desenvolvimento socioemocional da criança, afetando sua saúde, bem estar, e “o melhor interesse do menor”(Estatuto da criança e do adolescente, 1990). Além disso, vivenciar seus pais unidos em torno de si e de seus interesses fortalece a auto estima da criança, dando-lhe o sentimento de que suas necessidades não foram negligenciadas após o divórcio(Ahrons,1979,1980; Luepnitz,1982).
É por essa razão que vemos um incremento de associações e grupos nos Estados Unidos que lutam pela inclusão do pai na custódia de seus filhos e/ou nas decisões que concernem os interesses deles(DeCrow,1994; Brunner,1990;Wellman,1996). Como exemplo, podemos citar o depoimento de Karen DeCrow (uma militante feminista, presidente da National Organization for Women - N.O.W.) na Casa Branca, no qual ela defende a inclusão do pai na custódia, ressaltando a “importância do compartilhar o cuidado às crianças” , “a prática desumana da visitação” imposta, e que o ”homem pode fazer tudo o que a mulher faz” (DeCrow,1994); e de Michael Kokinda (pai divorciado que divide a custódia de seus filhos com a ex-mulher), fundador e coordenador da Northern Ohio Parents for Equality, que advoga o direito à visitação livre, entre outros postulados. A mudança de ponto de vista de, ao menos, uma corrente do feminismo é emblemática do quanto a luta pelo poder está cedendo espaço para a luta pela verdadeira igualdade; onde as próprias mulheres vêem vantagens em dividir seu espaço com os homens.
3) Definição de Guarda Compartilhada
O termo guarda compartilhada ou guarda conjunta de menores (“joint custody”, em inglês) refere-se à possibilidade dos filhos de pais separados serem assistidos por ambos os pais. Nela, os pais tem efetiva e equivalente autoridade legal para tomar decisões importantes quanto ao bem estar de seus filhos e freqüentemente tem uma paridade maior no cuidado a eles do que os pais com guarda única (“sole custody”, em inglês).
Em primeiro lugar, há que distinguir entre guarda jurídica (“joint legal custody”) e guarda física(“joint physical custody” ou “residential joint custody”). Segundo o Dr. Henry S. Gornbein, jurista americano especialista na matéria, o termo “joint legal custody” se refere a tomar decisões em conjunto; o que implica em deixar claro que mesmo em situações de divórcio a criança tem dois pais e a comunicação entre eles deve ser encorajada no que concerne a assuntos relacionados com seus filhos. Neste caso, a(s) criança(s) mora(m) primariamente com um dos pais. Já a “joint physical custody” é um arranjo para que ambos os pais possam estar o maior tempo possível com seus filhos. Exemplos típicos, descritos pelo Dr. Gornbein , são situações onde a(s) criança(s) fica(m) perto de metade de seu tempo com cada um de seus pais. Para funcionar, deve haver uma comunicação ótima entre os genitores, mas é raro que isso aconteça. Arranjos mais comuns são aqueles em que os pais moram bem perto um do outro, de maneira que a(s) criança(s) possa(m) ir de uma casa para outra o mais livremente possível. Outro exemplo é quando os filhos ficam com um genitor durante o período escolar e nas férias com o outro genitor. Uma outra possibilidade é a alternância temporária de casas, onde a criança passa um tempo na casa de um do pais e um tempo igual na casa do outro. Podemos também citar a “birds nest theory”, onde a(s) criança(s) fica(m) na casa e os pais moram alternadamente com ela(s). Essa última opção é tida como muito cara e que “é boa para os passarinhos“. Mas o principal é que o arranjo possibilite um maior contato da criança com ambos os pais, sendo comum que a criança consiga ficar cerca de 1/3 de seu tempo com o genitor que não detém a guarda.
Mas esse é um modo bastante simplista de definir a coisas relativas à guarda compartilhada. O tema é por demais complexo e pleno de nuances sutis a serem consideradas. Há que destacar o fato de haver escassa bibliografia a respeito no Brasil, em oposição ao que ocorre no exterior, onde o assunto é vastamente discutido nos meios jurídicos, socio-psicológico-psiquiátricos, e pela sociedade em geral. Destaco aqui a definição do juiz de direito Dr. Sérgio Gischkow Pereira: “...guarda ou custódia conjunta (seria) a situação em que fiquem como detentores da guarda jurídica sobre um menor pessoas residentes em locais separados. O caso mais comum será o relacionado a casais que, uma vez separados, ficariam ambos com a custódia dos filhos, ao contrário do sistema consagrado em nosso ordenamento jurídico.” .
Nos textos americanos consultados há um termo que quase sempre está junto com “joint custody” (guarda compartilhada), e que é muito significativo: “shared parenting”. Digo significativo porque nos remete a pensar em cuidado, atenção, ‘maternagem’ ,... Diferentemente do termo guarda, que remete à idéia de posse, o termo “parenting” faz pensar e agir em uma direção que está muito mais próxima das necessidades da criança. Aí não importa mais tanto quem é que vai morar com a criança, o destaque vai para os filhos, e aquilo que é melhor para eles: ter ambos os pais interessados em seu bem estar, sua educação, sua saúde, e seu desenvolvimento como um todo.
Para o Professor Jeff Atkinson, da DePaul University e primeiro “chair” do Child Custody Committee da American Bar Association, a “guarda conjunta não tem uma definição precisa” . Ela pode cobrir um arranjo onde um dos genitores fica com as crianças durante o período escolar e o outro durante as férias, com direito a livre visitação; até arranjos mais tradicionais onde o tempo despendido com a prole é menos dividido, mas há a ênfase no “sharing parenting”, e o genitor que não detêm a custódia tem participação em decisões chave relacionadas à saúde e educação dos menores.
As principais vantagens da guarda conjunta, segundo Arditti, são três: ela promove um maior contato com ambos os pais após o divórcio, e as crianças se beneficiam de um relacionamento mais íntimo com eles (Greif,1979); o envolvimento do pai no cuidado aos filhos após o divórcio é facilitado (Bowman & Ahrons,1985); e as mães são menos expostas às opressivas responsabilidades desse cuidado, o que as libera para buscar outros objetivos de vida (Rothberg,1983). Quanto às desvantagens, ainda segundo Arditti, elas se centram na praticidade de tais arranjos quando há conflito continuado entre os pais(Goldstein, Freud e Solnit,1979; Johnston, Kline e Tschann,1989); na exploração da mulher se a guarda compartilhada é usada como um meio para negociar menores valores de pensão alimentícia (Weitzman, 1985); e na viabilidade da guarda conjunta para famílias de classe socioeconomica mais baixa (Richards e Goldenberg, 1985). Outros apontam para o risco da fluidez ambiental inerente à guarda conjunta provocar confusão na mente dessas crianças, fato considerado por outros como uma experiência enriquecedora para elas, porque as expõe à diversidade - o que as prepararia melhor para lidar com a vida no futuro (Wellman,1996).
Para Wellman, a família seria “um microcosmo do mundo real” , e pais que conseguem “ultrapassar sentimentos de dor, culpa, e raiva no sentido de resolver suas diferenças de outra forma que não seja na base de vingança, retraimento, ou fúria, ensinam suas crianças, na prática, como se resolvem conflitos de uma maneira mais saudável” . Para ele, a guarda conjunta seria não só no melhor interesse dos filhos como também no “melhor interesse de ambos os pais” .”Pais divorciados, separados e mesmo não casados aprendem meios de cooperar e trabalhar em busca de um objetivo comum, quando são desafiados a compartilhar a responsabilidade de criar uma criança” , escreve ele, citando o livro “Mom’s House, Dad’s House” - do Dr. Ricci.
No que se refere à nosso legislação, é importante lembrar que a atribuição da guarda a um dos genitores não interfere com o pátrio poder, o que implica em garantia ao genitor que não detém a guarda de poder ter voz ativa no trato de questões fundamentais do desenvolvimento de seu(s) filho(s). Mas eu penso ser esse um ponto onde a questão legal não foi acompanhada pelo comportamento dos genitores: acontece com freqüência que o pai tem o pátrio poder e não o exerce, o que não é desejável.
