ALIMENTOS - "ABRIR MÃO" DA PENSÃO ALIMENTÍCIA PODE SIGNIFICAR RENÚNCIA?
A apelante interpôs recurso de apelação da sentença que rejeitou ação de alimentos que promove em face de seu ex-marido, argumentando que o vínculo de dependência estimulado em 24 anos de vida matrimonial não se encerrou com o divórcio pelo que, em função do princípio do dever de mútua assistência, compete ao requerido prestar-lhe alimentos que são indispensáveis para sua subsistência.
Verifica-se que as partes são divorciadas. Quando da petição que permitiu a conversão da separação em divórcio, .a mulher "abriu mão" da pensão. Na separação o esposo consentiu pagar pensão; na separação, concordou em pagar por mais um ano, prazo que se combinou para começar a fluir "o abrir mão". A ação de alimentos foi proposta três anos depois de homologado o divórcio.
A 3a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgando a Ap. Cív. 263.213-4/6, Rel. Des. Ênio Zuliani, j. em 15-4-2003, assim dirimiu a questão controvertida:
"Quando há o divórcio e a mulher `abre mão' da pensão, está o juiz autorizado a interpretar essa expressão como sinônima de renúncia, que é uma manifestação de vontade eficaz em se tratando de alimentos não decorrentes do parentesco, exatamente por ser a dissolução do casamento algo que se deseja livre para permitir um recomeço produtivo, do que propriamente crise conjugal interminável."
Teor da decisão, no essencial
"O STJ declara que quando o cônjuge renuncia aos alimentos, na separação, mediante acordo homologado judicialmente, ‘não pode posteriormente pretender receber alimentos do outro, quando a tanto renunciara, por dispor de meios próprios para o seu sustento' (REsp. 254.392-MT, DJ-U de 28-5-2001, Min. César Asfor Rocha, in Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, editada em Ribeirão Preto, vol. 19, p. 95).
Em outra oportunidade (RO-HC 11.690-DF, Min. Nancy Andrighi, DJ-U de 19-
11-2001, in Informativo ADV, COAD, 08/2002, p. 124, verbete 100651): ‘Tendo sido homologado acordo no qual a parte renunciou ao direito de alimentos, inadmissível seu ulterior comparecimento em juízo para pleiteá-lo'.
O novo Código Civil estabelece (artigo 1.707) a proibição de renunciar ao direito de alimentos. Essa regra já existia no Código revogado (artigo 404). O texto, da forma como foi colocado, ou seja, designado "credor" o sujeito titular do direito aos alimentos, poderá sugestionar que a intenção do legislador foi o de envolver os alimentos decorrentes do parentesco e do casamento como uma única figura. Se assim for interpretado, aberta estaria a conclusão de que todo o direito alimentar é irrenunciável, inclusive o que decorre do casamento.
É remota a possibilidade de se instalar polêmica sobre o tema. Já existe um projeto (n° 6.960/2002) que ressalva o seguinte: ‘Tratando-se de alimentos devidos por relação de parentesco, pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar ao direito de alimentos'. O ilustre Silvio de Salvo Venosa, que informa a tramitação do projeto em seu livro Direito Civi1 - Direito de Família, Editora Atlas, 2003, p. 226, lamenta a ocorrência por considerar a irrenunciabilidade irrestrita um retrocesso. O Professor Silvio Rodrigues defende a legalidade da renúncia, por consubstanciar manifestação de vontade lícita e vinculativa (Direito Civil - Direito de Família, Saraiva, 2002, vol. 6, p. 240).
Portanto, a nova ordem civil não modifica o quadro que se desenhou nos processos de separação e divórcio. O professor Álvaro Villaça Azevedo esclareceu, em estudo completo, ou seja,já antevendo a nova legislação civil, que o dever alimentar entre ex- cônjuges, é de natureza contratual, ou seja, um efeito do vínculo matrimonial, de modo que quando se encerra o casamento, podem eles, como únicos interessados, dispor a melhor maneira da terminação contratual, o que obriga o juiz a respeitar a cláusula de renúncia (Contrato de casamento, uma extinção e renúncia a alimentos na separação consensual, in Estudos em Homenagem ao Professor Washington de Barros Monteiro, Saraiva, 1982, p. 59).
O divórcio encerra mais que um ciclo de vida que não deu certo; inaugura uma nova fase e, salvo raríssimas exceções, justifica-se desassociar os cônjuges de todo e qualquer resquício desse passado, para que se possa enxergar o futuro sem sombras. Não é justo, ou socialmente correto; que homem ou mulher divorciados, vivendo desfrute de novas relações amorosas, permaneçam presos a uma obrigação alimentícia que não atende mais ao sentimento de solidariedade sustentado pela coabitação, pois essa interferência é desagregadora para os novos núcleos."
(in COAD/ADV, Boletim Informativo semanal 22/2003, p. 299)