OS EFEITOS DO TIPO DE GUARDA, NA DINÂMICA DA CRIANÇA PARTE 2-2
Parte dois de Os efeitos do tipo de guarda, compartilhada ou exclusiva – legal ou de fato - na dinâmica da criança: estudos de casos Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Curso de Mestrado, da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia. Parte 2 de 2
3. MÉTODO
Durante esta pesquisa, realizei os passos de uma avaliação diagnóstica: entrevistas semi-estruturadas com os pais, anamnese, sessões lúdicas com as crianças, aplicação de testes nas crianças e sessões devolutivas com os pais.
As entrevistas semi-estruturadas realizadas individualmente com cada um dos pais são importantes para se conhecer a realidade da criança e sua dinâmica familiar e ter dados de uma anamnese.
As sessões lúdicas com as crianças são importantes como método de investigação, pois nelas as crianças expressam seus conflitos, e, analogamente ao sonho nos adultos, ao brincarem e comentarem sua brincadeira e seus desenhos, fazem associações que dão notícias do inconsciente. Estas associações têm o mesmo valor das associações no tratamento analítico de adultos. O brinquedo e os desenhos das crianças são modos de os conteúdos latentes irromperem a barreira da repressão. O analista, a partir de sua formação pessoal, com uma escuta analítica do inconsciente “traduzirá” o desejo do paciente. Como diz Nasio “o analista sonha em voz alta o que o paciente recalca em silêncio (...) O inconsciente não é individual, mas comum aos dois membros do encontro analítico” (Nasio, 2002, p. 1).
Quanto aos testes (Wartegg, HTP e Desenho da Família), estes podem servir de apoio para uma avaliação que tem tempo estipulado e breve, como ocorre com as determinadas judicialmente. Somente nesses casos incluí essas técnicas, as quais julgo serem muito eficazmente substituíveis pelas sessões lúdicas com a criança, que têm papel diagnóstico e terapêutico. Para esta pesquisa, optei por testes projetivos gráficos, que me auxiliam mais na compreensão da dinâmica infantil, especialmente o H.T.P. e o Desenho da Família, por instigarem a criança a falar, fazendo associações com a sua realidade: sua casa, a pessoa mais próxima, enfim, o seu mundo.
Quanto aos sujeitos desta pesquisa, foram pais e filhos que conviveram diariamente até o momento da separação. Para que a amostra ficasse mais homogênea, investiguei crianças que tinham entre sete e dez anos. Cheguei a estas pessoas da seguinte forma: caso 1, indicado por minha irmã; caso 2 e 3, a partir de contato que a mãe fez com o entrevistador pelo telefone para solicitar uma informação (já havíamos tido um contato profissional há quatro anos), onde então fiz o convite e ela e o ex-marido aceitaram; caso 4, por indicação de uma Assistente Social do Fórum.
Primeiramente fiz contato com todos, explicitando o objetivo da pesquisa e solicitando as suas participações. Neste contato com os pais, marquei um primeiro horário, individual, para cada um, a fim de proceder a entrevista inicial e a anamnese, bem como marquei os horários para as sessões com as crianças e a sessão devolutiva.
Foram realizadas duas sessões com o pai e a mãe, individuais, e cinco sessões com as crianças. As técnicas utilizadas foram as mesmas para cada grupo: entrevista semi-estruturada, anamnese e sessão devolutiva, com os pais; sessões lúdicas e aplicação de testes, com as crianças.
Com os pais, foi realizada uma entrevista antes da avaliação das crianças, e outra após. Com as crianças, as sessões aconteceram da seguinte forma: no caso 1, as duas primeiras sessões foram realizadas na mesma semana, na quarta e sexta-feiras, e as outras três nas três semanas seguintes, em dois sábados e em um domingo; nos casos 2 e 3, aconteceram, a primeira e a Segunda sessão, numa quarta e sexta-feira da mesma semana, e as outras 3 três na semana seguinte, numa segunda, quarta e sexta-feira; no caso 4, aconteceram duas sessões nas terça e quinta-feiras, da mesma semana, e as outras três na semana seguinte, nas segunda, quarta e sexta-feiras. As sessões/entrevista duravam em média de 50 a 60 minutos, tanto para os pais quanto para os filhos. Por se tratar do método clínico, o local utilizado para os encontros foi o meu consultório, na medida em que é um ambiente propício para a aplicação dos procedimentos escolhidos.
Os pais tinham, em média, 45 anos, não havendo muita diferença de idade entre os pesquisados adultos. Quanto à escolaridade: no caso 1, os pais tinham o nível médio completo, nos casos 2 e 3, o nível superior, e, no caso 4, a mãe tinha o nível médio e o pai, superior. Com relação à profissão dos pais tem-se: no caso 1, os dois são massoterapeutas; nos casos 2 e 3, o pai é médico pediatra e a mãe é psicopedagoga e, no caso 4, a mãe é dona de casa e o pai é engenheiro.
Terminada essa etapa, passarei ao estudo dos casos, a fim de tentar responder aos objetivos propostos e descrever as demais informações. O estudo se deu em dois momentos, um onde foi abordada a dinâmica de cada família, antes, durante e após a separação, usando referenciais da teoria do gênero, da história da família a partir dos estudos de Ariès e Badinter, bem como, de alguns autores da psicanálise. Em um segundo momento, foi realizada uma leitura psicanalítica, usando as teorias de Freud e Lacan, abordando principalmente o caso 4, por ele espelhar melhor a dinâmica das famílias que passam por perícia psicológica para a determinação da guarda ou de visitas. Esta análise foi encaminhada a partir do instrumental psicanalítico: escuta analítica das crianças, interpretações dos desenhos, jogos e análise dos testes. Foram comparados os resultados da avaliação psicológica das crianças entre si e com as entrevistas dos pais, bem como os casos entre si, a fim de demarcar as peculiaridades de cada um.
4. ESTUDOS DE CASOS: entrevistas, sessões e discussões
4.1. Caso 1
Karina, uma menina de oito anos, filha única do casal. Tem uma irmã de dezoito anos, do primeiro casamento da mãe. Estuda na terceira série do ensino fundamental, em uma escola da rede particular.
4.1.1 Entrevistas com a mãe
A mãe apresenta-se disposta e com vontade de participar das entrevistas e de saber da avaliação da filha. Vem a todos os encontros no horário, bem como foi ela quem trouxe a Karina em todas as sessões realizadas com ela.
Conta que ela e o ex-marido moravam na mesma rua e tinham, e têm, a mesma profissão. Ela e a filha mais velha moravam de favor na casa da irmã e, segundo seu relato, havia alguns conflitos em casa. O ex-marido “dava em cima dela” (sic) e então foram morar juntos. Acha que uniram o útil ao agradável. Permaneceu casada por sete anos, estando separada há quase três anos, separação esta que ocorreu quando a filha tinha seis anos. Essa união é seu segundo casamento. Do primeiro casamento teve uma filha que está hoje com dezoito anos. Karina presenciou algumas brigas e discussões entre os pais, mas nada grave.
A guarda ficou com a mãe, pois era ela quem “sempre comandara tudo”. Como ficou com a casa, o pai precisou organizar-se, não tendo condições de ficar com a filha. Sequer foi cogitada essa hipótese, segundo o que relata. Para a criança já estava claro que permaneceria com a mãe e não se opôs a isso. Fala que se a filha quisesse ir morar com o pai, ela não se oporia, mas iria conversar com ambos, pois acha que o pai não teria condições de cuidar dela, devido à sua profissão – é autônomo e sai para trabalhar sempre que é chamado, diferente da mãe, que atende em casa. Também acha que “ele só é pai de vez em quando”, que diariamente, com todas as tarefas e compromissos, não daria conta. Relata que era ela que sempre fazia tudo, pagamentos, organização da casa e tarefas, inclusive pedir para o pai brincar com a filha.
Fala que o pai pode ver a filha quando quer e que esta pode telefonar para ele sempre que desejar. Conta que no início não deixava Karina dormir na nova casa do pai, porque ele dividia o apartamento com outras pessoas. Com o tempo, a filha começou a dormir algumas vezes com o pai, o que acontece até hoje.
A mãe acha que o tipo de guarda estabelecido foi importante, porque Karina ficou protegida pela mãe. Fica a semana toda “numa boa” com a mãe. Segundo sua impressão, a menina quando fica dois dias com o pai volta estressada, brigando. Ainda assim, acha que ela ficou mais unida à mãe e ao pai. Tem a impressão que após a separação o pai começou a se importar mais, brincar mais.
Quanto aos danos da guarda que pratica, fala da falta de contato diário da filha com o pai, que Karina sente saudades dele e que fica feliz quando fala com ele. Diz que este tipo de guarda leva a um distanciamento do pai. Ele vai lá duas a três vezes na semana. Acha que a filha ficou melhor após a separação, que inclusive os avós paternos afirmam isso, e acham que o pai ficou mais participativo e a filha mais independente. Karina era meio agressiva, ficou mais calma e fez mais amigos. Relata que, após a separação, ela e as filhas ficaram mais unidas. Fala que sempre foi ela quem levava Karina aos compromissos.
Conta que a notícia da separação foi dada por ela e que Karina não ficou feliz, mas também não teve uma reação dramática. Diz que a menina ficava fazendo campanha para ambos arrumarem namorados.
Fala que não deu para perceber se Karina apresentou algum sintoma após a separação. Ela acha que a filha ficou melhor, mais feliz, que passeava mais com o pai após a separação do que antes. Acha que a filha já sentia que o casamento dos pais havia acabado, que a relação estava estressante para todos e que a separação foi melhor.
Karina nunca precisou de atendimento psicológico, nunca houve reclamação no colégio. Fala, ainda quanto ao tipo de guarda, que, se o pai tivesse condições, seria bom alternar a casa. Acha que a filha preocupa-se muito com o pai e, quando ficam sem se falar por alguns dias, Karina fica angustiada. Conta que a sua relação com o pai de Karina é muito tranqüila.
Acha que na fase final do casamento, Karina estava tendo algumas reações agressivas e estava num clima nervoso. Acredita que após a separação a filha ficou mais feliz, que o pai melhorou, ficou mais tranqüilo, arrumou mais trabalho. Conta que ambos os pais sempre decidem juntos tudo a respeito da vida da Karina, continuando assim após a separação.
4.1.2 Entrevistas com o pai
Com o pai o contato foi mais difícil. Segundo ele, nem sempre pode vir no horário combinado, pois quando é chamado para fazer massagens – e isso pode acontecer a qualquer hora – ele fica impossibilitado de ter outros compromissos. Faltou à primeira sessão e trocamos várias vezes os horários anteriormente combinados.
Conta que já sabia que o casamento não iria dar certo uma vez que a ex-esposa nunca tinha respondido às suas tentativas de namoro, mas, como a relação dela na casa da irmã estava complicada, resolveu ir morar com ele. Permaneceram casados por sete anos, estando separados há quase três anos, quando a filha contava com seis anos. A separação foi consensual. A filha presenciou brigas e discussões entre os pais e a guarda ficou com a mãe, “pois ela ficou com toda a estrutura – casa montada, próxima à de sua família, amigos e colégio”.
Ele passou a dividir apartamento com outras pessoas, tentando refazer sua vida. Não daria para levar a filha. Fala que liga diariamente para a filha e a vê duas vezes na semana, na casa da mãe. Às vezes Karina pede para ir dormir com ele, o que acontece ocasionalmente. Tem sua cama na casa do pai, faz muitos desenhos para ele quando fica na sua casa e é muito afetuosa. Conta que foi praticamente “imposto” que a filha ficaria com a mãe. Conta que a filha chorou quando soube da separação. Fala que, se a filha quisesse ir morar com ele, não se oporia, mas teriam que conversar, arrumar uma solução. Pelo serviço dele e sua rotina, fica difícil administrar a vida com uma filha pequena e considera que não tem uma infra-estrutura para tanto. A locomoção é difícil, depende de ônibus, e mora longe da mãe e do colégio de Karina. Financeiramente ficaria difícil. Fala que pode ver a filha e participar da vida dela sem restrições, que ele e a mãe continuam decidindo juntos as questões pertinentes à filha. O pai acha que o tipo de guarda estabelecido foi bom, pois a mãe ficou com uma estrutura que podia dar conforto e amparar melhor a filha.
Quanto aos danos da guarda que pratica, fala do não contato diário com a filha, mas que Karina nunca esboçou nenhuma reação contrária. Acha que este tipo de guarda possibilitou a ele refazer sua vida, mas prejudica a mãe, pois esta não tem alguns dias só para ela. Acha que a filha ficou melhor após a separação, que antes tinha mais brigas e que agora ela é mais amorosa.
Relata-nos que sempre brincou muito com a filha, que pintavam, desenhavam. Fala que as tarefas eram divididas, mas ele dava mais atenção à filha e a mãe, ao lar.
Fala que a notícia da separação foi dada por ele, que Karina chorou quando soube que ele não mais moraria lá. Diz que Karina não apresentou sintomas após a separação, que foi um processo tranqüilo, não precisando de apoio psicológico. Fala que a relação dele e da mãe é tranqüila, que ambos souberam separar o conflito deles da relação com a filha.
Fala que Karina gosta de ir a sua casa, que não fica perguntando pela mãe, que é normal, conta coisas do dia a dia. Diz que a filha sempre gozou de uma ótima saúde, e que teve uma alergia, quando do fim do casamento, que ele entendeu como uma resposta ao estresse. O pai acha que a filha melhorou após a separação, ficou mais desenvolta, independente. Melhorou a qualidade da relação.
4.1.3 Sessões com Karina
Karina apresenta-se bem desenvolta, fala bastante, é muito meiga e atenciosa. Brinca com muita tranqüilidade.
Brinca na casinha (uma casa em miniatura, com todos os cômodos, móveis e bonecos). Põe-se a arrumá-la, coloca o pai deitado sozinho, diz que ele está cansado. Fala um pouco de sua casa, diz que gosta de morar lá e ir visitar o pai. Diz que é bom ter duas casas. Às vezes dorme na casa do pai. Fala que não gostaria de ter ido morar com o pai, pois gosta da casa da mãe e tem seus amiguinhos lá. Gosta de passear com o pai e já foi duas vezes ao Horto Florestal com ele. Fala das amigas, que gosta de brincar de casinha e de aula. Gosta da sua casa, de ir à aula e tem notas boas.
Em outra sessão, fizemos um jogo de montar palavras. Entre outras, escreveu “vida” e “mudar”. Pergunto se queria mudar de vida e ela diz que não, que está muito bom assim. Conta que quando o pai morava com elas, ele brincava mais e a mãe fazia as coisas da casa. Era a mãe quem cuidava dela. Quando dorme na casa do pai, leva muitos desenhos para ele. Tem sua cama lá e eles brincam.
Fala que o pai não pode ficar muito com ela e brincar porque ele tem que trabalhar.
Entre outros, jogou a senha, jogo da memória e garçom equilibrista. Faz todos os jogos propostos para a sua idade de forma tranqüila, demonstrando um bom desenvolvimento emocional e intelectual.
Realiza os testes propostos com muita tranqüilidade. Seus desenhos são bem coloridos, claros e definidos.
4.1.4 Resultados dos testes
As características mais ressaltadas nos testes foram: bom nível de maturidade; boa estrutura familiar; boa auto-estima; bom contato com a realidade; boa atividade imaginativa; equilíbrio; calma; integração da personalidade; boa flexibilidade; boa percepção; enfrenta bem as angústias; tem capacidade de síntese.
4.2 – Casos 2 e 3
Tratam-se de dois irmãos, com os quais já havia tido contato há três ou quatro anos, quando da separação dos pais. Fiz a avaliação psicológica deles, a pedido do colégio e dos pais. Na época indiquei tratamento para os dois. O da menina não foi realizado. O garoto esteve em tratamento comigo por aproximadamente oito meses. Caso 2 – Melina, uma menina de nove anos, tem um irmão de dez anos, que também participou da pesquisa (caso 3). Estuda na terceira série do ensino fundamental de escola da rede particular. Caso 3 - Gil, um menino de dez anos, irmão da Melina (caso 2). Estuda na quinta série do ensino fundamental de escola da rede particular.
4.2.1. Entrevistas com a mãe:
A mãe apresenta-se bem disposta a participar, diz que confia em meu trabalho, e que, por ela, os filhos, principalmente Gil, estaria em tratamento.
Relata que permaneceu casada com o pai da Melina e do Gil por nove anos. Era o segundo casamento do pai, que já tinha uma filha, hoje com 20 anos. Estão separados há quatro anos. Apesar de ter sido consensual, houve muita briga, parando na Justiça. Os filhos presenciaram várias brigas. Na época da separação eles estavam com 5 e 6 anos, e a guarda ficou com a mãe. Os pais brigavam muito após a separação, ficavam muito tempo sem se falar. As crianças não tinham dias certos para estarem com o pai. Hoje a situação melhorou muito, os pais já se relacionam razoavelmente. O pai leva e pega Gil todos os dias no colégio, almoça alguns dias com eles e leva Melina para o colégio. Em alguns dias da semana Gil dorme na casa do pai. Em fins de semana alternados vão para lá.
O pai está no terceiro casamento e a mãe acha que os filhos não se relacionam muito bem com sua nova esposa. Fala que Gil a chama de chata.
Ambos decidiram pela guarda exclusiva da mãe, “foi eu que administrava tudo, que sempre cuidou dele, não trabalhava fora, e o pai trabalhava o dia todo”. Os filhos também quiseram ficar com a mãe. Gil já tentou por três vezes morar com o pai, mas não deu certo. Conseguiu ficar no máximo um mês. Fala que o pai enlouquecia com ele, com as brigas dele e da irmã. Diz que deixaria os filhos morarem com o pai, queria muito que desse certo.
Acredita que, no início, este tipo de guarda não foi o melhor, pois o pai quase não os pegava, os via pouco e a mãe ficava sobrecarregada. Agora está muito bem, tanto que as crianças melhoraram muito. Acha que os filhos ficaram mais independentes. Diz que ela era muito protetora. Sua relação com os filhos melhorou. Conta-nos que durante o casamento ela respondia por tudo, o pai sempre estava cansado ou ia jogar tênis
Quanto à notícia da separação, diz que ela começou a prepará-los. Eles queriam ficar na “casa amarela”, onde tinham os amigos e era perto da escola e do clube. O que mais marcou e entristeceu as crianças foi a saída da casa.
Gil apresentou muitos sintomas após a separação. Precisou de acompanhamento psicológico, ficou muito agressivo e teve baixa no rendimento escolar. Ganhou várias suspensões no colégio, trocou de escola por três vezes.
Quanto à Melina, esta “guardava muito para si, não se abria”. Começou a roer as unhas, às vezes chorava no colégio, ficou mais tímida. Também precisou de tratamento psicológico, segundo avaliação feita por psicólogo, mas o pai não concordou com o tratamento, motivo pelo qual não foi realizado.
Quanto ao tipo de guarda, acha que o pai deveria participar mais, ou pelo menos nos primeiros anos da separação, pois agora está bem. A relação com o ex-cônjuge era péssima, agora melhorou, já conseguem conversar e resolver algumas coisas juntos.
Gil apresentou fungos na cabeça, problema que se agravou após a separação, perdendo cabelo e tendo vergonha, andando somente de boné. Já fez duas cirurgias plásticas para reparar problemas decorrentes de dermatite no couro cabeludo. Sempre teve muitas reclamações nos colégios, suspensão. Quanto a Melina, só achavam-na muito quieta, roendo unhas, e que às vezes chorava por nada.
4.2.2 Entrevistas com o pai
O pai, da mesma forma que a mãe, estava interessado na entrevista e fala que achou muito bom o tratamento realizado com seu filho, que ele melhorou em muitos aspectos, e que só interrompeu e não retornou por questões financeiras.
Conta que permaneceu casado com a mãe da Melina e do Gil por nove anos; que era o seu segundo casamento, que já tinha uma filha, hoje com 20 anos; e que está separado há quatro anos da mãe de Melina e Gil.
Acredita que, apesar de ter sido consensual a sua separação legal, de fato foi litigiosa, pois houve muita briga. Os filhos presenciaram várias brigas.
Na época da separação os filhos estavam com 5 e 6 anos e a guarda ficou com a mãe. Os pais brigavam muito após a separação, ficavam muito tempo sem se falar. Eram complicadas as visitas aos filhos, em face das brigas com a ex-mulher, o que dificultava muito o contato dele com os filhos. Acredita que eram as brigas dos pais que deixavam as crianças com problemas.
Gil morou um tempo com ele, mas não deu certo. Hoje a situação melhorou muito, pois ele e a ex-mulher já se entendem razoavelmente. Quanto as visitas, o pai afirmou o mesmo que a mãe. Conta que está no terceiro casamento. Segundo ele, os filhos se dão bem com sua esposa.
Diz que os dois genitores decidiram pela guarda exclusiva da mãe e que “isso aconteceu naturalmente”. Ele trabalhava o dia todo e dava plantões em algumas noites. No seu entender, o tipo de guarda no início foi prejudicado pelas brigas dos pais. Agora está funcionando bem. Os filhos vão com o pai sempre que querem, ele os vê todos os dias e alternam fins de semana. Agora, pai e mãe conversam e conseguem decidir juntos o que é melhor para os filhos.
A guarda foi ruim no início, pois antes da separação ele tinha contato direto com os filhos. Depois da separação, não mais. Hoje é muito boa, tem total liberdade para vê-los. Diz que a mãe organizava mais os compromissos dos filhos, mas médico e dentista ficavam por conta dele.
Fala que não houve um momento de contar aos filhos sobre a separação, que eles já esperavam, devido às brigas, e no final os pais já estavam dormindo em quartos separados. Até hoje o pai acredita que os filhos gostariam que ele e a mãe voltassem a viver juntos.
Quanto aos sintomas dos filhos, no caso de Gil foram bem notórios, com agressividade, baixa no rendimento escolar, suspensões no colégio. Já a Melina ficou mais quieta, introvertida, chorava no colégio sem um motivo aparente.