4) A Guarda nos Estados Unidos da América - EUA
Escolhi escrever sobre a guarda nos EUA em detrimento de outros países por mera facilidade de acesso à bibliografia americana. Mas as informações que obtive foram que muito do que acontece nos EUA está ocorrendo na Europa Ocidental. A rigor, meu objetivo foi o de coletar informações sobre a experiência de outros que pudessem dar subsídios para o estudo da guarda conjunta em nosso país.
É fato notório que a maioria dos Estados americanos tem leis que incluem a guarda conjunta no leque de opções de custódia e outros, como a Califórnia, cuja legislação dá preferência à este tipo de arranjo. Como cada Estado americano tem suas próprias leis, busco aqui fazer um resumo delas, ressaltando aquilo que é comum à maioria deles, destacando pontos que me pareceram inovadores, ilustrativos, controversos, etc...
A preocupação com a guarda compartilhada é patente nos EUA, sendo comum a ampla divulgação aos pais das características desse tipo de custódia e de informações úteis sobre : escolha de advogado (o que você deve exigir dele, quais características profissionais devem ser colocadas em primeiro plano, listas de profissionais por área, etc.); grupos de auto-ajuda (onde a pessoa que está se separando pode obter informações, tirar dúvidas, debater questões, etc.); e sobre as leis de seu Estado ( a maioria dos Estados possui uma página na Internet (Home-Page) onde se pode ter essas informações). De acordo com a ABA, existem hoje perto de 400 programas de educação para os pais em 40 Estados americanos(Keeva,1995). Como já assinalamos, é grande o crescimento do nº de casais separados que escolhem ou recebem a guarda compartilhada dos juizes, sempre no entendimento de que essa escolha é feita no melhor interesse das crianças(Reidy, Silver e Carlson,1989). Outro fator a contribuir para esta escolha foram as mudanças no papel de gênero para os homens e mulheres, onde o intercâmbio de atitudes masculinas e femininas entre os dois sexos propiciou a que ambos - homem e mulher - assumissem tarefas que outrora sequer imaginavam.
Para Emery(1988), a guarda conjunta nos EUA é mais comum no sentido da “joint legal custody” do que da “joint residential custody”. Tal observação aponta para as dificuldades maiores em dividir o tempo das crianças entre as residências de pai e mãe, além da natural tendência a fixar a prole em um só local. Garrod(1995) assinala que “enquanto não há grande diferença, num sentido prático, entre “sole custody” e “joint legal custody”, existe uma enorme diferença entre “sole physical custody”e “joint physical custody”. O que ele quer dizer é que morar com um dos pais é muito diferente de morar com os dois pais alternadamente, seja qual for o tipo de arranjo. Para este autor, não existe muita vantagem na mera ‘joint custody’ porque ele não crê na possibilidade dos pais realmente compartilharem as responsabilidades na criação dos filhos. A vantagem começaria apenas quando houvesse a troca de moradia. Mas esse autor não leva em conta que casais que tem bom relacionamento após o divórcio tem mais facilidades para compartilharem as tarefas com os filhos.
Mas qual seria a situação quando as pesquisas são realizadas de modo a comparar as duas formas de custódia? Busquei alguns artigos sobre “joint custody”, principalmente teses feitas de 1980 para cá, onde a tônica da pesquisa eram os estudos comparativos e não os descritivos; isto porque existe uma gama enorme de conclusões subjetivas nestes estudos, e comparar crianças de mesma idade e/ou mesmo sexo de ambientes diferentes é menos subjetivo do que entrevistar crianças de um ambiente e tentar tirar conclusões dessas entrevistas. O resultado dos 26 trabalhos analisados é francamente favorável à guarda compartilhada, sob vários parâmetros:
1) Autoestima - cinco estudos analisaram esta medida e foram unânimes em constatar que as crianças em guarda conjunta tem melhor autoestima se comparadas com aquelas com guarda única.
2)Atividade - um estudo avaliou este parâmetro e achou que as crianças com guarda compartilhada eram mais ativas que as que viviam com apenas um dos pais ou aquelas de famílias intactas, tendo menor tendência ao retraimento em situações de crise do que estas.
3) Adaptação - incluí aqui vários parâmetros indicativos de boa adaptação e o resultado foi que sete estudos que pesquisaram esta medida referem que os melhores escores vão para as crianças de guarda compartilhada.
4) Relação com os pais - quatro estudos encontraram que a relação com ambos os pais é melhor quando há a guarda conjunta do que com a única; enquanto que outro estudo, investigando a relação com o pai com quem a criança não mora, também a avaliou melhor na guarda compartilhada do que na única.
5)Visitação - dois estudos compararam a visitação na guarda compartilhada (filhos morando com um dos pais) e na única, encontrando escores melhores para o primeiro grupo. Outros dois estudos avaliaram o tempo despendido com os pais, encontrando também vantagem para o grupo guarda compartilhada. Além disso, um deles inclusive conclui que quanto maior o tempo (crianças com guarda materna) passado com o pai, maior será a aceitação de ambos os pais e mais bem ajustada será a criança. Outra conclusão foi que as crianças de guarda única diziam ver seus pais menos freqüentemente após novo casamento da mãe, o que não aconteceu no outro grupo (“joint custody”). Em outra tese, o autor encontrou que a relação com o genitor que não detinha a guarda era descrita como sendo parecida com uma relação com um tio ou uma tia; o que indica um decréscimo de convivência e intimidade que idealmente se espera que a criança tenha com seu genitor.
6) Desenvolvimento Psicoemocional - dois estudos que se centraram nesses parâmetros também consideraram a guarda compartilhada mais promotora de desenvolvimento do que a única. Outra pesquisa concluiu que as crianças de guarda conjunta relatam mais experiências positivas que aquelas de guarda única.
7) Excitabilidade e Paciência - um estudo concluiu que as crianças do grupo guarda compartilhada é menos excitável e mais paciente do que o outro grupo (“sole custody”).
8) Pensão Alimentícia e Satisfação Materna - dois estudos encontraram que as mães que compartilhavam a guarda com seus ex-maridos estavam mais satisfeitas com a pensão recebida do que aquelas que detinham a guarda só para si. Outro estudo avaliou a satisfação da mãe de um modo geral e novamente houveram escores melhores para a guarda conjunta.
9) Outros Resultados - Destaco aqui outros aspectos relevantes extraídos destas teses:
a) Pais de guarda conjunta se sentem menos pressionados pelas responsabilidades de criar filhos do que aqueles de guarda única.
b) No trabalho de Welsh-Olga as crianças de todos os grupos (incluindo famílias intactas) foram consideradas bem ajustadas nas várias medidas feitas.
c)Pojman, comparando meninos de vários grupos, encontrou que os meninos em guarda conjunta tinham escores similares aos meninos de famílias felizes.
d) Karp encontrou mais relatos de rivalidade fraterna quando da visita ao genitor com quem não moravam, nas crianças de guarda única.
e) Patrician perguntou a 90 pais se um reconhecimento desigual dos direitos parentais poderia estimular conflitos. Guarda conjunta foi descrita como encorajando a cooperação entre os pais e desencorajando atitudes egoístas. As atitudes de persuasão na guarda única eram feitas mais na base de punição do que de diálogo; e poderes de guarda desiguais foram considerados como inibidores de cooperação parental por ambos os pais.
f) Raines distribuiu por idade o desejo de crianças de viverem com ambos os pais (1200 crianças com pais em processo de divórcio): menos de 8 anos- 90%; 8 a 10 anos- 76%; 10 a 12 anos- 44%. Este achado se coaduna com o de outros que entendem que a guarda conjunta é primordial na 1ª infância.
g) Williams estudou casais em situações de grande conflito e alto risco e encontrou que essas crianças, quando em guarda única, eram muito mais sujeitas a rapto e/ou violência física. Ele conclui que essas famílias se dão muito melhor e são mais fáceis de aprender a cooperar quando recebem ordens muito bem detalhadas do juiz.
h) Kline et all. dizem que em famílias sem conflitos há pouca diferença mensurável de comportamento entre crianças dos dois tipos de guarda. O resultado é passível de crítica porque cita trabalhos que contradizem esta conclusão!
i) Pangborn pesquisou a distribuição da atribuição de custódia ao longo dos anos 70, 80 e 81. Os resultados: 1970 - 90% guarda materna; 8% guarda paterna; 2% guarda conjunta; 1980 - 90% guarda materna; 2% guarda paterna; 6% guarda conjunta; 1981 - 91% guarda materna; 1% guarda paterna; 6% guarda conjunta. Os 2% restantes foram de guarda atribuída a outras pessoas. Ele conclui, em parte, que “o judiciário da Califórnia usou a guarda conjunta como um meio de evitar aquilo que de outro modo seria guarda paterna”. Obviamente que este estudo não pesquisou o período pós 81, quando as coisas passaram a mudar mais rapidamente, como atesta Ashley, cujo trabalho indica que 14 % dos casos são de guarda paterna (em 1994). Ademais, a maioria dos dados inclui as famílias cujo divórcio se deu há até 17 anos atrás, quando a norma ainda era conferir a guarda à mãe.
