ALIENAÇÃO PARENTAL: a impropriedade DO INCISO III DO ARTIGO 6º Da Lei n° 12.318, de 26 de Agosto de 2010 (Lei da Alienação Parental)
Frederick Gondin [1]
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo a análise da impropriedade e do despropósito da penalidade inserta no inciso III do artigo 6º da Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010, que trata da alienação parental, não obstante faça uma rápida análise dos aspectos psicológicos e jurídicos dessa Alienação Parental (AP) e da consequente Síndrome da Alienação Parental (SAP).
Este artigo ataca o fato de que dita penalidade está desprovida dos necessários parâmetros em relação ao mínimo e ao máximo, ou seja, dá margem a uma dosimetria duvidosa ou aplicar-se-ia o Artigo 249, da Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) [2]? E muito menos ainda aponta o destinatário do numerário a ser pago. Beneficiará a quem? Tem-se também que o pagamento forçado de qualquer numerário poderá remeter o alienador a possível e daí justificada dificuldade financeira que irá repercutir nos cuidados materiais do personagem central desse grave problema, que é a criança e/ou adolescente.
Poderá ser transformar em um instrumento de impunidade.
Portanto, o que aqui se sugere é tão somente contribuir para uma possível eliminação deste inciso do artigo 6º da Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010 que tem tudo para ser objeto de controvérsias judiciais infindáveis.
Palavras-chave: Lei da Alienação parental. Aspectos psicológicos e jurídicos. Aplicação de multa ao alienador. Impropriedade. Eliminação.
1 INTRODUÇÃO
Maria Berenice Dias [3], ensina, que
“Quem lida com conflitos familiares certamente já se deparou com um fenômeno que não é novo, mas que vem sendo identificado por mais de um nome: alienação parental ou implantação de falsas memórias”.
E, continua, dizendo que:
“Muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação e o sentimento de rejeição, de traição, faz surgir um desejo de vingança: desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. Nada mais do que uma “lavagem cerebral” feita pelo genitor alienador no filho, de modo a denegrir a imagem do outro genitor, narrando maliciosamente fatos que não ocorreram ou que não aconteceram conforme a descrição dada pelo alienador. Assim, o infante passa aos poucos a se convencer da versão que lhe foi implantada, gerando a nítida sensação de que essas lembranças de fato aconteceram. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre o genitor e o filho. Restando órfão do genitor alienado, acaba se identificando com o genitor patológico, passando a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é informado.”
Para o necessário combate a essa patologia, foi sancionada no dia 26 de agosto de 2010 a Lei n° 12.318, que dispõe sobre a alienação parental e altera o Artigo 236 [4] da Lei no. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA). Esta Lei entrou em vigor na data da sua publicação, ou seja, no dia 27 de agosto de 2010.
Entretanto, a pretendida alteração do Artigo 236 da Lei nº 8.069/90 foi vetada pelo Presidente da República sob o argumento de que o ECA “já possui mecanismos de punição suficientes para inibir os efeitos da alienação parental, como a inversão da guarda, multa e até mesmo a suspensão da autoridade parental. Assim, não se mostra necessária a inclusão de sanção de natureza penal, cujos efeitos poderão ser prejudiciais à criança ou ao adolescente, detentores dos direitos que se pretendeu assegurar na lei.”
Considerando a importância do assunto, a edição da Lei da Alienação Parental foi muito comentada pela mídia, tendo sido, não raras vezes, e de forma equivocada, divulgada como sendo a solução do problema, diante da existência desse gravame familiar até então ignorado ou desdenhado quanto a sua importância e quanto ao seu potencial de destruição dos vínculos parentais.
Portanto, pode-se, no máximo, afirmar que a edição dessa lei é bem-vinda à sociedade numa tentativa de conter os atos alienatórios e ao segmento jurídico notadamente aos especialistas, profundamente envolvidos nas lides diárias com a alienação parental, para poderem ter as mínimas condições de combater esse terrível problema. Sabemos que o Direito de Família no Brasil é ainda atrasado em relação a outros países do mesmo patamar social e econômico. As leis hoje utilizadas foram conquistadas de forma árdua pelos setores progressistas e levaram anos para serem editadas, a exemplo da Lei do Divórcio, que, enquanto os brasileiros sofriam com os problemas existentes em razão de não poderem contrair novo matrimônio, países como os Estados Unidos da América já o tinham como solução rápida e eficaz permitindo a construção de novas relações afetivas.
Pode-se dizer também que a lei brasileira vem em socorro daqueles que são vítimas da alienação parental, as crianças e/ou adolescentes e os genitores alienados. Para eles, a lei representa um alento, uma esperança, uma luz no fim do túnel, pois esse drama pode ser descrito como uma das mais dolorosas experiências afetivas que um ser humano pode experimentar: o impedimento, inclusive respaldado pelo Poder Judiciário, de qualquer contato com os filhos.
Segundo Fernando Savaglia [5], infelizmente, os expedientes colocados em prática por alienadores para conseguir seus intentos extrapolam qualquer limite do bom senso.
A lei traz no artigo 6º sete instrumentos legais com o propósito de solucionar o problema, entretanto, o terceiro instrumento, o inciso III do referido artigo, é um modo de punição impróprio e problemático e que pode ser objeto de falsas esperanças que se arrastarão pelos tribunais enquanto as vítimas, as crianças e/ou adolescentes e o genitor alienado irão continuar a sofrer as suas consequências em toda a sua extensão, aliado ainda ao fato de que a expropriação de eventual numerário irá tumultuar o orçamento mensal do agente alienador em prejuízo da vítima, a criança e/ou adolescente, que terá suas necessidades materiais mensais seriamente reduzidas ou quem sabe até mesmo suspensas sabe-se lá por quanto tempo.
Dessa forma, é de se pensar, que a penalidade apontada pelo inciso III do artigo 6º da Lei da Alienação Parental não traz as mínimas condições de ser aplicada e muito menos ainda executada devendo se buscar dentro do princípio da razoabilidade e do bom senso outros meios para a solução contra os abusos do alienante, fazendo-os cessar de pronto, possibilitando assim a normalização do exercício do direito de visitas, do poder familiar e da completa e salutar criação e educação da prole eventualmente vitimizada.
O próprio artigo 6º traz como outros meios para a solução tão sonhada, mais eficazes a exemplo da guarda compartilhada e até mesmo a perda da guarda em favor do progenitor alienado, que podem perfeitamente serem decretados em sede de antecipação de tutela e no caso de eventuais recursos, que sejam recebidos tão somente no efeito devolutivo.