Fala que Gil, quando há qualquer problema ou discussão em casa, “apronta” no colégio. Diz que ele tem muita dificuldade de relacionamento, que não tem amigos. Parece que sempre está querendo chamar a atenção. De vez em quando se encrenca com a nova mulher do pai e não aceita muito as regras. Já Melina é grudada com ela e têm uma excelente relação. Por outro lado, acha que Gil apresenta-se seguro em vários aspectos e amadureceu. Pega o ônibus sozinho, vai para a casa do pai e da mãe sem problemas, sempre que deseja.
Acha que a guarda com a mãe foi a melhor opção, pois com a venda da casa, comprou um apartamento bom para a ex-mulher. A sua casa nova demorou a ficar pronta e, enquanto isso, morou num apartamento de um quarto, ficando difícil receber os filhos para dormirem lá. Caso ele tivesse ficado com a casa, poderia ter ficado com a guarda sem problemas, ou se a relação dele com a ex-esposa fosse como agora, a guarda seria ótima desde o início, pois antes, ficava até cinco meses sem falar com ela, e isso atrapalhava na visitação dos filhos. Hoje os vê praticamente todos os dias e, junto com a mãe deles, decide tudo que diz respeito aos filhos.
4.2.3 Sobre o primeiro contato com a família há 4 anos.
Achei importante descrever algo sobre o contato que tive com esta família logo após a separação do casal, para poder fazer algumas comparações com as informações de hoje.
Quando me procuraram, foi por indicação do colégio, pois Gil estava levando muitas suspensões, devido à agressividade dele, e Melina apresentava algumas crises de choro sem motivos aparentes.
Os pais vieram juntos somente na primeira entrevista, ainda assim com muita resistência. Diziam que não poderiam ficar juntos no mesmo local, que não queriam mais entrevistas juntos. A mãe dizia que, se pudesse, passava com um carro em cima do pai. O pai igualmente a atacava. Eles transmitiam muito ódio e agressividade nos olhares e palavras. Tive que fazer um contrato pelo qual ambos eram obrigados a permanecerem sentados, para que não houvesse agressões físicas. Trocavam acusações entre si, sendo impossível iniciar uma anamnese dos filhos e saber o motivo da consulta. Mesmo assim, considerei importante que eles viessem juntos ao consultório, pois achei que eles ainda tinham muitas coisas para se dizerem, e certamente eram aqueles conflitos que estavam deixando as crianças com problemas. No entanto, não concordaram e as entrevistas continuaram de forma individual.
A mãe contava que o pai “meteu os pés pelas mãos”, vendendo a casa onde eles moravam, a qual era perto do colégio e onde os filhos tinham os amigos e brincavam na rua. Que a relação deles (casal) era insuportável, havendo uma total incompatibilidade entre eles. Que os filhos presenciaram várias brigas e agressões mútuas, e que até aquela data era assim.
Os pais ficavam muito tempo sem se falar e, quando se falavam ao telefone, era somente para brigar. Que as brigas deles atrapalhavam as visitas, sendo pouco o contato do pai com os filhos. A mãe dizia-se muito preocupada com a agressividade de Gil e a “gota d’água” no colégio foi ele ter cravado uma tesoura nas costas de um colega. Igualmente se preocupava com Melina, que vivia roendo unhas e chorando na escola.
O pai, por sua vez, contou que foi a mãe quem criou aquela situação, que sempre foi muito explosiva e que era inviável continuarem juntos, sequer se verem ou ficarem num mesmo local. Assim, o pai não tem nem ao menos participado das festas de aniversário dos filhos. Evitava telefonar e encontrar a ex-mulher, pois qualquer coisa era motivo para brigarem, o que dificultava o contato com os filhos. Que as crianças sofreram com as brigas deles e com a venda da casa. Falava que naquela ocasião não poderia estar com os filhos na sua casa, pois alugara um apartamento de um quarto e morava lá com a namorada. Os filhos ficariam desconfortáveis e, quando iam lá, tinham que dormir na sala.
O pai estava construindo uma casa no mesmo bairro onde moravam quando casados, o que estava gerando grandes expectativas nas crianças. Porém, resolveu vendê-la por questões financeiras, o que gerou frustrações nas crianças.
Quanto à avaliação das crianças, à época, ambos se mostravam muito “perdidos”, sem um referencial, inseguros, sem saber onde morariam e com quem. O pai estava provisoriamente num apartamento de um quarto, a casa que esperavam com tanta expectativa seria vendida. Os pais brigavam muito e as crianças participavam de toda a agressividade deles.
Haviam perdido a casa amarela, o colégio e os amigos da rua. O que mais chamava a atenção, era a falta de referencial das crianças, o desamparo que aparentavam, a falta de confiança, uma desestruturação espacial e temporal, faltando-lhes um porto seguro. Os sintomas que apresentavam eram os mais diversos, ressaltando a agressividade de Gil e a ansiedade de Melina.
4.2.4. Sessões com Gil
Gil apresenta-se meio apreensivo e demonstra que não está ali por sua vontade, mas pela vontade dos pais. Entra no consultório e fala, no início, com algumas reservas, respondendo as perguntas feitas.
Conta-me que ficou em três recuperações, que não gosta do colégio em que estuda, quer mudar novamente. Já mudou no ano passado. Tem problemas lá, briga e não gosta dos amigos. Os pais já foram chamados algumas vezes e ele já teve suspensão. Estuda pela manhã, e o pai o leva e pega no colégio. Faz inglês às segundas e quartas feiras.
Em casa ele assiste TV, brinca no computador, joga vídeo game e brinca com os amigos. Fala que tem mais amigos no prédio do pai. Pergunto-lhe se tem muitos amigos, diz que sim. Pergunto se o pai e a mãe não os conhecem, pois falaram que ele fica muito sozinho, que não tem amigos. Ele não responde. Vai para a casa do pai em fins de semanas alternados. Gosta de estar com o pai. Na casa do pai gosta mais do computador e da piscina. Fala que a mulher do pai é legal e às vezes brinca com ele. Já foi morar com o pai algumas vezes, mas não deu certo. Diz que briga muito com a irmã e o pai se incomodava muito.
Gil se mostra um pouco ansioso, parece querer mostrar que está tudo bem. A partir da segunda sessão diz para os pais que não quer mais vir ao consultório.
Jogamos o jogo da senha, porém teve muitas dificuldades na primeira vez, apresentando um déficit de atenção. Após pontuar cada jogada, chamando por sua atenção, conseguiu jogar satisfatoriamente. Ele desconcentra-se com facilidade.
Pedi para que fosse arrumar a casinha de brinquedos. Falei para ele fazer como se fosse sua. Então tira todos os objetos e bonecos para fora e arruma do seu jeito. Coloca o pai no andar de baixo, na mesa, e a mãe numa cama de casal, com um casal de bebê ao lado. Fala que é um menino e uma menina. O pai chegou mais tarde, estava trabalhando, e a mãe já estava na cama com os bebês. Pergunto se poderia ser a família dele, ele e a irmã quando bebês. Ele diz que gostava quando eram menores e moravam na casa amarela na Lagoa. Gostava muito da casa amarela.
Diz que preferia que os pais estivessem juntos, mas diz que é bom ter duas casas e gosta de ficar na casa da mãe tanto quanto na do pai. Fala que agora gosta de como estão as coisas, que vê os pais todos os dias, pode ir para a casa do pai quando quer. Fala que os pais não brigam muito. Que antes brigavam muito e ele ficava alguns dias sem ver o pai.
4.2.5 Resultados dos testes
Os testes mostraram a existência de agressividade, insegurança, necessidade de igualar-se aos outros, sentimentos de inferioridade, dificuldades de enfrentar obstáculos, boa capacidade de síntese, necessidade de proteção, sentimentos de rejeição, vivências depressivas, dificuldade de adaptação, inibição de afetos, comportamento defensivo, dependência do meio.
4.2.6. Sessões com Melina
Melina apresenta-se muito ansiosa, roendo as unhas e limitando-se a responder as perguntas feitas. Fala que está feliz porque vai voltar para o colégio que estudava antes. Gosta de lá, tem amigos. Fala que saiu de lá porque o irmão aprontava muito e tinha muitas anotações. Então o pai mudou os dois de colégio. Ela vai voltar para o colégio anterior e o irmão vai para outro colégio.
Conta-nos que dorme em fins de semana alternados na casa do pai. Às vezes vai à praia com o pai e, com a mãe, geralmente fica na piscina. Diz que quando eles eram menores, brincavam de pega-pega com o pai.
Fala que se dá bem com a mulher do pai, que ela a ajuda na pesquisa do colégio. Acha que ela é “legal”. Conta-nos que o pior da separação foi ter saído da casa amarela, que gostava de lá, que conhecia todos os vizinhos, que brincava na rua.
Joga a senha, vai bem, demonstrando conseguir se concentrar. Arruma a casinha como se fosse sua. Igualmente ao irmão, coloca o pai na mesa e a mãe com os dois bebês na cama. Fala que a mãe estava cansada e estava dormindo com as crianças. O pai estava dando plantão e voltou tarde.
Fala que era bom quando tinham a casa amarela, mas já não gostaria que os pais vivessem juntos. Fala que assim é melhor. Gosta de ter duas casas e agora os pais quase não brigam. Gosta da nova mulher do pai, mais prefere ficar na casa da mãe. Só gosta de ir na casa do pai às vezes. Diz que não mudaria nada, poderia ficar como está, que agora está muito bom.
4.2.7 Resultados dos testes
Demonstra insegurança, ansiedade, sensibilidade, necessidade de crescer, traços depressivos, instabilidade, bom desenvolvimento intelectual, boa capacidade de organização, sentimentos de culpa.
4.3. Caso 4
Rodrigo, um menino de sete anos, que estuda na primeira série de uma escola particular, tem um irmão de 14 anos. Os pais encontram-se em processo judicial de regulamentação de visitas. Tive contato com o relatório da assistente social do Forum, que indicou o caso para entrevista. A assistente social fala que houve uma resistência muito grande da mãe em aceitar as entrevistas, mas decidiu colaborar, já que logo teria que passar por uma perícia psicológica. O pai concordou imediatamente.
4.3.1. Entrevistas com a mãe
A mãe apresenta-se muito resistente, diz que só veio por causa da assistente social e porque acha que será bom, pois passará por uma perícia psicológica. Fala que não sabe o motivo da separação. Que ela e o ex-marido estão separados há 3 anos. Que o casamento durou 13 anos, que não havia brigas nem discussão. Que o ex-marido bateu nela no último dia do casamento. Ela diz que sentia que o casamento estava acabando, que já não havia qualquer relação entre eles e que no último ano ele já estava deixando faltar “as coisas” em casa.
Conta-nos que o marido, à época, viajava muito, e que era ela que “cuidava de tudo”. Que não havia diálogo entre eles e nem dele com os filhos. Que o pai brincava com os filhos, montava “Lego”. Fala que as crianças ficaram revoltadas com a saída do pai, pois o pai mentiu a eles, dizendo que estava viajando.
Diz que casou grávida de três meses. Fala muito do processo que está enfrentando e culpa o pai pelo estresse do processo. Fala que o advogado dela não lhe deu nenhuma informação e que não quis levá-la à audiência; que a promotora é amiga do ex-marido; que a assistente social mentiu e inventou as coisas colocadas no relatório; que as informações do colégio – que estão nos autos – não são verdadeiras tampouco, as declarações do ex-marido.
Conta-me que Rodrigo nasceu de oito meses e que apresenta vários problemas: de audição, de visão e de coordenação motora; que aproximadamente há um ano começou a ter crises de epilepsia durante o sono; que falou e caminhou mais tarde que o esperado.
Diz que trabalhou somente até o filho mais velho completar três anos. Fala que as visitas não estão acontecendo, pois na primeira visita, realizada no MacDonald’s, o filho mais velho ficou conversando com o pai e o Rodrigo não quis ficar com ele. Depois disso, o pai nunca mais telefonou. Fala que os filhos não querem saber do pai. Ela afirma deixar a critério dos filhos ter ou não contato com o pai, “mas eles não querem, pois o pai os despreza”.
Fala que Rodrigo precisou acompanhamento psicopedagógico, mas agora está tudo bem. Que foi o ex-marido que saiu de casa e ela quem ficou com a casa, que era ela quem sempre cuidava dos filhos. Diz que as crianças não perguntam pelo pai. Fala que o Rodrigo está com problemas de relacionamento no colégio.
4.3.2 Entrevistas com o pai
O pai apresenta-se com um ar cansado, meio desanimado, mas interessado na entrevista e se diz confiante na perícia psicológica que está por vir, que ela ajudará os filhos e que fará com que as visitas ocorram.
Fala que a separação se deu por ciúmes demasiados da ex-esposa. Relata que quando ele estava em viagens, ela ligava a toda hora, queria saber onde ele estava; que descia à noite no hotel para jantar e subia correndo, preocupado que ela poderia ligar e, se ele não estivesse no quarto, haveria uma crise de ciúmes. Quando saía do trabalho aqui em Florianópolis e, por algum motivo perdia o ônibus, tinha que dar “mil explicações”, e acabavam brigando, tudo por ciúmes da ex-esposa.
Conta-me que, quando se separou e foi para casa de sua mãe, o filho mais velho foi junto, e não queria mais voltar para a casa da mãe. Que ele teve que convencê-lo a voltar. Fala que sempre foi muito presente na vida dos filhos, que brincava, dava banho, trocava fraldas.
Diz que não tem como visitar seus filhos, pois a ex-mulher obstrui qualquer contato, desligando o telefone, que ela ouvia da extensão, quando era ele. Conta que ela tem algum problema psiquiátrico, pois chegou a ser internada na Unidade de Psiquiatria, e tem histórico psiquiátrico na família, o irmão é esquizofrênico.
Acredita que a sua ex-esposa exerce uma pressão muito forte sobre os filhos, manipulando-os e incutindo neles várias inverdades sobre o pai. Que os filhos não querem mais vê-lo, diante de tantas mentiras contadas pela mãe. Conta que entrou com processo na Justiça para ter o direito de ver os filhos, e que solicitou uma perícia psicológica, que irá se realizar por estes dias.
Acha que os filhos não estão bem, tampouco a mãe deles. Acha-os muito sozinhos, têm pouco contato com outras pessoas e sofrem as influências negativas da mãe sobre a imagem do pai. Fala que na única tentativa de visitas determinada pela juíza, no MacDonald’s, a mãe deu-lhe um tapa no rosto, na frente das crianças, porque ele não quis assinar um documento que a mãe pedira para o filho maior redigir ali, durante a visita, e o pai assinar. Tal documento dizia que o pai iria passar o dinheiro do colégio junto com o da pensão. Segundo o pai, fazendo isso, a mãe estaria lhe tirando a única oportunidade de ele ter algum contato com os filhos, por meio do colégio. Fala que a mãe só se preocupa com a questão financeira, que ele paga 50% do seu salário de pensão para os três, e ela ficou com tudo, casa, carro e móveis.
Diz que não quer ter contato com os filhos se for à força. Gostaria que tivesse uma maneira de se reaproximar dos filhos, contar a sua história longe da influência da mãe. Gostaria que fosse possível se aproximar deles, sem interferência da mãe, para que realmente pudessem esclarecer os fatos e conviverem como uma família.
Conta-me que se casou porque a namorada (ex-esposa) estava grávida; ficaram 11 anos casados e estão separados há três. A separação foi litigiosa e o processo continua. Os filhos tinham quatro e onze anos quando da separação, e a guarda ficou com a mãe, pois ele saiu de casa. Fala que não tem contato com os filhos desde que se separou. Que está sempre em viagem a trabalho, não podendo ficar diariamente com os filhos.
A separação e a guarda estabelecida afastou-o dos filhos. Antes tinha uma boa relação com eles, hoje não tem nenhuma. Diz que dava banho nos filhos, brincava, dava-lhes comida. Levava ao colégio, pois a ex-mulher não dirigia.
Quando da separação, conta que falaram que o pai estava viajando e, depois disso, ele não pode mais vê-los para contar a verdade.
Fala que Rodrigo precisou acompanhamento psicológico e psicopedagógico, e que “após a separação os filhos ficaram mais agressivos e isolados, não brincam e não têm amigos, segundo informações do colégio e de seus colegas”.
4.3.3 Sessões com Rodrigo
Rodrigo apresentou-se meio “curioso”, quando o encontrei na recepção com sua mãe. Ao convidá-lo para entrar, olhou para sua mãe, esperando uma aprovação. Esta imediatamente disse que ele não queria entrar sozinho e pediu para entrar junto. Pedi a ela que aguardasse um pouquinho, que iria mostrar a sala para Rodrigo e, caso ele quisesse, a chamaria para ficar um pouco com ele.
Rodrigo entrou comigo e não pediu para chamar a sua mãe durante toda a sessão. Ele olhou todo o consultório, os jogos e brinquedos. Jogamos um jogo de memória, em que os pares eram formados por um bicho adulto numa peça e por dois filhotes noutra. Ora Rodrigo referia que os “filhinhos” estavam com o “papai”, ora com a “mamãe”. Pergunto se ele também gostaria de estar ora com a mamãe e ora com o papai, e ele fala que não sabe. Depois fala que não, porque o pai é um mentiroso. Pergunto-lhe qual foi a mentira e ele diz não saber, não lembrar, mas que a mãe sabe.
Depois vai “arrumar” a casinha de brinquedos, tirando todos os bonecos que representam uma grande família, e deixa só o pai e o filho morando na casa. Pergunto por que, e ele fala que assim é melhor, que o pai está separado. Pergunto se ele quer morar só com o pai, ele limita-se a dizer que o pai mente.
No desenho da família, inclui a mãe, o irmão, ele e o pai. O pai de mão com o filho, e pairando sobre a cabeça dos filhos dois pesos: um, que ele chama de peruca, de tamanho muito maior que a cabeça, num formato de uma grande pedra, e na do maior, uma “bazuca”. Ele demora muito para desenhar, apresentando muita dificuldade na motricidade fina.
Nas outras sessões geralmente falou, primeiro, que não queria entrar no consultório, que estava cansado, que queria ir dormir. No entanto, ao se separar da mãe, tudo mudava e tinha que pedir para que ele saísse ao acabar a sessão, pois queria continuar.
4.3.4 Resultados dos testes
As características apresentadas nos testes foram: retraimento, isolamento, inibição, tendência à fuga, sentimentos de inadequação, dificuldade de contato, falta de calor e afeto no lar, fraca estabilidade, discrepância entre desejo e realidade, insegurança, imaturidade, instabilidade emocional, traços depressivos, apresentação de conflitos não resolvidos, sentimentos de estar constantemente pressionado e precário equilíbrio da personalidade.
Acredito que os sintomas motores, que a mãe chama de epilepsia, são manifestações psicológicas, já que o resultado da Tomografia Computadorizada Helicoidal, requerida pelo médico por desconfiar de crises aparentemente epilépticas durante o sono, teve como resultado “Dentro dos limites da normalidade”, conforme pude observar no exame trazido pela mãe.
4.4. Discussões Sobre os Casos e considerações finais
4.4.1 Tabela comparativa com dados dos quatro casos
DADOS CASO 1 CASO 2 CASO 3 CASO 4
SEXO Feminino Feminino Masculino Masculino
IDADE 8 anos 9 anos 10 anos 7anos
ESCOLARIDADE 3ª série 4ª série 5ª série 1ª série
IDADE NA SEPARAÇÃO 6 anos 5 anos 6 anos 4 anos
GUARDA LEGAL Exclusiva da mãe Exclusiva da mãe Exclusiva da mãe Exclusiva da mãe
GUARDA DE FATO Compartilhada Início exclusiva, agora compartilhada Início exclusiva, agora compartilhada Exclusiva da mãe
RELAÇÃO DOS PAIS DURANTE O CASAMENTO Boa – alguns desentendimentos antes da separação No início boa, depois ruim, no fim péssima No início boa, depois ruim, no fim péssima Segundo o pai, péssima. Segundo a mãe, boa
RELAÇÃO DOS PAIS APÓS SEPARAÇÃO Boa Péssima Péssima Péssima
RELAÇÃO DOS PAIS HOJE Boa Razoável Razoável Péssima
SITUAÇÃO DA CRIANÇA DURANTE O CASAMENTO Boa – pouco agressiva durante a separação Boa Boa Razoável
SITUAÇÃO DA CRIANÇA APÓS A SEPARAÇÃO Boa Ruim Ruim Ruim
SITUAÇÃO DA CRIANÇA HOJE Boa Razoável Razoável Péssima
MUDANÇA DE CASA APÓS A SEPARAÇÃO Não Sim Sim Não
MUDANÇA DE COLÉGIO APÓS A SEPARAÇÃO Não Sim Sim Sim
REAÇÕES PSICOSSOMÁTICAS Alergia durante a separação Não Fungos na cabeça, quedas do cabelo Reações motoras tipo epilépticas
CONTATO COM QUEM DETÉM A GUARDA NA SEPARAÇÃO Diariamente Diariamente Diariamente Diariamente
CONTATO COM QUEM NÃO DETÉM A GUARDA NA SEPARAÇÃO Livre – em média 2 vezes por semana Pouco – muito irregular Pouco – muito irregular Nenhum
CONTATO COM QUEM DETÉM A GUARDA HOJE Diariamente Diariamente Diariamente Diariamente
CONTATO COM QUEM NÃO DETÉM A GUARDA HOJE Livre – em média 2 vezes por semana Diariamente Diariamente Nenhum
4.4.2 Discussão
Procuro levar em consideração nesta discussão, em um primeiro momento, o funcionamento das famílias entrevistadas antes, durante e após a separação, a forma pela qual se estabeleciam os vínculos, a maneira como ocorreram a separação e a guarda, e como se encontram as crianças hoje. Num segundo momento, procuro fazer uma leitura psicanalítica dos casos, dando ênfase ao caso 4, por entender que ele espelha a dinâmica da maioria das famílias que se encontram com processos judiciais – famílias marcadas pelos conflitos dos pais, em um processo de separação litigiosa.