Para a advogada Deborah Adams , a guarda compartilhada é atualmente preferida no Colorado, assim como em inúmeros outros Estados americanos. O Estado do Colorado confere a guarda compartilhada em 90 a 95% dos casos e na Califórnia esse nº é de aproximadamente 80%.
A preferência por leis neutras quanto ao sexo do guardião também cresceu muito nos últimos 10 anos, sendo que muitos pais recebem a custódia nos EUA simplesmente porque a Corte acredita que eles são os mais capazes dos dois genitores. Segundo Greif et al.(1990), mais de 1 milhão de pais detém a guarda única de seus filhos, ficando as ex-esposas com o direito de visitação. Isso abriu as portas para um total envolvimento do pai, sendo que a maioria deles estão bem mais absortos pelas rotinas com seus filhos do que seus próprios pais estiveram.
Uma pesquisa realizada entre 1987 e 1988, de uma associação chamada “Parents Without Partners”, entrevistou 900 pais com guarda simples de seus filhos, coletou informações de mais 200 pais, e de 500 mães que não detinham a guarda dos filhos para tentar estudar as mudanças ocorridas neste campo. De várias conclusões encontradas, destaco aqui que os pais em geral não concordavam nos motivos pelos quais o arranjo de guarda havia sido feito; parece que cada um contava uma história que melhor refletia seu ponta de vista. Além disso, eles disseram que os advogados de família e o pessoal com quem tiveram contato na Côrte tinham a tendência a desencorajar as mães de abrir mão da guarda e de desencorajar os pais de lutarem por ela, mesmo nos casos em que os genitores acreditavam ser este o melhor para seus filhos. As principais razões desses pais para deterem a guarda foram pesquisadas através de questionário onde uma lista de razões era dada a esses pais, que escolhiam as 3 que mais se aproximavam do que lhes acontecera. Os resultados foram listados como se segue: 1ª) “Eu era o genitor mais competente”- 48% ; 2ª) “A(s) criança(s) escolheram viver comigo”- 34% ; 3ª) “Eu estava melhor financeiramente” - 32% ; 4ª) “Minha ex-mulher nos abandonou” - 25% ; 5ª) “Minha ex-mulher queria ter um tempo longe dos filhos”- 16% ; 6ª) “Minha ex-mulher queria ter uma carreira profissional”- 13% ; 7ª) “As crianças quiseram ficar na casa”- 10% ; 8ª) “As crianças ficavam mais tempo comigo” - 10% . Para as mães, apesar das razões serem as mesmas, os escores eram diferentes; sendo que a razão financeira veio em primeiro lugar com 34% das respostas.
Reidy et alli.(199 ) entrevistaram 156 juizes da ‘Superior Court’ da Califórnia e encontraram, entre outros aspectos interessantes, que estes juizes dão maior peso às evidências vindas de fontes imparciais, bem como às informações das crianças mais velhas (em vez dos desejos das crianças mais novas), assim como confiam mais nos psicólogos da corte do que aqueles ligados a uma das partes. A preferência deles recai sobre a ‘limited joint custody’, em vez da ‘full joint custody’ (ou ‘physical joint custody’). Outra conclusão interessante deste estudo é que os juizes e os profissionais de saúde mental tem muitos pontos de concordância no ‘ranking’ de critérios a serem observados quando da decisão entre ‘joint’ ou ‘single-parent custody’.
Um texto muito interessante nos traz importantes informações sobre as leis nos EUA. Por exemplo, a Côrte Superior do Distrito de Colúmbia, pelas leis atuais, não tem autoridade para determinar a guarda conjunta; mas a prática corrente é a de determinar esse arranjo sempre que os pais o sugerirem. Este procedimento é parecido com o de vários outros Estados onde se requer um prévio acordo entre os pais (através de mediação) antes que a Côrte delibere pela guarda compartilhada.
É interessante assinalar o procedimento sugerido aos juizes do Distrito de Colúmbia. A primeira consideração a fazer é se a guarda compartilhada será no melhor interesse dos filhos. Por exemplo, considera-se que a guarda compartilhada só não é no melhor interesse das crianças se há evidência de abuso sexual ou violência física (como em inúmeros outros Estados), caso contrário, o juiz teria a prerrogativa de determinar este tipo de guarda mesmo se não houvesse consenso ou expresso desejo dos pais por este tipo de guarda. Além disso, a Côrte tem a liberdade de, em qualquer tipo de guarda, requerer que cada genitor lhe submeta um plano detalhado de como pretende criar o(s) filho(s); de designar o genitor que ficará encarregado de tomar as decisões principais quanto ao(s) filho(s); de remeter o(s) genitor(es) para ter(em) aulas sobre como criar crianças; e de estabelecer parâmetros para modificar ou tirar uma guarda já outorgada. Eles ainda entendem que a guarda conjunta não funcionará (e será em detrimento das crianças) quando os pais estiverem brigando constantemente e forem incapazes de fazerem um acordo e de cooperarem entre si.
Enfim, o tema é intensamente discutido, pesquisado, lido, etc., o que nos dá uma idéia de sua relevância. Pelos textos encontrados, sabemos que a guarda compartilhada é um dos tipos de custódia que mais cresce nos EUA e que há muito ainda por estudar neste campo.
Mas há que se resguardar de comparações precipitadas entre o que ocorre nos EUA e no Brasil. Em se tratando de Direito de Família, temos que “a perspectiva histórica do caráter nada individualista do Direito romano... permitiu compreender melhor a contraposição do sistema latino-americano com o ‘sistema do Direito anglo-saxão’, do qual uma característica principal é o ‘ultra-individualismo’.” Assim, temos que considerar a maior preocupação dos legistas americanos em propor uma mudança na família, a partir da idéia do “Shared Parenting”, como algo peculiar à sua cultura. No que tange “à unidade do sistema jurídico latino-americano, (este) apresenta como característica básica a concepção que define como ‘personalista-comunitária’ (não individualista nem coletivista) da ordem jurídica. A unidade, no Direito de Família, é esta e não o indivíduo, como ocorre no sistema da comon law, em que é menor a importância atribuída aos direitos-deveres entre os cônjuges...” . Assim, devemos ter em mente as vicissitudes de nosso país, suas leis e seus costumes, para então extrairmos da experiência estrangeira aquilo que nos pode ser útil.
5) Discussão do Problema da Guarda no Brasil
(Continua no documento seguinte)
GUARDA COMPARTILHADA
UM NOVO ENFOQUE NO CUIDADO AOS FILHOS DE PAIS SEPARADOS OU DIVORCIADOS.
Aluno: Dr. Sergio Eduardo Nick.
Orientador: Dr. Ricardo Cezar Pereira Lira
Rio de Janeiro - Brasil
outubro de 1996
Agradecimentos:
Em primeiro lugar, devo agradecer à Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ, especialmente ao corpo de professores e coordenadores do curso de pós-graduação em direito da criança e do adolescente, pela oportunidade de convívio e aprendizado que me possibilitaram chegar até aqui.
Ao Prof. Ricardo Lira, meu muito obrigado pela paciência, pelas sábias lições, e pelo apoio incomensurável na confecção desta monografia.
Aos meus amigos Caio Ávila Pinhão, Pedro Batista Martins, e Mª Tereza da Fonseca Castelo Branco, sem cuja ajuda eu não iria tão longe.