Há que se comentar mais detidamente o Artigo 236, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Diz o Artigo 236:
“Impedir ou embaraçar a ação da autoridade judiciária, membro do Conselho Tutelar ou representante do Ministério Público no exercício de função prevista na Lei:
Pena – detenção de seis meses a dois anos.”
É bom lembrar que o projeto que criou a Lei n° 12.318/10 pretendeu alterar o Artigo 236 da Lei nº 8.069/90 e tal pretensão foi vetada pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República sob o argumento de que o ECA já possui mecanismos de punição suficientes para inibir os efeitos da alienação parental, como a inversão da guarda, multa e até mesmo a suspensão da autoridade parental. Assim, não se mostra necessária a inclusão de sanção de natureza penal, cujos efeitos poderão ser prejudiciais à criança ou ao adolescente, detentores dos direitos que se pretendeu assegurar na lei.
No Brasil tem-se o costume de se criar leis de forma descontrolada sem se aperceber a existência de outras que tratam já do assunto que se pretende abordar criando-se um manancial legislativo confuso que só vem servir para tumultuar ainda mais os escaninhos do Poder Judiciário.
O veto presidencial foi de um acerto espetacular. De fato. O Estatuto da Criança e do Adolescente já traz em seu bojo instrumentos penais suficientes para punir o agressor da criança e/ou adolescente não necessitando ser repetida noutra lei, criando-se aí possível conflito.
2 DO CONCEITO E ORIGEM DA ALIENAÇÃO PARENTAL
A alienação parental é uma realidade que chegou ao conhecimento não só da psicologia moderna mas também do Direito, no caso o Direito de Família.
Trata-se de um termo criado em 1985 pelo psiquiatra norte-americano Dr. Richard Gardner [6] traduzido em uma arma utilizada de forma recalcitrante nas relações de família atingindo de frente o desenvolvimento emocional e psicossocial das crianças e dos adolescentes expostos aos dramas que se desembocam nas Varas de Família.
É próprio dizer que manter um relacionamento afetivo é como manter um Titanic navegando em águas serenas e ao mesmo tempo ignorando os icebergs eventualmente existentes. Sempre existe a possibilidade, a exemplo do famoso navio, de se encontrar com um iceberg e ir a pique, ou seja, afundar e liquidar de vez com o relacionamento mantido até então e descobrindo a parte até então oculta do iceberg atingido, que pode ser traduzido também como o lado obscuro do ser humano que aflora buscando vingança mesmo que para isso pessoas inocentes sejam cruelmente atingidas.
O tema, considerando-se todo o arcabouço jurídico já existente, é recente. Desperta, porém, já à primeira vista, interesse multidisciplinar, de psiquiatras, psicólogos, advogados, juízes e promotores de justiça, dada a sua complexidade.
Daqui há alguns anos teremos um número considerável de decisões dos nossos tribunais a nos orientar e a nos dar um norte a ser seguido, nos municiando com os argumentos necessários ao eficaz combate à essa prática destruidora das relações afetivas entre filhos e pais desprovidos da guarda e do direito de visitas.
O Dr. Gardner, segundo Tamara Brockhausen [7], conceitualizou dois termos: a Alienação Parental (AP) e a Síndrome da Alienação Parental (SAP).
Ele estabeleceu que a Síndrome da Alienação Parental é um subtipo da Alienação Parental, pois esta é uma expressão mais genérica, abrangente.
A Alienação Parental (AP) é definida como qualquer situação na qual uma criança pode rejeitar um genitor. Essa animosidade, sabe-se, pode ser gerada por diversas causas nas quais não é possível identificar um programador específico e nem possível quantificar os abusos psicológicos, físicos e negligenciais impostos à criança e/ou adolescente.
No tocante à Síndrome da Alienação Parental (SAP), segundo o Dr. Richard Gardner, é um distúrbio específico da infância que aparece quase que exclusivamente no contexto de disputas de custódia das crianças. Sua manifestação preliminar sugere uma campanha denegritória contra um dos genitores.
O procedimento alienatório, eivado de estratégias com a finalidade de afastar aquele que não tem a guarda da convivência com a prole, tem o seu terrível início com o fim da relação afetiva. O objetivo principal do alienador é desacreditar e desgastar a imagem do genitor alienado a qualquer custo, promovendo a sua completa destruição, podendo chegar inclusive a fantasiar o seu “falecimento” e na terrível implantação de falsas memórias. Se tal comportamento é consciente ou não, não importa. O plano arquitetado resultará na prática do mal em flagrante prejuízo do genitor alienado e em especial da prole vitimizada.
Várias são as técnicas:
· Limitar o contato da criança com o genitor alienado e se possível eliminá-lo.
· Limitar o contato com a família do genitor alienado e se possível eliminá-la.
· Evitar mencionar o genitor alienado dentro de casa.
· Desvalorizar o genitor alienado, seus hábitos, costumes, amigos e parentes.
· Criar a impressão de que o genitor alienado é perigoso.
· Provocar conflitos entre o genitor alienado e a criança.
· Interceptar telefonemas, presentes e cartas do genitor alienado.
· Fazer com que a criança pense que foi abandonada e não é amada pelo genitor alienado.
· Induzir a criança a escolher entre um genitor e outro.
· Induzir culpa no filho por ter bom relacionamento com o genitor alienado.
· Instigar a criança a chamar o genitor alienado pelo seu primeiro nome.
· Impor pequenas punições sutis e veladas quando a criança expressar satisfação ao se relacionar com o genitor alienado.
· Confiar segredos à criança, reforçando o senso de lealdade e cumplicidade.
· Cultivar a dependência entre genitor alienador e a criança.
· Interrogar o filho depois que chega das visitas.
· Encorajar a criança a chamar o padrasto/madrasta de pai/mãe.
· Ocultar a respeito do verdadeiro pai/mãe biológico (a).
· Abreviar o tempo de visitação por motivos fúteis.
· Dificultar ao máximo o cumprimento do calendário de visitas.
· Mudança de domicílio para o mais longe possível do genitor alienado.
Maria Berenice Dias [8] comenta, no uso da sua notória experiência e conhecimento, com muita propriedade, que:
“Trata-se de verdadeira campanha para desmoralizar o genitor. O filho é utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao parceiro. A mãe monitora o tempo do filho com o outro genitor e também os seus sentimentos para com ele.”
