GUARDA COMPARTILHADA: UMA NOVA PERSPECTIVA SOBRE OS INTERESSES PSIC... (2-2)
No presente estudo tentamos vislumbrar os principais aspectos desse novo instituto denominado “guarda compartilhada”, que infelizmente é pouco conhecido no Brasil. Os litígios entre casais acabam, muitas vezes, relegando à segundo plano justamente aqueles que geralmente são os mais prejudicados em toda a questão, ou seja, os filhos resultantes da união desfeita. Assim, a partir do momento em que se encontra falida a união conjugal, novo litígio se apresenta: qual dos genitores deterá a guarda dos filhos menores? Nesse contexto... Parte 2-2
4) DA GUARDA COMPARTILHADA
A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original. (Albert Aenstein / 1879-1955).
4.1) Introdução ao Tema
Atualmente muitos tem falado da Guarda Compartilhada, apesar de poucos já terem tido essa experiência ou mesmo conhecerem suficientemente o assunto.
O presente capítulo é o motivo de estudo específico dessa monografia. Os temas anteriores foram analisados diversamente e de modo sucinto para que pudéssemos ter uma noção do que representa no nosso mundo social e jurídico, a responsabilidade de quem gera um ser humano - enquanto menor ou incapaz o mesmo - ou daquele que, através da guarda, tutela ou adoção, assume tal responsabilidade.
Os filhos, em regra, são uma das maiores razões da união entre o homem e a mulher. Representam a preservação da espécie, repercutem na sociedade, na política, no interesse do Estado, na formação do próprio povo. Ninguém, em momento algum, tem o direito de se furtar à parcela de responsabilidade que lhe cabe em relação a eles. A criança acredita em tudo que lhe é passado e o desenvolvimento da mesma se dá passo a passo. Embora os mesmos, enquanto menores, sejam uma incógnita, ao se tornarem adultos, revelam o que representaram na vida de aos seus genitores: uma benção ou um tormento; um prêmio ou um castigo aos pais, de acordo com a educação e exemplos que dos mesmos receberem. O conhecimento desse desenvolvimento, relativamente lento, interligando o físico, o social, o intelectual e o emocional deve ser de total consciência dos pais, pois ocorrerá e se fundamentará no ambiente em que o mesmo se der.
Drásticas foram as mudanças surgidas com o advento da Constituição Federal de 1988, igualando homens e mulheres em direitos e obrigações. Assim, se faz importante que ambos estejam cientes da responsabilidade de participação de cada um na vida dos filhos e a guarda compartilhada é um caminho muito interessante para se atingir esse fim.
Nesse contexto, segundo Karen Ribeiro:
O poder paternal pertence a ambos os pais, quer na constância do matrimonio (ou sociedade de fato) , quer rompido o laço de união do casal. Os pais devem exercê-lo de comum acordo e, se este faltar, em questão de particular importância, qualquer dos genitores poderá recorrer à esfera jurisdicional34.
O tema que será analisado a seguir tem como pretensão nos trazer uma idéia de como a GUARDA COMPARTILHADA é aceita social e juridicamente no Brasil, fazendo-se um comparativo com alguns outros países e dos efeitos positivos e negativos que a mesma pode gerar, tanto para os pais quanto para os filhos.
4.2) Conceito, Definição e Generalidades
É importante se frisar inicialmente que na guarda compartilhada não existe um arranjo padrão, ou seja, o melhor arranjo será aquele que possibilitar o maior contato das crianças com os pais, os quais deverão dispensar interesses em seu bem estar, saúde, educação e seu desenvolvimento como um todo. Como esclarecimento inicial se fazem oportunas as palavras de Eduardo de Oliveira Leite, segundo o qual:
Na guarda conjunta, não é a guarda, mas os outros atributos da autoridade parental que são exercidos em comum. A guarda conjunta consiste no exercício em comum, pelos pais, de um certo número de prerrogativas relativas a pessoa da criança. Logo, quando se fala em guarda conjunta, a noção não se esgota na mera guarda, mas num conjunto de prerrogativas que são exercidas pelos pais em relação aos filhos35.
As prerrogativas referidas pelo autor são basicamente o controle sobre a educação e religião da prole, a administração patrimonial, o poder pessoal de controlar a criança fisicamente até completar a maioridade, o direito de recorrer aos Tribunais para exercer o poder decorrente do parens patriae (normalmente associado com obrigações, tais como alimentos, proteção e apoio emocional).
E, para como complemento do conceito supracitado, Sérgio Eduardo Nick nos esclarece que, “vivênciar seus pais unidos em torno de si e de seus interesses fortalece a auto-estima da criança dando-lhe o sentimento de que suas necessidades não foram negligenciadas após o divórcio”36.
Essa modalidade de guarda surge como uma solução que incentiva ambos os genitores a participarem igualmente da convivência, educação e responsabilidade pela prole. Deve ser compreendida como aquela forma de custódia em que as crianças têm uma residência principal e que define ambos os genitores como detentores do mesmo dever de guardar os filhos. É inovadora e benéfica na maioria dos casos em que os pais aceitam cooperar entre si visando o bom desenvolvimento da prole sendo também, muitas vezes bem sucedida mesmo quando o diálogo não é bom entre as partes, desde que estas sejam capazes de discriminar seus conflitos conjugais do adequado exercício da parentalidade. Para Sérgio E. Nick :
A modalidade compartilhada atribuída à guarda dá uma nova e inédita conotação ao instituto do pátrio poder, já que tem por finalidade romper com a idéia de poder e veicula a perspectiva da responsabilidade, do cuidado às crianças e do convívio familiar. A partir desse novo conceito, é retirado da guarda a conotação de posse, privilegiando-se a idéia de estar com, de compartilhar, sempre voltada para o melhor interesse das crianças e consequentemente dos pais37.
Já, da lição doutrinária do professor e magistrado Sérgio Gischikow, extraímos o seguinte ensinamento:
a guarda física estará com apenas um dos genitores em determinado momento. Mas, acima, paira a guarda jurídica, esta sim, comum, facilitando o desenrolar das relações entre pais e filhos e dos pais entre si e é notável a liberdade do juiz de menores e, utilizando-se desta prerrogativa, deverá o magistrado autorizar a Guarda Conjunta quando comprovada a sua conveniência nos autos submetidos ao seu parecer, pois o Direito brasileiro não possui norma jurídica impeditiva à mesma, ao contrário, de sua sistemática desponta a conclusão de que precisa ser aceita. O desuso doutrinário e jurisprudêncial, a toda evidência, não tem o dom de elidir o instituto38.
A observação da moderna entidade familiar tem nos demonstrado que já não se pensa como há anos atrás, em relação ao principal fator constituinte da personalidade do ser humano, o qual era a relação da mãe com filho menor e a função do pai de apenas proteger, facilitar e prover condições para esta relação.
Atualmente, um número cada vez maior de pais tem se mostrado preocupados em exigir mais espaço nas vidas de seus filhos, sabendo que a realização dos mesmos, como pessoa, depende da sua realização como pai. Segundo Eduardo de Oliveira Leite:
A preferência reconhecida a mãe, e que encontra suas raízes mais próximas em toda literatura médico-social do século XIX, passou a ser contestada na Segunda metade do século XX, quando os princípios de igualdade de sexo começaram a invadir o terreno estritamente privado do direito de família. O acesso da mulher ao mercado de trabalho – ainda uma vez – e a redistribuição dos papéis familiares, certamente, não só redimensionaram a figura paterna no meio familiar, mas também revalorizaram o papel da paternidade numa estrutura que o desejava secundário39.