Aos meus colegas de turma, em especial às inseparáveis e insuperáveis Stella e Viviane, pela possibilidade de estarmos juntos compartilhando este aprendizado, e à Madalena, pela contagiante vitalidade que tanto me estimulou.
À Suzy e suas colegas, ‘experts’ nas buscas bibliográficas que tanto enriqueceram este trabalho; bem como às bibliotecas centrais da USP (Universidade de São Paulo) e da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), cujo grau de competência deve ser louvado por todo pesquisador.
Às queridas Ana Maria e Melanie, muito mais que secretárias, pessoas queridas que me ajudaram na dura tarefa escrever com o computador.
À Dra. Rosa, pela inestimável lição de vida e o estímulo a pensar e escrever.
E por último, mas principalmente, às minhas amadas Luciana, Patricia e Isabela, por todo apoio, acompanhamento, e amor que me dão.
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo estudar um novo enfoque de atendimento aos casais separados ou divorciados, bem como a seus filhos.
Para tanto, buscamos fazer uma ampla pesquisa bibliográfica sobre o assunto, bem como a coleta de informações com profissionais envolvidos com a matéria.
Os conceitos-chave estudados foram ‘guarda compartilhada’, ‘shared parenting’, e ‘mediação’; dentro daquilo que está sendo utilizado nos Estados Unidos da América nos casos de separação ou divórcio para melhor atender aos ex-cônjuges e a seus filhos. Pela pesquisa realizada, concluímos que está ocorrendo uma rápida mudança no modelo de atendimento a esse público; cuja base é a substituição do modelo adversarial típico dos embates judiciais por um modelo que privilegia a busca de preservação do melhor nível de relacionamento entre pai e mãe, com vistas a proporcionar um desenvolvimento ótimo dos chamados ‘filhos do divórcio’.
Fizemos ainda um breve estudo da legislação brasileira para avaliar e sugerir a aplicabilidade deste modelo no Brasil. Nossa conclusão é de que a guarda compartilhada tem amplo respaldo no Estatuto da Criança e do Adolescente, uma vez que privilegia os interesses das crianças e dos adolescentes como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. A utilização da mediação é sugerida com vistas a alcançar a melhor aplicação deste modelo, uma vez que possibilita a busca de acordos que contem com a participação direta de ambos os ex-cônjuges.
ÍNDICE
1) INTRODUÇÃO 1
2) CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES 3
3) DEFINIÇÃO DE GUARDA COMPARTILHADA 9
4) A GUARDA NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA - EUA 13
5) DISCUSSÃO DO PROBLEMA DA GUARDA NO BRASIL 21
6) IMPORTÂNCIA DA INCLUSÃO DA GUARDA COMPARTILHADA NO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO 28
7) SOBRE A ABORDAGEM DO PROFISSIONAL DE SAÚDE MENTAL NOS LITÍGIOS ENTRE CASAIS 35
8) CONCLUSÃO 45
BIBLIOGRAFIA 48
1) Introdução
Este trabalho tem como objetivo estudar o tema da guarda compartilhada, para com isso trazer aos estudiosos do assunto mais subsídios sobre esse que é considerado um grande avanço no trato de crianças oriundas de casais divorciados ou separados.
Para atingir este objetivo fizemos inicialmente uma ampla pesquisa bibliográfica para rastear o tema na literatura científica. Os resultados foram compilados, comparados, analisados e resumidos para dar ao leitor uma noção contemporânea da guarda compartilhada, suas aplicações no direito de família, as controvérsias quanto ao seu uso, e as possibilidades de sua aplicação no direito brasileiro.
Como estudioso de psicanálise e de sua aplicação ao estudo psicológico da criança, busquei articular noções desta área com a pesquisa realizada. Com isto viso dar mais informações ao interessado no assunto, sempre no intuito de mostrar a importância e a aplicabilidade da guarda compartilhada para o melhor interesse das crianças e, porque não acrescentar, de seus pais. Além disso, creio que esta é uma forma de fazer jus à orientação interdisciplinar do curso e mostrar que a troca entre várias disciplinas pode e deve ser praticada, uma vez que a complexidade dos fenômenos que abordamos só pode ser abarcada com a contribuição de vários vértices teóricos.
Em decorrência desse ponto de vista, busquei ainda dar uma contribuição pessoal ao estudo do tema, ao imprimir a esta monografia um enfoque que me é particularmente caro e com o qual me identifico emocional e intelectualmente. Digo emocional porque creio que a abordagem dos assuntos ligados à família e ao ser humano em geral demanda do estudioso um mergulho na intimidade dos sentimentos que só é possível se pudermos ter um mínimo de identificação e empatia com o que ocorre com aqueles cujo problema estamos estudando. Pode parecer que isso me tiraria a neutralidade científica muito cara aos positivistas e àqueles que ainda se pautam essencialmente no pensamento cartesiano. Tal não é minha orientação teórica e tampouco minha convicção científica. Pelo contrário, acredito que ao nos aproximarmos de nosso objeto de investigação, estamos inevitavelmente interferindo e interagindo com ele; fato particularmente verdadeiro no tocante às ciências humanas. Assim, creio que meu leitor terá a oportunidade de conhecer um pouco das minhas opiniões sobre como encaminhar um processo de divórcio, especialmente no que diz respeito aos filhos do casal. Talvez a idéia-chave que pretendo desenvolver aqui é a de que - se marido e mulher tem que se separar, que o façam; mas sem separar o papai e a mamãe das crianças filhas desse casamento.
Abordarei também o conceito de Mediação, na medida em que é um procedimento contemporâneo à guarda compartilhada e por fazer parte daquilo que entendo como o melhor enfoque para casais que estão se separando ou divorciando.
2) Considerações Preliminares
Todas as pesquisas atuais são unânimes em constatar o crescimento de casais que se separam. Por exemplo, estima-se que os primeiros casamentos de 49% dos americanos entre 25 a 34 anos vão acabar em divórcio (Glick,1984).O incremento do divórcio levou a uma enorme preocupação com suas conseqüências no desenvolvimento psicossocial das crianças oriundas dessas famílias. Estudos foram também feitos no sentido de pesquisar as implicações da separação sobre os pais e suas conseqüências nos filhos. É esperado que 40 a 50% das crianças nascidas nos EUA durante os anos 70 e 80 vão experimentar o divórcio de seus pais, freqüentemente na primeira infância (Emery, 1988); a maioria delas ficará sob guarda da mãe (Buehler,1989). Mas aquilo que mais preocupa é o fato de que o desentendimento e a hostilidade entre os pais após o divórcio está sendo cada vez mais relacionado a dificuldades de ajustamento da criança (Emery,1988).
Um dos fatos mais comuns é o afastamento do pai, fruto de uma ideologia muito difundida desde o inicio deste século e ainda muito influente em nosso meio: a de que a mãe é a figura parental mais importante para a criança. É curioso constatar que tal não era a prática até o final do século 19: era atributo do pai deter a guarda e o pátrio poder de seus filhos e a mulher se submetia às suas determinações ( Ashley, 1994 ). Com o advento da era moderna a mãe passou a ser aquela a quem era destinada a guarda dos filhos de pais divorciados e/ou separados, salvadas poucas exceções (Ashley,1994). Por conseqüência, o pai viu seu papel ser desvalorizado pela sociedade, o que terminou por influir no seu afastamento do convívio com os filhos (Luepnitz,1980;Welsch-Osga,1981;Bredefeld,1984). A divisão entre o pai que trabalha e provê as necessidades materiais e a mãe que cuida da casa e da prole se acentuou nos casais divorciados, com efeitos variados sobre a família. Sabemos hoje que as visitas quinzenais típicas dos arranjos jurídicos quanto à guarda freqüentemente tem efeito pernicioso sobre o relacionamento pais-filhos, uma vez que propicia um afastamento grande (tanto no sentido físico, como no emocional), devido a angústias frente aos encontros e separações, levando a um desinteresse defensivo de estabelecer contato com as crianças(Cowan,1982; Dolto,1989). A visitação regular é um fator significativo na explicação de padrões de ajustamento escolar positivo nas crianças após o divórcio (Pearson e Thoennes,1990; Bisnaire, Firestone e Rynard,1990).