Alienação Parental, ainda segundo o advogado Marcos Duarte [9], é a expressão genérica utilizada para designar patologia psicológica/comportamental com fortes implicações jurídicas caracterizada pelo exercício abusivo do direito de guarda com o impedimento da convivência parental no rompimento da conjugalidade ou separação causada pelo divórcio ou dissolução da união estável.
A vítima maior é a criança ou adolescente que passa a ser também, de forma involuntária, carrasco de quem ama, vivendo uma contradição de sentimentos até chegar ao rompimento do vínculo de afeto. Através da distorção da realidade, neste triste episódio, percebe-se que um dos pais é totalmente bom e perfeito (o alienador) e o outro é totalmente mau (alienado).
A principal característica desse comportamento patológico e ilícito, segundo Marcos Duarte, é a lavagem cerebral na criança ou adolescente para que atinja uma hostilidade em relação ao genitor não guardião e/ou seus familiares. A criança se transforma em defensor e cúmplice abnegado do guardião, repetindo as mesmas palavras aprendidas do insistente e eficaz discurso do alienador contra o “inimigo”. O filho passa a acreditar que foi abandonado e passa a compartilhar ódios e ressentimentos com o alienador. Algumas vezes dependendo da idade da criança e as circunstâncias o genitor alienado é descartado sob a alegação fantasiosa de ter morrido antes do nascimento.
O uso de táticas verbais e não verbais, portanto, faz parte do arsenal do guardião alienador, que apresenta comportamentos característicos dessa patologia e quase sempre perceptíveis em quase todas as situações.
Consiste, ainda, segundo Beatrice Marinho Paulo [10] em uma forma de abuso emocional geralmente iniciado após a separação conjugal, no qual um genitor ou um guardião [11] passa a fazer uma campanha desqualificadora e desmoralizadora do outro genitor, visando afastar dele a criança e destruir o vínculo afetivo existente entre os dois, utilizando diversas manobras e artifícios para dificultar ou impedir o contato entre eles e para programar a criança para rejeitar ou mesmo odiar o outro genitor.
Já na Síndrome da Alienação Parental (SAP), subtítulo da Alienação Parental, ainda conforme Tamara Brockhausen, após todo esse mórbido processo alienatório, a criança já vitimizada recusa o contato, rejeita a afetividade e/ou defere hostilidade contra o genitor com quem ela sempre estabeleceu laço afetivo não tendo, portanto, justificativas reais para a sua atitude. A sua causa é atribuída à programação feita no pós-divórcio por um dos genitores com intuito retaliativo de afastar a criança do convívio com o outro genitor. O mal chegou ao seu auge. A patologia encontra-se já instalada. Caso não haja uma reação eficaz será o começo do fim.
Fernando Savaglia afirma que no Brasil, a exemplo de outros países, no caso de uma separação, uma esmagadora maioria de decisões judiciais determina que a genitora seja a guardiã do filho, o que explica, no caso da Síndrome da Alienação Parental (SAP), a quantidade de casos relatados nos quais a mãe se transforma no agente alienador. Porém, confirma Savaglia, não são raros os casos de pais, tios, avós ou padrastos, assumindo consciente ou inconscientemente o papel de alienador. Trata-se de um comportamento existente, diga-se, em alguns casos, em que se vê normalmente a existência de apoio dos familiares e amigos íntimos ao mórbido plano de romper os laços afetivos entre a criança e/ou adolescente e o progenitor alienado.
Denise Perissini [12], afirma que:
“Existe também a reação passiva da alienação. Alguns familiares percebem as atitudes insensatas do alienador mas tem medo de interferir, porque temem virar alvo de sua ira.”
Raquel Pacheco Ribeiro de Souza, Promotora de Justiça em exercício nas Varas de Família da Comarca de Belo Horizonte, MG, e Coordenadora da Comissão de Legislação do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Seção de Minas Gerais, assim se expressou em relação a tirania do guardião [13]:
“Não raro, após o desenlace, os pais, e muitas vezes os próprios operadores do direito, esquecem-se de que, mesmo que a guarda seja exercida unilateralmente, o poder familiar cabe a ambos os genitores, casados ou não. É comum assistirmos a um verdadeiro vilipêndio da essência do poder familiar quando o guardião monopoliza em suas mãos as decisões que dizem respeito à vida dos filhos, recusando a participação do não-guardião nessa tarefa. O filho, já abalado pela separação dos pais, vê-se ainda mais prejudicado, diante do sentimento de vazio e de abandono causado pelo afastamento do não-guardião. A ruptura, embora dolorida para os filhos, poderia ser muito melhor vivenciada se os genitores continuassem a ser pais e mães, de forma efetiva, apesar da separação. O maior sofrimento da criança não advém da separação em si, mas do conflito, e do fato de se ver abruptamente privada do convívio com um de seus genitores, apenas porque o casamento deles fracassou. Os filhos são cruelmente penalizados pela imaturidade dos pais quando estes não sabem separar a morte conjugal da vida parental, atrelando o modo de viver dos filhos ao tipo de relação que eles, pais, conseguirão estabelecer entre si, pós-ruptura. Dessa forma, se os pais tiverem equilíbrio suficiente para manter um diálogo construtivo, os filhos estarão a salvo. Do contrário, acabarão por se tornar artilharia de um cônjuge contra o outro.”
2.1 ASPECTOS PSICOLÓGICOS E JURÍDICOS EXISTENTES NO DIREITO DE FAMÍLIA COM RELAÇÃO À UNIÃO AFETIVA
As consequências da falência afetiva são muitas e atingem de cheio o patrimônio das partes, a guarda dos filhos e o calendário de visitas e impõem, finalmente, o pensionamento, em especial, à prole.
No Brasil, infelizmente, não existe o costume dos casais pretendentes ao casamento ou à união estável, de procurarem um advogado com o pretexto de analisarem os aspectos do pretendido enlace afetivo, quanto a sua possibilidade jurídica, ou seja, a ausência de impedimentos absolutos ou relativos, quanto a administração patrimonial e a escolha do regime de bens, além d’outros aspectos importantes. Esse cuidado é próprio somente de famílias abastadas e cuidadosas com os seus patrimônios, dando a eles uma efetiva proteção.
Há que se entender que os casamentos já não são mais àqueles de outrora em que praticamente se perpetuavam, mesmo que em alguns casos não existissem mais o afeto. Nos dias de hoje existem casamentos que mal duram um mês dada a imediatidade dos sentimentos dos casais. Faltam nesses casos a cuidadosa prevenção e por isso os problemas afloram e o desastre é sempre iminente.