4.4.2.1 A dinâmica familiar antes, durante e após a separação
Quanto ao funcionamento das famílias antes da separação, verifico que seguem o modelo de organização no qual a mãe fica em casa, cuidando do lar e dos filhos, e o pai trabalha fora, arcando com o sustento do grupo familiar. Há nessas famílias uma divisão sexual do trabalho, conforme o que caracteriza o modelo nuclear, conjugal, oriundo da Revolução Francesa e da Revolução Industrial (Saffioti, 1989; Badinter, 1985; Ariès, 1981). Essa divisão, permeada pela relação de poder, assume outra forma com a separação, quando há uma razoável relação entre os pais. Ambos assumem, cada qual a sua maneira, os cuidados e o sustento dos filhos, como pode se observar no caso 1 (pelo relato da mãe, “o pai começou a se importar mais, brincar mais”), e, após algum tempo da separação, nos casos 2 e 3 (pelo relato da mãe, “o pai pega o Gil todos os dias no colégio, almoça alguns dias com eles e leva Melina para o colégio. Alguns dias da semana o Gil dorme na casa do pai, e em fins de semanas alternados as crianças ficam com o pai”). Aqui, o “novo pai” (Souza, 1994) surge após a separação, na medida em que os conflitos entre o casal diminuem. Na relação do ex-casal vão se reconfigurando os papéis de pai e de mãe, e, uma vez que o pai passa a ficar com os filhos sem o auxílio da mãe, os cuidados parentais vão sendo exercidos por ambos, embora a mãe e sua casa sejam as referências mais fortes para as crianças deste estudo, o que vem revelar a importância dos primeiros cuidados no estabelecimento dos vínculos, conforme escreveu Klein (1969).
Tenho notado que esse “voltar-se para os cuidados dos filhos” se repete na maioria dos casos de separação judicial em que trabalhei. Nos casos 2 e 3, a mãe volta ao mercado de trabalho, saindo do mundo privado para o público, e o pai, por sua vez, de forma tímida, vai disponibilizando tempo para os cuidados dos filhos.
Ao mudar aquela relação anteriormente estabelecida, aquela forma de organização familiar, conseqüentemente muda o homem e muda a mulher, e, nessa nova relação, as diferenças traçadas pela divisão sexual do trabalho e pelas relações de poder vão se amenizando. Modificando-se as relações, tem-se por resultado mudanças nas configurações de gênero, que são construídas de forma relacional, ou seja, pelo contraste permanente com o outro (Grossi, Heilborn, Rial, 1998).
Assim, aquilo que tomavam como seu – o poder, os filhos, os cuidados e sustento da família – vai perdendo um pouco do significado pela entrada de outros significantes – uma nova casa, um trabalho, uma nova relação. Aos poucos, pai e mãe vão sentindo a necessidade de se libertarem de alguns papéis rígidos, e se dando conta que as relações podem se estabelecer de formas diferentes, começando, assim, uma nova forma de responsabilidades parentais e de divisão de tarefas. Naquela situação de aprisionamento, ambos estão implicados e a mantêm, e “a libertação da mulher do jugo do homem corresponde também à libertação do homem do jugo deste modelo ideal que o tem aprisionado” (SIQUEIRA, 1999, p. 193). Portanto, não há que se colocar alguém de vítima, numa situação passiva, de aprisionamento pelo outro, pois o oprimido/opressor circula nas relações. Tanto o gênero como a violência são construídos relacionalmente (Gregori 1992).
Desse modo, pai e mãe vão reescrevendo suas histórias, desconstituindo e constituindo valores e crenças, enfim, possibilitando mudanças subjetivas e não só comportamentais, ocupando um outro lugar e não só um outro papel, revelando novas posições de sujeitos.
A disputa de poder, na conjugalidade – mesmo após a separação, que não implica necessariamente na dissolução dos comportamentos conjugais – leva à violência, física ou psíquica, como uma forma de manter aquele poder aos interesses da relação opressor/oprimido.
Xavier (1998), mencionando as pesquisas de Grossi (1988) e Gregori (1992), entende que
não há, na produção da violência conjugal (no universo examinado por elas) um lugar cativo para um algoz (homem) e para uma vítima (mulher). Ao contrário, suas pesquisas provam como é possível demonstrar que as mulheres (SEMPRE contextualizando o universo pesquisado) também acionam a violência para produzir efeitos que atendam seus interesses, às necessidades de suas relações de poder, e ao interesse estrutural da relação” (Xavier, 1998: 162).
No discurso das três mães entrevistadas também observo uma repetição de significantes que levam a um significado: demarcar a relação de poder exercida por elas. “Comandava tudo” (caso 1), “administrava tudo” (casos 2 e 3), “cuidava de tudo” (caso 4).
Segundo o dicionário Aurélio, comandar significa dirigir, liderar, ordenar, dominar, mandar; administrar significa reger com autoridade suprema, dirigir, governar; cuidar significa, entre outros, vigiar, julgar, supor, precaver.
Estes significantes que se referiam à casa, perdem esse limite e dirigem-se para a vida dos filhos, numa dimensão de autoridade e posse sobre eles. Podemos localizá-los nos discursos das mães, ao falarem da “naturalidade” da guarda exclusiva: “não deixava Karina dormir na nova casa do pai”, “com a guarda exclusiva, Karina ficou protegida pela mãe”, “o pai não teria condições de cuidar dela” (caso 1); “foi eu quem sempre cuidou deles” “eu que sempre respondia por tudo” (caso 2 e 3). No caso 4, podemos inferir, pelo discurso do pai, da criança e da Assistente Social, que a mãe controla, proíbe, e inibe a relação dos filhos com o pai, numa “violência Psicológica”, atendendo aos seus interesses, às necessidades de suas relações de poder (Xavier, 1998). É dessa forma que a mãe passa a “cuidar” da casa após a separação.
Por outro lado, encontramos em todos os pais desta pesquisa, um assujeitamento a esses discursos e práticas, numa afirmação unânime que a guarda é “naturalmente das mães”, dando diversos motivos para tanto: “ela ficou com toda a estrutura” (caso 1), “por que ele foi morar num apartamento de um quarto, trabalhava o dia todo, dava plantões” (casos 2 e 3), “porque estava sempre em viagens a trabalho” (caso 4) etc. No entanto, estes discursos vêm no sentido de perpetuar o papel “natural” da mãe associados os cuidados para com os filhos, demarcando, de forma muito radical, a divisão sexual do trabalho, o papel de provedor do pai (mesmo com a mulher trabalhando fora). Ressalto, também, o ganho secundário dos pais, ao deixarem sob a responsabilidade maior das mulheres, os cuidados com os filhos. Nestes casos, os pais dirigem seus esforços nos projetos pessoais: constituir nova família (casos 2 e 3), trabalhar mais (caso 1), poder viajar a trabalho (caso 4).
Os discursos e comportamentos dos progenitores, em algum momento, privaram os filhos do contato com o pai, e os tornam seus sintomas. Segundo LACAN (1998), os filhos passam a ser o sintoma do casal, numa possibilidade que os pais têm de recuperar o gozo perdido às custas da criança. E não projetam neles só aquilo que não foram, mas despejam neles todas as suas frustrações, numa possibilidade de atingir o outro.
Nessa nova construção de identidade, já não há lugar para um modelo ideal, naturalmente adquirido, de homem, de mulher, de pai, de mãe, de família. Esses “conceitos” são sociais, construídos, e não naturais, pois, como diz SAFFIOTI (1994), na sociedade não há fenômenos naturais. Assim, feminilidade/masculinidade e maternidade/paternidade (nos papéis dicotomizados de cuidadores e provedores) não são construções acabadas, estáticas e fixas, mas, sim, dinâmicas, relacionais e históricas (Laurettis, 1994; Scott, 1990). Masculinidade e feminilidade não se sustentam isoladamente (Laurettis, 1994; Grossi & Miguel, 1990), como penso não se sustentarem os papéis de pai e de mãe. Sem cair numa visão reducionista, cabe ressaltar que, em muitos casos, mães muito presentes, que abraçam os cuidados dos filhos e do lar, engendram pais faltosos; o contrário é verdadeiro. Na falta dessas mães, os pais podem começar a assumir os cuidados dos filhos, como se nota após a separação e o fim dos conflitos conjugais.
Na construção relacional dos papéis sociais, já não se pode pensar aqueles conceitos no singular, como descreveu Buffon,
abandona-se assim, a perspectiva de uma ‘mulher universal’, substanciada na maternidade e em sua posição subordinada, e, conseqüentemente, de um ‘homem universal’, substanciado pela força física e pelo papel dominante, passando-se a pensar em mulheres e homens no plural (Buffon, 1992: 49).
Assim, as premissas daquela boa mãe, determinada naturalmente, não confundem-se com a boa mãe da Psicanálise. Essa não é aquela que vive para os filhos, amarrada aos seus cuidados, mas, a que faz veicular o Nome do Pai e que possa desejar como mulher para além dos filhos.
No caso 1, embora a mãe tenha uma profissão, contribuindo também para o sustento da família, desenvolve suas atividades em casa, principalmente no horário em que a filha está no colégio. Nos casos 2 e 3, a mãe só voltou a trabalhar após a separação. No caso 4, a mãe sempre ficou em casa com o filho Rodrigo, pois parou de trabalhar antes de ele nascer, quando o irmão mais velho tinha três anos de idade.
Portanto, os cuidados dos filhos estavam atrelados às mães, de maneira que, diretamente ou não, tanto os pais quanto as mães acharam que a guarda ficou com a mãe “naturalmente”, como se fosse um direito e um dever dela, algo já preestabelecido, não fugindo da maneira costumeira pela qual o Judiciário tem se posicionado. Os vínculos das crianças com as mães, fazem com que, embora tenham uma boa relação com o pai (casos 1, 2 e 3), a mãe seja o referencial maior, revelando a importância dos primeiros anos da criança na formação dos vínculos, conforme citado anteriormente.
Há vários autores que comungam deste entendimento, como Winnicott (1975) ao escrever que as primeiras fases do desenvolvimento da criança são essenciais para a plena maturidade individual, destacando o papel essencial da mãe (que entendo ‘papel do cuidador’) nessa fase, e que os vínculos com esta se estabelecem de forma muito forte. Klein (1969) também escreveu sobre as identificações na infância pelo mecanismo de introjeção e o papel central da mãe (cuidador), bem como Segal (1989) ao afirmar que os primeiros conflitos e relações objetais da criança levam-nas a terem estruturas psíquicas específicas.
As informações dos pais nem sempre coincidiram. No caso 1, a mãe falou que ela “sempre comandava tudo” e que o pai “só era pai de vez em quando”, que “era ela que sempre fazia tudo, pagamentos, organização da casa e tarefas, inclusive pedir para ele ir brincar com a filha”. O pai, por sua vez, relatou que “sempre brincava com a filha, que pintavam, desenhavam, que as tarefas eram divididas, mas ele dava mais atenção à filha e a mãe à casa”. Já a filha Karina relatou que “o pai brincava mais e a mãe fazia as coisas de casa, que era a mãe quem cuidava dela”.
O “ser pai” é diferente para esses progenitores: para a mãe, ser pai é comandar; assim, ela o era na maioria das vezes, e o pai só ocupava essa posição “de vez em quando”. Para o pai, ser pai é brincar, desenhar e ajudar nas tarefas. Para Karina, ser pai é brincar e ser mãe é cuidar.
Podemos observar que pai também não é um conceito unívoco, tendo significações diferentes para cada pessoa: é o prover da família, financeiramente; o pai biológico; o que brinca; o que cuida etc. O importante é sabermos que nenhum dos conceitos é errado e que cada um pode funcionar em determinadas famílias e não em outras. Já o pai para a Psicanálise, é aquele que vêm pelo discurso da mãe, promovendo a lei.
Durante as sessões, Karina sempre demonstrou que era a sua mãe quem cuidava/cuida dela, compra-lhe as roupas, ajuda-a nas tarefas de casa e a leva aos “lugares” (foi sempre a mãe que a trouxe nas sessões). O pai brincava com ela. Essa forma de organização familiar era muito tranqüila para Karina, o que demonstra que não há necessidade de uma organização familiar única ideal, com os pais dividindo todas as responsabilidades e cuidados com os filhos, para que eles estejam bem. Cada família irá se organizar de determinada forma, que funcionará bem para algumas e não para outras.
Não há um modelo hegemônico, como o correto e o único aceito. Os tipos de família e as formas de organização são as mais diversas, e, nesta pesquisa, está presente basicamente a família nuclear, conjugal, constituída pelos pais e filhos. Nessa forma de organização, a ausência de um progenitor poderá trazer as conseqüências mais diversas, como foi observado nos casos aqui trabalhados. Já em algumas famílias, em que se estendem os laços afetivos a outros graus de parentesco, como aos avós, tios, primos na mesma vizinhança ou moradia, talvez a falta do pai ou da mãe não seja tão relevante, dependendo de como será significado.
O tipo de guarda a ser estabelecida nada mais é do que uma conseqüência da organização familiar mantida durante o casamento. No caso 1, o pai que participava com a mulher dos cuidados com a filha, continuou participando depois da separação, como dizem eles, “naturalmente”. Já nos casos 2 e 3, o pai precisou dar uma volta, fazer um movimento em direção aos cuidados dos filhos, e ambos os genitores, na diminuição dos conflitos, para depois, terem os filhos em suas companhias. No caso 4, o conflito instalado com a separação ainda é muito forte, resultando no afastamento do pai e no não-funcionamento da guarda.
No caso 1, os vínculos estabelecidos são mais fortes entre mãe e filha. Mesmo apresentando afeto por ambos, gostando de estar junto com os dois, Karina refere-se à mãe como sendo a pessoa que lhe dá mais segurança; seu “porto seguro” é a casa da mãe. Assim, pode-se afirmar que a guarda se estabeleceu de acordo com os vínculos entre pais e filhos e, por isso, ficou com a mãe “naturalmente”, sem resistências das partes.
Por outro lado, parece-me que, após a separação, o pai e a filha estreitaram mais os vínculos, o que faz com que Karina goste de ir para a casa do pai, dizendo que é sua também, que “é bom ter duas casas”, que brinca e passeia com o pai, que ele vai na casa da mãe e a leva ao colégio algumas vezes. A mãe confirma isso, ao falar que “tem a impressão que após a separação o pai começou a se importar mais”. Isso se nota em muitos casos de separação, como já dito anteriormente, e penso que a ausência da mãe em alguns momentos faz o pai ficar mais presente, assumindo os filhos integralmente quando na sua casa, tornando-os mais próximos e mais cúmplices, uma vez que “a cumplicidade dos laços afetivos se dá na convivência” (Carvalho2002, p. 1 ).
As observações de Klein (1969) e Aberastury (1982) de que a criança necessita explorar o mundo, adaptar-se à realidade dos pais, vai ganhando corpo nestes casos, pois há uma facilidade de adaptação das crianças à nova realidade, desde que apoiadas pelos pais. Acredito que isso se torna possível, em face da constância de objeto de que fala Klein (1969), importante no sentido de dar segurança à criança. Pode-se observar que os objetos não estão relacionados à casa, a uma única casa, mas sim às figuras parentais, tanto que as crianças conseguem circular e sentir-se bem na casa do pai e na casa da mãe, ou onde quer que estes estejam.
Assim, pelos estudos dos casos 1, 2 e 3, observo que é um equívoco pensar que a convivência das crianças nas casas do pai e da mãe pode lhes trazer prejuízos em função da perda de referencial. A psicanalista Maria Luiza Carvalho (2002), ao falar da guarda compartilhada e de a criança alternar casas, coloca que “alguns profissionais alegam que a criança ficaria sem um referencial. Não há no Brasil muitos estudos sobre o assunto. Na França, porém, fizeram uma pesquisa séria e o resultado foi favorável” (2002, p.1). Na mesma linha, a professora de Psicologia Jurídica da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Leila Torraca de Brito, afirma que “o mais importante é a criança sentir que tanto do pai quanto da mãe ela tem um espaço afetivo e físico. Muitas pessoas criticam essa solução, dizendo que são códigos educativos diferentes. Mas essa diversidade vai trazer benefício para a criança, que consegue perceber também os códigos diferentes de outras casas que ela freqüenta como a da avó e a do amiguinho. É muito bom para ela entender o mundo e aprender a fazer comparações” (Brito, 2002, p. 2).
Tenho notado, tanto nessa pesquisa quanto em meu trabalho, que muitos pais, ao desfrutarem da presença dos filhos em sua casa, e longe das mães, ou seja, somente sob os seus cuidados, estreitam os vínculos com eles, e que, com a separação, o fim do casamento e dos conflitos conjugais, as crianças ficam mais independentes – “parece que ela ficou mais independente” (caso 1); “eles ficaram mais independentes” (casos 2 e 3).
O bom relacionamento entre Karina e seus pais, bem como a forma harmoniosa com que pode estar com cada um, parece proporcionar a ela a vida que leva de forma alegre e tranqüila, como tem se apresentado durante a avaliação. Karina está muito bem, não apresenta sintomas e tem o desenvolvimento emocional e cognitivo de acordo com sua idade cronológica.
Os comportamentos agressivos de Karina nas semanas que antecederam a separação, relatados pela mãe, e o aparecimento de uma alergia na mesma época, conforme afirmação do pai, são possíveis reações ao estresse da separação, que, embora tenha se dado de uma forma razoavelmente tranqüila, traz sempre alguns sofrimentos. Como afirmado por Freud (1976, vol. XVIII), Duarte (1989) e Aberastury (1982) -, as mudanças geram ansiedades, crises e crescimento.
Entendo que Karina encontra-se bem, de acordo com o discurso dos pais e da escola e, conforme minha avaliação, em face da boa relação dos pais, do contato freqüente, livre e tranqüilo com ambos. A boa relação dos pais faz Karina sentir-se segura e gostar da vida que leva. Entendo que, apesar de a guarda legal ser exclusiva da mãe, na prática ela acontece de forma compartilhada. Os pais decidem juntos as questões relativas à filha e têm livre acesso a ela, assim como ela a eles. O modo como aconteceu, na realidade objetiva, a separação dos pais favoreceu a adaptação de Karina, não exigindo que lançasse mão de mecanismos defensivos regressivos que comprometessem seu equilíbrio emocional.
Nos casos 2 e 3, da mesma forma que no caso 1, era a mãe quem administrava a casa e cuidava dos filhos, antes da separação. A mãe não trabalhava fora e o pai trabalhava o dia todo. Segundo a mãe, foi ela “quem sempre cuidou deles, não trabalhava fora e o pai trabalhava o dia todo”. As crianças quiseram ficar com a mãe e o pai disse que isso aconteceu “naturalmente”. Nesses casos os vínculos mais fortes foram estabelecidos entre mãe e filhos.
A separação foi marcada por muitas brigas e desentendimentos. As desavenças dos pais levaram a um afastamento do pai com os filhos, e as visitas eram muito espaçadas e tumultuadas. Esse tempo, entre um contato e outro, era suficiente para as crianças sentirem-se desamparadas. Conforme escreveu Dolto (1997), duas semanas é muito tempo para as crianças. Nessa época – durante a separação e nos dois anos posteriores a ela – as crianças apresentaram uma série de sintomas e problemas de comportamento no colégio, precisando de atendimento psicológico.
Na época, o que mais me chamou a atenção foi a falta de referencial das crianças, a insegurança e a instabilidade que apresentavam. Eram muitas as desavenças dos pais, que não conseguiam separar seus conflitos da relação com os filhos. O casal, durante a separação, expôs as crianças a diversas mudanças, que causaram muita tristeza e sentimentos de perdas neles: saíram da casa na qual tinham uma boa referência, a “casa amarela”; saíram do colégio em que estudavam e do bairro onde moravam.
O que pude observar, relacionando a época da separação e o momento atual dos entrevistados dos casos 2 e 3, foi que a relação do casal influenciou sobremaneira a vida das crianças, e que, quando a relação dos ex-cônjuges começou a melhorar, quando mudou o foco das suas atenções (a mãe começou a trabalhar fora e a ter um envolvimento emocional com outro homem; o pai casou novamente e comprou um apartamento definitivo, com lugar para seus filhos), os filhos melhoraram também. O contato com o pai ficou mais freqüente e tranqüilo e as crianças começaram a se apresentar de uma forma mais estruturada, apesar de persistirem alguns sintomas como que “cristalizados”.
O que impressiona nos casos 2 e 3 é a estabilidade na qual se encontram hoje as crianças, em comparação à época da separação. Hoje eles sentem-se seguros com ambos os pais e circulam de uma casa para a outra com tranqüilidade. Têm referenciais definidos, contato diário com os pais e vivem em um clima muito mais harmonioso.
Os pais, diferentemente de como se apresentavam quando da separação, agora já têm uma relação mais amistosa, o que, de alguma forma, proporciona mais segurança e estabilidade aos filhos. A mãe retomou sua profissão e se encontra mais feliz.
Os sintomas persistentes podem significar “cicatrizes da separação”, parecendo-me necessária uma intervenção terapêutica. Como, na maioria dos casos, a separação em si já acarreta muita modificação na vida das crianças, causando-lhes insegurança, penso que o melhor é evitar outras mudanças que gerem mais perdas e, conseqüentemente, mais insegurança. Por isso, acho importante que as crianças continuem no mesmo colégio, na mesma casa, convivendo com os mesmos amigos. Nos casos 2 e 3 isso não aconteceu, o que pode ter agravado os sintomas das crianças.
Com relação ao caso 4, igualmente aos anteriores, a mãe ficava em casa com os filhos e o pai trabalhava fora. A mãe falou que cuidava da casa e o pai “brincava com os filhos, montava Lego”. O pai, por sua vez, disse que “foi sempre presente na vida dos filhos, que brincava, dava banho, trocava fraldas, levava-os e buscava-os no colégio, pois a mãe não dirigia”. Ao mesmo tempo, o pai fala que viaja muito a trabalho, o que é confirmado pela mãe. O pai praticamente não vê os filhos desde a separação, há três anos, e luta na Justiça para regulamentar as visitas.
O filho Rodrigo não demonstra vínculos fortes com nenhum dos pais e traz no seu discurso as palavras da mãe, mas não consegue sustentá-las, denunciando na sua dinâmica, durante a avaliação, a falta que o pai faz. Rodrigo parece ser o depositário das desavenças dos pais, de um pai que repentinamente desaparece da sua vida e de uma mãe que repete incessantemente que o pai o abandonou, que não gosta dele, que mente.