Para a mãe, antes de ser uma dádiva, a guarda é muitas vezes vista como um ônus. Especialmente hoje em dia, em que a mulher anseia cada vez mais buscar sua inserção no mercado de trabalho, a guarda dos filhos é mais um obstáculo a exigir dela tempo e dedicação que muitas delas prefeririam dividir com seus ex-maridos. Tal não é constatado com as mães que se ocupam exclusivamente dos filhos; para essas mulheres, dividir a guarda pode significar a perda de sua grande fonte de auto estima(Pearson e Thoennes,1990; Richards e Goldenberg,1985). Pelo exposto vemos a necessidade de estudar os aspectos socioeconomicos e culturais em cada caso para podermos determinar o que é mais indicado para cada família.
Uma questão muito atual e importante é como adaptar as leis para atender à crescente demanda de pais divorciados quanto à guarda de seus filhos. Cresce, principalmente nas duas últimas décadas, o envolvimento de pais no cuidado a seus filhos, levando-os a lutar mais pela possibilidade de estar com eles (lutando pela guarda) e a aceitar compartilhar a guarda com a mãe das crianças. Um exemplo dessa mudança pode ser dado por uma pesquisa que avaliou o numero de pais que obtiveram a custódia de seus filhos após o divórcio nos EUA. Em 1977 eram 400.000; em 1983, 600.000; em 1988 esse numero estava em torno de 1.000.000; sendo que o ultimo relatório do Censos Burgau indicava que mais de 1.200.000 pais tinham obtido a guarda simples (i.e., não compartilhada) de seus filhos (Ashley,1994; Greif,1990). Isto representa, em números relativos, que 20% das crianças que vivem com um só genitor estão sob a guarda do pai; este tipo de família, onde o pai é quem toma conta, é a que mais cresce nos EUA (crescimento de 73% nos anos 80, enquanto que famílias em que a mãe toma conta sozinha cresceu somente 20% no mesmo período) (Ashley,1994). Além disso, fruto da evolução do seu papel social e do movimento feminista, o homem tem avançado na busca de assumir papéis outrora limitados à mulher. Porém, tal evolução provocou um enorme rebuliço no seio da família moderna, sendo apontado por especialistas como um dos fatores predisponentes ao divórcio. O homem de hoje se vê às voltas com questões complexas para as quais muitas vezes não se vê preparado, sendo que algumas delas concernem ao cuidado a ser dispensado aos filhos. Mas esse é o corolário da evolução dos costumes: enquanto alguns se adaptam rapidamente, outros custam a se adaptar; o que repercute nas famílias de forma contundente. Uma das ferramentas sociais muito utilizadas atualmente é fornecer informações, apoio técnico e humano, e quaisquer outras medidas que possam facilitar aos membros da comunidade na sua adaptação aos novos tempos.
A mesma dificuldade atinge juizes, advogados, e todos aqueles que lidam na área do direito de família. Enquanto os papéis no lar eram relativamente estanques, as decisões jurídicas eram mais facilmente tomadas e aceitas pelas partes.
Ocorre que as relações intrafamiliares foram se tornando mais complexas, ou, como defendem alguns, se tornando mais aparentes, o que redundou em uma gama cada vez maior de aspectos a serem considerados na abordagem do tema. Por exemplo, a busca de saber quem é o mais capaz dos genitores está levando os juizes americanos a pesquisar quem é que terá mais tempo, estabilidade e desejo de ser um guardião responsável e um bom modelo para seu filho (Ashley,1994).
Criticas ao sistema jurídico tem levado muitos estudiosos a buscarem soluções antes sequer imaginadas, contribuindo para o aperfeiçoamento do direito. Um dos problemas que nos interessa abordar é o fato de que os “procedimentos jurídicos junto à família que se separa reforçam a disputa entre os cônjuges, acarretando sérios prejuízos emocionais aos membros dessa família.” . É nesse campo que a guarda compartilhada tem algo a acrescentar: a possibilidade de se pensar um sistema jurídico capaz de unir os pais, ou, ao menos, de não aumentar as diferenças e desavenças tão comuns na família moderna. Para isso, é mister que os juristas estejam munidos do que há de mais moderno e avançado na teoria que estuda a família e de leis que lhes permitam agir em conformidade com cada caso. Para isso, a American Bar Association (órgão de disciplina e defesa dos advogados nos EUA, semelhante à nossa OAB) criou um comitê especialmente para estudar custódia de crianças (o Child Custody Committee).
Creio que é interessante destacar que aquele que milita na Justiça, na medida em que é chamado a intervir nas questões conjugais, é muitas vezes alçado à condição de “sujeito suposto saber” (Lacan, 1963), lugar onde se é colocado por aquele que se sente incapaz de resolver suas questões. O sentimento de impotência dos membros desse casal em conflito resulta na projeção de atributos onipotentes na pessoa do juiz ou daquele a quem se busca ajuda. Muitos juristas se valem dessa condição para adquirir poder e glória, na ilusão de que podem de fato ocupar este lugar. Não realizam que esse lugar não pode ser ocupado e custam a se dar conta do efeito pernicioso dessa postura, uma vez que acabam tendo que decidir pelo outro algo que só cabe a este decidir. O resultado freqüente é que o casal, à medida em que descobre que seus desejos e necessidades não estão sendo satisfeitos pela solução arbitrada, começam a reagir de maneira pouco saudável; seja ficando deprimidos e frustrados, seja brigando entre si, já que se sentem impotentes para brigar (ou mesmo questionar) o “poder maior” representado pela Lei e seus representantes (juizes, advogados, etc.). Assim é que hoje grande numero de juizes optam por buscar ao máximo uma solução consensual, entendendo que esta é uma forma de evitar futuras desavenças e um compromisso maior com aquilo que foi acordado entre as partes. Dentro deste eixo de pensamento, a mediação tem sido utilizada de forma crescente desde 1970 nos EUA, com vistas a ajudar ex-cônjuges a negociar um acordo legal e a pensar sobre seu futuro relacionamento de uma forma que seja benéfica para ambos e para seus filhos(Emery,1995).
A antropologia, na medida em que estuda o comportamento humano, dá uma outra dimensão à questão. Ela desvela as questões ligadas ao comportamento sexual dos casais e isso nos interessa aqui porque a separação, muitas vezes, envolve questões sexuais complexas não reveladas e muito menos investigadas ao nível do direito. A idéia aqui é que as questões íntimas (libidinais), por compreenderem vergonha e sigilo, terminam por serem reprimidas tanto pelos membros do casal quanto por aqueles que cuidam dos aspectos legais da separação. O que a psicanálise tem a mostrar é que essas questões íntimas reprimidas terminam por trilhar o único caminho possível: as demandas legais(Parker, 1991).
Há que considerar também os aspectos emocionais em jogo quando a família se desfaz. Sabemos hoje que é muito importante para a criança ter em mente um casal de pais em quem ela possa se espelhar. Quanto mais saudável e harmônico esse casal parental, mais crescem os índices de saúde mental nessas crianças (Lohr, Mendell e Riemer,1989; Bisnaire,Firestone e Rynard, 1990; Frost e Pakiz,1990; Dolto, 1989). Uma grande oportunidade de crescimento surge nas situações de crise. Conforme Caplan , é nas crises que o ser humano experimenta a possibilidade de incorporar novas formas de agir, novas maneiras de encarar os problemas, sendo portanto um momento propício tanto para o crescimento emocional quanto para o surgimento de desordens mentais. Tudo depende da maneira como a família e seu entorno vão lidar com o problema. Assim, é sabido que o aporte de cuidados os mais variados é crucial nas situações de crise; o que implica no cuidado dos profissionais que lidam com famílias em dar uma assistência que acarrete em promoção de saúde e evolução para todos aqueles que dela vierem a necessitar.