E, passado o momento da ruptura vem o assentamento da nova condição de vida, de uma nova estrada cuja pavimentação poderá ser ou não do agrado ou conveniente a cada uma das partes.
Surgem daí as necessárias visitas pelo progenitor que não tem a guarda da prole, levando-a para a sua nova realidade. O sentimento de propriedade e posse sobre os filhos acentua-se descontroladamente e torna-se rígido.
É o momento exato para o possível surgimento do procedimento alienatório e a possível instalação da síndrome, que exige duas partes, o alienante, que tem a guarda dos menores e o alienado, que evidentemente não tem a guarda.
O instrumento para isso é a própria criança e/ou adolescente.
Inicia-se aí o processo do cônjuge alienante na maioria das vezes utilizando a prole como instrumento de vingança contra o ex-cônjuge colocando em prática as várias ações mórbidas aqui já citadas.
Esquecem-se os pais que mesmo com a separação judicial ou de fato ou com o divórcio não há como perder o poder parental.
Diz o Artigo 1.589, do Código Civil:
“O pai ou a mãe em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e te-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”.
A psicóloga Denise Maria Perissini da Silva, no artigo “A psicologia a serviço do Direito Familiar” [14] alega que o Direito, como muitas ciências humanas, não pode ser absoluto, sempre precisa da comunicação com outros saberes para poder acompanhar de maneira mais fidedigna a realidade da sociedade. Assim, continua a psicóloga, busca conceitos na medicina, na criminologia, na sociologia, na filosofia, na política e, com mais intensidade nos últimos tempos, na psicologia para complementar sua compreensão acerca do comportamento humano. As leis existem, prossegue, para normatizar as relações humanas. Mas, no caso do Direito de Família, as relações são permeadas de afetos, desejos, sentimentos, interesses, vontades e motivações que não estão no âmbito de aplicação do Direito e, sim, abrangidas pela psicologia. É nesse sentido, diz a psicóloga, que a psicologia se apresenta como uma importante ciência para auxiliar na compreensão do comportamento humano e nas relações de família. Quais são as motivações para que aquele casal que deseja se unir? Como está sendo administrada a relação afetiva? Porque está havendo a separação? Os ex-cônjuges vão constituir novas famílias? Como será o relacionamento entre os novos e os antigos membros da família? Como vai ficar a relação com os filhos?
A curto prazo, rompida a união afetiva, estipulada a guarda unilateral e na grande maioria das vezes dificultado o direito de visitas, a criança vendo-se no meio da tormenta aprende automaticamente a manipular, tornando-se prematuramente esperta para decifrar o ambiente emocional, falar apenas uma parte da verdade e, por fim, enredar-se em mentiras, discursos e comportamentos repetitivos, exprimindo emoções falsas. A médio e longo prazo, os efeitos podem ser, segundo a psicóloga Denise Maria Perissini da Silva:
o Depressão crônica,
o Incapacidade de se adaptar aos ambientes sociais,
o Transtornos de identidade e de imagem,
o Desespero,
o Tendência ao isolamento,
o Comportamento hostil,
o Falta de organização,
o Baixo rendimento escolar,
o Consumo de álcool e/ou drogas,
o Tentativas de suicídio, e
- Outros transtornos psiquiátricos.
Podem ocorrer também, segundo Denise, sentimentos incontroláveis de culpa quando a pessoa já for adulta e constatar que foi cúmplice inconsciente de uma grande injustiça arquitetada contra o alienador, que fez parte de uma farsa, de uma fraude.
Desencadeia-se aí, mais um episódio, agora terrivelmente dolorido porque nada mais pode ser feito para interrompe-lo, pois já se completou e alcançou o seu desastroso resultado, e aí surge o desencadeamento com consequências imprevisíveis.
É o momento para possível e eventual ação judicial, como por exemplo, a indenização por dano moral contra o alienante, baseada no princípio da dignidade humana, por ter privado o (a) autor (a) quando e até então criança e/ou adolescente, do direito à convivência, ao efetivo amparo moral e psíquico com o outro genitor, o que impossibilitou o seu normal desenvolvimento humano.
2.2 DO RECONHECIMENTO DA Síndrome da Alienação Parental NOS TRIBUNAIS
Segundo o Dr. Gardner, existe uma certa resistência em se utilizar o termo Síndrome da Alienação Parental sob a alegação de que não é aceito nos tribunais. A realidade é bem outra. Não obstante a resistência de alguns magistrados norte-americanos em reconhecer a existência da Síndrome da Alienação Parental, o Dr. Gardner comprova em seu “site” [15] mais de sessenta casos de reconhecimento da síndrome. Em 30 de janeiro de 2001 a síndrome foi admitida em uma corte da cidade de Tampa, Estado da Flórida, nos EUA. A sentença foi confirmada em um tribunal. Tal decisão reconhecendo a Síndrome da Alienação Parental, foi baseada em mais de cem publicações da autoria de psiquiatras naquela época. Entretanto, mesmo diante desse aceite, o próprio Dr. Gardner, salientou a preferência pelo uso tão somente da Alienação Parental como sugestão de extrema cautela diante da séria possibilidade da tese Síndrome da Alienação Parental não ser aceita judicialmente.
Trata-se, portanto, de matéria de enorme e preocupante controvérsia.
Há quem diga que por haver tal controvérsia girando em torno da Síndrome da Alienação Parental deve haver algo de duvidoso sobre a existência desse transtorno. Essas controvérsias fazem alguns duvidar se a Síndrome da Alienação Parental é razoável e válida o suficiente para ser objeto de avaliação junto ao Poder Judiciário. Entretanto, o fato de existir essa controvérsia não invalida e muito menos ainda impede de que seja discutida judicialmente. Mas por que existe essa controvérsia sobre a Síndrome da Alienação Parental ao contrário de outras patologias clínicas do campo da psiquiatria? Temos que considerar que não há como alimentar essa controvérsia diante de uma observação séria e independente. Tanto a Alienação Parental como a Síndrome da Alienação Parental são evidentes e vitimam setenta e cinco por cento das crianças e aqueles pais que não tem a guarda.
A Síndrome da Alienação Parental é um produto do sistema adversarial [16], segundo o Dr. Richard Gardner, pois são geralmente nos tribunais que as partes tentam resolver o conflito.