A tendência hoje é distinguir a separação conjugal do vínculo parental, pois, na sociedade atual já não são mais defensáveis as pretensões dos ex-cônjuges de, sozinhos, exercerem as funções de pai e mãe, pois tem-se consciência que, quase sempre, tal pretensão decorre do desejo de retaliação.
O que se procura atualmente é levar em conta a vontade e o direito dos filhos de terem a função parental preenchida, de forma igualitária, por seus pais. O tempo em que a mulher apenas aos filhos se dedicava e o homem ao trabalho, privado da convivência familiar, não existe mais. Os filhos devem ter seus ideais identificados, tanto com a mãe quanto com o pai, profissionais e cidadãos responsáveis, pois assim crescerão com maiores possibilidades de vivência salutar e completa, na sociedade da qual farão parte.
Em relação a isso, Waldyr Grisard Filho, nos coloca que: “o desejo de ambos os pais compartilharem a criação e a educação dos filhos e o destes de manterem adequada comunicação com os pais, motivou o surgimento da Guarda Compartilhada”40. Nessa modalidade de guarda pais e mães terão o mesmo direito na formação das crianças, sem horários rígidos e limites de visitação.
Quanto aos alimentos, nos esclarece Karen Ribeiro que:
A organização da obrigação alimentar deverá ser feita da maneira mais flexível e igualitária possível, para que nenhum dos pais se sinta prejudicado, estipulando-se um valor pecuniário determinado, conforme as rendas de cada genitor e as necessidades da criança. [...] Porém, as necessidades do filho não tem que necessariamente ser repartidas em partes iguais, pois que devem ser de acordo com as possibilidades de cada um. Os pais devem procurar investir nos filhos no que diz respeito a sua instrução e educação, da melhor forma possível, embora sem esbanjamento, dentro do razoáveli.
Quanto a questão da responsabilidade civil decorrente por danos causados pelos filhos, o responsável será o genitor cujo filho estiver em seu poder, de acordo com o artigo 1.521 do Código Civil.
O equilíbrio da presença do pai e da mãe, durante o casamento, tão defendido teórica e praticamente pelas mães e pela psicologia, aceito em todas as culturas modernas, não tem por que não sê-lo também quando os pais se separam, porquanto a estrutura psicológica dos filhos e suas necessidades permanecem as mesmas.
Porém, o que ocorre comumente é o oposto. O pai que geralmente é vítima do afastamento físico e convívio cotidiano dos filhos, acaba se envolvendo em nova família, afastando-se dos filhos da família anterior. Os advogados e juízes devem se preocupar com o desenvolvimento emocional e psicológico da criança, não devendo a fácil e simplista solução do direito de visitas e inspeção concedidos ao pai, ser considerada a solução, embora, ainda hoje, seja a forma mais comum de decisão judicial. Hoje os pais querem viver, conviver com os filhos, não só dar pensão e visitá-los a cada 15 dias.
Essa inclinação em conceder a guarda de forma quase automatica à mãe transmite uma falsa idéia de que sua figura é imprescindível, enquanto o pai é dispensável na criação dos filhos. Entretanto, psicólogos, juristas, sociólogos e demais profissionais empenhados no estudo do assunto tem chegado a conclusão de que as crianças necessitam de um envolvimento ininterrupto com ambos os pais.
Raramente é perguntado qual o papel da aplicação da Lei nesse desenrolar dos fatos. É necessário que se faça modificações nos padrões culturais e nas decisões a eles atrelados.
É ilusão dos juízes, advogados, assistentes sociais e psicólogos sustentarem, sem maior análise dos casos, que a guarda exclusiva representa o melhor desfecho para uma separação. Esta modalidade é a mais comum e conhecida e, muitas vezes, a que oferece, aparentemente, menos conflitos e questões. Não é raro observar, porém, casos em que as perdas, do ponto de vista psicológico, excedem os benefícios. Ambos os genitores devem saber discriminar entre os conflitos na área da conjugalidade e os exercícios da parentalidade.
O preconceito que ainda existe em relação ao homem que quer disputar a guarda dos filhos é tamanho que, quando consultam um advogado, logo são desestimulados. Enquanto a psicologia diz sim, o Judiciário diz não. Tal comportamento é reforçado porque os advogados que atuam na área de família sabem que para ser a guarda dos filhos deferida ao pai, supondo-se a condição de igualdade deste com a mãe, os anjos teriam que descer do céu e explicar que o pai também pode cuidar e educar os seus filhos e que isto, hoje, diante da atual situação socio-econômica de igualdade, não é tarefa exclusiva do sexo feminino.
Nesse contexto, faz-se extremamente importante que os operadores do direito desmotivem os pais a lutar pelos filhos nos Tribunais e os ajudem a compreender que, com a guarda compartilhada só haverá ganhadores, nenhum perdedor e que , sobretudo, os direitos e interesses do menor poderão ser satisfeitos sem maiores traumas, de modo a obterem um melhor padrão de desenvolvimento.
4.3) A guarda compartilhada no Direito comparado
Nos países europeus e americanos deixou de predominar a guarda unilateral, pois nos mesmos, através de pesquisas e estudos, concluí-se que a guarda conjunta é a forma mais benéfica ao desenvolvimento global do menor, com adaptação de suas legislações às realidades sociais e econômicas nas áreas que regem a igualdade entre os ex-cônjuges e entre esses e seus filhos, resultantes da extinta união conjugal.
Na Inglaterra foi onde nasceu, há mais de vinte anos, a idéia de guarda compartilhada como meio de assegurar o exercício da autoridade parental que os pais, após a separação, continuam desejando a exercer, em sua totalidade, conjuntamente.
Sobre esse assunto, Eduardo de Oliveira Leite nos preleciona que:
A manifestação inequívoca dessa possibilidade por um Tribunal inglês só ocorreu em 1964, no caso Clissold, que demarca o início de uma tendência que fará escola na jurisprudência inglesa. Em 1972, a Court d’Appel da Inglaterra, na decisão Jussa x Jussa, reconheceu o valor da Guarda Conjunta, quando os pais estão dispostos a cooperar e, em 1980, a Court d’Appel da Inglaterra denunciou, rigorosamente, a teoria da concentração da autoridade parental nas mãos de um só guardião da criança. No célebre caso Dipper x Dipper, o juiz Ormrod, daquela Corte, promulgou uma sentença que, praticamente, encerrou a atribuição da guarda isolada na história. Os Tribunais da Inglaterra começaram a expedir ordem de fracionamento do exercício da guarda entre ambos os genitores, pois permite que a criança, apesar da ruptura conjugal dos pais, veja os mesmos de maneira igual envolvidos com seu destino41.
De lá passou à França, espalhou-se pela Europa, depois atravessou o Atlântico penetrando no Canadá e nos Estados Unidos.
Na França, a noção de Guarda Compartilhada existe desde 1976, com o propósito de minorar as injustiças que a guarda isolada provoca. As primeiras jurisprudências favoráveis à Guarda Conjunta resultaram da Lei 87.570/87, denominada Lei Malhuret, a qual harmonizou o Código Civil francês a partir da vasta jurisprudência existente até então. A citada lei permite aos pais organizarem sua comunidade de criação e educação dos filhos, para além do divórcio.
O Direito alemão, até 1982, possuía uma lei sobre guarda que estipulava que a entrega da guarda deveria se basear no interesse do filho, devendo predominar a guarda unilateral. Essa regra foi considerada inconstitucional e a Corte Constitucional entendeu que o Estado não pode intervir, quando ambos os pais, depois do divórcio, são capazes e dispostos à Guarda Conjunta de seus filhos.