Algumas variáveis importantes a serem pesquisadas por aquele que quer estudar os efeitos da guarda sobre os filhos são aquelas relacionadas a: 1) A relação pai-filho: freqüência de encontros, sentimentos de proximidade à criança antes e depois do divórcio, satisfação com a guarda, tempo despendido com a criança; 2)O divórcio atual: grau de hostilidade entre os ex-cônjuges; 3) O relacionamento entre os ex-cônjuges: qualidade do relacionamento, concordância sobre a educação dos filhos; 4) Fatores econômicos: Suporte econômico à criança, satisfação com esse suporte, nível salarial; 5)Características demográfica e socioemocional dos pais: educação, auto-estima, etc. (Arditti,1992).
Um dos aspectos mais importantes a serem considerados no cuidado das crianças atingidas pelo divórcio refere-se à decisões que os pais devem tomar sobre seus filhos. Decisões quanto a importantes matérias que afetam o bem estar da(s) criança(s) deveriam ser tomadas por ambos os pais (Gornbein,1995). Elas incluem educação, saúde, religião, procedimentos médicos eletivos, questões psicológicas, atividades extracurriculares, férias, entre outras. O mesmo deve ser dito sobre as decisões do dia a dia, que muitas vezes tem impacto decisivo no desenvolvimento socioemocional da criança, afetando sua saúde, bem estar, e “o melhor interesse do menor”(Estatuto da criança e do adolescente, 1990). Além disso, vivenciar seus pais unidos em torno de si e de seus interesses fortalece a auto estima da criança, dando-lhe o sentimento de que suas necessidades não foram negligenciadas após o divórcio(Ahrons,1979,1980; Luepnitz,1982).
É por essa razão que vemos um incremento de associações e grupos nos Estados Unidos que lutam pela inclusão do pai na custódia de seus filhos e/ou nas decisões que concernem os interesses deles(DeCrow,1994; Brunner,1990;Wellman,1996). Como exemplo, podemos citar o depoimento de Karen DeCrow (uma militante feminista, presidente da National Organization for Women - N.O.W.) na Casa Branca, no qual ela defende a inclusão do pai na custódia, ressaltando a “importância do compartilhar o cuidado às crianças” , “a prática desumana da visitação” imposta, e que o ”homem pode fazer tudo o que a mulher faz” (DeCrow,1994); e de Michael Kokinda (pai divorciado que divide a custódia de seus filhos com a ex-mulher), fundador e coordenador da Northern Ohio Parents for Equality, que advoga o direito à visitação livre, entre outros postulados. A mudança de ponto de vista de, ao menos, uma corrente do feminismo é emblemática do quanto a luta pelo poder está cedendo espaço para a luta pela verdadeira igualdade; onde as próprias mulheres vêem vantagens em dividir seu espaço com os homens.
3) Definição de Guarda Compartilhada
O termo guarda compartilhada ou guarda conjunta de menores (“joint custody”, em inglês) refere-se à possibilidade dos filhos de pais separados serem assistidos por ambos os pais. Nela, os pais tem efetiva e equivalente autoridade legal para tomar decisões importantes quanto ao bem estar de seus filhos e freqüentemente tem uma paridade maior no cuidado a eles do que os pais com guarda única (“sole custody”, em inglês).
Em primeiro lugar, há que distinguir entre guarda jurídica (“joint legal custody”) e guarda física(“joint physical custody” ou “residential joint custody”). Segundo o Dr. Henry S. Gornbein, jurista americano especialista na matéria, o termo “joint legal custody” se refere a tomar decisões em conjunto; o que implica em deixar claro que mesmo em situações de divórcio a criança tem dois pais e a comunicação entre eles deve ser encorajada no que concerne a assuntos relacionados com seus filhos. Neste caso, a(s) criança(s) mora(m) primariamente com um dos pais. Já a “joint physical custody” é um arranjo para que ambos os pais possam estar o maior tempo possível com seus filhos. Exemplos típicos, descritos pelo Dr. Gornbein , são situações onde a(s) criança(s) fica(m) perto de metade de seu tempo com cada um de seus pais. Para funcionar, deve haver uma comunicação ótima entre os genitores, mas é raro que isso aconteça. Arranjos mais comuns são aqueles em que os pais moram bem perto um do outro, de maneira que a(s) criança(s) possa(m) ir de uma casa para outra o mais livremente possível. Outro exemplo é quando os filhos ficam com um genitor durante o período escolar e nas férias com o outro genitor. Uma outra possibilidade é a alternância temporária de casas, onde a criança passa um tempo na casa de um do pais e um tempo igual na casa do outro. Podemos também citar a “birds nest theory”, onde a(s) criança(s) fica(m) na casa e os pais moram alternadamente com ela(s). Essa última opção é tida como muito cara e que “é boa para os passarinhos“. Mas o principal é que o arranjo possibilite um maior contato da criança com ambos os pais, sendo comum que a criança consiga ficar cerca de 1/3 de seu tempo com o genitor que não detém a guarda.
Mas esse é um modo bastante simplista de definir a coisas relativas à guarda compartilhada. O tema é por demais complexo e pleno de nuances sutis a serem consideradas. Há que destacar o fato de haver escassa bibliografia a respeito no Brasil, em oposição ao que ocorre no exterior, onde o assunto é vastamente discutido nos meios jurídicos, socio-psicológico-psiquiátricos, e pela sociedade em geral. Destaco aqui a definição do juiz de direito Dr. Sérgio Gischkow Pereira: “...guarda ou custódia conjunta (seria) a situação em que fiquem como detentores da guarda jurídica sobre um menor pessoas residentes em locais separados. O caso mais comum será o relacionado a casais que, uma vez separados, ficariam ambos com a custódia dos filhos, ao contrário do sistema consagrado em nosso ordenamento jurídico.” .
Nos textos americanos consultados há um termo que quase sempre está junto com “joint custody” (guarda compartilhada), e que é muito significativo: “shared parenting”. Digo significativo porque nos remete a pensar em cuidado, atenção, ‘maternagem’ ,... Diferentemente do termo guarda, que remete à idéia de posse, o termo “parenting” faz pensar e agir em uma direção que está muito mais próxima das necessidades da criança. Aí não importa mais tanto quem é que vai morar com a criança, o destaque vai para os filhos, e aquilo que é melhor para eles: ter ambos os pais interessados em seu bem estar, sua educação, sua saúde, e seu desenvolvimento como um todo.
Para o Professor Jeff Atkinson, da DePaul University e primeiro “chair” do Child Custody Committee da American Bar Association, a “guarda conjunta não tem uma definição precisa” . Ela pode cobrir um arranjo onde um dos genitores fica com as crianças durante o período escolar e o outro durante as férias, com direito a livre visitação; até arranjos mais tradicionais onde o tempo despendido com a prole é menos dividido, mas há a ênfase no “sharing parenting”, e o genitor que não detêm a custódia tem participação em decisões chave relacionadas à saúde e educação dos menores.
As principais vantagens da guarda conjunta, segundo Arditti, são três: ela promove um maior contato com ambos os pais após o divórcio, e as crianças se beneficiam de um relacionamento mais íntimo com eles (Greif,1979); o envolvimento do pai no cuidado aos filhos após o divórcio é facilitado (Bowman & Ahrons,1985); e as mães são menos expostas às opressivas responsabilidades desse cuidado, o que as libera para buscar outros objetivos de vida (Rothberg,1983). Quanto às desvantagens, ainda segundo Arditti, elas se centram na praticidade de tais arranjos quando há conflito continuado entre os pais(Goldstein, Freud e Solnit,1979; Johnston, Kline e Tschann,1989); na exploração da mulher se a guarda compartilhada é usada como um meio para negociar menores valores de pensão alimentícia (Weitzman, 1985); e na viabilidade da guarda conjunta para famílias de classe socioeconomica mais baixa (Richards e Goldenberg, 1985). Outros apontam para o risco da fluidez ambiental inerente à guarda conjunta provocar confusão na mente dessas crianças, fato considerado por outros como uma experiência enriquecedora para elas, porque as expõe à diversidade - o que as prepararia melhor para lidar com a vida no futuro (Wellman,1996).