Sabe-se que a negação da Síndrome da Alienação Parental é a defesa básica do alienador, pois uma vez acusado de ter induzido uma criança ou adolescente provavelmente argumentará em Juízo, através de seu advogado, a inexistência da Síndrome da Alienação Parental. Utilizará, dentro dos limites éticos impostos ao exercício profissional da advocacia, de todas as maneiras possíveis para combater e desqualificar as acusações contra si levantadas pela parte adversa. Entretanto, a única coisa que se poderá comprovar é que até 1994, ano da última publicação, o DSM_IV [17] não havia listado a Síndrome da Alienação Parental. Os advogados esperam, entretanto, que o juiz seja convencido por esse argumento considerado ilusório e conclua, então, que se não há nenhuma Síndrome da Alienação Parental, não haverá, mesmo em detrimento da criança e/ou do adolescente, também, nenhuma programação, e assim, desse modo, o alienador sairá ileso da demanda. E a criança e/ou adolescente estará irremediavelmente comprometida psicologicamente.
Para resolver o problema, contornando-o, é usual a troca do termo Síndrome da Alienação Parental pelo termo Alienação Parental. Nenhum alienador é identificado como o causador da Síndrome da Alienação Parental e as causas que poderiam ser encontradas com a mãe, com o pai, ou com ambos, ou até mesmo com terceiros, a exemplo dos avós e tios, simplesmente resta impune. O avaliador não pode nesse caso fornecer ao Poder Judiciário a informação apropriada e necessária a respeito da causa da alienação das crianças e dos adolescentes, sua gravidade e os danos já causados. Diminui nesse caso a probabilidade, a seguir, de que o magistrado tenha em mãos os dados necessários para fundamentar a sua decisão.
Como agir então quando a parte prejudicada buscar para si e para a criança e/ou o adolescente a tutela jurisdicional? Usará a parte a Síndrome da Alienação Parental ou a Alienação Parental? Diante da controvérsia e da dificuldade em se fazer reconhecer a existência da Síndrome da Alienação Parental, face a sua inexistência no DSM-IV, outra saída, infelizmente, repetindo, não há senão bater forte na Alienação Parental atendendo-se a sugestão do próprio Dr. Gardner, pois quanto a ela ninguém ousará negá-la. Portanto, infelizmente, usar a Alienação Parental no lugar da Síndrome da Alienação Parental provocará sérios prejuízos à família vítima dessa síndrome e não se conseguirá identificar adequadamente a causa da alienação da criança e/ou adolescente.
Essa prática, portanto, faz com que se fortaleça a resistência injustificada contra a existência da Síndrome da Alienação Parental nos tribunais. Trata-se de um enorme prejuízo ao sistema legal que privado de um diagnóstico científico a respeito da Síndrome da Alienação Parental não poderá ser útil em relação ao tratamento a ser realizado com as famílias vitimizadas.
Na ocorrência da Síndrome da Alienação Parental existem duas díades patológicas a serem consideradas, uma entre o genitor alienador e a criança e outra entre o genitor alienado e a criança. A primeira é aquela em que a criança está sendo programada em uma campanha denegritória contra um genitor anteriormente amado. A segunda é aquela em que a criança demonstra hostilidade excessiva e tem medo do genitor alienado a ponto desse genitor ser visto como perigoso, desagradável, enfim, um declarado inimigo.
A equipe multidisciplinar que usar esse critério para a elaboração do relatório deve enfatizar a presença dessas duas díades.
Tal preocupação ficou registrada na decisão da Desembargadora Maria Augusta Vaz, do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, onde foi recomendada a manutenção da presença do pai na vida afetiva do filho após elaboração de relatório:
“ANTECIPAÇÃO DE TUTELA INDEFERIDA EM AÇÃO REVISÓRIA DE VISITAÇÃO PATERNA. ESTUDO SOCIAL QUE RECOMENDA A MANUTENÇÃO DA PRESENÇA DO PAI. SÚMULA 59 DO TJRJ. Ao contrário de ter ojeriza à companhia do pai, como afirma sua mãe, a agravante deseja sua presença mais ostensiva, dedicada e comprometida. Como posto pelo MP, aparenta tratar-se de hipótese de alienação parental, na qual o afastamento do pai, logo em sede de antecipação de tutela, pode acarretar mais danos do que benefícios. Além disso, a decisão atacada determinou a realização de estudo e acompanhamento psicológico do caso, reservando-se à eventual revisão do que foi determinado em sede antecipatória de tutela. Ocorre, ainda, que a decisão que concedeu liminarmente a tutela pleiteada não é teratológica, contrária à prova dos autos ou à lei, de modo que, nos termos do artigo 59 do TJRJ, merece prosperar. Recurso a que se nega provimento. [18]”
2.3 DA IMPROPRIEDADE DO INCISO III DO ARTIGO 6º DA LEI Nº 12.318, DE 26 DE AGOSTO DE 2010 (LEI DA ALIENAÇÃO PARENTAL)
Diante da presença de todo esse arcabouço jurídico, psicológico e psiquiátrico, nasceu a necessidade de editar-se uma lei com o objetivo de sustar a ação determinada e extremamente maléfica do genitor alienador, razão pela qual surgiu a Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010, após discutido e por que não dizer trabalhoso projeto de lei. Esqueceram-se, entretanto, de dar melhor redação ao inciso III do Artigo 6º, ao contrário das outras seis penalidades. O pagamento de multa difere quanto a sua finalidade com a tal indenização do dano moral em razão da ação do genitor alienador contra a verdadeira vítima, a criança e/ou adolescente. Ou seja, a multa ora combatida, a do inciso III do artigo 6º da Lei n° 12.318/10 é completamente diferente dessa outra que tem caráter meramente indenizatório. Esta que estamos tratando tem caráter punitivo.
Maria Berenice Dias, ex-desembargadora e atualmente advogada e professora de Direito, leciona: [19]
“O principal aspecto positivo da lei, sem dúvida, é o seu caráter pedagógico. A nova lei obriga a todos, profissionais, instituições e grupos sociais, a discutir e orientar quanto aos aspectos jurídicos e psicológicos dessa forma de alienação. A minha preocupação não é com o conteúdo da norma, que é excelente, mas com o seu cumprimento. Apesar de fixar um prazo para a realização do laudo pericial, a lei não estabelece um recurso rápido para decisões que dizem respeito à alienação parental. E a celeridade processual, sobretudo nestes casos é essencial, principalmente para assegurar às crianças um desenvolvimento livre de patologias.”
É importante destacar que a Professora Maria Berenice Dias, do alto da sua notória experiência como magistrada com marcante atuação junto ao Tribunal de Justiça gaúcho desperta a atenção para três questões no ensinamento acima.