Rodrigo, ao mesmo tempo em que diz não querer saber do pai, que ele é mentiroso, mostra o quanto internamente o pai faz falta. No comportamento manifesto (o que verbaliza) não quer saber do pai, e no comportamento latente (inconsciente) mostra a necessidade de contato, o afeto que guarda. Verbaliza no jogo da memória, que ora os filhinhos ficam com o pai, ora, com a mãe, revelando, nesse contexto um desejo de conviver também com o pai. No desenho da família inclui o pai de mão dada com o filho e um peso pairando sobre a cabeça das duas crianças. Ele nos revela o quão pesado e ameaçador é a decisão de estar com o pai, pois deixaria a mãe descontente. Nestas manifestações subjetivas, o pai deixa de ser uma incógnita e passa a ser significado no discurso inconsciente do filho. Assim, sem saber, Rodrigo dizia de sua verdade.
Parece-nos que Rodrigo está sofrendo as conseqüências dos desentendimentos dos pais, que não conseguem separar as relações de “ex-cônjuge” da relação de pais, guardando restos de uma separação mal resolvida, fazendo com que as crianças vejam o pai com a mesma lente que a mãe o vê.
Na separação, é comum as pessoas confundirem os papéis conjugais com os papéis parentais” (Carvalho, 2002, p.1). Penso que, após a dissolução conjugal, há uma possibilidade maior de os conflitos irem se amenizando, pois estes são do campo da disputa e da violência, que faz parte da conjugalidade (Grossi, 1996). Acredito que quando os pais conseguem ir desconstruindo essa relação de opressão/oprimido, abrindo espaço para a relação de parentalidade de ambos com os filhos, há a possibilidade do fim dos conflitos conjugais, e a possibilidade de os filhos viverem bem com ambos os pais, como no final dos casos 2 e 3. Grossi (1996), fala que a violência é constituidora daquilo que se chama paixão, amor e conjugalidade no ocidente, afirmando que toda a conjugalidade implica em violência no sentido de reequilibrar poderes dentro de uma relação. Na mesma linha, Xavier (1998) fala da
“compreensão proposta por Rifiotis (1996) do contexto de violência conjugal, sugerindo que este ‘segmento’ social – casal, família – também estaria colocando em prática formas específicas (e sofisticadas) de violência com objetivo de demarcar e garantir a viabilidade das diferentes identidades” (Xavier, 1998, . 175).
Ainda, sobre o caso 4, na fala da mãe, todos a perseguem (o Juiz , a Promotora, o Advogado, o ex-marido, a Assistente Social...). Traz um discurso contraditório, pois ao mesmo tempo em que disse que deixa os filhos escolherem se querem ver o pai, afirmou que eles não o querem, motivando-os a não quererem. Na recepção do consultório, falou na frente do filho que o pai não presta, que não quer saber dos filhos, que os abandonou e que não deixará os filhos participarem da perícia junto com o pai.
O pai por sua vez é conivente com a situação, afirmando querer o melhor para os filhos, desde que o melhor não seja morarem com ele. Quer vê-los nos fins de semana. Pensa que a guarda é “naturalmente” da mãe.
Em todos os casos examinados, o grau do conflito entre os pais e a sua ausência ou presença ditaram a maneira como ocorreu a separação, vindo a reforçar o pensamento de Dolto (1989), ao escrever que a solução é os pais se entenderem, para que os filhos possam ter momentos com cada um dos progenitores.
Outro ponto importante a destacar, uma vez que acontece na maioria dos casos, conforme verifico em minhas atividades como psicólogo, é o estabelecimento da guarda exclusiva para a mãe. Penso que a incidência maior deste tipo de guarda deve-se ao fato de que aquele “novo pai”, que luta pela guarda dos filhos e divide os seus cuidados com a mãe, dando-lhes afeto e confiança, não está presente nesta pesquisa.
4.4.2.2 Uma leitura psicanalítica
De um pai que “brincava, montava lego, dava banho, comida” – um pai real até os três anos de idade -, resta a Rodrigo um pai que “mente” que “não dá bola para ele” – um pai imaginário. Que mentira é essa? Como foi construído esse pai imaginário? E o pai simbólico?
Rodrigo diz não saber qual é a mentira, mas que “a mãe sabe”. Que saber tem a mãe? Aprisionado ao discurso da mãe, aprisionado no seu saber – um saber imaginário -, repete o que a mãe diz. É o discurso do outro, colocado em cena pelo sujeito (Lacan, 1988).
Com o pai – da realidade - Rodrigo não tem mais contato, mas sabe que ele está por perto, que tem um processo judicial em andamento, que ele está “perturbando” a vida deles. O pai imaginário não se sustenta no discurso de Rodrigo, um discurso vazio, que repete o da mãe. Já o pai simbólico, este sim está presente em Rodrigo, não em seu discurso, mas latente. Aparece em seus desenhos e jogos e é o pai que lhe dá, embora precária, uma sustentação psíquica. É um pai que irrompe do inconsciente do filho, que trai Rodrigo no seu discurso, fazendo-se presente no lúdico, como uma manifestação inconsciente, marcando ali o seu lugar.
Lacan (1991) concebe e acentua a importância dos três registros: o simbólico, o imaginário e o real, e da sua “amarração”. É nesta amarração que o objeto “a”, causa do desejo, se faz presente, permitindo o sujeito desejar além do outro. Rodrigo deseja além da mãe?
Quanto ao imaginário, este é importante na medida que dá organização à vida. Como ressalta Lacan (1988), no estádio do espelho, a primeira organização subjetiva se dá pelo imaginário. Como está a organização em Rodrigo? Há uma confusão entre o seu desejo e o da mãe. Ele não consegue aprender a ler e escrever, não escuta bem, não enxerga bem. Será que Rodrigo quer ver e escutar? O imaginário de Rodrigo é construído pela mãe. Com a separação, ele organiza seu imaginário com as frases cristalizadas pela mãe - “o pai mente”, “o pai foi embora e não dá bola para nós”. Que verdade retorna, pelo sintoma, em Rodrigo?
Nos três tempos do Édipo, descritos por Lacan (1999) tem-se, no primeiro tempo, o falo, como um objeto imaginário da díade mãe e filho, que fornece a ilusão de completude – o filho preso ao desejo da mãe. No segundo, o pai como privador, que vem intervir no discurso da mãe. No terceiro tempo, o falo vai se instalar na cultura, e o sujeito o busca incessantemente para satisfazer seu desejo.
Onde entra o pai de Rodrigo? Que lugar vem ocupar na relação edípica? Barrado pela mãe, tenta se inscrever nessa relação, buscando a Lei, do Direito, para barrar essa mãe e vir a ocupar o seu lugar de pai. Um pai, enquanto real, ausente; enquanto imaginário, enfraquecido pelo discurso da mãe; enquanto simbólico, de forma fragilizada, ao lado de Rodrigo, precisando que o judiciário o restabeleça como pai real. Essa necessidade de um terceiro, no caso o judiciário, para fundar a paternidade, garantir a sua atuação real, denuncia a fragilidade do pai simbólico. Não há como sustentar esse laço real, determinado, sem que haja um laço simbólico. A recíproca é verdadeira: se o simbólico é forte, não há necessidade de terceiros para garantir a paternidade.
Penso ser necessário mudar o modo como os sentidos são produzidos em Rodrigo. Não há uma garantia, mas uma possibilidade que, a partir da presença real, o pai consiga afetar Rodrigo na sua subjetividade, reforçando o simbólico já inscrito.
Rodrigo tem uma representação simbólica do pai, o que é essencial na estrutura psíquica. Mas, a falta do pai real, ou sua eventualidade, como diz Nasio (1991, p. 44), faz com que ele tenha a “famosa carência paterna”, que, aliada ao seu aprisionamento ao desejo da mãe, o coloca em uma certa desorganização.
Freud (1976, vol. XIX) afirma, no texto “A dissolução do complexo de Édipo” que após a primeira infância o complexo de Édipo “sucumbe à repressão” (p. 217), e é seguido pela fase de latência. Embora o Édipo e a fase de latência não se restrinjam a um tempo cronológico, senão lógico, eles coincidem com algumas etapas cronológicas importantes. Assim, a entrada na latência aproxima-se da entrada no ensino regulamentar, do início da alfabetização. Rodrigo, já no final da primeira série, era o único aluno de sua classe não alfabetizado. Parece que em Rodrigo não houve só uma separação dos pais, houve uma separação psíquica, deixando-o num desamparo infantil.
A criança pequena precisa de um adulto para sobreviver. Essa carência da criança vai estabelecer as relações com seus pais, e sua inscrição na família. Não poder contar com os pais (cuidadores) em um momento que precisa, por não estar preparado para enfrentar determinada situação, pode gerar o desamparo. O desamparo, em Lacan (1958 – 1959), é a resposta a uma situação que o sujeito tem de enfrentar sem ter recursos para tal.
De alguma forma, essa resposta virá e, no caso do desamparo, na forma de sintomas. Em Lacan (1988), sintoma é o que do simbólico invade o real. Aquilo que não pode ser simbolizado, que não teve significantes para significá-lo, vira sintoma, que aponta para uma verdade do sujeito.
Lacan cita a anorexia mental como o único modo de se opor a uma mãe invasora. Não escutar, não ver, querer dormir são as manifestações motoras de Rodrigo. Será que todos estes sintomas guardam relação com o exemplo de Lacan? É a forma que Rodrigo encontra para se opor à mãe e a toda situação: não ver, não escutar, não aprender?
Também considero importante pensar como se deu o luto das perdas na separação dos pais, para as crianças sujeitos dessa pesquisa.
Em Freud (1976, XIV) tem-se que “o luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o País, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante”. O luto inibe toda e qualquer atividade, e necessita-se de um tempo para o elaborar. Passado esse tempo, a pessoa já deve poder investir sua libido em outros objetos.
Em Rodrigo, o luto da separação dos pais parece perdurar, não há possibilidade de elaboração, pois seus sentimentos não são escutados, sua subjetividade não se manifesta, é como se ele não existisse enquanto sujeito, posto que não deseja. Assim, há um desinteresse pelas questões externas, uma inibição – função que devia estar e não estar - não consegue apreender, não se alfabetiza. O que esperar de Rodrigo? Rodrigo não sabe nada, não ouve e nem enxerga bem. Rodrigo está cansado, quer dormir. E continuará “dormindo”, enquanto não achar um lugar na cadeia de desejo, enquanto não for desejado como sujeito.
No caso Karina, a separação foi dos pais. Não houve um desamparo psíquico da criança. Pelo contrário, seu narcisismo está muito estruturado, tem os pais que a querem, tem duas casas e a segurança de que os pais estão presentes. Assim, em Karina, os fenômenos psíquicos tiveram o seu curso normal: entrou na fase de latência, aprendeu a ler e escrever, não apresenta sintomas, e seu desejo, que impulsiona a vida, não está preso ao desejo dos pais. O luto da separação parece ter sido muito bem trabalhado, e como diz Freud (id., p. 277): “... quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica outra vez livre e desinibido.” Assim, pode Karina investir no mundo, viver a sua vida.
Ser desejado ou não é de fundamental importância na estruturação psíquica e pode levar a muitas conseqüências, como nos casos de Karina e de Rodrigo, a caminhos diferentes. Segundo Rodulfo, “A fórmula binária (ser desejado/não ser desejado) admite aperfeiçoamento: um ser humano, de fato, é desejado para os mais diversos usos, e isto cobre uma gama assaz variada e variável, desde as possibilidades de produtividade que se fornecem a alguém, em seu desenvolvimento, até propiciar-lhe a psicose ou a morte.” (Rodulfo, 1990, p. 29/30) É importante e estruturante para o ser humano ocupar um espaço no desejo do Outro, e não ficar preso ao desejo dele.
Nos casos Melina e Gil, houve uma movimentação das crianças, de um desamparo, não tão acentuado quanto o de Rodrigo, a um desenvolvimento dentro da “normalidade”, não tão tranqüilo quanto o de Karina. Nos quatro casos, o destino dado a cada um refletiu a relação entre os pais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esta pesquisa pude constatar que as crianças, após a separação dos pais, ou mesmo antes desta acontecer, manifestam nas suas dinâmicas as relações que seus pais estabelecem entre si.
Quando a relação entre eles é ruim, marcada por muitos conflitos, brigas e até agressões físicas, às vezes disputando o poder em relação aos filhos, as crianças reagem negativamente, apresentando sintomas variados, conforme observei no início dos casos 2 e 3 e no caso 4. Assim, as desavenças conjugais levaram a um afastamento entre pais e filhos, bem como ao estabelecimento de uma guarda que não atende as necessidades dos envolvidos.
Por outro lado, quando os pais mantêm uma relação razoável, as crianças manifestam os comportamentos esperados para a sua idade, sem alterações bruscas, como no caso 1. Em geral, a melhora nos sintomas dos filhos está relacionada à melhora na relação dos pais, como nos casos 2 e 3.
Outro ponto que acho importantíssimo ressaltar é que nem sempre a guarda legal, estabelecida juridicamente, coincide com a de fato praticada (casos 1, 2 e 3). Nestes casos, embora a guarda legal seja exclusiva da mãe, ambos os pais decidem juntos a respeito da vida dos filhos, e não há horários pré-determinados para a visitação. O contato entre pais e filhos é livre, sem qualquer obstáculo de quem detém a guarda legal.
Somente em um dos casos a guarda estabelecida judicialmente equivale à praticada, e nesta pesquisa somente no caso em que os pais vivem em conflito (caso 4), não acontecendo as visitas determinadas.
O caso 4 é caracterizado pela guarda exclusiva, que também era praticada nos casos 2 e 3, no início da separação. Neste sistema de guarda – legal e de fato – sequer o sistema de visitação funcionou. Assim, constato que, se os pais não se entendem e se as relações entre eles são permeadas por brigas e agressões, a pesquisa aponta para a conclusão de que nenhum tipo de guarda funciona. Logo, acredito que o tipo de guarda a ser determinada não deve ser de acordo com o relacionamento entre os pais pois, se a relação entre eles é boa, qualquer guarda funciona, e a guarda exclusiva tende a se comportar como a compartilhada; se os pais vivem em conflito, nenhum tipo de guarda funciona bem, e a exclusiva leva a um afastamento de quem não detém a guarda, como acontece no caso 4.
Baseando-se nos resultados desta pesquisa, se o Judiciário fosse determinar a guarda a partir da relação dos pais - achando que quando não houvesse entendimento entre eles, a guarda exclusiva seria a melhor solução -, como de costume, estaria cometendo um equívoco, porque, quando os pais não se entendem, a guarda exclusiva não funciona (casos 2, 3 e 4), e, se os pais se dão bem, qualquer guarda funciona, como no caso 1.
Observo também que, quando os casais estão “brigando” na justiça, como se encontra o caso 4, é difícil - a partir somente do parecer do Serviço Social e da escuta das crianças em Juízo - saber qual é o “melhor interesse da criança”, como disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, pois os comportamentos manifestos das crianças não coincidem com os latentes. No caso 4, por exemplo, a criança fala que não quer estar com o pai, que ele mente. No entanto, o que aparece nos seus desenhos, brincadeiras e testes, é um desejo de estar com o pai, de se relacionar com ele. O tempo todo ele denuncia a falta que o pai está fazendo. Igualmente, o discurso da mãe, nesse caso, é equivocado, pois entende que está tudo bem com o filho. Logo, parece-me que a realização de uma perícia psicológica, nestes casos, se faz muito importante.
No caso 4 e quando da separação dos pais nos casos 2 e 3, pude observar que as questões latentes das crianças guardam relação estreita com a ausência de um dos pais e com os desentendimentos dos dois. Nos casos 2 e 3, quando sem contato regular com o pai, os sintomas foram muito presentes (início da separação), e, com o contato com ambos os pais (nos últimos tempos), as crianças estavam bem, embora alguns sintomas persistissem.
Também pude notar que as questões latentes dos filhos demonstram a necessidade do contato freqüente com seus pais. No entanto, devido a um “conflito de fidelidade” com quem detém a guarda, parece que a criança não consegue expressar seu desejo consciente, apenas inconscientemente (caso 4).
Acredito que os efeitos do tipo de guarda praticada, como visto nesta pesquisa, vão influenciar muito na dinâmica infantil, podendo fazer com que as crianças apresentem sintomas diversos, ou, ao contrário, que sigam o seu desenvolvimento dentro do esperado. Estes dois caminhos possivelmente serão trilhados de acordo com a relação dos pais e, nesse caso, é a relação deles que determinará a guarda de fato.
Penso também que, quando ocorre uma separação, é importante que as crianças não sofram outras mudanças, como a troca de escola, de bairro, de casas, pois podem fazer com que elas percam alguns referenciais e vínculos, podendo provocar o aparecimento de certos sintomas, ou agravá-los, como se supõe nos caso 2 e 3.
Considero que, independentemente da relação dos pais, ao se determinar a guarda dos filhos deve-se privilegiar o contato deles com os pais. No entanto, nesta pesquisa, não pude observar como seria a guarda compartilhada legalmente determinada e praticada quando os pais não se entendem, não se falam. Acredito que, por haver o contato de ambos os pais com as crianças, alguns sintomas não ocorreriam, ou pelo menos não guardariam relação com a falta de um dos pais. Nesta pesquisa nada se pôde afirmar sobre esta possibilidade de guarda, pois não obtive nenhum caso com esta característica para avaliar.
Por meio desta pesquisa e somente para estes casos, pude observar que a guarda exclusiva não funciona quando os pais vivem em conflito (caso 4 e no início da separação dos casos 2 e 3) e que a guarda exclusiva – quando os pais mantêm uma boa relação - tende a se comportar de fato como a guarda compartilhada, fazendo com que as crianças sigam seu desenvolvimento dentro da normalidade, após a separação, como no caso 1.
Também foi possível observar, no âmbito restrito desta pesquisa, que o nível de escolaridade dos pais não influencia no bem-estar da criança após a separação deles, ou se influencia, ele é tanto mais negativo quanto maior a escolaridade, pois somente no caso 1, no qual ambos os pais tinham apenas o nível médio, a guarda funcionou bem e a criança não apresentou problemas. Já nos casos 2 e 3, em que ambos os pais tinham o nível superior, assim como o pai do caso 4, a guarda não funcionou bem, levando as crianças a um afastamento do pai (caso 4 e início dos casos 2 e 3). Isso leva a concluir que, para esta pesquisa, o maior nível de escolaridade não significa maior condição de administrar conflitos e capacidade de se afastar deles para poder resolver com mais tranqüilidade as questões referentes à separação, divisão de bens e guarda dos filhos, tampouco para o cumprimento do contrato de visitação estabelecido.
Observo, também, que uma separação conflituosa, que leva as crianças a apresentarem sintomas, pode mudar com o tempo, a partir da redução dos conflitos dos pais, refletindo numa melhora do desenvolvimento emocional dos filhos (casos 2 e 3).
Foi possível notar ainda que, para os casos 2 e 3, os testes não revelaram a melhora das crianças no que diz respeito à estabilidade apresentada hoje em relação à época da separação. Eles apenas apontam os sintomas “cristalizados” decorrentes daquela época, indicando uma necessidade de serem trabalhados. Todavia, pelo que foi observado durante a avaliação e pelo que foi dito pelos pais, as crianças atualmente sentem-se mais seguras com ambos os pais, circulam de uma casa para a outra com tranqüilidade, têm referenciais definidos, contato diário com os pais e vivem num clima muito mais harmonioso, o que reforça a minha crença de que os testes são apenas um apoio, uma pequena parte de uma avaliação.
Como se tratou de uma pesquisa realizada a partir de poucos estudos de casos, torna-se impossível uma generalização quanto às suas conclusões. Embora se possa considerar as questões acima apontadas como relevantes, fica evidente a necessidade de estudos com fôlego maior para que se possa chegar a afirmações mais conclusivas.
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7. ANEXO
7.1 Roteiro de entrevistas semi-estruturadas para os pais
1. Por quanto tempo permaneceram casados?
2. Há quanto tempo estão separados?
3. A separação foi consensual ou litigiosa?
4. O(s) filho(s) presenciou(aram) alguma briga dos pais?
5. Que idade tinham o(s) filho(s) na época da separação?
6. Com quem ficou a guarda do(s) filho(s)?
7. Se a guarda é conjunta, qual a periodicidade e duração do contato com cada um dos pais?
8. Quem decidiu o tipo de guarda?
9. Por que se optou por este tipo de guarda?
10. O(s) seu(s) filho(s) optou pelo genitor com quem queria morar?
11. Se a guarda é exclusiva, e se seu(s) filho(s) optasse(m) por viver com o seu ex-cônjuge, aceitaria? Porquê?
12. Quais os benefícios que este tipo de guarda lhe trouxe, e ao(s) seu(s) filho(s)?
13. Quais os danos que este tipo de guarda lhe trouxe, e ao(s) seu(s) filho(s)?
14. Como era a sua relação com o(s) seu(s) filho(s) antes da separação?
15. Como é a sua relação com o(s) seu(s) filho(s) após a separação?
16. Você e o seu ex-marido / ex-esposa participavam dos compromissos do(s) seu(s) filho(s) (levar/buscar na escola, médico, deveres de aula, lazer)? Como aconteciam essas atividades? E agora, após a separação?
17. Como o(s) filho(s) recebeu(ram) a notícia da separação? Quem lhas comunicou?
18. Apresentou (aram) o(s) filho(s) algum sintoma após a separação (ansiedade, insegurança, agressividade, baixa no rendimento escolar, etc.)?
19. O(s) seu(s) filho(s) precisou(aram) de atendimento psicológico?
20. Você acha que o tipo de guarda estabelecida foi o melhor para os seu(s) filho(s)? Porquê?
21. Quando está (ão) consigo, o(s) seu(s) filho(s) pergunta(m) pelo pai/pela mãe? Que pergunta faz/fazem?
22. Como é a sua relação com o seu ex-cônjuge?
23. Como foi a vida da criança até agora: nascimento, doenças, reclamações do colégio?
24. Mudou algo no comportamento do (s) filho (s) após a separação?
3. MÉTODO
Durante esta pesquisa, realizei os passos de uma avaliação diagnóstica: entrevistas semi-estruturadas com os pais, anamnese, sessões lúdicas com as crianças, aplicação de testes nas crianças e sessões devolutivas com os pais.
As entrevistas semi-estruturadas realizadas individualmente com cada um dos pais são importantes para se conhecer a realidade da criança e sua dinâmica familiar e ter dados de uma anamnese.