Já, no Canadá a Guarda Compartilhada é conferida quando os pais optam pela mesma. Os Tribunais procuram estimular essa modalidade, por entenderem ser psicologicamente mais benéfico a todos os envolvidos. O relacionamento entre pais e entre pais e filhos torna-se melhor. A seção 16 de The Divorce Act, de 1985, diz que: “o Tribunal deve garantir à criança o contato constante com cada pai, na medida de seus interesses”.
O que se observa até o presente ponto é que, no Direito comparado prevalece o sistema do exercício conjunto, como princípio geral, tanto em países da Europa, atingindo até mesmo os socialistas, como na maioria dos países Latino-Americanos.
A Legislação argentina, por exemplo, adotou, como regime básico, o exercício compartilhado da guarda jurídica, conferindo-a ao pai e à mãe, conjuntamente, sejam os filhos matrimoniais ou não.
Os Tribunais portugueses passaram a admitir a guarda conjunta, mesmo antes de possuirem previsão legal para a mesma, recomendando-a como a mais adequada ao interesse do menor. Com a entrada em vigor da Lei 84 de 31 de agosto de 1995, no Direito Português, passou-se a facultar aos pais acordarem sobre o exercício da guarda comum de seus filhos. Com a entrada em vigor da referida lei:
foi alterado parte do artigo 1.906 do Código Civil Português, cujo n.º 2 estabelece que os pais podem acordar sobre o exercício comum do poder paternal, decidindo as questões relativa à prole em condições idênticas à que vigoravam na constância do matrimônio. Assim, Portugal introduziu em sua legislação um breve conceito de guarda compartilhada [...]42.
A custódia legal de uma criança é o direito e a obrigação de tomar decisões sobre a sua formação. Em muitos Estados, as cortes atualmente concedem a custódia legal conjunta aos genitores, o que significa que a tomada de decisões sobre os filhos é compartilhada. Se você compartilha uma custódia legal conjunta com outro genitor e o exclui do processo de tomada de decisão, esse ex-cônjuge pode levá-lo de volta perante a justiça e solicitar ao juiz que faça valer o acordo original da custódia.
Na maioria dos países integrantes do movimento, porém, o Poder Judiciário é um dos principais fomentadores dos conflitos que ocorrem na separação conjugal, devido a falta de adaptação às mudanças sociais, baseando até hoje suas decisões no pressuposto de que uma criança é propriedade de um dos seus genitores. Crianças são usadas, com freqüência, por pais irresponsáveis e por profissionais sem ética, para fomentar a ‘Indústria do Divórcio’, apoiando-se na discriminação praticada pelo judiciário.
4.4) A Guarda Compartilhada no Direito Brasileiro
No Brasil, a guarda compartilhada não é apreciada em nenhum artigo do Código Civil. A Lei do Divórcio determina que, nos casos de separação consensual, os próprios pais decidam com quem as crianças vão ficar. Quando há brigas, o juiz define quem é o responsável pela discórdia e tira-lhe o direito da guarda. Se a Justiça entender que na separação não houve culpados, a lei prevê que os menores fiquem em poder da mãe. Ora, tal dispositivo nos parece é ambíguo, pois, se a própria Constituição Federal diz que homens e mulheres são iguais perante a lei, porque a mãe tem que ter preferência?
O artigo 13, da Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio), permite ao juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular a guarda de maneira diferente da estabelecida anteriormente, o que nos transmite a possibilidade do uso da guarda compartilhada, quando os traumas e as revoltas, decorrentes da separação, se dissolverem e os pais conseguirem um entendimento amigável e construtivo. Este arbítrio conferido aos magistrados encontra-se inserido no Projeto do novo Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1.590.
Ocorre porém que, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), a decisão acerca do destino da criança, não mais pode ser feita de forma mecânica sob pena de ofensa a seus direitos e a sua dignidade, bem como a dos demais sujeitos que fazem parte do mesmo grupo familiar, devendo-se permitir que cada um desempenhe seu papel de forma livre, na busca da realização pessoal e da felicidade. De acordo com esse instituto, deve-se levar em consideração, sempre que possível, a opinião do menor envolvido.
Porém, o que atualmente tem ocorrido, é que admite-se a tomada de depoimento de testemunha menor em matéria patrimonial, rejeitando-se a possibilidade de tal oitiva quando a matéria versada é a separação de fato ou judicial, por presunção de que seria desaconselhável à estabilidade emocional dos filhos menores, compeli-los à prestação de depoimento em desfavor de qualquer um de seus ascendentes.
Tanto o Código Civil (art.142), como o Código de Processo Civil (art. 405, parágrafo 1º, III, e parágrafo 2º), vedam a oitiva de menores em juízo. Tais dispositivos continuam prevalecendo, apesar do contido no parágrafo 1º, do artigo 28, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) que da seguinte forma dispõe sobre a matéria:
Sempre que possível, a criança ou adolescente deverá ser previamente ouvida e a sua opinião devidamente considerada. Esquecem-se os aplicadores da lei que no campo do Direito de Família , não há lugar para rigidez formal nem para hábitos retrógados e estanques, que mascaram os preceitos constitucionais de igualdade [...]43 .
A questão da Guarda dos Filhos, na justiça brasileira, tem, como regra geral, sua base em teorias ultrapassadas, desconsiderando a evolução da mulher e do homem para seres mais completos, iguais e capazes e, quase sempre, analisando apenas os direitos da mãe e do pai sobre a prole, esquecendo que o direito maior em jogo é o do filho, pela presença dos pais, a fim de que seus desejos e necessidades emocionais e afetivos se satisfaçam integralmente.
Assim, não nos resta dúvida de que a melhor solução à guarda de filhos, quando a ruptura conjugal ocorre, é o acordo estipulado entre os pais, pois o mesmo evitará conflitos e reflexos negativos àqueles. Predomina, no entanto, em nosso país, a guarda única, instituída a um só dos genitores, em elevado percentual à mãe, que se tornou uma solução quase automática, tradicional, transmitindo ao pai a obrigatoriedade dos alimentos e o direito à escassas visitas, mas não a guarda. O genitor, a quem a guarda é atribuída, não detém só a guarda física, mas também a guarda jurídica, ou seja, exerce o pátrio poder na totalidade, em total detrimento aos direitos do outro.
A aplicação mecânica da norma jurídica e a solução dos problemas objetivos com referência exclusiva ao estrito âmbito legal faz com que os aspectos emotivos ou sejam desconsiderados e reprimidos, ou, então, se expressem de forma desordenada em ações judiciais que muitas vezes representam não exatamente um meio de solucionar controvérsias, mas antes, a canalização de uma agressividade ou mal-estar, isto quando não se traduzem na danosa escolha de renúncia aos próprios direitos.
Essa peculiaridade vem estampada na Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77, capítulo I, seção II), quando trata “Da Proteção da Pessoa dos Filhos”, onde em diversos artigos, deixam cristalino que a perda da companhia física do menor figura como uma “punição” ao cônjuge responsável pela separação ou divórcio. Na ausência da culpa, defere-se a guarda aquele que já a detinha, quando o fundamento é a ruptura fática da sociedade conjugal. Novamente surge a idéia do legislador de privar o cônjuge, que abandonou o lar, da companhia do filho (art.11, Lei 6.515/77), como forma de punição.
Já, quando há culpa dos dois cônjuges, ocorre uma clara influência da filosofia jusnaturalista, de que o filho deve permanecer com aquela que mantém o vínculo desde a concepção e da filosofia da religiosa, principalmente das igrejas católicas-cristãs, que pregam a idéia de ser um direito exclusivo das mães criarem seus filhos, e moldaram a legislação no sentido de ser a guarda, preferencialmente, deferida à genitora.