1) O cumprimento da lei;
2) A falta de um recurso rápido para decisões que dizem respeito a alienação parental;
3) A celeridade processual.
Então, como aplicar essa pena quando, o inciso III do artigo 6º da Lei da Alienação Parental, está desprovido dos necessários parâmetros em relação ao mínimo e ao máximo dando margem a uma dosimetria duvidosa e ficando o valor a ser fixado ao livre arbítrio do magistrado? Considerará o magistrado de forma responsável e coerente sopesando a realidade sócioeconomica do alienante quando da aplicação da multa? E, como é fácil de constatar, sequer aponta o destinatário do numerário objeto da cobrança ou da possível execução. Beneficiará a quem? Quem será o credor? [20] O genitor alienado?
A dúvida procede e deve ser objeto de preocupação dos juristas e principalmente dos magistrados.
Obrigatório se salientar que o pagamento forçado de qualquer numerário poderá remeter o alienador a possível e daí justificada dificuldade financeira que irá repercutir nos cuidados materiais do personagem central desse grave problema, que é a criança e/ou adolescente.
A quem diga que a multa imposta deverá ser de tal forma que possa compelir o devedor, no caso o alienador, a cumprir a obrigação e, por este motivo, seu valor, sempre fixado pelo juiz, deverá ser considerável, de forma a forçar o devedor a cumpri-la o quanto antes.
É de se discordar. pelos argumentos já expostos no presente artigo, a possível inadimplência do genitor alienador sem dúvida alguma repercutirá nas necessidades materiais da criança e/ou adolescente.
A falta de indicação de um recurso rápido não é o problema. O problema é a falta de indicação na Lei nº 12.318/10 de como será recebido o recurso, qual o seu efeito, devolutivo ou suspensivo? Caso seja recebido o recurso com efeito suspensivo, diante da já notória e institucionalizada morosidade processual dos nossos tribunais, a causa já estará perdida, pois o tempo passa e a criança crescerá e o mal que a vitimou se tornará inócuo a qualquer decisão judicial. Perder-se-á, com o efeito suspensivo, a eficácia da medida judicial proposta.
O advogado Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior, no artigo “Comentários à Lei da Alienação Parental – Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010 [21]”, destaca, por sua vez, que a estipulação de multa em desfavor do alienador sacramenta a incursão do Direito de Família no campo do Direito das Obrigações, não obstante parte da doutrina combata a tese das típicas medidas obrigacionais no Direito de Família. Idêntica teoria se aplica também naquilo que diz respeito às indenizações.
Nos dizeres de Rolf Madaleno [22], o Direito de Família ainda não tem nenhuma simpatia para com a doutrina da responsabilidade civil, e o Código Civil brasileiro mantém conveniente silêncio sobre o assunto.
Rolf Madaleno ainda ensina: [23]
“O preceito cominatório não tem em mira compor o ressarcimento dos prejuízos, mas sim, obter coercitivamente, o cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer fungível ou infungível. Busca atuar diretamente sobre a vontade da pessoa obrigada, estimulando a execução específica da sua obrigação, já que toda a condenação só pode produzir efeitos se acatada pelo devedor. Figura a pena pecuniária como um elemento de apoio ao convencimento do obrigado relutante, que passa a sofrer uma pressão psicológica pela imposição de multa medida pelo tempo de sua voluntária resistência em cumprir com a sua obrigação.
No amplo raio de ação da jurisdição familista, poucos ouvidos tomam o lugar da razão; prevalece a insana vingança que caça amores já não mais acessíveis; seus personagens estão psicologicamente desassociados da lógica compreensão, que compele as pessoas a atenderem ao comando judicial e nesse quadro dos fatos a ordem judicial vira mero conselho, quase sempre ignorado. Resistências geram tumulto afetivo e a reiterada desobediência agride o senso comum, apontando assim para as astreintes, que talvez carreguem em sua gênese, a força mandamental capaz de reorientar os rumos do processos e de restabelecer uma razoável pacificação familiar.
Podendo os juizes familistas impor sanções pecuniárias inclusive progressivas, como medidas de exceção e sempre que verificada a ausência de outro meio legal para obter o cumprimento do mandado judicial, disponibiliza a autoridade judicial de indispensável instrumento para a solução dos intermináveis conflitos processuais instaurados entre cônjuges, concubinos e parentes desavindos e em especial, na conflituada seara do dito sagrado direito de visitação.
A Câmara Civil, da Capital de Buenos Aires, por exemplo, empregou a multa diária para forçar uma mãe a cumprir o regime de visitas do pai aos filhos, entendendo com acerto, que no poder de julgar está implícito o poder do juiz de fazer cumprir as suas decisões, sob o risco de completo desprestígio da autoridade judicial.
É para esse valioso universo de afeto de subsistência e outros valores que mais guardam riquezas de ordem subjetiva do que da subsistência material, a ciência jurídica vem desenvolvendo esse eficiente, moderno e célere instituto processual que busca pela multa, no campo do Direito de Família a sonhada pacificação social.” É de se insistir. A aplicação de multa está longe de uma eficaz solução.
Priscila M. P. Corrêa da Fonseca [24], diz em seu artigo “Síndrome de Alienação Parental” [25] que:
“Uma vez identificado o processo de alienação parental é importante que o Poder Judiciário aborte o seu desenvolvimento, impedindo, dessa forma, que a síndrome venha a se instalar. Comumente, até por falta de adequada formação, os juízes de família fazem vistas grossas a situações que, se examinadas com um pouco mais de cautela, não se converteriam em exemplos do distúrbio ora analisado. É imperioso que os juízes se deem conta dos elementos identificadores da alienação parental, determinando, nesses casos, rigorosa perícia psicossocial para, aí então, ordenar as medidas necessárias para a proteção do infante. Observa-se que não se cuida de exigir do magistrado – que não tem formação em psicologia – o diagnóstico da alienação parental. Mas o que não se pode tolerar é que, diante da presença de seus elementos identificadores, não adote o julgador, com urgência máxima, as providências adequadas, dentre as quais o exame psicológico e psiquiátrico das partes envolvidas. Uma vez apurado o intento do genitor alienante, insta o magistrado determinar a adoção de medidas que permitam a aproximação da criança com o genitor alienado, impedindo, assim, que o progenitor alienante obtenha sucesso no procedimento já encetado.”
