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ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS

 A adoção de uma criança é um ato sublime. É mais do que uma boa ação; é uma ação de amor. Com o passar do tempo e a crescente mudança de costumes da sociedade, o sonho de constituir uma família junto à pessoa amada transcendeu a orientação sexual e casais homossexuais cada vez mais se socorrem do Poder Judiciário com este intento.

Parece uma lógica perfeita, ou seja, milhares de crianças anseiam ser adotadas e milhares de pessoas pretendem adotar, entretanto existem muitos entraves para a adoção. Principalmente em se tratando de casais do mesmo sexo.

Embora não exista nenhum impedimento legal para a adoção por pessoas do mesmo sexo, juristas justificam seu posicionamento contrário a este tipo de adoção baseados na proteção de um “pseudo-bem-estar” psicológico do adotado, que pode vir a sofrer preconceito e represálias por parte de terceiros, caso tenha uma família não tradicional, ou seja, uma família constituída por pessoas de mesmo sexo.

Entretanto, fica o questionamento: É preferível que uma criança permaneça nas ruas ou nos orfanatos ao invés de ser adotada por homossexuais?

Além disso: Pode a heterossexualidade ser um requisito para ser candidato à adoção?

Segundo a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 227:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

Se é dever de todos o bem-estar da criança, do adolescente e do jovem, porque não assegurar que estes tenham um lar? Por que permitir que falsos moralismos mantenham seres humanos que precisam de amor, educação e formação condenados ao abandono?

Analisando-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei n.° 8.069/90, de 13-07-90), verifica-se que não há impedimento para a adoção por homossexuais, visto que a capacidade de adoção nada tem a ver com a sexualidade do adotante que preenche os requisitos dos arts. 39 e seguintes daquele Estatuto, especialmente o seu art. 42, dispondo que: “Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente do estado civil”.

Nos ditames do artigo 5º, inciso III, da CF/88, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)” Desta feita, um casal homossexual não ter tratamento diferenciado e discriminatório pelo simples fato de ter uma orientação sexual diferenciada dos demais casais ditos “convencionais.”

Na verdade, a condição sine qua nom para o deferimento da colocação de uma criança em uma família substituta deve ser calcada na conduta do adotante perante a sociedade, seja ele homossexual ou heterossexual. Ao contrário do que acontece com os pais “naturais”, que são “escolhidos” por força da natureza reprodutiva dos gametas, os pais escolhidos por intermédio do Judiciário passam por uma seleção criteriosa, o que evita que uma criança seja adotada por pessoa desclassificada, perversa ou amoral. O comportamento desajustado, este sim, deve ser repudiado, independentemente da orientação sexual do adotante, que deverá cuidar e educar a criança dentro dos padrões aceitos pela sociedade brasileira.

Normalmente, a preocupação relatada quando se fala de adoção por homossexuais diz respeito à possibilidade de a orientação sexual dos pais influenciar à dos filhos. Entretanto, o que se observa é que a quase a totalidade de homossexuais vem de um núcleo familiar heterossexual, e, portanto, não há relação direta neste caso. Os filhos se identificam com os pais não pelo gênero sexual em si, mas pela função que ele exerce dentro da família. É comum vermos em famílias tradicionais o pai que assume a função materna e a mãe que assume a função paterna, sem que isso prejudique o desenvolvimento ou influencie a expressão sexual dos filhos. Como visto, as funções materna e paterna podem ser desempenhadas por quaisquer pessoas, dentro do núcleo familiar, independentemente de sua orientação sexual. E, neste caso, a homossexualidade não pode ser óbice à adoção. 

Alguns juristas brasileiros estão começando a analisar mais abertamente essa questão. Observa-se que o Estado Rio Grande do Sul e o Estado Rio de Janeiro são os precursores no deferimento de guarda e até mesmo de adoção para pessoas declaradamente homossexuais, como se pode observar na ementa a seguir:

"Adoção cumulada com destituição do pátrio poder – Alegação de ser homossexual o adotante – Deferimento do pedido – Recurso do Ministério Público. 1. Havendo os pareceres de apoio (psicológico e de estudos sociais) considerado que o adotado, agora com dez anos, sente orgulho de ter um pai e uma família, já que abandonado pelos genitores com um ano de idade, atende a adoção aos objetivos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e desejados por toda a sociedade.2. Sendo o adotante professor de ciências de colégios religiosos, cujos padrões de conduta são rigidamente observados, e inexistindo óbice outro, também é a adoção, a ele entregue, fatos de formação moral, cultural e espiritual do adotado.3. A afirmação de homossexualidade do adotante, preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro e capaz de deformar o caráter do adotado, por mestre a cuja atuação é também entregue a formação moral e cultural de muitos outros jovens. Apelo improvido. (Ac. Um. Da 9ª CC TJRJ – AC 14.332/98 – Rel. Desembargador Jorge de Miranda Magalhães, j. 23.03.1999, DJ/RJ 26.08.1999, p. 269, ementa oficial)"  

Por fim, entende-se que quando atendidos os requisitos de capacidade, maioridade e diferença de idade mínima de dezesseis anos entre adotante e adotado, bem como a manifestação favorável de psicólogos, o simples fato de ser homossexual não pode ser empecilho para a adoção, já que o que a sociedade moderna e as pessoas anseiam é simplesmente a felicidade por intermédio da constituição de uma família, sem óbices legais, morais e sociais, baseada no amor e na harmonia.

Janice Jardim Zacca*

 

* Qualificação da autora: Janice Jardim Zacca: Graduada em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e tem formação em Administração Pública pela UFRGS. Possui pós-graduação em Controladoria Estratégica de Gestão e em Gestão do Capital Humano, ambas pela FAPA, além de diversos cursos de aperfeiçoamento e artigos publicados. Ingressou no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em 1991. Foi Diretora do Departamento de Artes Gráficas do TJRS de 2002 a 2006, quando assumiu a Direção do Departamento de Material de Patrimônio até o ano de 2008, atualmente, exerce o cargo de Diretora Judiciária Substituta, na Direção do Tribunal de Justiça. Recebeu o "Prêmio Mérito em Administração", na categoria setor público, concedido pelo CRA-RS – Conselho de Administração, no ano de 2008.

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