Necessário se faz que essa visão puramente civilista de que o instituto visa regularizar uma situação fática seja superada, visão essa que ainda encontra resquício no ECA, artigo 33, parágrafo 1º, e que põe a criança ou adolescente, como um mero objeto de direitos dos pais ou responsáveis.
Porém, para que o novo instituto possa ser adotado, necessário se faz haver a concordância dos genitores, pois se juridicamente são co-responsáveis pelos atos do filho, circunstâncias civis surgirão onde, inúmeras vezes, terão ambos os guardiães que suprir ou complementar a vontade do menor, logo, se o relacionamento pós-conjugal for belicoso, os prejuízos para a criança serão maiores com a guarda compartilhada, do que os benefícios.
Não é raro que, posteriormente às separações e divórcios, busquem as partes eternizar o conflito, valendo-se inclusive dos filhos para tal finalidade, muitas vezes inconscientemente.
Sendo assim, é mister que os cônjuges estejam muito conscientes que terão de, havendo optado pela guarda compartilhada, debater as questões extrajudicialmente e encontrar a solução para as hipóteses do dia a dia em comum acordo, pois, caso contrário, o compartilhar fatalmente estará prejudicado.
Transformar idéias em consciência coletiva nunca foi tarefa fácil, pelo contrário, mas perseguir o justo, o equânime, o benéfico, o lógico, certamente gerará bons resultados.
O principal óbice à guarda compartilhada funda-se, via de regra, nos estudos psicológicos, que apontam a necessidade de que a criança tenha estabilidade, ou seja, um lar definido. Outrossim, por falta de estrutura, principalmente nas Comarcas mais afastadas dos grandes centros, encontra o julgador dificuldades em obter composição e conscientização, no que se refere a guarda, até mesmo pelo fato de que, para tal fim, deve existir um trabalho de acompanhamento de profissionais treinados para tal finalidade, além do operador do direito decidir com os instrumentos legais postos à sua disposição, no caso, a Lei do Divórcio, a qual, embora não vede, não prevê a guarda em questão.
Embora nossa legislação não contenha norma direta, que aborde claramente a guarda compartilhada, como em inúmeros países ocorre, não contém nenhuma regra que a vede, o que deixa implícita a possibilidade de sua ocorrência legal. Segundo a opinião de Eduardo de Oliveira Leite:
Mesmo que a tendência jurídica – quer a doutrinária, quer a jurisprudêncial – tenha se mostrado sempre francamente favorável à guarda materna (especialmente quando se trata de crianças pequenas), as alterações decorrentes da evolução dos costumes e das condutas tem provocado substanciais mudanças nesta matéria44.
Ora pois, assim sendo, inexiste qualquer impedimento a adotar-se a guarda compartilhada, até mesmo porque a Lei não a veda, logo, contrario sensu, a permite.
O magistrado terá todo amparo legal e humanitário ao autorizar a guarda compartilhada, quando os pais à mesma se dispuserem ou quando regularizar a divergência entre os mesmos existentes e, sua percepção, julgá-la a mais benéfica aos envolvidos, podendo encontrar, inclusive, na legislação pátria, vários artigos a orientá-lo nesse sentido, entre os quais, a título de exemplo, podemos citar os seguintes:
a) artigos 4º e 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil existente: “Quando a Lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”; “Na aplicação da Lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
b) artigo 16, do Decreto Lei nº 3.200/41, que se refere a guarda do filho menor, natural, contém em seu “caput” e parágrafos, o arbítrio do juiz de decidir em privilégio ao interesse do menor e da mãe do mesmo.
c) A Constituição Federal de 1988, no parágrafo 5º, do artigo 226, contém o seguinte: “Os direitos e deveres referentes a sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.
d) artigo 227, “caput” da Constituição: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, exploração, violência, crueldade e opressão”.
e) artigo 229, da Constituição: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores [...]”.
f) Código Civil, artigo 231, “caput”, e inciso IV, assim se manifesta: “São deveres de ambos os cônjuges” [...] IV – “Sustento, guarda e educação dos filhos”[...].
g) artigo 384, “caput”, e inciso II, contém: “Compete aos pais, quanto a pessoa dos filhos”[...] II – “tê-los em sua companhia e guarda” [...].
h) artigo 1.121, “caput”, e inciso II do Código de Processo Civil, também sobre a guarda de filhos, quando a separação conjugal ocorrer, se manifesta: “A petição, instruída com a certidão de casamento e o contrato antenupcial se houver, conterá”[...] II – “o acordo relativo à guarda de filhos menores”[...].
i) A Lei do Divórcio (Lei 6.515/77), do seu artigo 9º ao artigo 16, contém as regras estabelecidas à Guarda de Filhos. Em seu artigo 9º, nos coloca que: “No caso de dissolução da sociedade conjugal pela separação consensual (art.4º), observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos”. Sabemos que este artigo relega a fixação da guarda dos filhos ao entendimento dos pais, o que poderá ocorrer, inclusive, em separação litigiosa, quando no requerimento da guarda não houver desentendimento entre os cônjuges. Além dos artigos citados, o artigo 27 nos transmite que: “O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos”.
j) A Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e Adolescente, no “caput” de seu artigo 4º, transmite o que o “caput” do art. 227 da CF, contém. O art. 5º assim se criança ou adolescente não será objeto de qualquer forma de negligência [...] punido na forma da Lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
j.1) Coloca o artigo 6º: “Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta [...] e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”.
j.2) O artigo 16, “caput”: “O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos [...]” “V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação”[...].
j.3) Expressa o artigo 19: “Toda criança ou adolescente tem direito de ser criado e educado no seio de sua família [...]”.
j.4) O artigo 27, transmite: “aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação os filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”.
l) A Lei 9.278/96 (Regula o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal), em seu artigo 2º, “caput”, e inciso III, nos coloca que: “São direitos e deveres iguais dos conviventes [...]” “III – guarda, sustento e educação dos filhos comuns”[...].
m) O Projeto do novo Código Civil, aprovado, mas ainda não em vigor, em seus artigos 1.587 à 1.594, capítulo XI, nenhuma modificação nos apresenta ao existente na legislação em vigor.
Assim, tendo como ponto de partida o repertório legislativo supracitado, podemos extrair três princípios fundamentais à guarda compartilhada, sendo eles:
1º - O vínculo parental, os deveres e direitos referentes ao mesmo, não se extinguem com a extinção do vínculo conjugal;
2º - A guarda de filhos é nominada, imposta pelo juiz, quando o desacordo dos pais, a incompetência dos mesmos ou o interesse do menor o exigir;
3º - A guarda compartilhada, é guarda lícita, amparada pela Lei, quando decorrente de acordo entre os pais e/ou for benéfica aos filhos.
Dessa forma, o juiz antes de decidir sobre a guarda de menores, deverá entrevistar pessoalmente os genitores, pois importante se faz que os pais continuem o rumo de suas próprias vidas, com seus interesses e satisfações pessoais.
As decisões tem imenso valor histórico e jurídico porque revelam a quebra de uma tradição secular e salvaguarda no interesse da criança. Adquirida a noção de guarda conjunta e inserida na prática judiciária cotidiana, os Tribunais podem melhor equilibrar os direitos da mãe e do pai45.