Nesse norte, o magistrado poderá determinar, ainda segundo a lei da alienação parental, providências a exemplo da terapia familiar, nos casos em que a criança já apresente sinais de repulsa ao genitor alienado, ou, determinar o cumprimento do regime de visitas estabelecido em favor do genitor alienado, valendo-se, inclusive, se necessário for, da extremada medida de busca e apreensão, e ainda alterar o calendário de visitas e impor a guarda compartilhada ou mudar a guarda da criança, além doutras providências. O que não se pode concordar é com a aplicação de multa em desfavor do genitor alienador, diante da existência de outras providencias claramente eficazes.
É sabido que uma justiça que muito tarda não é justiça, mas tão somente um arremedo de justiça, pois não cumpre com seus objetivos institucionais que é dar a melhor das prestações jurisdicionais. Quando a justiça falha, cria margem ao exercício arbitrário das próprias razões, o que se deve evitar principalmente quando o assunto reside no direito de família envolvendo crianças. Por essa razão quando uma lei não sai de acordo com os anseios da sociedade isso é preocupante. Mesmo que em relação a um determinado inciso, parágrafo ou artigo.
Por sua vez o Poder Judiciário tem que estar devidamente aparelhado para que possa aplicar ao alienador, uma vez comprovada a autoria e a materialidade, a pena adequada.
Sabe-se que tem sido cada vez maior e evidente a preocupação dos operadores do direito, no sentido de tornar o processo mais objetivo e célere e, consequentemente, mais efetivo e eficaz. Isso se justifica, diante do fato que o tempo põe em risco a efetividade do processo e da própria jurisdição, uma vez que, em inúmeras situações, o tempo é decisivo para a real utilidade da prestação jurisdicional buscada em juízo. Basta a negativa da antecipação da tutela. Basta que eventual recurso tenha efeito suspensivo para que a situação alienatória se agrave e pior...se perpetue nos escaninhos judiciais.
Uma das evidências dessa preocupação encontra-se consubstanciada na futura lei processual civil ainda tramitando na Câmara Federal e que irá sem dúvida alguma oxigenar a tramitação processual eliminando caminhos tortuosos que levam quase sempre à impunidade minando e corroendo a prestação jurisdicional e com isso desgraçando vidas, pois quando se trata de matéria afeta à família se está cuidando não só dos direitos e deveres e do patrimônio envolvido, mas também da felicidade das pessoas dada a fantástica carga de sentimentos que envolvem tais processos. Como visto no presente artigo há quem defenda a aplicação de multa cominatória ou diária - astreinte - visto que se constitui numa medida cominatória em forma de multa pecuniária contra o alienador. Seria fixada pelo juiz em sentença ou na concessão de tutela antecipatória (artigo 461, §4º e artigo 461-A, ambos do Código de Processo Civil) e duraria enquanto permanecesse a inadimplência.
Apesar da autoridade do Professor Rolf Madaleno em relação às questões atinentes ao Direito de Família é de se continuar a defender a impropriedade da multa no caso da alienação parental.
O próprio Artigo 6º que traz em seu bojo outras seis medidas coercitivas, a exemplo da mudança da guarda, no qual se destaca como a mais importante, exequível e eficaz no combate à alienação parental.
Ao genitor alienador a simples advertência já tem efeito extremamente preocupante. A ameaça de guarda compartilhada ou a mudança de guarda então, tem efeito devastador. O medo certamente fará com que as coisas se normalizem. O fato de não ter mais o controle da situação fazem, com a maior certeza possível, o genitor alienador acatar imediatamente a determinação judicial.
Temos, portanto, que o caso de descumprimento de determinação judicial, além da configuração de crime de desobediência [26], é possível lançar-se mão dessas outras medidas coercitivas, como mencionadas acima. Possível, inclusive, de forma concomitante a qualquer outra medida, o encaminhamento do (a) genitor (a) alienador (a) a tratamento psicológico ou se for o caso, diante da gravidade, de toda a família, pais e filhos, à programa de terapia familiar, ex vi, do artigo 227, da Constituição Federal c/c o artigo 3° da Lei n° 8.069/90.
Um exemplo de inversão da guarda, é a decisão do Desembargador Marco Aurélio Fróes, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro [27]:
“AGRAVO REGIMENTAL APELAÇÃO CIVEL DIREITO DE FAMILIA GUARDA DE MENOR MODIFICAÇÃO DE CLAUSULA APELAÇÃO CÍVEL. Guarda de menor. Disputa entre os genitores. Sentença de procedência determinando a inversão da guarda, retirando-a da mãe e entregando ao pai, em razão de atitudes praticadas pela genitora que indicam um processo de alienação parental praticado pela genitora, que já não administrava com zelo os interesses e necessidades da criança. Acerto da sentença prolatada em sintonia com o posicionamento Ministerial colhido tanto em primeiro como em segundo graus de jurisdição. IMPROVIMENTO DO RECURSO.” (Grifo nosso).
Basta, para isso, que tenha o magistrado interesse e pulso firme no comando do processo judicial e caso o pedido antecipatório de tutela “inaudita altera pars” seja negado, por insuficiência de provas e/ou ausência do binômio “fumus boni jures” e “periculum in mora”, que eventuais medidas recursais caso não tenham efeito devolutivo sejam imediatamente encaminhadas, após ouvido o genitor “ex adverso” e o Ministério Público, ao tribunal respectivo e lá imediatamente colocado em pauta e o mais breve possível julgado e após o trânsito em julgado devolvido a origem e executada a determinação, inclusive com reforço policial, caso necessário.
3 CONCLUSÃO
Portanto, mesmo diante dos mais variados malefícios referentes à alienação parental ou à síndrome da alienação parental, há que se optar pela extrema prudência evitando-se posições antagônicas e graves ferimentos aos princípios da razoabilidade e porque não dizer da dignidade humana, o nosso norte constitucional, e que venham a impor sanções ao alienador e respingá-las diretamente na criança e/ou no (a) adolescente. A aplicação de multa sem parâmetros legais e sem destinatários ou beneficiários poderá implicar em séria situação de insolvência, quem sabe até grave, de modo a prejudicar a manutenção material da criança e/ou o (a) adolescente, a exemplo de inadimplência junto à escola, cursinho de língua estrangeira, clube de futebol, condução escolar, dentista, etc., criando-lhe problemas graves de ordem emocional e psicológica como também sepultar de vez as esperanças de salvar os laços parentais já corroídos pela nefasta ação do alienador. Servirá, ao contrário, de combustível para alimentar a já instalada alienação parental.