As sessões lúdicas com as crianças são importantes como método de investigação, pois nelas as crianças expressam seus conflitos, e, analogamente ao sonho nos adultos, ao brincarem e comentarem sua brincadeira e seus desenhos, fazem associações que dão notícias do inconsciente. Estas associações têm o mesmo valor das associações no tratamento analítico de adultos. O brinquedo e os desenhos das crianças são modos de os conteúdos latentes irromperem a barreira da repressão. O analista, a partir de sua formação pessoal, com uma escuta analítica do inconsciente “traduzirá” o desejo do paciente. Como diz Nasio “o analista sonha em voz alta o que o paciente recalca em silêncio (...) O inconsciente não é individual, mas comum aos dois membros do encontro analítico” (Nasio, 2002, p. 1).
Quanto aos testes (Wartegg, HTP e Desenho da Família), estes podem servir de apoio para uma avaliação que tem tempo estipulado e breve, como ocorre com as determinadas judicialmente. Somente nesses casos incluí essas técnicas, as quais julgo serem muito eficazmente substituíveis pelas sessões lúdicas com a criança, que têm papel diagnóstico e terapêutico. Para esta pesquisa, optei por testes projetivos gráficos, que me auxiliam mais na compreensão da dinâmica infantil, especialmente o H.T.P. e o Desenho da Família, por instigarem a criança a falar, fazendo associações com a sua realidade: sua casa, a pessoa mais próxima, enfim, o seu mundo.
Quanto aos sujeitos desta pesquisa, foram pais e filhos que conviveram diariamente até o momento da separação. Para que a amostra ficasse mais homogênea, investiguei crianças que tinham entre sete e dez anos. Cheguei a estas pessoas da seguinte forma: caso 1, indicado por minha irmã; caso 2 e 3, a partir de contato que a mãe fez com o entrevistador pelo telefone para solicitar uma informação (já havíamos tido um contato profissional há quatro anos), onde então fiz o convite e ela e o ex-marido aceitaram; caso 4, por indicação de uma Assistente Social do Fórum.
Primeiramente fiz contato com todos, explicitando o objetivo da pesquisa e solicitando as suas participações. Neste contato com os pais, marquei um primeiro horário, individual, para cada um, a fim de proceder a entrevista inicial e a anamnese, bem como marquei os horários para as sessões com as crianças e a sessão devolutiva.
Foram realizadas duas sessões com o pai e a mãe, individuais, e cinco sessões com as crianças. As técnicas utilizadas foram as mesmas para cada grupo: entrevista semi-estruturada, anamnese e sessão devolutiva, com os pais; sessões lúdicas e aplicação de testes, com as crianças.
Com os pais, foi realizada uma entrevista antes da avaliação das crianças, e outra após. Com as crianças, as sessões aconteceram da seguinte forma: no caso 1, as duas primeiras sessões foram realizadas na mesma semana, na quarta e sexta-feiras, e as outras três nas três semanas seguintes, em dois sábados e em um domingo; nos casos 2 e 3, aconteceram, a primeira e a Segunda sessão, numa quarta e sexta-feira da mesma semana, e as outras 3 três na semana seguinte, numa segunda, quarta e sexta-feira; no caso 4, aconteceram duas sessões nas terça e quinta-feiras, da mesma semana, e as outras três na semana seguinte, nas segunda, quarta e sexta-feiras. As sessões/entrevista duravam em média de 50 a 60 minutos, tanto para os pais quanto para os filhos. Por se tratar do método clínico, o local utilizado para os encontros foi o meu consultório, na medida em que é um ambiente propício para a aplicação dos procedimentos escolhidos.
Os pais tinham, em média, 45 anos, não havendo muita diferença de idade entre os pesquisados adultos. Quanto à escolaridade: no caso 1, os pais tinham o nível médio completo, nos casos 2 e 3, o nível superior, e, no caso 4, a mãe tinha o nível médio e o pai, superior. Com relação à profissão dos pais tem-se: no caso 1, os dois são massoterapeutas; nos casos 2 e 3, o pai é médico pediatra e a mãe é psicopedagoga e, no caso 4, a mãe é dona de casa e o pai é engenheiro.
Terminada essa etapa, passarei ao estudo dos casos, a fim de tentar responder aos objetivos propostos e descrever as demais informações. O estudo se deu em dois momentos, um onde foi abordada a dinâmica de cada família, antes, durante e após a separação, usando referenciais da teoria do gênero, da história da família a partir dos estudos de Ariès e Badinter, bem como, de alguns autores da psicanálise. Em um segundo momento, foi realizada uma leitura psicanalítica, usando as teorias de Freud e Lacan, abordando principalmente o caso 4, por ele espelhar melhor a dinâmica das famílias que passam por perícia psicológica para a determinação da guarda ou de visitas. Esta análise foi encaminhada a partir do instrumental psicanalítico: escuta analítica das crianças, interpretações dos desenhos, jogos e análise dos testes. Foram comparados os resultados da avaliação psicológica das crianças entre si e com as entrevistas dos pais, bem como os casos entre si, a fim de demarcar as peculiaridades de cada um.
4. ESTUDOS DE CASOS: entrevistas, sessões e discussões
4.1. Caso 1
Karina, uma menina de oito anos, filha única do casal. Tem uma irmã de dezoito anos, do primeiro casamento da mãe. Estuda na terceira série do ensino fundamental, em uma escola da rede particular.
4.1.1 Entrevistas com a mãe
A mãe apresenta-se disposta e com vontade de participar das entrevistas e de saber da avaliação da filha. Vem a todos os encontros no horário, bem como foi ela quem trouxe a Karina em todas as sessões realizadas com ela.
Conta que ela e o ex-marido moravam na mesma rua e tinham, e têm, a mesma profissão. Ela e a filha mais velha moravam de favor na casa da irmã e, segundo seu relato, havia alguns conflitos em casa. O ex-marido “dava em cima dela” (sic) e então foram morar juntos. Acha que uniram o útil ao agradável. Permaneceu casada por sete anos, estando separada há quase três anos, separação esta que ocorreu quando a filha tinha seis anos. Essa união é seu segundo casamento. Do primeiro casamento teve uma filha que está hoje com dezoito anos. Karina presenciou algumas brigas e discussões entre os pais, mas nada grave.
A guarda ficou com a mãe, pois era ela quem “sempre comandara tudo”. Como ficou com a casa, o pai precisou organizar-se, não tendo condições de ficar com a filha. Sequer foi cogitada essa hipótese, segundo o que relata. Para a criança já estava claro que permaneceria com a mãe e não se opôs a isso. Fala que se a filha quisesse ir morar com o pai, ela não se oporia, mas iria conversar com ambos, pois acha que o pai não teria condições de cuidar dela, devido à sua profissão – é autônomo e sai para trabalhar sempre que é chamado, diferente da mãe, que atende em casa. Também acha que “ele só é pai de vez em quando”, que diariamente, com todas as tarefas e compromissos, não daria conta. Relata que era ela que sempre fazia tudo, pagamentos, organização da casa e tarefas, inclusive pedir para o pai brincar com a filha.
Fala que o pai pode ver a filha quando quer e que esta pode telefonar para ele sempre que desejar. Conta que no início não deixava Karina dormir na nova casa do pai, porque ele dividia o apartamento com outras pessoas. Com o tempo, a filha começou a dormir algumas vezes com o pai, o que acontece até hoje.
A mãe acha que o tipo de guarda estabelecido foi importante, porque Karina ficou protegida pela mãe. Fica a semana toda “numa boa” com a mãe. Segundo sua impressão, a menina quando fica dois dias com o pai volta estressada, brigando. Ainda assim, acha que ela ficou mais unida à mãe e ao pai. Tem a impressão que após a separação o pai começou a se importar mais, brincar mais.
Quanto aos danos da guarda que pratica, fala da falta de contato diário da filha com o pai, que Karina sente saudades dele e que fica feliz quando fala com ele. Diz que este tipo de guarda leva a um distanciamento do pai. Ele vai lá duas a três vezes na semana. Acha que a filha ficou melhor após a separação, que inclusive os avós paternos afirmam isso, e acham que o pai ficou mais participativo e a filha mais independente. Karina era meio agressiva, ficou mais calma e fez mais amigos. Relata que, após a separação, ela e as filhas ficaram mais unidas. Fala que sempre foi ela quem levava Karina aos compromissos.
Conta que a notícia da separação foi dada por ela e que Karina não ficou feliz, mas também não teve uma reação dramática. Diz que a menina ficava fazendo campanha para ambos arrumarem namorados.
Fala que não deu para perceber se Karina apresentou algum sintoma após a separação. Ela acha que a filha ficou melhor, mais feliz, que passeava mais com o pai após a separação do que antes. Acha que a filha já sentia que o casamento dos pais havia acabado, que a relação estava estressante para todos e que a separação foi melhor.
Karina nunca precisou de atendimento psicológico, nunca houve reclamação no colégio. Fala, ainda quanto ao tipo de guarda, que, se o pai tivesse condições, seria bom alternar a casa. Acha que a filha preocupa-se muito com o pai e, quando ficam sem se falar por alguns dias, Karina fica angustiada. Conta que a sua relação com o pai de Karina é muito tranqüila.
Acha que na fase final do casamento, Karina estava tendo algumas reações agressivas e estava num clima nervoso. Acredita que após a separação a filha ficou mais feliz, que o pai melhorou, ficou mais tranqüilo, arrumou mais trabalho. Conta que ambos os pais sempre decidem juntos tudo a respeito da vida da Karina, continuando assim após a separação.
4.1.2 Entrevistas com o pai
Com o pai o contato foi mais difícil. Segundo ele, nem sempre pode vir no horário combinado, pois quando é chamado para fazer massagens – e isso pode acontecer a qualquer hora – ele fica impossibilitado de ter outros compromissos. Faltou à primeira sessão e trocamos várias vezes os horários anteriormente combinados.
Conta que já sabia que o casamento não iria dar certo uma vez que a ex-esposa nunca tinha respondido às suas tentativas de namoro, mas, como a relação dela na casa da irmã estava complicada, resolveu ir morar com ele. Permaneceram casados por sete anos, estando separados há quase três anos, quando a filha contava com seis anos. A separação foi consensual. A filha presenciou brigas e discussões entre os pais e a guarda ficou com a mãe, “pois ela ficou com toda a estrutura – casa montada, próxima à de sua família, amigos e colégio”.
Ele passou a dividir apartamento com outras pessoas, tentando refazer sua vida. Não daria para levar a filha. Fala que liga diariamente para a filha e a vê duas vezes na semana, na casa da mãe. Às vezes Karina pede para ir dormir com ele, o que acontece ocasionalmente. Tem sua cama na casa do pai, faz muitos desenhos para ele quando fica na sua casa e é muito afetuosa. Conta que foi praticamente “imposto” que a filha ficaria com a mãe. Conta que a filha chorou quando soube da separação. Fala que, se a filha quisesse ir morar com ele, não se oporia, mas teriam que conversar, arrumar uma solução. Pelo serviço dele e sua rotina, fica difícil administrar a vida com uma filha pequena e considera que não tem uma infra-estrutura para tanto. A locomoção é difícil, depende de ônibus, e mora longe da mãe e do colégio de Karina. Financeiramente ficaria difícil. Fala que pode ver a filha e participar da vida dela sem restrições, que ele e a mãe continuam decidindo juntos as questões pertinentes à filha. O pai acha que o tipo de guarda estabelecido foi bom, pois a mãe ficou com uma estrutura que podia dar conforto e amparar melhor a filha.
Quanto aos danos da guarda que pratica, fala do não contato diário com a filha, mas que Karina nunca esboçou nenhuma reação contrária. Acha que este tipo de guarda possibilitou a ele refazer sua vida, mas prejudica a mãe, pois esta não tem alguns dias só para ela. Acha que a filha ficou melhor após a separação, que antes tinha mais brigas e que agora ela é mais amorosa.
Relata-nos que sempre brincou muito com a filha, que pintavam, desenhavam. Fala que as tarefas eram divididas, mas ele dava mais atenção à filha e a mãe, ao lar.
Fala que a notícia da separação foi dada por ele, que Karina chorou quando soube que ele não mais moraria lá. Diz que Karina não apresentou sintomas após a separação, que foi um processo tranqüilo, não precisando de apoio psicológico. Fala que a relação dele e da mãe é tranqüila, que ambos souberam separar o conflito deles da relação com a filha.
Fala que Karina gosta de ir a sua casa, que não fica perguntando pela mãe, que é normal, conta coisas do dia a dia. Diz que a filha sempre gozou de uma ótima saúde, e que teve uma alergia, quando do fim do casamento, que ele entendeu como uma resposta ao estresse. O pai acha que a filha melhorou após a separação, ficou mais desenvolta, independente. Melhorou a qualidade da relação.
4.1.3 Sessões com Karina
Karina apresenta-se bem desenvolta, fala bastante, é muito meiga e atenciosa. Brinca com muita tranqüilidade.
Brinca na casinha (uma casa em miniatura, com todos os cômodos, móveis e bonecos). Põe-se a arrumá-la, coloca o pai deitado sozinho, diz que ele está cansado. Fala um pouco de sua casa, diz que gosta de morar lá e ir visitar o pai. Diz que é bom ter duas casas. Às vezes dorme na casa do pai. Fala que não gostaria de ter ido morar com o pai, pois gosta da casa da mãe e tem seus amiguinhos lá. Gosta de passear com o pai e já foi duas vezes ao Horto Florestal com ele. Fala das amigas, que gosta de brincar de casinha e de aula. Gosta da sua casa, de ir à aula e tem notas boas.
Em outra sessão, fizemos um jogo de montar palavras. Entre outras, escreveu “vida” e “mudar”. Pergunto se queria mudar de vida e ela diz que não, que está muito bom assim. Conta que quando o pai morava com elas, ele brincava mais e a mãe fazia as coisas da casa. Era a mãe quem cuidava dela. Quando dorme na casa do pai, leva muitos desenhos para ele. Tem sua cama lá e eles brincam.
Fala que o pai não pode ficar muito com ela e brincar porque ele tem que trabalhar.
Entre outros, jogou a senha, jogo da memória e garçom equilibrista. Faz todos os jogos propostos para a sua idade de forma tranqüila, demonstrando um bom desenvolvimento emocional e intelectual.
Realiza os testes propostos com muita tranqüilidade. Seus desenhos são bem coloridos, claros e definidos.
4.1.4 Resultados dos testes
As características mais ressaltadas nos testes foram: bom nível de maturidade; boa estrutura familiar; boa auto-estima; bom contato com a realidade; boa atividade imaginativa; equilíbrio; calma; integração da personalidade; boa flexibilidade; boa percepção; enfrenta bem as angústias; tem capacidade de síntese.
4.2 – Casos 2 e 3
Tratam-se de dois irmãos, com os quais já havia tido contato há três ou quatro anos, quando da separação dos pais. Fiz a avaliação psicológica deles, a pedido do colégio e dos pais. Na época indiquei tratamento para os dois. O da menina não foi realizado. O garoto esteve em tratamento comigo por aproximadamente oito meses. Caso 2 – Melina, uma menina de nove anos, tem um irmão de dez anos, que também participou da pesquisa (caso 3). Estuda na terceira série do ensino fundamental de escola da rede particular. Caso 3 - Gil, um menino de dez anos, irmão da Melina (caso 2). Estuda na quinta série do ensino fundamental de escola da rede particular.
4.2.1. Entrevistas com a mãe:
A mãe apresenta-se bem disposta a participar, diz que confia em meu trabalho, e que, por ela, os filhos, principalmente Gil, estaria em tratamento.
Relata que permaneceu casada com o pai da Melina e do Gil por nove anos. Era o segundo casamento do pai, que já tinha uma filha, hoje com 20 anos. Estão separados há quatro anos. Apesar de ter sido consensual, houve muita briga, parando na Justiça. Os filhos presenciaram várias brigas. Na época da separação eles estavam com 5 e 6 anos, e a guarda ficou com a mãe. Os pais brigavam muito após a separação, ficavam muito tempo sem se falar. As crianças não tinham dias certos para estarem com o pai. Hoje a situação melhorou muito, os pais já se relacionam razoavelmente. O pai leva e pega Gil todos os dias no colégio, almoça alguns dias com eles e leva Melina para o colégio. Em alguns dias da semana Gil dorme na casa do pai. Em fins de semana alternados vão para lá.
O pai está no terceiro casamento e a mãe acha que os filhos não se relacionam muito bem com sua nova esposa. Fala que Gil a chama de chata.
Ambos decidiram pela guarda exclusiva da mãe, “foi eu que administrava tudo, que sempre cuidou dele, não trabalhava fora, e o pai trabalhava o dia todo”. Os filhos também quiseram ficar com a mãe. Gil já tentou por três vezes morar com o pai, mas não deu certo. Conseguiu ficar no máximo um mês. Fala que o pai enlouquecia com ele, com as brigas dele e da irmã. Diz que deixaria os filhos morarem com o pai, queria muito que desse certo.
Acredita que, no início, este tipo de guarda não foi o melhor, pois o pai quase não os pegava, os via pouco e a mãe ficava sobrecarregada. Agora está muito bem, tanto que as crianças melhoraram muito. Acha que os filhos ficaram mais independentes. Diz que ela era muito protetora. Sua relação com os filhos melhorou. Conta-nos que durante o casamento ela respondia por tudo, o pai sempre estava cansado ou ia jogar tênis
Quanto à notícia da separação, diz que ela começou a prepará-los. Eles queriam ficar na “casa amarela”, onde tinham os amigos e era perto da escola e do clube. O que mais marcou e entristeceu as crianças foi a saída da casa.
Gil apresentou muitos sintomas após a separação. Precisou de acompanhamento psicológico, ficou muito agressivo e teve baixa no rendimento escolar. Ganhou várias suspensões no colégio, trocou de escola por três vezes.
Quanto à Melina, esta “guardava muito para si, não se abria”. Começou a roer as unhas, às vezes chorava no colégio, ficou mais tímida. Também precisou de tratamento psicológico, segundo avaliação feita por psicólogo, mas o pai não concordou com o tratamento, motivo pelo qual não foi realizado.
Quanto ao tipo de guarda, acha que o pai deveria participar mais, ou pelo menos nos primeiros anos da separação, pois agora está bem. A relação com o ex-cônjuge era péssima, agora melhorou, já conseguem conversar e resolver algumas coisas juntos.
Gil apresentou fungos na cabeça, problema que se agravou após a separação, perdendo cabelo e tendo vergonha, andando somente de boné. Já fez duas cirurgias plásticas para reparar problemas decorrentes de dermatite no couro cabeludo. Sempre teve muitas reclamações nos colégios, suspensão. Quanto a Melina, só achavam-na muito quieta, roendo unhas, e que às vezes chorava por nada.
4.2.2 Entrevistas com o pai
O pai, da mesma forma que a mãe, estava interessado na entrevista e fala que achou muito bom o tratamento realizado com seu filho, que ele melhorou em muitos aspectos, e que só interrompeu e não retornou por questões financeiras.
Conta que permaneceu casado com a mãe da Melina e do Gil por nove anos; que era o seu segundo casamento, que já tinha uma filha, hoje com 20 anos; e que está separado há quatro anos da mãe de Melina e Gil.
Acredita que, apesar de ter sido consensual a sua separação legal, de fato foi litigiosa, pois houve muita briga. Os filhos presenciaram várias brigas.
Na época da separação os filhos estavam com 5 e 6 anos e a guarda ficou com a mãe. Os pais brigavam muito após a separação, ficavam muito tempo sem se falar. Eram complicadas as visitas aos filhos, em face das brigas com a ex-mulher, o que dificultava muito o contato dele com os filhos. Acredita que eram as brigas dos pais que deixavam as crianças com problemas.
Gil morou um tempo com ele, mas não deu certo. Hoje a situação melhorou muito, pois ele e a ex-mulher já se entendem razoavelmente. Quanto as visitas, o pai afirmou o mesmo que a mãe. Conta que está no terceiro casamento. Segundo ele, os filhos se dão bem com sua esposa.
Diz que os dois genitores decidiram pela guarda exclusiva da mãe e que “isso aconteceu naturalmente”. Ele trabalhava o dia todo e dava plantões em algumas noites. No seu entender, o tipo de guarda no início foi prejudicado pelas brigas dos pais. Agora está funcionando bem. Os filhos vão com o pai sempre que querem, ele os vê todos os dias e alternam fins de semana. Agora, pai e mãe conversam e conseguem decidir juntos o que é melhor para os filhos.
A guarda foi ruim no início, pois antes da separação ele tinha contato direto com os filhos. Depois da separação, não mais. Hoje é muito boa, tem total liberdade para vê-los. Diz que a mãe organizava mais os compromissos dos filhos, mas médico e dentista ficavam por conta dele.
Fala que não houve um momento de contar aos filhos sobre a separação, que eles já esperavam, devido às brigas, e no final os pais já estavam dormindo em quartos separados. Até hoje o pai acredita que os filhos gostariam que ele e a mãe voltassem a viver juntos.
Quanto aos sintomas dos filhos, no caso de Gil foram bem notórios, com agressividade, baixa no rendimento escolar, suspensões no colégio. Já a Melina ficou mais quieta, introvertida, chorava no colégio sem um motivo aparente.
Fala que Gil, quando há qualquer problema ou discussão em casa, “apronta” no colégio. Diz que ele tem muita dificuldade de relacionamento, que não tem amigos. Parece que sempre está querendo chamar a atenção. De vez em quando se encrenca com a nova mulher do pai e não aceita muito as regras. Já Melina é grudada com ela e têm uma excelente relação. Por outro lado, acha que Gil apresenta-se seguro em vários aspectos e amadureceu. Pega o ônibus sozinho, vai para a casa do pai e da mãe sem problemas, sempre que deseja.
Acha que a guarda com a mãe foi a melhor opção, pois com a venda da casa, comprou um apartamento bom para a ex-mulher. A sua casa nova demorou a ficar pronta e, enquanto isso, morou num apartamento de um quarto, ficando difícil receber os filhos para dormirem lá. Caso ele tivesse ficado com a casa, poderia ter ficado com a guarda sem problemas, ou se a relação dele com a ex-esposa fosse como agora, a guarda seria ótima desde o início, pois antes, ficava até cinco meses sem falar com ela, e isso atrapalhava na visitação dos filhos. Hoje os vê praticamente todos os dias e, junto com a mãe deles, decide tudo que diz respeito aos filhos.
