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AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TESTAMENTO

RESUMO

O testamento é um ato solene que, ao lado do casamento, representa um dos atos jurídicos de direito privado que mais exige o cumprimento das solenidades estabelecidas em lei. Entre essas exigências analisamos nesse trabalho a falta de discernimento do testador que, sua inobservância, acarretará a decretação da anulação da referida célula testamentária. Porém esse estudo analisa a aplicação de uma incapacidade determinada pelo direito sucessório cuja inexiste na parte geral do código civil que regulamenta as incapacidades para os atos da vida civil

Palavras-chaves: Testamento, capacidade ativa testamentaria, anulação.

ABSTRACT

The will is a solemn act that, alongside marriage, is one of the legal acts of private law which requires more compliance with solemnities established by law. Among these requirements we analyze in this paper the lack of discernment of the testator that his failure, lead to the annulment of the decree of testamentary cell. However, this study examines the application of a particular disability by inheritance law which does not exist in the general part of the civil code that regulates disabilities for acts of civil life


Keywords: Testament, active testamentary capacity, annulment.

INTRODUÇÃO

É sabido que o testamento é um ato solene, sendo certo que é necessária a observância desse formalismo para a validade do ato de última vontade, pois trata-se de um requisito formal “ad substantiam” .

Assim, por ser o testamento um negócio jurídico, requer para sua validade, que o agente seja capaz, que o objeto seja lícito e que seja seguida a forma prescrita em lei.( art. 104 C.Civil)

A matéria sucessória estabelece uma incapacidade não só naquelas que a parte geral do Código Civil estabelece, mas também, naquelas situações em que o próprio direito sucessório estabelece existir uma incapacidade para aquele que vai realizar um testamento, que sem duvida é um ato jurídico, .

Entre essas situações, analisaremos a falta de discernimento que, por si só não gera uma incapacidade civil, não estando elencada como uma das vicitudes de um ato jurídico.

1-INCAPACIDADE ATIVA TESTAMENTARIA

No que concerne a capacidade testamentária ativa. É tida como sendo um conjunto de condições necessárias para que alguém possa juridicamente dispor de seu patrimônio por meio de testamento.

A capacidade para fazer testamento é a condição da validade jurídica do ato de última vontade.

A esse respeito nos ensina Maria Helena Diniz, com muita clareza:

A capacidade testamentária ativa é o conjunto de condições necessárias para que alguém possa, juridicamente, dispor de seu patrimônio por meio de testamento. Para que o testador tenha capacidade para testar será preciso inteligência, vontade, ou seja, discernimento, compreensão do que representa o ato e manifestação exata do que pretende. A capacidade é a regra, e a incapacidade, a exceção, só se afastando a capacidade quando a incapacidade ficar devidamente provada[1]

Prescreve o art. 1680 do Código Civil:

Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento[2].

Desta forma, mesmo a pessoa tendo capacidade civil, proclamada pela parte geral do código, poderá em matéria sucessória ter uma incapacidade testamentária, pois poderá estar desprovida de discernimento, em razão de estar impossibilitada de emitir vontade livre, que é um pressuposto fundamental da realização de um testamento.

Vale dizer assim, que a pessoa por não se encontrar no gozo de suas faculdades mentais, não terá discernimento e assim, não terá a capacidade de testar.

 É bem a expressão que usava o Código Civil revogado que dizia que a pessoa que não se encontrar em seu juízo perfeito não pode testar.

Trazendo a colação novamente os ensinamentos da professora Maria Helena Diniz a esse respeito:

“...por estarem enfermos ou sujeitos a hipnotismo, a delírios persecutórios, a espasmos cerebral seguido de hemiplegia (RT, 244-566), a arteriosclerose, a embriaguez completa, a intoxicação provocadas por remédios ou entorpecentes, a sonambulismo etc., hipóteses em que se perdem as condições de reflexão, de plena consciência, de serenidade de espírito, imprescindíveis para o ato de última vontade”[3]

2- FALTA DE DISCERNIMENTO

Vamos criar a hipótese, por sua peculiaridade que uma mulher testadora é portadora de carcinoma mamaria (câncer de mama), que recebe a denominação médica de Tumor Originário ou Primário .

As células cancerosas conseguem se desprender do tumor primário, disseminando e ingressando na corrente sanguínea ou no sistema linfático, e se difundir para quase todas as partes do corpo.

É comum o câncer da mama se disseminar (causar metástases) para os ossos, pulmões, fígado ou cérebro

Chegando ao cérebro (Metástase Cerebral) os sintomas surgem aos poucos e poderão incluir a cefaléia, a fraqueza localizada (debilidade de um lado), alterações do estado mental, náuseas, vômitos, convulsões e sinais neurológicos focais e ainda causar confusão mental.