Talvez a solução, desde que houvesse a devida previsão no ora combatido inciso III do artigo 6º da lei 12.318/10, fosse direcionar o numerário referente a multa para o menor vítima da alienação parental, depositando-o em caderneta de poupança vinculada ao Poder Judiciário, podendo ser movimentada somente após parecer do Ministério Público e expressa autorização do juiz competente. O menor, uma vez alcançada a maioridade, poderia sacar o numerário em seu próprio proveito.
Tal procedimento pega de surpresa o alienador expondo-o daí à ação do alienado, posto que transformados ambos em furiosos beligerantes, em batalha sem vencedores.
Acredita-se que uma interpretação sistêmica do que já dispõe o novo Código Civil principalmente naquilo que diz respeito às relações de direito de família, haverá, por certo, corrigir tudo isso através da dicção do direito a ser feita pelos tribunais. A jurisprudência dirá melhor.
Diante do exposto, por todos esses motivos, é de se concluir pela necessidade da eliminação do inciso III da relação de penalidades previstas no artigo 6º da Lei nº 12.318/10.
ANOTAÇÕES
1. Advogado militante na Comarca de São José, SC. Inscrito na OABSC sob o n° 3.570. Bacharel em Direito e habilitado em Direito Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-graduado “lato sensu” (especialização) em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis (Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina).
2. Artigo 249 – Descumprir dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrentes da tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar. Pena: Multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência).
3. Manual de Direito das Famílias, 5ª Ed., Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 418.
4. Art. 236. Impedir ou embaraçar a ação de autoridade judiciária, membro do Conselho Tutelar ou representante do Ministério Público no exercício de função prevista nesta Lei: Pena - detenção de seis meses a dois anos.
5. Revista Psique, Ano IV, nº 43, p. 22.
6. Richard A. Gardner, M. D., já falecido, era integrante do Departamento de Psiquiatria Infantil da Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade de Columbia, New York, New York, EUA.
7. Tamara Brockhausen, em “Abuso emocional e psicológico: O impacto do projeto de lei de atos de alienação parental no trabalho do psicólogo”, Revista Psique, Número 57, Editora Escala, p. 27-34.
8. Maria Berenice Dias, Incesto: um tema, duas abordagens, Editora Magister, Rio Grande do Sul, 2010, CD-ROM,
9. Marcos Duarte, Revista de Direito de Família, Edição nº 62, OUT/NOV 2010, Editora Síntese, p. 40/52. Advogado, doutorando em Ciências Jurídicas, Presidente do Instituto brasileiro de Direito de Família (IBDFam) no Estado do Ceará e Presidente da Comissão de Direito de Família da OABCE.
10. Em “Alienação Parental: Identificação, Tratamento e Prevenção”, Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, nº 19 (Dezembro/Janeiro de 2011). p. 05/25. Editora Magister, 2011.
11. Na Lei nº 12.318/10 há previsão de que o alienador pode ser não apenas um dos genitores, como também avós ou qualquer pessoa que tenha a criança ou o adolescente sob sua guarda, autoridade ou vigilância. Ou seja, até a empregada doméstica que esteja mantendo vigilância sobre a criança, na ausência daquela ou daquele que tem a guarda, poderá ser também alienadora.
12. Denise Maria Perissini da Silva, em “A psicologia a serviço no Direito Familiar”, Revista Psique, p. 17/20, 2007.
13. Síndrome da Alienação Parental e A Tirania do Guardião – Aspectos psicológicos, sociais e jurídicos, Ed. Equilíbrio, 2007, p. 07.
14. Denise Maria Perissini da Silva, em “A psicologia a serviço no Direito Familiar”, Revista Psique, p. 17/20, 2007.
15. http://66.196.80.202/babelfish/translate_url_content?.intl=us&lp=en_pt&trurl=http%3a%2f%2fwww.rgardner.com%2frefs
16. O sistema adversarial, em um estado de direito, é marcado pelo controle das partes processuais sobre a marcha processual, constituindo-se num meio extremamente eficaz de prevenção contra qualquer abuso do poder estatal por ato dos seus representantes, dentre os quais o juiz, ficando afastada a possibilidade de formação de juízos ou convicção prematuras sobre uma dada prova as quais poderiam dar causa a conclusões apressadas, invariavelmente impossíveis de serem superadas. É cediço que as partes ao trabalhar dentro do sistema adversarial tomam uma atitude de confronto e criam problemas onde eles poderiam não existir. Diante desse quadro pode a parte interessada tentar ardilosamente desacreditar os peritos da parte adversária. Exemplo clássico desse fenômeno jurídico foi a forma como o teste de DNA foi tratado no caso O. J. Simpson em um tribunal norte-americano. O teste DNA que é um dos mais respeitados no mundo para a obtenção da paternidade com um acerto em torno de 99,99% além de identificar paternidades e autores de crimes foi olimpicamente questionado quanto a validade das evidencias obtidas tendo se tornado no julgamento um exame controverso, suficiente para ser considerado cientificamente inválido para condenar O. J. Simpson.
17. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM) é um manual para profissionais da área da saúde mental que lista diferentes categorias de transtornos mentais e critérios para diagnosticá-los, de acordo com a Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA).
18. Agravo de Instrumento nº 0060322-35.2010.8.19.0000, Relatora: Des. Maria Augusta Vaz, 1ª Câmara Cível, j. em 29.03.11.
19. Revista RT Informa, nº 62, ano XI, Setembro/Novembro de 2010, Editora Revista dos Tribunais, p. 05.
20. STJ, 1ª Turma, REsp nº 770.753, Ministro Luiz Fux, j. 27.02.07, DJU 15.03.07.
21. Revista de Direito Civil e Processual Civil, Editora Magister, Set/Out-2010, p. 68.
22. Revista de Direito Civil e Processual Civil, Editora Magister, Set/Out-2010, p. 69.
23. http://www.rolfmadaleno.com.br/rs/index.php?option=com_content&task=view&id=31&Itemid=39
24. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica e doutora em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo. Professora de Direito Comercial na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
25. Manual de Direito das Famílias e das Sucessões, Editora Del Rey, 2ª Edição, 2010, p. 274.
26. Arnoldo Wald, “O novo direito de família”, 13ª Ed., São Paulo, Saraiva, 2000, p. 158.
27. TJRJ, Apelação Cível nº 0142612-80.2005.8.19.0001, Relator: Des. Marco Aurélio Fróes, 9ª Câmara Cível, j. em 15.02.11.
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