Para Wellman, a família seria “um microcosmo do mundo real” , e pais que conseguem “ultrapassar sentimentos de dor, culpa, e raiva no sentido de resolver suas diferenças de outra forma que não seja na base de vingança, retraimento, ou fúria, ensinam suas crianças, na prática, como se resolvem conflitos de uma maneira mais saudável” . Para ele, a guarda conjunta seria não só no melhor interesse dos filhos como também no “melhor interesse de ambos os pais” .”Pais divorciados, separados e mesmo não casados aprendem meios de cooperar e trabalhar em busca de um objetivo comum, quando são desafiados a compartilhar a responsabilidade de criar uma criança” , escreve ele, citando o livro “Mom’s House, Dad’s House” - do Dr. Ricci.
No que se refere à nosso legislação, é importante lembrar que a atribuição da guarda a um dos genitores não interfere com o pátrio poder, o que implica em garantia ao genitor que não detém a guarda de poder ter voz ativa no trato de questões fundamentais do desenvolvimento de seu(s) filho(s). Mas eu penso ser esse um ponto onde a questão legal não foi acompanhada pelo comportamento dos genitores: acontece com freqüência que o pai tem o pátrio poder e não o exerce, o que não é desejável.
4) A Guarda nos Estados Unidos da América - EUA
Escolhi escrever sobre a guarda nos EUA em detrimento de outros países por mera facilidade de acesso à bibliografia americana. Mas as informações que obtive foram que muito do que acontece nos EUA está ocorrendo na Europa Ocidental. A rigor, meu objetivo foi o de coletar informações sobre a experiência de outros que pudessem dar subsídios para o estudo da guarda conjunta em nosso país.
É fato notório que a maioria dos Estados americanos tem leis que incluem a guarda conjunta no leque de opções de custódia e outros, como a Califórnia, cuja legislação dá preferência à este tipo de arranjo. Como cada Estado americano tem suas próprias leis, busco aqui fazer um resumo delas, ressaltando aquilo que é comum à maioria deles, destacando pontos que me pareceram inovadores, ilustrativos, controversos, etc...
A preocupação com a guarda compartilhada é patente nos EUA, sendo comum a ampla divulgação aos pais das características desse tipo de custódia e de informações úteis sobre : escolha de advogado (o que você deve exigir dele, quais características profissionais devem ser colocadas em primeiro plano, listas de profissionais por área, etc.); grupos de auto-ajuda (onde a pessoa que está se separando pode obter informações, tirar dúvidas, debater questões, etc.); e sobre as leis de seu Estado ( a maioria dos Estados possui uma página na Internet (Home-Page) onde se pode ter essas informações). De acordo com a ABA, existem hoje perto de 400 programas de educação para os pais em 40 Estados americanos(Keeva,1995). Como já assinalamos, é grande o crescimento do nº de casais separados que escolhem ou recebem a guarda compartilhada dos juizes, sempre no entendimento de que essa escolha é feita no melhor interesse das crianças(Reidy, Silver e Carlson,1989). Outro fator a contribuir para esta escolha foram as mudanças no papel de gênero para os homens e mulheres, onde o intercâmbio de atitudes masculinas e femininas entre os dois sexos propiciou a que ambos - homem e mulher - assumissem tarefas que outrora sequer imaginavam.
Para Emery(1988), a guarda conjunta nos EUA é mais comum no sentido da “joint legal custody” do que da “joint residential custody”. Tal observação aponta para as dificuldades maiores em dividir o tempo das crianças entre as residências de pai e mãe, além da natural tendência a fixar a prole em um só local. Garrod(1995) assinala que “enquanto não há grande diferença, num sentido prático, entre “sole custody” e “joint legal custody”, existe uma enorme diferença entre “sole physical custody”e “joint physical custody”. O que ele quer dizer é que morar com um dos pais é muito diferente de morar com os dois pais alternadamente, seja qual for o tipo de arranjo. Para este autor, não existe muita vantagem na mera ‘joint custody’ porque ele não crê na possibilidade dos pais realmente compartilharem as responsabilidades na criação dos filhos. A vantagem começaria apenas quando houvesse a troca de moradia. Mas esse autor não leva em conta que casais que tem bom relacionamento após o divórcio tem mais facilidades para compartilharem as tarefas com os filhos.
Mas qual seria a situação quando as pesquisas são realizadas de modo a comparar as duas formas de custódia? Busquei alguns artigos sobre “joint custody”, principalmente teses feitas de 1980 para cá, onde a tônica da pesquisa eram os estudos comparativos e não os descritivos; isto porque existe uma gama enorme de conclusões subjetivas nestes estudos, e comparar crianças de mesma idade e/ou mesmo sexo de ambientes diferentes é menos subjetivo do que entrevistar crianças de um ambiente e tentar tirar conclusões dessas entrevistas. O resultado dos 26 trabalhos analisados é francamente favorável à guarda compartilhada, sob vários parâmetros:
1) Autoestima - cinco estudos analisaram esta medida e foram unânimes em constatar que as crianças em guarda conjunta tem melhor autoestima se comparadas com aquelas com guarda única.
2)Atividade - um estudo avaliou este parâmetro e achou que as crianças com guarda compartilhada eram mais ativas que as que viviam com apenas um dos pais ou aquelas de famílias intactas, tendo menor tendência ao retraimento em situações de crise do que estas.
3) Adaptação - incluí aqui vários parâmetros indicativos de boa adaptação e o resultado foi que sete estudos que pesquisaram esta medida referem que os melhores escores vão para as crianças de guarda compartilhada.
4) Relação com os pais - quatro estudos encontraram que a relação com ambos os pais é melhor quando há a guarda conjunta do que com a única; enquanto que outro estudo, investigando a relação com o pai com quem a criança não mora, também a avaliou melhor na guarda compartilhada do que na única.
5)Visitação - dois estudos compararam a visitação na guarda compartilhada (filhos morando com um dos pais) e na única, encontrando escores melhores para o primeiro grupo. Outros dois estudos avaliaram o tempo despendido com os pais, encontrando também vantagem para o grupo guarda compartilhada. Além disso, um deles inclusive conclui que quanto maior o tempo (crianças com guarda materna) passado com o pai, maior será a aceitação de ambos os pais e mais bem ajustada será a criança. Outra conclusão foi que as crianças de guarda única diziam ver seus pais menos freqüentemente após novo casamento da mãe, o que não aconteceu no outro grupo (“joint custody”). Em outra tese, o autor encontrou que a relação com o genitor que não detinha a guarda era descrita como sendo parecida com uma relação com um tio ou uma tia; o que indica um decréscimo de convivência e intimidade que idealmente se espera que a criança tenha com seu genitor.
6) Desenvolvimento Psicoemocional - dois estudos que se centraram nesses parâmetros também consideraram a guarda compartilhada mais promotora de desenvolvimento do que a única. Outra pesquisa concluiu que as crianças de guarda conjunta relatam mais experiências positivas que aquelas de guarda única.
7) Excitabilidade e Paciência - um estudo concluiu que as crianças do grupo guarda compartilhada é menos excitável e mais paciente do que o outro grupo (“sole custody”).
8) Pensão Alimentícia e Satisfação Materna - dois estudos encontraram que as mães que compartilhavam a guarda com seus ex-maridos estavam mais satisfeitas com a pensão recebida do que aquelas que detinham a guarda só para si. Outro estudo avaliou a satisfação da mãe de um modo geral e novamente houveram escores melhores para a guarda conjunta.