É possível inclusive que o portador de metástase cerebral estar sujeito a sintomas semelhantes a um derrame ou a outros sintomas agudos, ou hemorragias, pode apresentar quadro de angustia e insegurança, com inclusive a ocorrência de vários conflitos psicológicos que pode retirar o discernimento.

Assim é sabido que ter discernimento é uma qualidade constitutiva da capacidade de fato e a sua falta é reconhecida como uma incapacidade para a prática de um ato voluntário.

O discernimento nada, mais é do que a prática de um ato com intenção de saber e querer que os efeitos dele produzam. Sem ele é coreto afirmar que, quem o produz não sabe, não entende ou não quer produzir os efeitos que ele vier a produzir

Não tendo o discernimento a testadora, entende-se que excluímos esse caráter intencional, nada obstante poder estar no gozo de suas faculdades mentais.

 Em assim sendo, a testadora não tinha intenção de realizar um testamento produzindo os efeitos que ele vier a produzir.

No direito pátrio a incapacidade da pessoa, resultará sempre de uma coincidência da situação de fato em que se encontra a pessoa e a hipótese jurídica da  capitis deminutio descrita na lei.[4] Estando a falecida (testadora) sem a aptidão volitiva natural, quando da realização do negócio jurídico, o mesmo será atingido pela sua ineficácia.

O Código Civil em seu artigo 3º coloca como absolutamente incapaz, entre outras pessoas, todas aquelas que com possuem impossibilidade de discernimento, quer seja ela temporária ou não.

A esse respeito preleciona Caio Mario da Silva Pereira:

“ Os estados transitórios de obnubilação mental não privam o paciente da capacidade, a não ser temporariamente. Poderão, por isso, ser atacados os atos praticados durante eles, porque não se pode admitir como emissão válida de vontade a que foi proferida em tais momentos”[5]

Trata-se assim inovação da lei ao dizer que nesses casos estamos diante de uma incapacidade absoluta, porém temporária, gerando a nulidade dos autos praticados naquele estado.

Nesse sentido o Tribunal de Justiça de São Paulo já se posicionou:

“TESTAMENTO. Particular. Pedido de anulação concedido. Vício de vontade existente. Falecida muito enferma na data da assinatura. Ato que excluía o primeiro filho da herança disponível, incompatível com atitude de qualquer mãe. Recurso improvido.”[6]

Ainda é importante trazer a colação trechos desse acórdão:

“O testamento em questão, apesar de, apresentar regularidade formal e aparentemente ter reproduzido a vontade da de cujus, sugere ser resultado de vício de consentimento, pois, como bem disse o d.Magistrado "E pouco crível que uma mãe pretenda, em detrimento de um filho, favorecer o outro....”

E mais,                                        

“Trata-se de apelação da r. sentença, (fls. 221/227), que julgou procedente a ação de anulação de testamento ajuizada pelo apelado, ao argumento de que "é justo presumir que uma mãe dedique a todos seus filhos igual carinho e afeto O presente caso não se trata de pedido de anulação de um simples testamento de quem pretende beneficiar alguém com seus bens. Mas de uma mãe que, com a saúde enfraquecida, portadora de uma doença terrível, é levada a fazer um testamento, cinco dias antes de seu falecimento, conferindo metade de seus bens em favor dos outros dois filhos ....”

Finalmente,

“ Ou seja, a falecida, na data da assinatura do testamento não estava com suas faculdades mentais plenas, o que ocasiona o vício de consentimento anteriormente exposto. Assim, como já se demonstrou ter realmente havido um vício de consentimento no testamento em questão, deve o mesmo ser anulado, tal como se fez na excelente sentença.”

É pacifico na jurisprudência nacional que, quando o testador não se encontra em seu pleno discernimento, o testamento não tem eficácia:

EMBARGOS INFRINGENTES. SUCESSÕES. ANULAÇÃO DE TESTAMENTO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE HIGIDEZ MENTAL DO TESTADOR. Ainda que o testamento realizado por instrumento público goze de presunção de validade, uma vez demonstrada a ausência de pleno discernimento do testador quando da disposição de última vontade, impõe-se a invalidação do ato. EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS.[7]

O testamento assim pode ser feito não porque a pessoa teria vontade de fazer, mas feito por induzimento de terceiros, que podem ate tornar-se beneficiário do mesmo. É o que chamamos de captação de vontade.