Os cuidados com os filhos são primordiais, mas a continuidade da vida pessoal faz parte do equilíbrio emocional de um adulto. É de especial importância o modo como os pais, filhos e advogados venham a encarar a decisão judicial. A alternativa escolhida pelos pais ou imposta pelo juiz deverá preencher o maior número de diretrizes psicológicas possíveis. Com base nisto, o sistema de guarda adotado constituirá solução tomada com critério, bom senso, sensibilidade e adequação. Ensina-nos Eduardo de Oliveira Leite que:
Os Tribunais devem ser suficientemente maleáveis de forma a garantir os melhores interesses da criança e também dos pais. Assim como na separação (ou divórcio), os juizes não vacilam em manter o direto e visitas do pai (quando a Mãe se opõe à visita se o ex-marido já tem nova companheira), da mesma forma os juizes devem ter a liberdade de impor a guarda conjunta aos genitores quando, por exemplo, eles a recusam sem justo motivo46.
Junto a isso, o estudo social apresenta-se como mais uma opção para o magistrado durante a instrução processual em ações de guarda de filhos. O indeferimento de pedido de realização de estudo social, feito pela parte, não caracteriza cerceamento de defesa e, mesmo restrito, a confecção do estudo social pode auxiliar o esclarecimento de fatos levantados pelas partes, inclusive, indicando o melhor para a instrução processual. Uma vez determinada sua realização, cabe ao juiz analisar seu conteúdo com atenção, filtrando as informações relevantes e abstraindo influências dispensáveis, visando assim chegar a uma decisão mais próxima o possível dos interesses do menor envolvido.
4.5) Vantagens e Desvantagens da Guarda Compartilhada
O exame da citada guarda, para que sua utilização se torne aceitável e de correta aplicação, deve conter uma análise de seus prós e contras, pois, a princípio, nada é perfeito ou de total inutilidade, com raras exceções, principalmente quando se encontra em jogo o desenvolvimento da personalidade de um ser em constante desenvolvimento.
A guarda compartilhada não está imune a uma profunda e, as vezes, longa conscientização daqueles profissionais que com ela trabalham. Ao longo desta necessária maturação do processo de acolhimento do que é novo, necessária é a constatação principal dos sinais internos e externos de cada caso, a subjetividade e a objetividade de todas as nuances precisam ser exorcizadas, para que possa a citada guarda ser incluída entre as práticas da determinação de guarda em nossos Tribunais. A passagem da teoria à prática só será efetiva após profundos estudos e, só a formação firme, o aporte de condições humanas e materiais poderão fazer com que o juiz de família tenha condições de, passando da teoria à prática, utilizar-se deste novo instituto.
Os efeitos negativos e positivos devem ser avaliados e ponderados, caso a caso, e necessária se faz uma adaptação dos pais, filhos e da sociedade, para que cada envolvido tenha consciência dos direitos e deveres, não só na guarda compartilhada, mas em qualquer tipo de guarda.
4.5.1) Efeitos positivos
No desenvolvimento dos estudos realizados podemos observar que a guarda compartilhada possui pontos favoráveis e desfavoráveis à sua aplicação, em relação ao benefício dos filhos menores envolvidos, bem como aos pais dos mesmos. O presente sub-ítem tem como pretensão apresentar e analisar os efeitos positivos gerados por essa modalidade, dentre os quais destacamos como sendo de maior relevância:
a) maior responsabilidade dos genitores ao atendimento das necessidades dos filhos;
b) maior interação do pai e da mãe no desenvolvimento físico e mental das crianças;
c) menos atrito entre os ex-cônjuges, pois deverão, em conjunto, atender as necessidades dos filhos por um caminho de cooperação mútua.
O que realmente interessa, ao se analisar a situação de um filho menor na separação ou divórcio dos pais, é a sua formação moral, social e psicológica.
Existem estudos científicos que indicam ser a guarda compartilhada mais saudável que a monoparental, porque a presença do pai e da mãe, em igualdade de condições (e não de tempo), proporciona maior equilíbrio emocional aos filhos.
Pesquisas idôneas, como as realizadas pelo doutor Sérgio Eduardo Nick, da Sociedade Brasileira de Psicanálise, constatam que crianças criadas sem a presença de um dos pais, tem aumento significativo em gravidez precoce, abandono de escola, delinqüência juvenil, dependência de drogas entre outros. O autor assim exala sua conclusão após vasta pesquisa realizada no decorrer de anos sobre o novo instituto:
Pelas pesquisas realizadas concluímos que está ocorrendo uma rápida mudança [...] do modelo adversarial típico dos embates judiciais por um modelo que privilegia a busca de relacionamento entre pai e mãe, com vistas a proporcionar um desenvolvimento ótimo dos chamados filhos do divórcio. Fizemos ainda um breve estudo da legislação brasileira para avaliar e sugerir a aplicação desse modelo no Brasil. Nossa conclusão é de que a guarda compartilhada tem amplo respaldo no Estatuto da Criança e do Adolescente como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento47.
Já Waldyr Grisard Filho, observa que a Guarda compartilhada apresenta vantagens não só aos filhos, como também aos pais, pois:
[...] além de proporcionar-lhes tomar decisões conjuntas relativas ao destino dos filhos, compartilhando o trabalho e as responsabilidades, minimiza o conflito parental, diminui os sentimentos de culpa e frustração por não cuidar dos mesmos, ajuda-os a atingir os objetivos de trabalharem em prol dos melhores interesses morais e materiais da prole. Compartilhar o cuidado aos filhos, significa conceder aos pais mais espaço para suas outras atividades. A guarda compartilhada oferece aos ex-cônjuges a possibilidade de reconstrução de suas vidas pessoal, profissional, social e psicológica. As estatísticas comprovam que somente 25% das mães com guarda única constituem novas famílias, enquanto 45% delas, do grupo da guarda compartilhada, formam novas uniões. Não deixa a citada guarda de reafirmar a igualdade parental desejada pela Constituição Federal48.
Assim, necessário se faz que as barreiras que geram divisão entre os pais em relação a criação e educação dos filhos, na ocorrência da separação ou divórcio, sejam superadas, para que os filhos, oriundos da falida união, tenham um desenvolvimento seguro e saudável, vindo a tornarem-se cidadãos úteis e necessários ao desenvolvimento da sociedade em que viverem.
4.5.2 - Efeitos negativos
Entre os efeitos negativos dessa modalidade de guarda, os exemplos mais comumente encontrados no escasso repertório doutrinário brasileiro são:
a) Receio, por parte dos menos informados, de o menor vir a passar menos tempo com a mãe, considerada imprescindível ao desenvolvimento salutar da criança;
b) A ausência de um lar estável, podendo surgir daí, como conseqüência, uma confusão mental na criança ou adolescente – esse item não deixa de ser o principal obstáculo à aceitação da guarda compartilhada;
c) Poderia ocorrer que os pais, como guardiães conjuntos, praticarem, isoladamente, atos da vida civil como representantes do filho e, não havendo concordância em relação aos atos praticados, novas batalhas judiciais ocorrerem, renovando-se uma situação traumatizante que poderia ter sido definida quando da separação ou divórcio.
Waldyr Grisard Filho, não deixa de conter o que até agora, no presente item, colocamos:
Os prós e os contras que colhemos na Doutrina, de forma alguma pretendem esgotar as circunstâncias que podem levar o juiz a decidir sobre a conveniência, ou não, da outorga da Guarda Compartilhada. As críticas que se fazem ao novo modelo, porém, não podem ser tidas como absolutas, quando se tem presente, inafastavelmente, que o interesse do menor não mais se prossegue com a guarda única [...]. O objetivo que se persegue na guarda compartilhada é garantir que ambas as figuras paternas mantenham um contato permanente com o menor, brindando-se um modelo de organização familiar que se assemelha a uma família intacta49.