4.2.3 Sobre o primeiro contato com a família há 4 anos.
Achei importante descrever algo sobre o contato que tive com esta família logo após a separação do casal, para poder fazer algumas comparações com as informações de hoje.
Quando me procuraram, foi por indicação do colégio, pois Gil estava levando muitas suspensões, devido à agressividade dele, e Melina apresentava algumas crises de choro sem motivos aparentes.
Os pais vieram juntos somente na primeira entrevista, ainda assim com muita resistência. Diziam que não poderiam ficar juntos no mesmo local, que não queriam mais entrevistas juntos. A mãe dizia que, se pudesse, passava com um carro em cima do pai. O pai igualmente a atacava. Eles transmitiam muito ódio e agressividade nos olhares e palavras. Tive que fazer um contrato pelo qual ambos eram obrigados a permanecerem sentados, para que não houvesse agressões físicas. Trocavam acusações entre si, sendo impossível iniciar uma anamnese dos filhos e saber o motivo da consulta. Mesmo assim, considerei importante que eles viessem juntos ao consultório, pois achei que eles ainda tinham muitas coisas para se dizerem, e certamente eram aqueles conflitos que estavam deixando as crianças com problemas. No entanto, não concordaram e as entrevistas continuaram de forma individual.
A mãe contava que o pai “meteu os pés pelas mãos”, vendendo a casa onde eles moravam, a qual era perto do colégio e onde os filhos tinham os amigos e brincavam na rua. Que a relação deles (casal) era insuportável, havendo uma total incompatibilidade entre eles. Que os filhos presenciaram várias brigas e agressões mútuas, e que até aquela data era assim.
Os pais ficavam muito tempo sem se falar e, quando se falavam ao telefone, era somente para brigar. Que as brigas deles atrapalhavam as visitas, sendo pouco o contato do pai com os filhos. A mãe dizia-se muito preocupada com a agressividade de Gil e a “gota d’água” no colégio foi ele ter cravado uma tesoura nas costas de um colega. Igualmente se preocupava com Melina, que vivia roendo unhas e chorando na escola.
O pai, por sua vez, contou que foi a mãe quem criou aquela situação, que sempre foi muito explosiva e que era inviável continuarem juntos, sequer se verem ou ficarem num mesmo local. Assim, o pai não tem nem ao menos participado das festas de aniversário dos filhos. Evitava telefonar e encontrar a ex-mulher, pois qualquer coisa era motivo para brigarem, o que dificultava o contato com os filhos. Que as crianças sofreram com as brigas deles e com a venda da casa. Falava que naquela ocasião não poderia estar com os filhos na sua casa, pois alugara um apartamento de um quarto e morava lá com a namorada. Os filhos ficariam desconfortáveis e, quando iam lá, tinham que dormir na sala.
O pai estava construindo uma casa no mesmo bairro onde moravam quando casados, o que estava gerando grandes expectativas nas crianças. Porém, resolveu vendê-la por questões financeiras, o que gerou frustrações nas crianças.
Quanto à avaliação das crianças, à época, ambos se mostravam muito “perdidos”, sem um referencial, inseguros, sem saber onde morariam e com quem. O pai estava provisoriamente num apartamento de um quarto, a casa que esperavam com tanta expectativa seria vendida. Os pais brigavam muito e as crianças participavam de toda a agressividade deles.
Haviam perdido a casa amarela, o colégio e os amigos da rua. O que mais chamava a atenção, era a falta de referencial das crianças, o desamparo que aparentavam, a falta de confiança, uma desestruturação espacial e temporal, faltando-lhes um porto seguro. Os sintomas que apresentavam eram os mais diversos, ressaltando a agressividade de Gil e a ansiedade de Melina.
4.2.4. Sessões com Gil
Gil apresenta-se meio apreensivo e demonstra que não está ali por sua vontade, mas pela vontade dos pais. Entra no consultório e fala, no início, com algumas reservas, respondendo as perguntas feitas.
Conta-me que ficou em três recuperações, que não gosta do colégio em que estuda, quer mudar novamente. Já mudou no ano passado. Tem problemas lá, briga e não gosta dos amigos. Os pais já foram chamados algumas vezes e ele já teve suspensão. Estuda pela manhã, e o pai o leva e pega no colégio. Faz inglês às segundas e quartas feiras.
Em casa ele assiste TV, brinca no computador, joga vídeo game e brinca com os amigos. Fala que tem mais amigos no prédio do pai. Pergunto-lhe se tem muitos amigos, diz que sim. Pergunto se o pai e a mãe não os conhecem, pois falaram que ele fica muito sozinho, que não tem amigos. Ele não responde. Vai para a casa do pai em fins de semanas alternados. Gosta de estar com o pai. Na casa do pai gosta mais do computador e da piscina. Fala que a mulher do pai é legal e às vezes brinca com ele. Já foi morar com o pai algumas vezes, mas não deu certo. Diz que briga muito com a irmã e o pai se incomodava muito.
Gil se mostra um pouco ansioso, parece querer mostrar que está tudo bem. A partir da segunda sessão diz para os pais que não quer mais vir ao consultório.
Jogamos o jogo da senha, porém teve muitas dificuldades na primeira vez, apresentando um déficit de atenção. Após pontuar cada jogada, chamando por sua atenção, conseguiu jogar satisfatoriamente. Ele desconcentra-se com facilidade.
Pedi para que fosse arrumar a casinha de brinquedos. Falei para ele fazer como se fosse sua. Então tira todos os objetos e bonecos para fora e arruma do seu jeito. Coloca o pai no andar de baixo, na mesa, e a mãe numa cama de casal, com um casal de bebê ao lado. Fala que é um menino e uma menina. O pai chegou mais tarde, estava trabalhando, e a mãe já estava na cama com os bebês. Pergunto se poderia ser a família dele, ele e a irmã quando bebês. Ele diz que gostava quando eram menores e moravam na casa amarela na Lagoa. Gostava muito da casa amarela.
Diz que preferia que os pais estivessem juntos, mas diz que é bom ter duas casas e gosta de ficar na casa da mãe tanto quanto na do pai. Fala que agora gosta de como estão as coisas, que vê os pais todos os dias, pode ir para a casa do pai quando quer. Fala que os pais não brigam muito. Que antes brigavam muito e ele ficava alguns dias sem ver o pai.
4.2.5 Resultados dos testes
Os testes mostraram a existência de agressividade, insegurança, necessidade de igualar-se aos outros, sentimentos de inferioridade, dificuldades de enfrentar obstáculos, boa capacidade de síntese, necessidade de proteção, sentimentos de rejeição, vivências depressivas, dificuldade de adaptação, inibição de afetos, comportamento defensivo, dependência do meio.
4.2.6. Sessões com Melina
Melina apresenta-se muito ansiosa, roendo as unhas e limitando-se a responder as perguntas feitas. Fala que está feliz porque vai voltar para o colégio que estudava antes. Gosta de lá, tem amigos. Fala que saiu de lá porque o irmão aprontava muito e tinha muitas anotações. Então o pai mudou os dois de colégio. Ela vai voltar para o colégio anterior e o irmão vai para outro colégio.
Conta-nos que dorme em fins de semana alternados na casa do pai. Às vezes vai à praia com o pai e, com a mãe, geralmente fica na piscina. Diz que quando eles eram menores, brincavam de pega-pega com o pai.
Fala que se dá bem com a mulher do pai, que ela a ajuda na pesquisa do colégio. Acha que ela é “legal”. Conta-nos que o pior da separação foi ter saído da casa amarela, que gostava de lá, que conhecia todos os vizinhos, que brincava na rua.
Joga a senha, vai bem, demonstrando conseguir se concentrar. Arruma a casinha como se fosse sua. Igualmente ao irmão, coloca o pai na mesa e a mãe com os dois bebês na cama. Fala que a mãe estava cansada e estava dormindo com as crianças. O pai estava dando plantão e voltou tarde.
Fala que era bom quando tinham a casa amarela, mas já não gostaria que os pais vivessem juntos. Fala que assim é melhor. Gosta de ter duas casas e agora os pais quase não brigam. Gosta da nova mulher do pai, mais prefere ficar na casa da mãe. Só gosta de ir na casa do pai às vezes. Diz que não mudaria nada, poderia ficar como está, que agora está muito bom.
4.2.7 Resultados dos testes
Demonstra insegurança, ansiedade, sensibilidade, necessidade de crescer, traços depressivos, instabilidade, bom desenvolvimento intelectual, boa capacidade de organização, sentimentos de culpa.
4.3. Caso 4
Rodrigo, um menino de sete anos, que estuda na primeira série de uma escola particular, tem um irmão de 14 anos. Os pais encontram-se em processo judicial de regulamentação de visitas. Tive contato com o relatório da assistente social do Forum, que indicou o caso para entrevista. A assistente social fala que houve uma resistência muito grande da mãe em aceitar as entrevistas, mas decidiu colaborar, já que logo teria que passar por uma perícia psicológica. O pai concordou imediatamente.
4.3.1. Entrevistas com a mãe
A mãe apresenta-se muito resistente, diz que só veio por causa da assistente social e porque acha que será bom, pois passará por uma perícia psicológica. Fala que não sabe o motivo da separação. Que ela e o ex-marido estão separados há 3 anos. Que o casamento durou 13 anos, que não havia brigas nem discussão. Que o ex-marido bateu nela no último dia do casamento. Ela diz que sentia que o casamento estava acabando, que já não havia qualquer relação entre eles e que no último ano ele já estava deixando faltar “as coisas” em casa.
Conta-nos que o marido, à época, viajava muito, e que era ela que “cuidava de tudo”. Que não havia diálogo entre eles e nem dele com os filhos. Que o pai brincava com os filhos, montava “Lego”. Fala que as crianças ficaram revoltadas com a saída do pai, pois o pai mentiu a eles, dizendo que estava viajando.
Diz que casou grávida de três meses. Fala muito do processo que está enfrentando e culpa o pai pelo estresse do processo. Fala que o advogado dela não lhe deu nenhuma informação e que não quis levá-la à audiência; que a promotora é amiga do ex-marido; que a assistente social mentiu e inventou as coisas colocadas no relatório; que as informações do colégio – que estão nos autos – não são verdadeiras tampouco, as declarações do ex-marido.
Conta-me que Rodrigo nasceu de oito meses e que apresenta vários problemas: de audição, de visão e de coordenação motora; que aproximadamente há um ano começou a ter crises de epilepsia durante o sono; que falou e caminhou mais tarde que o esperado.
Diz que trabalhou somente até o filho mais velho completar três anos. Fala que as visitas não estão acontecendo, pois na primeira visita, realizada no MacDonald’s, o filho mais velho ficou conversando com o pai e o Rodrigo não quis ficar com ele. Depois disso, o pai nunca mais telefonou. Fala que os filhos não querem saber do pai. Ela afirma deixar a critério dos filhos ter ou não contato com o pai, “mas eles não querem, pois o pai os despreza”.
Fala que Rodrigo precisou acompanhamento psicopedagógico, mas agora está tudo bem. Que foi o ex-marido que saiu de casa e ela quem ficou com a casa, que era ela quem sempre cuidava dos filhos. Diz que as crianças não perguntam pelo pai. Fala que o Rodrigo está com problemas de relacionamento no colégio.
4.3.2 Entrevistas com o pai
O pai apresenta-se com um ar cansado, meio desanimado, mas interessado na entrevista e se diz confiante na perícia psicológica que está por vir, que ela ajudará os filhos e que fará com que as visitas ocorram.
Fala que a separação se deu por ciúmes demasiados da ex-esposa. Relata que quando ele estava em viagens, ela ligava a toda hora, queria saber onde ele estava; que descia à noite no hotel para jantar e subia correndo, preocupado que ela poderia ligar e, se ele não estivesse no quarto, haveria uma crise de ciúmes. Quando saía do trabalho aqui em Florianópolis e, por algum motivo perdia o ônibus, tinha que dar “mil explicações”, e acabavam brigando, tudo por ciúmes da ex-esposa.
Conta-me que, quando se separou e foi para casa de sua mãe, o filho mais velho foi junto, e não queria mais voltar para a casa da mãe. Que ele teve que convencê-lo a voltar. Fala que sempre foi muito presente na vida dos filhos, que brincava, dava banho, trocava fraldas.
Diz que não tem como visitar seus filhos, pois a ex-mulher obstrui qualquer contato, desligando o telefone, que ela ouvia da extensão, quando era ele. Conta que ela tem algum problema psiquiátrico, pois chegou a ser internada na Unidade de Psiquiatria, e tem histórico psiquiátrico na família, o irmão é esquizofrênico.
Acredita que a sua ex-esposa exerce uma pressão muito forte sobre os filhos, manipulando-os e incutindo neles várias inverdades sobre o pai. Que os filhos não querem mais vê-lo, diante de tantas mentiras contadas pela mãe. Conta que entrou com processo na Justiça para ter o direito de ver os filhos, e que solicitou uma perícia psicológica, que irá se realizar por estes dias.
Acha que os filhos não estão bem, tampouco a mãe deles. Acha-os muito sozinhos, têm pouco contato com outras pessoas e sofrem as influências negativas da mãe sobre a imagem do pai. Fala que na única tentativa de visitas determinada pela juíza, no MacDonald’s, a mãe deu-lhe um tapa no rosto, na frente das crianças, porque ele não quis assinar um documento que a mãe pedira para o filho maior redigir ali, durante a visita, e o pai assinar. Tal documento dizia que o pai iria passar o dinheiro do colégio junto com o da pensão. Segundo o pai, fazendo isso, a mãe estaria lhe tirando a única oportunidade de ele ter algum contato com os filhos, por meio do colégio. Fala que a mãe só se preocupa com a questão financeira, que ele paga 50% do seu salário de pensão para os três, e ela ficou com tudo, casa, carro e móveis.
Diz que não quer ter contato com os filhos se for à força. Gostaria que tivesse uma maneira de se reaproximar dos filhos, contar a sua história longe da influência da mãe. Gostaria que fosse possível se aproximar deles, sem interferência da mãe, para que realmente pudessem esclarecer os fatos e conviverem como uma família.
Conta-me que se casou porque a namorada (ex-esposa) estava grávida; ficaram 11 anos casados e estão separados há três. A separação foi litigiosa e o processo continua. Os filhos tinham quatro e onze anos quando da separação, e a guarda ficou com a mãe, pois ele saiu de casa. Fala que não tem contato com os filhos desde que se separou. Que está sempre em viagem a trabalho, não podendo ficar diariamente com os filhos.
A separação e a guarda estabelecida afastou-o dos filhos. Antes tinha uma boa relação com eles, hoje não tem nenhuma. Diz que dava banho nos filhos, brincava, dava-lhes comida. Levava ao colégio, pois a ex-mulher não dirigia.
Quando da separação, conta que falaram que o pai estava viajando e, depois disso, ele não pode mais vê-los para contar a verdade.
Fala que Rodrigo precisou acompanhamento psicológico e psicopedagógico, e que “após a separação os filhos ficaram mais agressivos e isolados, não brincam e não têm amigos, segundo informações do colégio e de seus colegas”.
4.3.3 Sessões com Rodrigo
Rodrigo apresentou-se meio “curioso”, quando o encontrei na recepção com sua mãe. Ao convidá-lo para entrar, olhou para sua mãe, esperando uma aprovação. Esta imediatamente disse que ele não queria entrar sozinho e pediu para entrar junto. Pedi a ela que aguardasse um pouquinho, que iria mostrar a sala para Rodrigo e, caso ele quisesse, a chamaria para ficar um pouco com ele.
Rodrigo entrou comigo e não pediu para chamar a sua mãe durante toda a sessão. Ele olhou todo o consultório, os jogos e brinquedos. Jogamos um jogo de memória, em que os pares eram formados por um bicho adulto numa peça e por dois filhotes noutra. Ora Rodrigo referia que os “filhinhos” estavam com o “papai”, ora com a “mamãe”. Pergunto se ele também gostaria de estar ora com a mamãe e ora com o papai, e ele fala que não sabe. Depois fala que não, porque o pai é um mentiroso. Pergunto-lhe qual foi a mentira e ele diz não saber, não lembrar, mas que a mãe sabe.
Depois vai “arrumar” a casinha de brinquedos, tirando todos os bonecos que representam uma grande família, e deixa só o pai e o filho morando na casa. Pergunto por que, e ele fala que assim é melhor, que o pai está separado. Pergunto se ele quer morar só com o pai, ele limita-se a dizer que o pai mente.
No desenho da família, inclui a mãe, o irmão, ele e o pai. O pai de mão com o filho, e pairando sobre a cabeça dos filhos dois pesos: um, que ele chama de peruca, de tamanho muito maior que a cabeça, num formato de uma grande pedra, e na do maior, uma “bazuca”. Ele demora muito para desenhar, apresentando muita dificuldade na motricidade fina.
Nas outras sessões geralmente falou, primeiro, que não queria entrar no consultório, que estava cansado, que queria ir dormir. No entanto, ao se separar da mãe, tudo mudava e tinha que pedir para que ele saísse ao acabar a sessão, pois queria continuar.
4.3.4 Resultados dos testes
As características apresentadas nos testes foram: retraimento, isolamento, inibição, tendência à fuga, sentimentos de inadequação, dificuldade de contato, falta de calor e afeto no lar, fraca estabilidade, discrepância entre desejo e realidade, insegurança, imaturidade, instabilidade emocional, traços depressivos, apresentação de conflitos não resolvidos, sentimentos de estar constantemente pressionado e precário equilíbrio da personalidade.
Acredito que os sintomas motores, que a mãe chama de epilepsia, são manifestações psicológicas, já que o resultado da Tomografia Computadorizada Helicoidal, requerida pelo médico por desconfiar de crises aparentemente epilépticas durante o sono, teve como resultado “Dentro dos limites da normalidade”, conforme pude observar no exame trazido pela mãe.
4.4. Discussões Sobre os Casos e considerações finais
4.4.1 Tabela comparativa com dados dos quatro casos
DADOS CASO 1 CASO 2 CASO 3 CASO 4
SEXO Feminino Feminino Masculino Masculino
IDADE 8 anos 9 anos 10 anos 7anos
ESCOLARIDADE 3ª série 4ª série 5ª série 1ª série
IDADE NA SEPARAÇÃO 6 anos 5 anos 6 anos 4 anos
GUARDA LEGAL Exclusiva da mãe Exclusiva da mãe Exclusiva da mãe Exclusiva da mãe
GUARDA DE FATO Compartilhada Início exclusiva, agora compartilhada Início exclusiva, agora compartilhada Exclusiva da mãe
RELAÇÃO DOS PAIS DURANTE O CASAMENTO Boa – alguns desentendimentos antes da separação No início boa, depois ruim, no fim péssima No início boa, depois ruim, no fim péssima Segundo o pai, péssima. Segundo a mãe, boa
RELAÇÃO DOS PAIS APÓS SEPARAÇÃO Boa Péssima Péssima Péssima
RELAÇÃO DOS PAIS HOJE Boa Razoável Razoável Péssima
SITUAÇÃO DA CRIANÇA DURANTE O CASAMENTO Boa – pouco agressiva durante a separação Boa Boa Razoável
SITUAÇÃO DA CRIANÇA APÓS A SEPARAÇÃO Boa Ruim Ruim Ruim
SITUAÇÃO DA CRIANÇA HOJE Boa Razoável Razoável Péssima
MUDANÇA DE CASA APÓS A SEPARAÇÃO Não Sim Sim Não
MUDANÇA DE COLÉGIO APÓS A SEPARAÇÃO Não Sim Sim Sim
REAÇÕES PSICOSSOMÁTICAS Alergia durante a separação Não Fungos na cabeça, quedas do cabelo Reações motoras tipo epilépticas
CONTATO COM QUEM DETÉM A GUARDA NA SEPARAÇÃO Diariamente Diariamente Diariamente Diariamente
CONTATO COM QUEM NÃO DETÉM A GUARDA NA SEPARAÇÃO Livre – em média 2 vezes por semana Pouco – muito irregular Pouco – muito irregular Nenhum
CONTATO COM QUEM DETÉM A GUARDA HOJE Diariamente Diariamente Diariamente Diariamente
CONTATO COM QUEM NÃO DETÉM A GUARDA HOJE Livre – em média 2 vezes por semana Diariamente Diariamente Nenhum
4.4.2 Discussão
Procuro levar em consideração nesta discussão, em um primeiro momento, o funcionamento das famílias entrevistadas antes, durante e após a separação, a forma pela qual se estabeleciam os vínculos, a maneira como ocorreram a separação e a guarda, e como se encontram as crianças hoje. Num segundo momento, procuro fazer uma leitura psicanalítica dos casos, dando ênfase ao caso 4, por entender que ele espelha a dinâmica da maioria das famílias que se encontram com processos judiciais – famílias marcadas pelos conflitos dos pais, em um processo de separação litigiosa.
4.4.2.1 A dinâmica familiar antes, durante e após a separação
Quanto ao funcionamento das famílias antes da separação, verifico que seguem o modelo de organização no qual a mãe fica em casa, cuidando do lar e dos filhos, e o pai trabalha fora, arcando com o sustento do grupo familiar. Há nessas famílias uma divisão sexual do trabalho, conforme o que caracteriza o modelo nuclear, conjugal, oriundo da Revolução Francesa e da Revolução Industrial (Saffioti, 1989; Badinter, 1985; Ariès, 1981). Essa divisão, permeada pela relação de poder, assume outra forma com a separação, quando há uma razoável relação entre os pais. Ambos assumem, cada qual a sua maneira, os cuidados e o sustento dos filhos, como pode se observar no caso 1 (pelo relato da mãe, “o pai começou a se importar mais, brincar mais”), e, após algum tempo da separação, nos casos 2 e 3 (pelo relato da mãe, “o pai pega o Gil todos os dias no colégio, almoça alguns dias com eles e leva Melina para o colégio. Alguns dias da semana o Gil dorme na casa do pai, e em fins de semanas alternados as crianças ficam com o pai”). Aqui, o “novo pai” (Souza, 1994) surge após a separação, na medida em que os conflitos entre o casal diminuem. Na relação do ex-casal vão se reconfigurando os papéis de pai e de mãe, e, uma vez que o pai passa a ficar com os filhos sem o auxílio da mãe, os cuidados parentais vão sendo exercidos por ambos, embora a mãe e sua casa sejam as referências mais fortes para as crianças deste estudo, o que vem revelar a importância dos primeiros cuidados no estabelecimento dos vínculos, conforme escreveu Klein (1969).