A esse respeito nos ensina o civilista Silvio de Salvo Venosa:  [8]

“Frequentemente, a captação de vontade não se resume a um único ato. Trata-se, geralmente, de uma conduta captatória, de uma manobra engendrada por aqueles que gravidam em torno do testador, muitas vezes moribundo, quando da sua vontade, melhor dizendo, seu espírito já esta enfraquecido. É indispensável no exame de um testamento duvidoso o exame das condições ambientais que cercam o ato”

E ainda, continua o referido civilista:

“Sem dúvida que se tornam campo propício para a captação dolosa a fraqueza de espírito, a que se tornam campo propício para captação dolosa a fraqueza de espírito, a solidão e a idade avançada, a enfermidade.....”

CONCLUSÃO

O direito contempla na parte geral de nosso código, uma capacidade para que a pessoa pratique regularmente um ato jurídico.

A realização de um testamento, também sujeita-se a essas regras, por se tratar de um ato jurídico, pois sem dúvida ele cria, modifica ou extingue direitos.

Todavia, o Direito Sucessório amplia os requisitos para que uma pessoa possa fazer um testamento. Assim além daquelas causas da parte geral, temos regras especificas que concedem ou não uma capacidade para fazer o testamento, o que se denomina, capacidade ativa testamentaria.

Essas causas criadas no direito sucessório, não estão regulamentadas na parte geral, só se aplicando para a matéria testamentaria.

Fica evidente que a maioria dessas ações é muito difícil provar essa incapacidade ativa testamentária, principalmente quando se abaliza as causas próprias do direito sucessório, notadamente a falta de discernimento.

Assim, a declaração da anulação do testamento, pela falta de capacidade ativa do testador, em causas especificamente criadas para a matéria de testamentos, é ocorrência lógica natural que o Judiciário assim o declare, mesmo que o testador possa não se enquadrar as hipóteses de uma incapacidade civil tipificada na parte geral do Código Civil

 
   
   
   
   
 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS




BRASIL, Vade Mecum. Código Civil: São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais. 2013.  Art. 1680

BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.  Embargos Infringentes, 4ª Câmara Acórdão registrado sob o n ° 01608598, Relator Desembargador Teixeira Leite, participando do julgamento os Desembargadores Fábio Quadros e Enio Zuliani, julgado 31.01.08). Disponível em  http://www.advogadosemsãopaulo.adv.br/sucessao/advogados_anulação_de_testamento.htm. Acesso

em 2.12.13

BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Embargos Infringentes Nº 70023480858, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Relator: Des. Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 08/08/2008. Disponível em  http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8078393/embargos-infringentes-ei-70023480858-rs acesso em 02.12.13

DINIZ. Maria Helena .Curso de Direito Civil. Vol 6, Ed Saraiva. São Paulo 2008. P. 178

DINIZ. Maria Helena. Código civil anotado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1.282

PEREIRA. Caio Mário da Silva . Instituições de Direito Civil. Vol I. Editora Forense. Rio de Janeiro 2004.

VENOSA. Silvio de Salvo. Direito das Sucessões. Editora Atlas. São Paulo 2007. p. 181




  •   Bacharel em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto – 1987, Especialista em Direito Civil  pela Universidade de Ribeirão Preto – 2009 – Mestre em Direito Pela Universidade de Ribeirão Preto em 2007, Professor Titular na cadeira de Direito Civil da Universidade de Ribeirão Preto desde 1988.

[1]DINIZ. Maria Helena. Código civil anotado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1.282

[2]BRASIL, Vade Mecum. Código Civil: São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais. 2013.  Art. 1680

[3]Curso de Direito Civil. Vol 6, Ed Saraiva. São Paulo. 2008. p. 181

[4] PEREIRA. Caio Mário da Silva . Instituições de Direito Civil. Vol I. Editora Forense. Rio de Janeiro 2004. P. 271.

[5] Op. Cit. P. 281

[6]BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.  Embargos Infrigentes, 4ª Câmara Acórdão registrado sob o n ° 01608598, Relator Desembargador Teixeira Leite, participando do julgamento os Desembargadores Fábio Quadros e Enio Zuliani, julgado 31.01.08). Disponível em  http://www.advogadosemsãopaulo.adv.br/sucessao/advogados_anulação_de_testamento.htm. Acesso

em 2.12.13

[7]BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Embargos Infringentes Nº 70023480858, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Relator: Des. Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 08/08/2008. Disponível em  http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8078393/embargos-infringentes-ei-70023480858-rs acesso em 02.12.13

[8] VENOSA. Silvio de Salvo. Direito das Sucessões. Editora Atlas. São Paulo 2007. p. 181

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