Os Tribunais tendem a seguir entendimento contrário à guarda compartilhada pela justificativa de que a mesma importaria no revezamento periódico do ambiente familiar, é prejudicial à consolidação dos hábitos, valores, padrões e idéias na mente do menor e, conseqüentemente, à formação da responsabilidade do mesmo. Repelindo tal idéia, que nos parece advir de pessoas que desconhecem por completo o assunto, recorremos novamente à lição de Waldyr Grisard Filho que nos coloca a seguinte:
a guarda compartilhada, ao contrario [...], tem como pressuposto uma residência fixa (única e não alternada) do menor, que gera para ele a estabilidade que o Direito e a Psicologia desejam, evitando grandes alterações em sua vida e rotina. [...] O risco de fluidez ambiental, que provocaria confusão na mente do menor, cede ao argumento de que a alternância é uma experiência enriquecedora para ele, porque o expõe a diversidade e o prepara melhor na lida com o futuro50”.
Já, Karen Ribeiro nos esclarece que:
[...] entende-se que um dos genitores terá a guarda física do menor, mas ambos detém a guarda jurídica da prole. A obrigação, ou dever de visita deverá existir para que seja mantido sempre vivos os laços que unem pais e filhos. Ter uma única residência é fator importante, pois será nesse local que a criança se encontrará juridicamente domiciliada e em que terá suas raízes51. E conclui a autora que “a guarda conjunta não veda a possibilidade de o menor passar longos períodos com o genitor descontínuo, apenas não prisma pela guarda alternada propriamente dita52.
Por se tratar de matéria nova, desconhecida à consciência coletiva, naturalmente empecilhos podem ocorrer, porém, todos de fácil solução, como por exemplo, as seguintes hipóteses:
a) pode ocorrer que os dois genitores desejem para si a guarda, mas quem a detém não concorda em reparti-la. Deve ficar claro na mente dos juízes, que o genitor que se opõe a compartilhar a guarda não deve ser obrigado a fazê-lo. Os genitores podem ambos desejar a guarda porém a intervenção do Estado, na figura do juiz, se faz necessária porque os pais não estão de acordo quanto a isso;
b) a guarda compartilhada também não é indicada nos casos em que os filhos são usados como moeda entre o casal, nas situações em que a disputa pela guarda é apenas um espaço privilegiado para o aparecimento de conflitos deslocados entre os pais;
c) outra situação em que não se aconselha a citada guarda, é quando as crianças são muito pequenas. Conviver ora com a mãe, ora com o pai, em ambientes físicos diferentes, requer uma capacidade de adaptação e de codificação/decodificação da realidade, só possível em crianças mais velhas;
d) também não é aconselhável para crianças que se apresentem ou são inseguras, pois uma criança nestas condições necessita de um contexto estável.
Aqui novamente nos socorremos com a lição de Karen Ribeiro, segundo a qual:
Entende-se que a guarda compartilhada pode não ser adequada a toda e qualquer família, devendo ser analisado o caso concreto para que se vislumbre a sua possível aplicação, pois pode não ser o melhor sistema a ser adotado em determinado momento. Porém não deve ser descartada a priori, como muitas vezes, lamentavelmente, ocorre. [...] o acordo sobre o exercício do poder parental em conjunto poderá ser recusado pelo juiz, desde que fique confirmado o não atendimento do interesse do menor [...]53.
O que se deve ter em mente é que a decisão sobre a guarda, em qualquer uma de suas modalidades, é de supremo interesse dos pais e cabe-lhes com primazia a tomada da solução a ser homologada posteriormente pelo juiz. O acordo é privilegiado até mesmo pela Lei (artigo 1.121, II do Código de Processo Civil), pois a imposição de uma sentença judicial será sempre indesejada, por ser ato estranho ao âmbito familiar. Na relevante opinião de Waldyr Grisard Filho:
quando os pais [...] privilegiam a continuidade de suas relações com as crianças e as protegem de seus conflitos parentais, há toda uma vantagem em atribuir efeitos jurídicos à atitude de cooperação dos pais, entusiasmando a ambos a compartilhar direitos e responsabilidades na proteção e na educação dos filhos54.
Sabemos que no Projeto do Novo Código Civil, o exercício do Pátrio Poder é colocado como igual para o pai e a mãe, marido e mulher, o que pode também ocorrer no pertinente à guarda compartilhada dos filhos, na área jurídica, se a mesma demonstrar ser a mais benéfica ao interesse dos mesmos.
Nesse viés, como uma viagem sem volta, a moldura da guarda compartilhada vai se determinando com a contribuição também da Jurisprudência, dando-se conta os Tribunais que a guarda exclusiva tende a tornar tênue a relação entre o genitor não-guardião e o filho, favorecendo a evaporação da paternidade. É útil, então, reconhecerem as sentenças judiciais, promover a importância da relação paterno/materno filial após o divórcioii.
4.6) Conclusão
Diante de tudo o que foi até aqui exposto, a conclusão que chegamos é de que a disputa entre os casais e as chantagens para conquistar o amor da criança em que se apoiam aqueles que criticam essa nova modalidade de guarda, não encontram guarita na guarda compartilhada, pois a reciproca troca de entendimentos pelos pais detentores conjuntos da guarda afastam as posturas conflituosas, uma vez que se encontram conscientizados de que o mais importante é o bem dos filhos. Por isso, importante se faz a busca por formulas mais adequadas, que objetivem a estruturação do modelo ideal de guarda a ser aplicado em cada caso. Diante de tal necessidade, a guarda compartilhada vem surgindo como modelo ideal para que se aperfeiçoe a correta orientação a ser dadas as crianças, proporcionando-lhes uma adequada formação do caráter e da personalidade no dentro âmbito familiar. Desse modo cumpre à doutrina e à jurisprudência estabelecer soluções que privilegiem essa modalidade de guarda, prestigiando assim, o fortalecimento dos laços familiares visando um pleno e sadio desenvolvimento do menor quando a sociedade conjugal se encontrar irremediavelmente desfeita, de acordo com o artigo 227 do Texto Constitucional.
CARLOS ALBERTO ATÊNCIA TAVEIRA
Presidente Prudente – SP
2002
4) DA GUARDA COMPARTILHADA
A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original. (Albert Aenstein / 1879-1955).
4.1) Introdução ao Tema
Atualmente muitos tem falado da Guarda Compartilhada, apesar de poucos já terem tido essa experiência ou mesmo conhecerem suficientemente o assunto.
O presente capítulo é o motivo de estudo específico dessa monografia. Os temas anteriores foram analisados diversamente e de modo sucinto para que pudéssemos ter uma noção do que representa no nosso mundo social e jurídico, a responsabilidade de quem gera um ser humano - enquanto menor ou incapaz o mesmo - ou daquele que, através da guarda, tutela ou adoção, assume tal responsabilidade.
Os filhos, em regra, são uma das maiores razões da união entre o homem e a mulher. Representam a preservação da espécie, repercutem na sociedade, na política, no interesse do Estado, na formação do próprio povo. Ninguém, em momento algum, tem o direito de se furtar à parcela de responsabilidade que lhe cabe em relação a eles. A criança acredita em tudo que lhe é passado e o desenvolvimento da mesma se dá passo a passo. Embora os mesmos, enquanto menores, sejam uma incógnita, ao se tornarem adultos, revelam o que representaram na vida de aos seus genitores: uma benção ou um tormento; um prêmio ou um castigo aos pais, de acordo com a educação e exemplos que dos mesmos receberem. O conhecimento desse desenvolvimento, relativamente lento, interligando o físico, o social, o intelectual e o emocional deve ser de total consciência dos pais, pois ocorrerá e se fundamentará no ambiente em que o mesmo se der.
Drásticas foram as mudanças surgidas com o advento da Constituição Federal de 1988, igualando homens e mulheres em direitos e obrigações. Assim, se faz importante que ambos estejam cientes da responsabilidade de participação de cada um na vida dos filhos e a guarda compartilhada é um caminho muito interessante para se atingir esse fim.