9) Outros Resultados - Destaco aqui outros aspectos relevantes extraídos destas teses:
a) Pais de guarda conjunta se sentem menos pressionados pelas responsabilidades de criar filhos do que aqueles de guarda única.
b) No trabalho de Welsh-Olga as crianças de todos os grupos (incluindo famílias intactas) foram consideradas bem ajustadas nas várias medidas feitas.
c)Pojman, comparando meninos de vários grupos, encontrou que os meninos em guarda conjunta tinham escores similares aos meninos de famílias felizes.
d) Karp encontrou mais relatos de rivalidade fraterna quando da visita ao genitor com quem não moravam, nas crianças de guarda única.
e) Patrician perguntou a 90 pais se um reconhecimento desigual dos direitos parentais poderia estimular conflitos. Guarda conjunta foi descrita como encorajando a cooperação entre os pais e desencorajando atitudes egoístas. As atitudes de persuasão na guarda única eram feitas mais na base de punição do que de diálogo; e poderes de guarda desiguais foram considerados como inibidores de cooperação parental por ambos os pais.
f) Raines distribuiu por idade o desejo de crianças de viverem com ambos os pais (1200 crianças com pais em processo de divórcio): menos de 8 anos- 90%; 8 a 10 anos- 76%; 10 a 12 anos- 44%. Este achado se coaduna com o de outros que entendem que a guarda conjunta é primordial na 1ª infância.
g) Williams estudou casais em situações de grande conflito e alto risco e encontrou que essas crianças, quando em guarda única, eram muito mais sujeitas a rapto e/ou violência física. Ele conclui que essas famílias se dão muito melhor e são mais fáceis de aprender a cooperar quando recebem ordens muito bem detalhadas do juiz.
h) Kline et all. dizem que em famílias sem conflitos há pouca diferença mensurável de comportamento entre crianças dos dois tipos de guarda. O resultado é passível de crítica porque cita trabalhos que contradizem esta conclusão!
i) Pangborn pesquisou a distribuição da atribuição de custódia ao longo dos anos 70, 80 e 81. Os resultados: 1970 - 90% guarda materna; 8% guarda paterna; 2% guarda conjunta; 1980 - 90% guarda materna; 2% guarda paterna; 6% guarda conjunta; 1981 - 91% guarda materna; 1% guarda paterna; 6% guarda conjunta. Os 2% restantes foram de guarda atribuída a outras pessoas. Ele conclui, em parte, que “o judiciário da Califórnia usou a guarda conjunta como um meio de evitar aquilo que de outro modo seria guarda paterna”. Obviamente que este estudo não pesquisou o período pós 81, quando as coisas passaram a mudar mais rapidamente, como atesta Ashley, cujo trabalho indica que 14 % dos casos são de guarda paterna (em 1994). Ademais, a maioria dos dados inclui as famílias cujo divórcio se deu há até 17 anos atrás, quando a norma ainda era conferir a guarda à mãe.
Para a advogada Deborah Adams , a guarda compartilhada é atualmente preferida no Colorado, assim como em inúmeros outros Estados americanos. O Estado do Colorado confere a guarda compartilhada em 90 a 95% dos casos e na Califórnia esse nº é de aproximadamente 80%.
A preferência por leis neutras quanto ao sexo do guardião também cresceu muito nos últimos 10 anos, sendo que muitos pais recebem a custódia nos EUA simplesmente porque a Corte acredita que eles são os mais capazes dos dois genitores. Segundo Greif et al.(1990), mais de 1 milhão de pais detém a guarda única de seus filhos, ficando as ex-esposas com o direito de visitação. Isso abriu as portas para um total envolvimento do pai, sendo que a maioria deles estão bem mais absortos pelas rotinas com seus filhos do que seus próprios pais estiveram.
Uma pesquisa realizada entre 1987 e 1988, de uma associação chamada “Parents Without Partners”, entrevistou 900 pais com guarda simples de seus filhos, coletou informações de mais 200 pais, e de 500 mães que não detinham a guarda dos filhos para tentar estudar as mudanças ocorridas neste campo. De várias conclusões encontradas, destaco aqui que os pais em geral não concordavam nos motivos pelos quais o arranjo de guarda havia sido feito; parece que cada um contava uma história que melhor refletia seu ponta de vista. Além disso, eles disseram que os advogados de família e o pessoal com quem tiveram contato na Côrte tinham a tendência a desencorajar as mães de abrir mão da guarda e de desencorajar os pais de lutarem por ela, mesmo nos casos em que os genitores acreditavam ser este o melhor para seus filhos. As principais razões desses pais para deterem a guarda foram pesquisadas através de questionário onde uma lista de razões era dada a esses pais, que escolhiam as 3 que mais se aproximavam do que lhes acontecera. Os resultados foram listados como se segue: 1ª) “Eu era o genitor mais competente”- 48% ; 2ª) “A(s) criança(s) escolheram viver comigo”- 34% ; 3ª) “Eu estava melhor financeiramente” - 32% ; 4ª) “Minha ex-mulher nos abandonou” - 25% ; 5ª) “Minha ex-mulher queria ter um tempo longe dos filhos”- 16% ; 6ª) “Minha ex-mulher queria ter uma carreira profissional”- 13% ; 7ª) “As crianças quiseram ficar na casa”- 10% ; 8ª) “As crianças ficavam mais tempo comigo” - 10% . Para as mães, apesar das razões serem as mesmas, os escores eram diferentes; sendo que a razão financeira veio em primeiro lugar com 34% das respostas.
Reidy et alli.(199 ) entrevistaram 156 juizes da ‘Superior Court’ da Califórnia e encontraram, entre outros aspectos interessantes, que estes juizes dão maior peso às evidências vindas de fontes imparciais, bem como às informações das crianças mais velhas (em vez dos desejos das crianças mais novas), assim como confiam mais nos psicólogos da corte do que aqueles ligados a uma das partes. A preferência deles recai sobre a ‘limited joint custody’, em vez da ‘full joint custody’ (ou ‘physical joint custody’). Outra conclusão interessante deste estudo é que os juizes e os profissionais de saúde mental tem muitos pontos de concordância no ‘ranking’ de critérios a serem observados quando da decisão entre ‘joint’ ou ‘single-parent custody’.
Um texto muito interessante nos traz importantes informações sobre as leis nos EUA. Por exemplo, a Côrte Superior do Distrito de Colúmbia, pelas leis atuais, não tem autoridade para determinar a guarda conjunta; mas a prática corrente é a de determinar esse arranjo sempre que os pais o sugerirem. Este procedimento é parecido com o de vários outros Estados onde se requer um prévio acordo entre os pais (através de mediação) antes que a Côrte delibere pela guarda compartilhada.
É interessante assinalar o procedimento sugerido aos juizes do Distrito de Colúmbia. A primeira consideração a fazer é se a guarda compartilhada será no melhor interesse dos filhos. Por exemplo, considera-se que a guarda compartilhada só não é no melhor interesse das crianças se há evidência de abuso sexual ou violência física (como em inúmeros outros Estados), caso contrário, o juiz teria a prerrogativa de determinar este tipo de guarda mesmo se não houvesse consenso ou expresso desejo dos pais por este tipo de guarda. Além disso, a Côrte tem a liberdade de, em qualquer tipo de guarda, requerer que cada genitor lhe submeta um plano detalhado de como pretende criar o(s) filho(s); de designar o genitor que ficará encarregado de tomar as decisões principais quanto ao(s) filho(s); de remeter o(s) genitor(es) para ter(em) aulas sobre como criar crianças; e de estabelecer parâmetros para modificar ou tirar uma guarda já outorgada. Eles ainda entendem que a guarda conjunta não funcionará (e será em detrimento das crianças) quando os pais estiverem brigando constantemente e forem incapazes de fazerem um acordo e de cooperarem entre si.
Enfim, o tema é intensamente discutido, pesquisado, lido, etc., o que nos dá uma idéia de sua relevância. Pelos textos encontrados, sabemos que a guarda compartilhada é um dos tipos de custódia que mais cresce nos EUA e que há muito ainda por estudar neste campo.
Mas há que se resguardar de comparações precipitadas entre o que ocorre nos EUA e no Brasil. Em se tratando de Direito de Família, temos que “a perspectiva histórica do caráter nada individualista do Direito romano... permitiu compreender melhor a contraposição do sistema latino-americano com o ‘sistema do Direito anglo-saxão’, do qual uma característica principal é o ‘ultra-individualismo’.” Assim, temos que considerar a maior preocupação dos legistas americanos em propor uma mudança na família, a partir da idéia do “Shared Parenting”, como algo peculiar à sua cultura. No que tange “à unidade do sistema jurídico latino-americano, (este) apresenta como característica básica a concepção que define como ‘personalista-comunitária’ (não individualista nem coletivista) da ordem jurídica. A unidade, no Direito de Família, é esta e não o indivíduo, como ocorre no sistema da comon law, em que é menor a importância atribuída aos direitos-deveres entre os cônjuges...” . Assim, devemos ter em mente as vicissitudes de nosso país, suas leis e seus costumes, para então extrairmos da experiência estrangeira aquilo que nos pode ser útil.
5) Discussão do Problema da Guarda no Brasil
(Continua no documento seguinte)