Tenho notado que esse “voltar-se para os cuidados dos filhos” se repete na maioria dos casos de separação judicial em que trabalhei. Nos casos 2 e 3, a mãe volta ao mercado de trabalho, saindo do mundo privado para o público, e o pai, por sua vez, de forma tímida, vai disponibilizando tempo para os cuidados dos filhos.
Ao mudar aquela relação anteriormente estabelecida, aquela forma de organização familiar, conseqüentemente muda o homem e muda a mulher, e, nessa nova relação, as diferenças traçadas pela divisão sexual do trabalho e pelas relações de poder vão se amenizando. Modificando-se as relações, tem-se por resultado mudanças nas configurações de gênero, que são construídas de forma relacional, ou seja, pelo contraste permanente com o outro (Grossi, Heilborn, Rial, 1998).
Assim, aquilo que tomavam como seu – o poder, os filhos, os cuidados e sustento da família – vai perdendo um pouco do significado pela entrada de outros significantes – uma nova casa, um trabalho, uma nova relação. Aos poucos, pai e mãe vão sentindo a necessidade de se libertarem de alguns papéis rígidos, e se dando conta que as relações podem se estabelecer de formas diferentes, começando, assim, uma nova forma de responsabilidades parentais e de divisão de tarefas. Naquela situação de aprisionamento, ambos estão implicados e a mantêm, e “a libertação da mulher do jugo do homem corresponde também à libertação do homem do jugo deste modelo ideal que o tem aprisionado” (SIQUEIRA, 1999, p. 193). Portanto, não há que se colocar alguém de vítima, numa situação passiva, de aprisionamento pelo outro, pois o oprimido/opressor circula nas relações. Tanto o gênero como a violência são construídos relacionalmente (Gregori 1992).
Desse modo, pai e mãe vão reescrevendo suas histórias, desconstituindo e constituindo valores e crenças, enfim, possibilitando mudanças subjetivas e não só comportamentais, ocupando um outro lugar e não só um outro papel, revelando novas posições de sujeitos.
A disputa de poder, na conjugalidade – mesmo após a separação, que não implica necessariamente na dissolução dos comportamentos conjugais – leva à violência, física ou psíquica, como uma forma de manter aquele poder aos interesses da relação opressor/oprimido.
Xavier (1998), mencionando as pesquisas de Grossi (1988) e Gregori (1992), entende que
não há, na produção da violência conjugal (no universo examinado por elas) um lugar cativo para um algoz (homem) e para uma vítima (mulher). Ao contrário, suas pesquisas provam como é possível demonstrar que as mulheres (SEMPRE contextualizando o universo pesquisado) também acionam a violência para produzir efeitos que atendam seus interesses, às necessidades de suas relações de poder, e ao interesse estrutural da relação” (Xavier, 1998: 162).
No discurso das três mães entrevistadas também observo uma repetição de significantes que levam a um significado: demarcar a relação de poder exercida por elas. “Comandava tudo” (caso 1), “administrava tudo” (casos 2 e 3), “cuidava de tudo” (caso 4).
Segundo o dicionário Aurélio, comandar significa dirigir, liderar, ordenar, dominar, mandar; administrar significa reger com autoridade suprema, dirigir, governar; cuidar significa, entre outros, vigiar, julgar, supor, precaver.
Estes significantes que se referiam à casa, perdem esse limite e dirigem-se para a vida dos filhos, numa dimensão de autoridade e posse sobre eles. Podemos localizá-los nos discursos das mães, ao falarem da “naturalidade” da guarda exclusiva: “não deixava Karina dormir na nova casa do pai”, “com a guarda exclusiva, Karina ficou protegida pela mãe”, “o pai não teria condições de cuidar dela” (caso 1); “foi eu quem sempre cuidou deles” “eu que sempre respondia por tudo” (caso 2 e 3). No caso 4, podemos inferir, pelo discurso do pai, da criança e da Assistente Social, que a mãe controla, proíbe, e inibe a relação dos filhos com o pai, numa “violência Psicológica”, atendendo aos seus interesses, às necessidades de suas relações de poder (Xavier, 1998). É dessa forma que a mãe passa a “cuidar” da casa após a separação.
Por outro lado, encontramos em todos os pais desta pesquisa, um assujeitamento a esses discursos e práticas, numa afirmação unânime que a guarda é “naturalmente das mães”, dando diversos motivos para tanto: “ela ficou com toda a estrutura” (caso 1), “por que ele foi morar num apartamento de um quarto, trabalhava o dia todo, dava plantões” (casos 2 e 3), “porque estava sempre em viagens a trabalho” (caso 4) etc. No entanto, estes discursos vêm no sentido de perpetuar o papel “natural” da mãe associados os cuidados para com os filhos, demarcando, de forma muito radical, a divisão sexual do trabalho, o papel de provedor do pai (mesmo com a mulher trabalhando fora). Ressalto, também, o ganho secundário dos pais, ao deixarem sob a responsabilidade maior das mulheres, os cuidados com os filhos. Nestes casos, os pais dirigem seus esforços nos projetos pessoais: constituir nova família (casos 2 e 3), trabalhar mais (caso 1), poder viajar a trabalho (caso 4).
Os discursos e comportamentos dos progenitores, em algum momento, privaram os filhos do contato com o pai, e os tornam seus sintomas. Segundo LACAN (1998), os filhos passam a ser o sintoma do casal, numa possibilidade que os pais têm de recuperar o gozo perdido às custas da criança. E não projetam neles só aquilo que não foram, mas despejam neles todas as suas frustrações, numa possibilidade de atingir o outro.
Nessa nova construção de identidade, já não há lugar para um modelo ideal, naturalmente adquirido, de homem, de mulher, de pai, de mãe, de família. Esses “conceitos” são sociais, construídos, e não naturais, pois, como diz SAFFIOTI (1994), na sociedade não há fenômenos naturais. Assim, feminilidade/masculinidade e maternidade/paternidade (nos papéis dicotomizados de cuidadores e provedores) não são construções acabadas, estáticas e fixas, mas, sim, dinâmicas, relacionais e históricas (Laurettis, 1994; Scott, 1990). Masculinidade e feminilidade não se sustentam isoladamente (Laurettis, 1994; Grossi & Miguel, 1990), como penso não se sustentarem os papéis de pai e de mãe. Sem cair numa visão reducionista, cabe ressaltar que, em muitos casos, mães muito presentes, que abraçam os cuidados dos filhos e do lar, engendram pais faltosos; o contrário é verdadeiro. Na falta dessas mães, os pais podem começar a assumir os cuidados dos filhos, como se nota após a separação e o fim dos conflitos conjugais.
Na construção relacional dos papéis sociais, já não se pode pensar aqueles conceitos no singular, como descreveu Buffon,
abandona-se assim, a perspectiva de uma ‘mulher universal’, substanciada na maternidade e em sua posição subordinada, e, conseqüentemente, de um ‘homem universal’, substanciado pela força física e pelo papel dominante, passando-se a pensar em mulheres e homens no plural (Buffon, 1992: 49).
Assim, as premissas daquela boa mãe, determinada naturalmente, não confundem-se com a boa mãe da Psicanálise. Essa não é aquela que vive para os filhos, amarrada aos seus cuidados, mas, a que faz veicular o Nome do Pai e que possa desejar como mulher para além dos filhos.
No caso 1, embora a mãe tenha uma profissão, contribuindo também para o sustento da família, desenvolve suas atividades em casa, principalmente no horário em que a filha está no colégio. Nos casos 2 e 3, a mãe só voltou a trabalhar após a separação. No caso 4, a mãe sempre ficou em casa com o filho Rodrigo, pois parou de trabalhar antes de ele nascer, quando o irmão mais velho tinha três anos de idade.
Portanto, os cuidados dos filhos estavam atrelados às mães, de maneira que, diretamente ou não, tanto os pais quanto as mães acharam que a guarda ficou com a mãe “naturalmente”, como se fosse um direito e um dever dela, algo já preestabelecido, não fugindo da maneira costumeira pela qual o Judiciário tem se posicionado. Os vínculos das crianças com as mães, fazem com que, embora tenham uma boa relação com o pai (casos 1, 2 e 3), a mãe seja o referencial maior, revelando a importância dos primeiros anos da criança na formação dos vínculos, conforme citado anteriormente.
Há vários autores que comungam deste entendimento, como Winnicott (1975) ao escrever que as primeiras fases do desenvolvimento da criança são essenciais para a plena maturidade individual, destacando o papel essencial da mãe (que entendo ‘papel do cuidador’) nessa fase, e que os vínculos com esta se estabelecem de forma muito forte. Klein (1969) também escreveu sobre as identificações na infância pelo mecanismo de introjeção e o papel central da mãe (cuidador), bem como Segal (1989) ao afirmar que os primeiros conflitos e relações objetais da criança levam-nas a terem estruturas psíquicas específicas.
As informações dos pais nem sempre coincidiram. No caso 1, a mãe falou que ela “sempre comandava tudo” e que o pai “só era pai de vez em quando”, que “era ela que sempre fazia tudo, pagamentos, organização da casa e tarefas, inclusive pedir para ele ir brincar com a filha”. O pai, por sua vez, relatou que “sempre brincava com a filha, que pintavam, desenhavam, que as tarefas eram divididas, mas ele dava mais atenção à filha e a mãe à casa”. Já a filha Karina relatou que “o pai brincava mais e a mãe fazia as coisas de casa, que era a mãe quem cuidava dela”.
O “ser pai” é diferente para esses progenitores: para a mãe, ser pai é comandar; assim, ela o era na maioria das vezes, e o pai só ocupava essa posição “de vez em quando”. Para o pai, ser pai é brincar, desenhar e ajudar nas tarefas. Para Karina, ser pai é brincar e ser mãe é cuidar.
Podemos observar que pai também não é um conceito unívoco, tendo significações diferentes para cada pessoa: é o prover da família, financeiramente; o pai biológico; o que brinca; o que cuida etc. O importante é sabermos que nenhum dos conceitos é errado e que cada um pode funcionar em determinadas famílias e não em outras. Já o pai para a Psicanálise, é aquele que vêm pelo discurso da mãe, promovendo a lei.
Durante as sessões, Karina sempre demonstrou que era a sua mãe quem cuidava/cuida dela, compra-lhe as roupas, ajuda-a nas tarefas de casa e a leva aos “lugares” (foi sempre a mãe que a trouxe nas sessões). O pai brincava com ela. Essa forma de organização familiar era muito tranqüila para Karina, o que demonstra que não há necessidade de uma organização familiar única ideal, com os pais dividindo todas as responsabilidades e cuidados com os filhos, para que eles estejam bem. Cada família irá se organizar de determinada forma, que funcionará bem para algumas e não para outras.
Não há um modelo hegemônico, como o correto e o único aceito. Os tipos de família e as formas de organização são as mais diversas, e, nesta pesquisa, está presente basicamente a família nuclear, conjugal, constituída pelos pais e filhos. Nessa forma de organização, a ausência de um progenitor poderá trazer as conseqüências mais diversas, como foi observado nos casos aqui trabalhados. Já em algumas famílias, em que se estendem os laços afetivos a outros graus de parentesco, como aos avós, tios, primos na mesma vizinhança ou moradia, talvez a falta do pai ou da mãe não seja tão relevante, dependendo de como será significado.
O tipo de guarda a ser estabelecida nada mais é do que uma conseqüência da organização familiar mantida durante o casamento. No caso 1, o pai que participava com a mulher dos cuidados com a filha, continuou participando depois da separação, como dizem eles, “naturalmente”. Já nos casos 2 e 3, o pai precisou dar uma volta, fazer um movimento em direção aos cuidados dos filhos, e ambos os genitores, na diminuição dos conflitos, para depois, terem os filhos em suas companhias. No caso 4, o conflito instalado com a separação ainda é muito forte, resultando no afastamento do pai e no não-funcionamento da guarda.
No caso 1, os vínculos estabelecidos são mais fortes entre mãe e filha. Mesmo apresentando afeto por ambos, gostando de estar junto com os dois, Karina refere-se à mãe como sendo a pessoa que lhe dá mais segurança; seu “porto seguro” é a casa da mãe. Assim, pode-se afirmar que a guarda se estabeleceu de acordo com os vínculos entre pais e filhos e, por isso, ficou com a mãe “naturalmente”, sem resistências das partes.
Por outro lado, parece-me que, após a separação, o pai e a filha estreitaram mais os vínculos, o que faz com que Karina goste de ir para a casa do pai, dizendo que é sua também, que “é bom ter duas casas”, que brinca e passeia com o pai, que ele vai na casa da mãe e a leva ao colégio algumas vezes. A mãe confirma isso, ao falar que “tem a impressão que após a separação o pai começou a se importar mais”. Isso se nota em muitos casos de separação, como já dito anteriormente, e penso que a ausência da mãe em alguns momentos faz o pai ficar mais presente, assumindo os filhos integralmente quando na sua casa, tornando-os mais próximos e mais cúmplices, uma vez que “a cumplicidade dos laços afetivos se dá na convivência” (Carvalho2002, p. 1 ).
As observações de Klein (1969) e Aberastury (1982) de que a criança necessita explorar o mundo, adaptar-se à realidade dos pais, vai ganhando corpo nestes casos, pois há uma facilidade de adaptação das crianças à nova realidade, desde que apoiadas pelos pais. Acredito que isso se torna possível, em face da constância de objeto de que fala Klein (1969), importante no sentido de dar segurança à criança. Pode-se observar que os objetos não estão relacionados à casa, a uma única casa, mas sim às figuras parentais, tanto que as crianças conseguem circular e sentir-se bem na casa do pai e na casa da mãe, ou onde quer que estes estejam.
Assim, pelos estudos dos casos 1, 2 e 3, observo que é um equívoco pensar que a convivência das crianças nas casas do pai e da mãe pode lhes trazer prejuízos em função da perda de referencial. A psicanalista Maria Luiza Carvalho (2002), ao falar da guarda compartilhada e de a criança alternar casas, coloca que “alguns profissionais alegam que a criança ficaria sem um referencial. Não há no Brasil muitos estudos sobre o assunto. Na França, porém, fizeram uma pesquisa séria e o resultado foi favorável” (2002, p.1). Na mesma linha, a professora de Psicologia Jurídica da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Leila Torraca de Brito, afirma que “o mais importante é a criança sentir que tanto do pai quanto da mãe ela tem um espaço afetivo e físico. Muitas pessoas criticam essa solução, dizendo que são códigos educativos diferentes. Mas essa diversidade vai trazer benefício para a criança, que consegue perceber também os códigos diferentes de outras casas que ela freqüenta como a da avó e a do amiguinho. É muito bom para ela entender o mundo e aprender a fazer comparações” (Brito, 2002, p. 2).
Tenho notado, tanto nessa pesquisa quanto em meu trabalho, que muitos pais, ao desfrutarem da presença dos filhos em sua casa, e longe das mães, ou seja, somente sob os seus cuidados, estreitam os vínculos com eles, e que, com a separação, o fim do casamento e dos conflitos conjugais, as crianças ficam mais independentes – “parece que ela ficou mais independente” (caso 1); “eles ficaram mais independentes” (casos 2 e 3).
O bom relacionamento entre Karina e seus pais, bem como a forma harmoniosa com que pode estar com cada um, parece proporcionar a ela a vida que leva de forma alegre e tranqüila, como tem se apresentado durante a avaliação. Karina está muito bem, não apresenta sintomas e tem o desenvolvimento emocional e cognitivo de acordo com sua idade cronológica.
Os comportamentos agressivos de Karina nas semanas que antecederam a separação, relatados pela mãe, e o aparecimento de uma alergia na mesma época, conforme afirmação do pai, são possíveis reações ao estresse da separação, que, embora tenha se dado de uma forma razoavelmente tranqüila, traz sempre alguns sofrimentos. Como afirmado por Freud (1976, vol. XVIII), Duarte (1989) e Aberastury (1982) -, as mudanças geram ansiedades, crises e crescimento.
Entendo que Karina encontra-se bem, de acordo com o discurso dos pais e da escola e, conforme minha avaliação, em face da boa relação dos pais, do contato freqüente, livre e tranqüilo com ambos. A boa relação dos pais faz Karina sentir-se segura e gostar da vida que leva. Entendo que, apesar de a guarda legal ser exclusiva da mãe, na prática ela acontece de forma compartilhada. Os pais decidem juntos as questões relativas à filha e têm livre acesso a ela, assim como ela a eles. O modo como aconteceu, na realidade objetiva, a separação dos pais favoreceu a adaptação de Karina, não exigindo que lançasse mão de mecanismos defensivos regressivos que comprometessem seu equilíbrio emocional.
Nos casos 2 e 3, da mesma forma que no caso 1, era a mãe quem administrava a casa e cuidava dos filhos, antes da separação. A mãe não trabalhava fora e o pai trabalhava o dia todo. Segundo a mãe, foi ela “quem sempre cuidou deles, não trabalhava fora e o pai trabalhava o dia todo”. As crianças quiseram ficar com a mãe e o pai disse que isso aconteceu “naturalmente”. Nesses casos os vínculos mais fortes foram estabelecidos entre mãe e filhos.
A separação foi marcada por muitas brigas e desentendimentos. As desavenças dos pais levaram a um afastamento do pai com os filhos, e as visitas eram muito espaçadas e tumultuadas. Esse tempo, entre um contato e outro, era suficiente para as crianças sentirem-se desamparadas. Conforme escreveu Dolto (1997), duas semanas é muito tempo para as crianças. Nessa época – durante a separação e nos dois anos posteriores a ela – as crianças apresentaram uma série de sintomas e problemas de comportamento no colégio, precisando de atendimento psicológico.
Na época, o que mais me chamou a atenção foi a falta de referencial das crianças, a insegurança e a instabilidade que apresentavam. Eram muitas as desavenças dos pais, que não conseguiam separar seus conflitos da relação com os filhos. O casal, durante a separação, expôs as crianças a diversas mudanças, que causaram muita tristeza e sentimentos de perdas neles: saíram da casa na qual tinham uma boa referência, a “casa amarela”; saíram do colégio em que estudavam e do bairro onde moravam.
O que pude observar, relacionando a época da separação e o momento atual dos entrevistados dos casos 2 e 3, foi que a relação do casal influenciou sobremaneira a vida das crianças, e que, quando a relação dos ex-cônjuges começou a melhorar, quando mudou o foco das suas atenções (a mãe começou a trabalhar fora e a ter um envolvimento emocional com outro homem; o pai casou novamente e comprou um apartamento definitivo, com lugar para seus filhos), os filhos melhoraram também. O contato com o pai ficou mais freqüente e tranqüilo e as crianças começaram a se apresentar de uma forma mais estruturada, apesar de persistirem alguns sintomas como que “cristalizados”.
O que impressiona nos casos 2 e 3 é a estabilidade na qual se encontram hoje as crianças, em comparação à época da separação. Hoje eles sentem-se seguros com ambos os pais e circulam de uma casa para a outra com tranqüilidade. Têm referenciais definidos, contato diário com os pais e vivem em um clima muito mais harmonioso.
Os pais, diferentemente de como se apresentavam quando da separação, agora já têm uma relação mais amistosa, o que, de alguma forma, proporciona mais segurança e estabilidade aos filhos. A mãe retomou sua profissão e se encontra mais feliz.
Os sintomas persistentes podem significar “cicatrizes da separação”, parecendo-me necessária uma intervenção terapêutica. Como, na maioria dos casos, a separação em si já acarreta muita modificação na vida das crianças, causando-lhes insegurança, penso que o melhor é evitar outras mudanças que gerem mais perdas e, conseqüentemente, mais insegurança. Por isso, acho importante que as crianças continuem no mesmo colégio, na mesma casa, convivendo com os mesmos amigos. Nos casos 2 e 3 isso não aconteceu, o que pode ter agravado os sintomas das crianças.
Com relação ao caso 4, igualmente aos anteriores, a mãe ficava em casa com os filhos e o pai trabalhava fora. A mãe falou que cuidava da casa e o pai “brincava com os filhos, montava Lego”. O pai, por sua vez, disse que “foi sempre presente na vida dos filhos, que brincava, dava banho, trocava fraldas, levava-os e buscava-os no colégio, pois a mãe não dirigia”. Ao mesmo tempo, o pai fala que viaja muito a trabalho, o que é confirmado pela mãe. O pai praticamente não vê os filhos desde a separação, há três anos, e luta na Justiça para regulamentar as visitas.
O filho Rodrigo não demonstra vínculos fortes com nenhum dos pais e traz no seu discurso as palavras da mãe, mas não consegue sustentá-las, denunciando na sua dinâmica, durante a avaliação, a falta que o pai faz. Rodrigo parece ser o depositário das desavenças dos pais, de um pai que repentinamente desaparece da sua vida e de uma mãe que repete incessantemente que o pai o abandonou, que não gosta dele, que mente.
Rodrigo, ao mesmo tempo em que diz não querer saber do pai, que ele é mentiroso, mostra o quanto internamente o pai faz falta. No comportamento manifesto (o que verbaliza) não quer saber do pai, e no comportamento latente (inconsciente) mostra a necessidade de contato, o afeto que guarda. Verbaliza no jogo da memória, que ora os filhinhos ficam com o pai, ora, com a mãe, revelando, nesse contexto um desejo de conviver também com o pai. No desenho da família inclui o pai de mão dada com o filho e um peso pairando sobre a cabeça das duas crianças. Ele nos revela o quão pesado e ameaçador é a decisão de estar com o pai, pois deixaria a mãe descontente. Nestas manifestações subjetivas, o pai deixa de ser uma incógnita e passa a ser significado no discurso inconsciente do filho. Assim, sem saber, Rodrigo dizia de sua verdade.
Parece-nos que Rodrigo está sofrendo as conseqüências dos desentendimentos dos pais, que não conseguem separar as relações de “ex-cônjuge” da relação de pais, guardando restos de uma separação mal resolvida, fazendo com que as crianças vejam o pai com a mesma lente que a mãe o vê.