Nesse contexto, segundo Karen Ribeiro:
O poder paternal pertence a ambos os pais, quer na constância do matrimonio (ou sociedade de fato) , quer rompido o laço de união do casal. Os pais devem exercê-lo de comum acordo e, se este faltar, em questão de particular importância, qualquer dos genitores poderá recorrer à esfera jurisdicional34.
O tema que será analisado a seguir tem como pretensão nos trazer uma idéia de como a GUARDA COMPARTILHADA é aceita social e juridicamente no Brasil, fazendo-se um comparativo com alguns outros países e dos efeitos positivos e negativos que a mesma pode gerar, tanto para os pais quanto para os filhos.
4.2) Conceito, Definição e Generalidades
É importante se frisar inicialmente que na guarda compartilhada não existe um arranjo padrão, ou seja, o melhor arranjo será aquele que possibilitar o maior contato das crianças com os pais, os quais deverão dispensar interesses em seu bem estar, saúde, educação e seu desenvolvimento como um todo. Como esclarecimento inicial se fazem oportunas as palavras de Eduardo de Oliveira Leite, segundo o qual:
Na guarda conjunta, não é a guarda, mas os outros atributos da autoridade parental que são exercidos em comum. A guarda conjunta consiste no exercício em comum, pelos pais, de um certo número de prerrogativas relativas a pessoa da criança. Logo, quando se fala em guarda conjunta, a noção não se esgota na mera guarda, mas num conjunto de prerrogativas que são exercidas pelos pais em relação aos filhos35.
As prerrogativas referidas pelo autor são basicamente o controle sobre a educação e religião da prole, a administração patrimonial, o poder pessoal de controlar a criança fisicamente até completar a maioridade, o direito de recorrer aos Tribunais para exercer o poder decorrente do parens patriae (normalmente associado com obrigações, tais como alimentos, proteção e apoio emocional).
E, para como complemento do conceito supracitado, Sérgio Eduardo Nick nos esclarece que, “vivênciar seus pais unidos em torno de si e de seus interesses fortalece a auto-estima da criança dando-lhe o sentimento de que suas necessidades não foram negligenciadas após o divórcio”36.
Essa modalidade de guarda surge como uma solução que incentiva ambos os genitores a participarem igualmente da convivência, educação e responsabilidade pela prole. Deve ser compreendida como aquela forma de custódia em que as crianças têm uma residência principal e que define ambos os genitores como detentores do mesmo dever de guardar os filhos. É inovadora e benéfica na maioria dos casos em que os pais aceitam cooperar entre si visando o bom desenvolvimento da prole sendo também, muitas vezes bem sucedida mesmo quando o diálogo não é bom entre as partes, desde que estas sejam capazes de discriminar seus conflitos conjugais do adequado exercício da parentalidade. Para Sérgio E. Nick :
A modalidade compartilhada atribuída à guarda dá uma nova e inédita conotação ao instituto do pátrio poder, já que tem por finalidade romper com a idéia de poder e veicula a perspectiva da responsabilidade, do cuidado às crianças e do convívio familiar. A partir desse novo conceito, é retirado da guarda a conotação de posse, privilegiando-se a idéia de estar com, de compartilhar, sempre voltada para o melhor interesse das crianças e consequentemente dos pais37.
Já, da lição doutrinária do professor e magistrado Sérgio Gischikow, extraímos o seguinte ensinamento:
a guarda física estará com apenas um dos genitores em determinado momento. Mas, acima, paira a guarda jurídica, esta sim, comum, facilitando o desenrolar das relações entre pais e filhos e dos pais entre si e é notável a liberdade do juiz de menores e, utilizando-se desta prerrogativa, deverá o magistrado autorizar a Guarda Conjunta quando comprovada a sua conveniência nos autos submetidos ao seu parecer, pois o Direito brasileiro não possui norma jurídica impeditiva à mesma, ao contrário, de sua sistemática desponta a conclusão de que precisa ser aceita. O desuso doutrinário e jurisprudêncial, a toda evidência, não tem o dom de elidir o instituto38.
A observação da moderna entidade familiar tem nos demonstrado que já não se pensa como há anos atrás, em relação ao principal fator constituinte da personalidade do ser humano, o qual era a relação da mãe com filho menor e a função do pai de apenas proteger, facilitar e prover condições para esta relação.
Atualmente, um número cada vez maior de pais tem se mostrado preocupados em exigir mais espaço nas vidas de seus filhos, sabendo que a realização dos mesmos, como pessoa, depende da sua realização como pai. Segundo Eduardo de Oliveira Leite:
A preferência reconhecida a mãe, e que encontra suas raízes mais próximas em toda literatura médico-social do século XIX, passou a ser contestada na Segunda metade do século XX, quando os princípios de igualdade de sexo começaram a invadir o terreno estritamente privado do direito de família. O acesso da mulher ao mercado de trabalho – ainda uma vez – e a redistribuição dos papéis familiares, certamente, não só redimensionaram a figura paterna no meio familiar, mas também revalorizaram o papel da paternidade numa estrutura que o desejava secundário39.
A tendência hoje é distinguir a separação conjugal do vínculo parental, pois, na sociedade atual já não são mais defensáveis as pretensões dos ex-cônjuges de, sozinhos, exercerem as funções de pai e mãe, pois tem-se consciência que, quase sempre, tal pretensão decorre do desejo de retaliação.
O que se procura atualmente é levar em conta a vontade e o direito dos filhos de terem a função parental preenchida, de forma igualitária, por seus pais. O tempo em que a mulher apenas aos filhos se dedicava e o homem ao trabalho, privado da convivência familiar, não existe mais. Os filhos devem ter seus ideais identificados, tanto com a mãe quanto com o pai, profissionais e cidadãos responsáveis, pois assim crescerão com maiores possibilidades de vivência salutar e completa, na sociedade da qual farão parte.
Em relação a isso, Waldyr Grisard Filho, nos coloca que: “o desejo de ambos os pais compartilharem a criação e a educação dos filhos e o destes de manterem adequada comunicação com os pais, motivou o surgimento da Guarda Compartilhada”40. Nessa modalidade de guarda pais e mães terão o mesmo direito na formação das crianças, sem horários rígidos e limites de visitação.
Quanto aos alimentos, nos esclarece Karen Ribeiro que:
A organização da obrigação alimentar deverá ser feita da maneira mais flexível e igualitária possível, para que nenhum dos pais se sinta prejudicado, estipulando-se um valor pecuniário determinado, conforme as rendas de cada genitor e as necessidades da criança. [...] Porém, as necessidades do filho não tem que necessariamente ser repartidas em partes iguais, pois que devem ser de acordo com as possibilidades de cada um. Os pais devem procurar investir nos filhos no que diz respeito a sua instrução e educação, da melhor forma possível, embora sem esbanjamento, dentro do razoáveli.
Quanto a questão da responsabilidade civil decorrente por danos causados pelos filhos, o responsável será o genitor cujo filho estiver em seu poder, de acordo com o artigo 1.521 do Código Civil.
O equilíbrio da presença do pai e da mãe, durante o casamento, tão defendido teórica e praticamente pelas mães e pela psicologia, aceito em todas as culturas modernas, não tem por que não sê-lo também quando os pais se separam, porquanto a estrutura psicológica dos filhos e suas necessidades permanecem as mesmas.