Na separação, é comum as pessoas confundirem os papéis conjugais com os papéis parentais” (Carvalho, 2002, p.1). Penso que, após a dissolução conjugal, há uma possibilidade maior de os conflitos irem se amenizando, pois estes são do campo da disputa e da violência, que faz parte da conjugalidade (Grossi, 1996). Acredito que quando os pais conseguem ir desconstruindo essa relação de opressão/oprimido, abrindo espaço para a relação de parentalidade de ambos com os filhos, há a possibilidade do fim dos conflitos conjugais, e a possibilidade de os filhos viverem bem com ambos os pais, como no final dos casos 2 e 3. Grossi (1996), fala que a violência é constituidora daquilo que se chama paixão, amor e conjugalidade no ocidente, afirmando que toda a conjugalidade implica em violência no sentido de reequilibrar poderes dentro de uma relação. Na mesma linha, Xavier (1998) fala da
“compreensão proposta por Rifiotis (1996) do contexto de violência conjugal, sugerindo que este ‘segmento’ social – casal, família – também estaria colocando em prática formas específicas (e sofisticadas) de violência com objetivo de demarcar e garantir a viabilidade das diferentes identidades” (Xavier, 1998, . 175).
Ainda, sobre o caso 4, na fala da mãe, todos a perseguem (o Juiz , a Promotora, o Advogado, o ex-marido, a Assistente Social...). Traz um discurso contraditório, pois ao mesmo tempo em que disse que deixa os filhos escolherem se querem ver o pai, afirmou que eles não o querem, motivando-os a não quererem. Na recepção do consultório, falou na frente do filho que o pai não presta, que não quer saber dos filhos, que os abandonou e que não deixará os filhos participarem da perícia junto com o pai.
O pai por sua vez é conivente com a situação, afirmando querer o melhor para os filhos, desde que o melhor não seja morarem com ele. Quer vê-los nos fins de semana. Pensa que a guarda é “naturalmente” da mãe.
Em todos os casos examinados, o grau do conflito entre os pais e a sua ausência ou presença ditaram a maneira como ocorreu a separação, vindo a reforçar o pensamento de Dolto (1989), ao escrever que a solução é os pais se entenderem, para que os filhos possam ter momentos com cada um dos progenitores.
Outro ponto importante a destacar, uma vez que acontece na maioria dos casos, conforme verifico em minhas atividades como psicólogo, é o estabelecimento da guarda exclusiva para a mãe. Penso que a incidência maior deste tipo de guarda deve-se ao fato de que aquele “novo pai”, que luta pela guarda dos filhos e divide os seus cuidados com a mãe, dando-lhes afeto e confiança, não está presente nesta pesquisa.
4.4.2.2 Uma leitura psicanalítica
De um pai que “brincava, montava lego, dava banho, comida” – um pai real até os três anos de idade -, resta a Rodrigo um pai que “mente” que “não dá bola para ele” – um pai imaginário. Que mentira é essa? Como foi construído esse pai imaginário? E o pai simbólico?
Rodrigo diz não saber qual é a mentira, mas que “a mãe sabe”. Que saber tem a mãe? Aprisionado ao discurso da mãe, aprisionado no seu saber – um saber imaginário -, repete o que a mãe diz. É o discurso do outro, colocado em cena pelo sujeito (Lacan, 1988).
Com o pai – da realidade - Rodrigo não tem mais contato, mas sabe que ele está por perto, que tem um processo judicial em andamento, que ele está “perturbando” a vida deles. O pai imaginário não se sustenta no discurso de Rodrigo, um discurso vazio, que repete o da mãe. Já o pai simbólico, este sim está presente em Rodrigo, não em seu discurso, mas latente. Aparece em seus desenhos e jogos e é o pai que lhe dá, embora precária, uma sustentação psíquica. É um pai que irrompe do inconsciente do filho, que trai Rodrigo no seu discurso, fazendo-se presente no lúdico, como uma manifestação inconsciente, marcando ali o seu lugar.
Lacan (1991) concebe e acentua a importância dos três registros: o simbólico, o imaginário e o real, e da sua “amarração”. É nesta amarração que o objeto “a”, causa do desejo, se faz presente, permitindo o sujeito desejar além do outro. Rodrigo deseja além da mãe?
Quanto ao imaginário, este é importante na medida que dá organização à vida. Como ressalta Lacan (1988), no estádio do espelho, a primeira organização subjetiva se dá pelo imaginário. Como está a organização em Rodrigo? Há uma confusão entre o seu desejo e o da mãe. Ele não consegue aprender a ler e escrever, não escuta bem, não enxerga bem. Será que Rodrigo quer ver e escutar? O imaginário de Rodrigo é construído pela mãe. Com a separação, ele organiza seu imaginário com as frases cristalizadas pela mãe - “o pai mente”, “o pai foi embora e não dá bola para nós”. Que verdade retorna, pelo sintoma, em Rodrigo?
Nos três tempos do Édipo, descritos por Lacan (1999) tem-se, no primeiro tempo, o falo, como um objeto imaginário da díade mãe e filho, que fornece a ilusão de completude – o filho preso ao desejo da mãe. No segundo, o pai como privador, que vem intervir no discurso da mãe. No terceiro tempo, o falo vai se instalar na cultura, e o sujeito o busca incessantemente para satisfazer seu desejo.
Onde entra o pai de Rodrigo? Que lugar vem ocupar na relação edípica? Barrado pela mãe, tenta se inscrever nessa relação, buscando a Lei, do Direito, para barrar essa mãe e vir a ocupar o seu lugar de pai. Um pai, enquanto real, ausente; enquanto imaginário, enfraquecido pelo discurso da mãe; enquanto simbólico, de forma fragilizada, ao lado de Rodrigo, precisando que o judiciário o restabeleça como pai real. Essa necessidade de um terceiro, no caso o judiciário, para fundar a paternidade, garantir a sua atuação real, denuncia a fragilidade do pai simbólico. Não há como sustentar esse laço real, determinado, sem que haja um laço simbólico. A recíproca é verdadeira: se o simbólico é forte, não há necessidade de terceiros para garantir a paternidade.
Penso ser necessário mudar o modo como os sentidos são produzidos em Rodrigo. Não há uma garantia, mas uma possibilidade que, a partir da presença real, o pai consiga afetar Rodrigo na sua subjetividade, reforçando o simbólico já inscrito.
Rodrigo tem uma representação simbólica do pai, o que é essencial na estrutura psíquica. Mas, a falta do pai real, ou sua eventualidade, como diz Nasio (1991, p. 44), faz com que ele tenha a “famosa carência paterna”, que, aliada ao seu aprisionamento ao desejo da mãe, o coloca em uma certa desorganização.
Freud (1976, vol. XIX) afirma, no texto “A dissolução do complexo de Édipo” que após a primeira infância o complexo de Édipo “sucumbe à repressão” (p. 217), e é seguido pela fase de latência. Embora o Édipo e a fase de latência não se restrinjam a um tempo cronológico, senão lógico, eles coincidem com algumas etapas cronológicas importantes. Assim, a entrada na latência aproxima-se da entrada no ensino regulamentar, do início da alfabetização. Rodrigo, já no final da primeira série, era o único aluno de sua classe não alfabetizado. Parece que em Rodrigo não houve só uma separação dos pais, houve uma separação psíquica, deixando-o num desamparo infantil.
A criança pequena precisa de um adulto para sobreviver. Essa carência da criança vai estabelecer as relações com seus pais, e sua inscrição na família. Não poder contar com os pais (cuidadores) em um momento que precisa, por não estar preparado para enfrentar determinada situação, pode gerar o desamparo. O desamparo, em Lacan (1958 – 1959), é a resposta a uma situação que o sujeito tem de enfrentar sem ter recursos para tal.
De alguma forma, essa resposta virá e, no caso do desamparo, na forma de sintomas. Em Lacan (1988), sintoma é o que do simbólico invade o real. Aquilo que não pode ser simbolizado, que não teve significantes para significá-lo, vira sintoma, que aponta para uma verdade do sujeito.
Lacan cita a anorexia mental como o único modo de se opor a uma mãe invasora. Não escutar, não ver, querer dormir são as manifestações motoras de Rodrigo. Será que todos estes sintomas guardam relação com o exemplo de Lacan? É a forma que Rodrigo encontra para se opor à mãe e a toda situação: não ver, não escutar, não aprender?
Também considero importante pensar como se deu o luto das perdas na separação dos pais, para as crianças sujeitos dessa pesquisa.
Em Freud (1976, XIV) tem-se que “o luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o País, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante”. O luto inibe toda e qualquer atividade, e necessita-se de um tempo para o elaborar. Passado esse tempo, a pessoa já deve poder investir sua libido em outros objetos.
Em Rodrigo, o luto da separação dos pais parece perdurar, não há possibilidade de elaboração, pois seus sentimentos não são escutados, sua subjetividade não se manifesta, é como se ele não existisse enquanto sujeito, posto que não deseja. Assim, há um desinteresse pelas questões externas, uma inibição – função que devia estar e não estar - não consegue apreender, não se alfabetiza. O que esperar de Rodrigo? Rodrigo não sabe nada, não ouve e nem enxerga bem. Rodrigo está cansado, quer dormir. E continuará “dormindo”, enquanto não achar um lugar na cadeia de desejo, enquanto não for desejado como sujeito.
No caso Karina, a separação foi dos pais. Não houve um desamparo psíquico da criança. Pelo contrário, seu narcisismo está muito estruturado, tem os pais que a querem, tem duas casas e a segurança de que os pais estão presentes. Assim, em Karina, os fenômenos psíquicos tiveram o seu curso normal: entrou na fase de latência, aprendeu a ler e escrever, não apresenta sintomas, e seu desejo, que impulsiona a vida, não está preso ao desejo dos pais. O luto da separação parece ter sido muito bem trabalhado, e como diz Freud (id., p. 277): “... quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica outra vez livre e desinibido.” Assim, pode Karina investir no mundo, viver a sua vida.
Ser desejado ou não é de fundamental importância na estruturação psíquica e pode levar a muitas conseqüências, como nos casos de Karina e de Rodrigo, a caminhos diferentes. Segundo Rodulfo, “A fórmula binária (ser desejado/não ser desejado) admite aperfeiçoamento: um ser humano, de fato, é desejado para os mais diversos usos, e isto cobre uma gama assaz variada e variável, desde as possibilidades de produtividade que se fornecem a alguém, em seu desenvolvimento, até propiciar-lhe a psicose ou a morte.” (Rodulfo, 1990, p. 29/30) É importante e estruturante para o ser humano ocupar um espaço no desejo do Outro, e não ficar preso ao desejo dele.
Nos casos Melina e Gil, houve uma movimentação das crianças, de um desamparo, não tão acentuado quanto o de Rodrigo, a um desenvolvimento dentro da “normalidade”, não tão tranqüilo quanto o de Karina. Nos quatro casos, o destino dado a cada um refletiu a relação entre os pais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esta pesquisa pude constatar que as crianças, após a separação dos pais, ou mesmo antes desta acontecer, manifestam nas suas dinâmicas as relações que seus pais estabelecem entre si.
Quando a relação entre eles é ruim, marcada por muitos conflitos, brigas e até agressões físicas, às vezes disputando o poder em relação aos filhos, as crianças reagem negativamente, apresentando sintomas variados, conforme observei no início dos casos 2 e 3 e no caso 4. Assim, as desavenças conjugais levaram a um afastamento entre pais e filhos, bem como ao estabelecimento de uma guarda que não atende as necessidades dos envolvidos.
Por outro lado, quando os pais mantêm uma relação razoável, as crianças manifestam os comportamentos esperados para a sua idade, sem alterações bruscas, como no caso 1. Em geral, a melhora nos sintomas dos filhos está relacionada à melhora na relação dos pais, como nos casos 2 e 3.
Outro ponto que acho importantíssimo ressaltar é que nem sempre a guarda legal, estabelecida juridicamente, coincide com a de fato praticada (casos 1, 2 e 3). Nestes casos, embora a guarda legal seja exclusiva da mãe, ambos os pais decidem juntos a respeito da vida dos filhos, e não há horários pré-determinados para a visitação. O contato entre pais e filhos é livre, sem qualquer obstáculo de quem detém a guarda legal.
Somente em um dos casos a guarda estabelecida judicialmente equivale à praticada, e nesta pesquisa somente no caso em que os pais vivem em conflito (caso 4), não acontecendo as visitas determinadas.
O caso 4 é caracterizado pela guarda exclusiva, que também era praticada nos casos 2 e 3, no início da separação. Neste sistema de guarda – legal e de fato – sequer o sistema de visitação funcionou. Assim, constato que, se os pais não se entendem e se as relações entre eles são permeadas por brigas e agressões, a pesquisa aponta para a conclusão de que nenhum tipo de guarda funciona. Logo, acredito que o tipo de guarda a ser determinada não deve ser de acordo com o relacionamento entre os pais pois, se a relação entre eles é boa, qualquer guarda funciona, e a guarda exclusiva tende a se comportar como a compartilhada; se os pais vivem em conflito, nenhum tipo de guarda funciona bem, e a exclusiva leva a um afastamento de quem não detém a guarda, como acontece no caso 4.
Baseando-se nos resultados desta pesquisa, se o Judiciário fosse determinar a guarda a partir da relação dos pais - achando que quando não houvesse entendimento entre eles, a guarda exclusiva seria a melhor solução -, como de costume, estaria cometendo um equívoco, porque, quando os pais não se entendem, a guarda exclusiva não funciona (casos 2, 3 e 4), e, se os pais se dão bem, qualquer guarda funciona, como no caso 1.
Observo também que, quando os casais estão “brigando” na justiça, como se encontra o caso 4, é difícil - a partir somente do parecer do Serviço Social e da escuta das crianças em Juízo - saber qual é o “melhor interesse da criança”, como disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, pois os comportamentos manifestos das crianças não coincidem com os latentes. No caso 4, por exemplo, a criança fala que não quer estar com o pai, que ele mente. No entanto, o que aparece nos seus desenhos, brincadeiras e testes, é um desejo de estar com o pai, de se relacionar com ele. O tempo todo ele denuncia a falta que o pai está fazendo. Igualmente, o discurso da mãe, nesse caso, é equivocado, pois entende que está tudo bem com o filho. Logo, parece-me que a realização de uma perícia psicológica, nestes casos, se faz muito importante.
No caso 4 e quando da separação dos pais nos casos 2 e 3, pude observar que as questões latentes das crianças guardam relação estreita com a ausência de um dos pais e com os desentendimentos dos dois. Nos casos 2 e 3, quando sem contato regular com o pai, os sintomas foram muito presentes (início da separação), e, com o contato com ambos os pais (nos últimos tempos), as crianças estavam bem, embora alguns sintomas persistissem.
Também pude notar que as questões latentes dos filhos demonstram a necessidade do contato freqüente com seus pais. No entanto, devido a um “conflito de fidelidade” com quem detém a guarda, parece que a criança não consegue expressar seu desejo consciente, apenas inconscientemente (caso 4).
Acredito que os efeitos do tipo de guarda praticada, como visto nesta pesquisa, vão influenciar muito na dinâmica infantil, podendo fazer com que as crianças apresentem sintomas diversos, ou, ao contrário, que sigam o seu desenvolvimento dentro do esperado. Estes dois caminhos possivelmente serão trilhados de acordo com a relação dos pais e, nesse caso, é a relação deles que determinará a guarda de fato.
Penso também que, quando ocorre uma separação, é importante que as crianças não sofram outras mudanças, como a troca de escola, de bairro, de casas, pois podem fazer com que elas percam alguns referenciais e vínculos, podendo provocar o aparecimento de certos sintomas, ou agravá-los, como se supõe nos caso 2 e 3.
Considero que, independentemente da relação dos pais, ao se determinar a guarda dos filhos deve-se privilegiar o contato deles com os pais. No entanto, nesta pesquisa, não pude observar como seria a guarda compartilhada legalmente determinada e praticada quando os pais não se entendem, não se falam. Acredito que, por haver o contato de ambos os pais com as crianças, alguns sintomas não ocorreriam, ou pelo menos não guardariam relação com a falta de um dos pais. Nesta pesquisa nada se pôde afirmar sobre esta possibilidade de guarda, pois não obtive nenhum caso com esta característica para avaliar.
Por meio desta pesquisa e somente para estes casos, pude observar que a guarda exclusiva não funciona quando os pais vivem em conflito (caso 4 e no início da separação dos casos 2 e 3) e que a guarda exclusiva – quando os pais mantêm uma boa relação - tende a se comportar de fato como a guarda compartilhada, fazendo com que as crianças sigam seu desenvolvimento dentro da normalidade, após a separação, como no caso 1.
Também foi possível observar, no âmbito restrito desta pesquisa, que o nível de escolaridade dos pais não influencia no bem-estar da criança após a separação deles, ou se influencia, ele é tanto mais negativo quanto maior a escolaridade, pois somente no caso 1, no qual ambos os pais tinham apenas o nível médio, a guarda funcionou bem e a criança não apresentou problemas. Já nos casos 2 e 3, em que ambos os pais tinham o nível superior, assim como o pai do caso 4, a guarda não funcionou bem, levando as crianças a um afastamento do pai (caso 4 e início dos casos 2 e 3). Isso leva a concluir que, para esta pesquisa, o maior nível de escolaridade não significa maior condição de administrar conflitos e capacidade de se afastar deles para poder resolver com mais tranqüilidade as questões referentes à separação, divisão de bens e guarda dos filhos, tampouco para o cumprimento do contrato de visitação estabelecido.
Observo, também, que uma separação conflituosa, que leva as crianças a apresentarem sintomas, pode mudar com o tempo, a partir da redução dos conflitos dos pais, refletindo numa melhora do desenvolvimento emocional dos filhos (casos 2 e 3).
Foi possível notar ainda que, para os casos 2 e 3, os testes não revelaram a melhora das crianças no que diz respeito à estabilidade apresentada hoje em relação à época da separação. Eles apenas apontam os sintomas “cristalizados” decorrentes daquela época, indicando uma necessidade de serem trabalhados. Todavia, pelo que foi observado durante a avaliação e pelo que foi dito pelos pais, as crianças atualmente sentem-se mais seguras com ambos os pais, circulam de uma casa para a outra com tranqüilidade, têm referenciais definidos, contato diário com os pais e vivem num clima muito mais harmonioso, o que reforça a minha crença de que os testes são apenas um apoio, uma pequena parte de uma avaliação.
Como se tratou de uma pesquisa realizada a partir de poucos estudos de casos, torna-se impossível uma generalização quanto às suas conclusões. Embora se possa considerar as questões acima apontadas como relevantes, fica evidente a necessidade de estudos com fôlego maior para que se possa chegar a afirmações mais conclusivas.
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Siqueira, Maria Juracy Tonelli (1999). Novas formas de paternidade à luz das práticas sociais. In falas de gênero, Florianópolis, Editora Mulheres.
Souza, Alduísio M. de.(1989). Psicanálise de crianças. Porto Alegre: Artes Médicas.
Souza, Rosane Mantilla de. (1994). Paternidade em transformação: O pai singular e sua família. Tese de doutorado em Psicologia Clínica. PUC/SP. São Paulo.
Stahelin, Lucélia S. (1985). Metáfora Delirante. In Atas do I Recorte de Psicanálise. Florianópolis.
--------------- (1992). Morte e Linguagem na Psicose. In Atas do 5º Recorte de Psicanálise. Florianópolis.
Trindade, Zeidi Araújo. (1991). As representações sociais da paternidade e da maternidade: implicações no processo de aconselhamento genético. Tese de doutorado. USP.
Xavier, Euthalia. (1988). Fragmentos de um discurso interdito sobre a voz do homem no conflito conjugal. Dissertação de Mestrado apresentada junto ao PPGAS da UFSC em dezembro de 1988.
Winnicott, D. N. (1975). O Brincar & a Realidade. RJ, Imago, 1975.
---------------. (1999). Tudo começa em casa. SP, Martins Fontes, 1999.
7. ANEXO
7.1 Roteiro de entrevistas semi-estruturadas para os pais
1. Por quanto tempo permaneceram casados?
2. Há quanto tempo estão separados?
3. A separação foi consensual ou litigiosa?
4. O(s) filho(s) presenciou(aram) alguma briga dos pais?
5. Que idade tinham o(s) filho(s) na época da separação?
6. Com quem ficou a guarda do(s) filho(s)?
7. Se a guarda é conjunta, qual a periodicidade e duração do contato com cada um dos pais?
8. Quem decidiu o tipo de guarda?
9. Por que se optou por este tipo de guarda?
10. O(s) seu(s) filho(s) optou pelo genitor com quem queria morar?
11. Se a guarda é exclusiva, e se seu(s) filho(s) optasse(m) por viver com o seu ex-cônjuge, aceitaria? Porquê?
12. Quais os benefícios que este tipo de guarda lhe trouxe, e ao(s) seu(s) filho(s)?
13. Quais os danos que este tipo de guarda lhe trouxe, e ao(s) seu(s) filho(s)?
14. Como era a sua relação com o(s) seu(s) filho(s) antes da separação?
15. Como é a sua relação com o(s) seu(s) filho(s) após a separação?
16. Você e o seu ex-marido / ex-esposa participavam dos compromissos do(s) seu(s) filho(s) (levar/buscar na escola, médico, deveres de aula, lazer)? Como aconteciam essas atividades? E agora, após a separação?
17. Como o(s) filho(s) recebeu(ram) a notícia da separação? Quem lhas comunicou?
18. Apresentou (aram) o(s) filho(s) algum sintoma após a separação (ansiedade, insegurança, agressividade, baixa no rendimento escolar, etc.)?
19. O(s) seu(s) filho(s) precisou(aram) de atendimento psicológico?
20. Você acha que o tipo de guarda estabelecida foi o melhor para os seu(s) filho(s)? Porquê?
21. Quando está (ão) consigo, o(s) seu(s) filho(s) pergunta(m) pelo pai/pela mãe? Que pergunta faz/fazem?
22. Como é a sua relação com o seu ex-cônjuge?
23. Como foi a vida da criança até agora: nascimento, doenças, reclamações do colégio?
24. Mudou algo no comportamento do (s) filho (s) após a separação?