Porém, o que ocorre comumente é o oposto. O pai que geralmente é vítima do afastamento físico e convívio cotidiano dos filhos, acaba se envolvendo em nova família, afastando-se dos filhos da família anterior. Os advogados e juízes devem se preocupar com o desenvolvimento emocional e psicológico da criança, não devendo a fácil e simplista solução do direito de visitas e inspeção concedidos ao pai, ser considerada a solução, embora, ainda hoje, seja a forma mais comum de decisão judicial. Hoje os pais querem viver, conviver com os filhos, não só dar pensão e visitá-los a cada 15 dias.
Essa inclinação em conceder a guarda de forma quase automatica à mãe transmite uma falsa idéia de que sua figura é imprescindível, enquanto o pai é dispensável na criação dos filhos. Entretanto, psicólogos, juristas, sociólogos e demais profissionais empenhados no estudo do assunto tem chegado a conclusão de que as crianças necessitam de um envolvimento ininterrupto com ambos os pais.
Raramente é perguntado qual o papel da aplicação da Lei nesse desenrolar dos fatos. É necessário que se faça modificações nos padrões culturais e nas decisões a eles atrelados.
É ilusão dos juízes, advogados, assistentes sociais e psicólogos sustentarem, sem maior análise dos casos, que a guarda exclusiva representa o melhor desfecho para uma separação. Esta modalidade é a mais comum e conhecida e, muitas vezes, a que oferece, aparentemente, menos conflitos e questões. Não é raro observar, porém, casos em que as perdas, do ponto de vista psicológico, excedem os benefícios. Ambos os genitores devem saber discriminar entre os conflitos na área da conjugalidade e os exercícios da parentalidade.
O preconceito que ainda existe em relação ao homem que quer disputar a guarda dos filhos é tamanho que, quando consultam um advogado, logo são desestimulados. Enquanto a psicologia diz sim, o Judiciário diz não. Tal comportamento é reforçado porque os advogados que atuam na área de família sabem que para ser a guarda dos filhos deferida ao pai, supondo-se a condição de igualdade deste com a mãe, os anjos teriam que descer do céu e explicar que o pai também pode cuidar e educar os seus filhos e que isto, hoje, diante da atual situação socio-econômica de igualdade, não é tarefa exclusiva do sexo feminino.
Nesse contexto, faz-se extremamente importante que os operadores do direito desmotivem os pais a lutar pelos filhos nos Tribunais e os ajudem a compreender que, com a guarda compartilhada só haverá ganhadores, nenhum perdedor e que , sobretudo, os direitos e interesses do menor poderão ser satisfeitos sem maiores traumas, de modo a obterem um melhor padrão de desenvolvimento.
4.3) A guarda compartilhada no Direito comparado
Nos países europeus e americanos deixou de predominar a guarda unilateral, pois nos mesmos, através de pesquisas e estudos, concluí-se que a guarda conjunta é a forma mais benéfica ao desenvolvimento global do menor, com adaptação de suas legislações às realidades sociais e econômicas nas áreas que regem a igualdade entre os ex-cônjuges e entre esses e seus filhos, resultantes da extinta união conjugal.
Na Inglaterra foi onde nasceu, há mais de vinte anos, a idéia de guarda compartilhada como meio de assegurar o exercício da autoridade parental que os pais, após a separação, continuam desejando a exercer, em sua totalidade, conjuntamente.
Sobre esse assunto, Eduardo de Oliveira Leite nos preleciona que:
A manifestação inequívoca dessa possibilidade por um Tribunal inglês só ocorreu em 1964, no caso Clissold, que demarca o início de uma tendência que fará escola na jurisprudência inglesa. Em 1972, a Court d’Appel da Inglaterra, na decisão Jussa x Jussa, reconheceu o valor da Guarda Conjunta, quando os pais estão dispostos a cooperar e, em 1980, a Court d’Appel da Inglaterra denunciou, rigorosamente, a teoria da concentração da autoridade parental nas mãos de um só guardião da criança. No célebre caso Dipper x Dipper, o juiz Ormrod, daquela Corte, promulgou uma sentença que, praticamente, encerrou a atribuição da guarda isolada na história. Os Tribunais da Inglaterra começaram a expedir ordem de fracionamento do exercício da guarda entre ambos os genitores, pois permite que a criança, apesar da ruptura conjugal dos pais, veja os mesmos de maneira igual envolvidos com seu destino41.
De lá passou à França, espalhou-se pela Europa, depois atravessou o Atlântico penetrando no Canadá e nos Estados Unidos.
Na França, a noção de Guarda Compartilhada existe desde 1976, com o propósito de minorar as injustiças que a guarda isolada provoca. As primeiras jurisprudências favoráveis à Guarda Conjunta resultaram da Lei 87.570/87, denominada Lei Malhuret, a qual harmonizou o Código Civil francês a partir da vasta jurisprudência existente até então. A citada lei permite aos pais organizarem sua comunidade de criação e educação dos filhos, para além do divórcio.
O Direito alemão, até 1982, possuía uma lei sobre guarda que estipulava que a entrega da guarda deveria se basear no interesse do filho, devendo predominar a guarda unilateral. Essa regra foi considerada inconstitucional e a Corte Constitucional entendeu que o Estado não pode intervir, quando ambos os pais, depois do divórcio, são capazes e dispostos à Guarda Conjunta de seus filhos.
Já, no Canadá a Guarda Compartilhada é conferida quando os pais optam pela mesma. Os Tribunais procuram estimular essa modalidade, por entenderem ser psicologicamente mais benéfico a todos os envolvidos. O relacionamento entre pais e entre pais e filhos torna-se melhor. A seção 16 de The Divorce Act, de 1985, diz que: “o Tribunal deve garantir à criança o contato constante com cada pai, na medida de seus interesses”.
O que se observa até o presente ponto é que, no Direito comparado prevalece o sistema do exercício conjunto, como princípio geral, tanto em países da Europa, atingindo até mesmo os socialistas, como na maioria dos países Latino-Americanos.
A Legislação argentina, por exemplo, adotou, como regime básico, o exercício compartilhado da guarda jurídica, conferindo-a ao pai e à mãe, conjuntamente, sejam os filhos matrimoniais ou não.
Os Tribunais portugueses passaram a admitir a guarda conjunta, mesmo antes de possuirem previsão legal para a mesma, recomendando-a como a mais adequada ao interesse do menor. Com a entrada em vigor da Lei 84 de 31 de agosto de 1995, no Direito Português, passou-se a facultar aos pais acordarem sobre o exercício da guarda comum de seus filhos. Com a entrada em vigor da referida lei:
foi alterado parte do artigo 1.906 do Código Civil Português, cujo n.º 2 estabelece que os pais podem acordar sobre o exercício comum do poder paternal, decidindo as questões relativa à prole em condições idênticas à que vigoravam na constância do matrimônio. Assim, Portugal introduziu em sua legislação um breve conceito de guarda compartilhada [...]42.
A custódia legal de uma criança é o direito e a obrigação de tomar decisões sobre a sua formação. Em muitos Estados, as cortes atualmente concedem a custódia legal conjunta aos genitores, o que significa que a tomada de decisões sobre os filhos é compartilhada. Se você compartilha uma custódia legal conjunta com outro genitor e o exclui do processo de tomada de decisão, esse ex-cônjuge pode levá-lo de volta perante a justiça e solicitar ao juiz que faça valer o acordo original da custódia.
Na maioria dos países integrantes do movimento, porém, o Poder Judiciário é um dos principais fomentadores dos conflitos que ocorrem na separação conjugal, devido a falta de adaptação às mudanças sociais, baseando até hoje suas decisões no pressuposto de que uma criança é propriedade de um dos seus genitores. Crianças são usadas, com freqüência, por pais irresponsáveis e por profissionais sem ética, para fomentar a ‘Indústria do Divórcio’, apoiando-se na discriminação praticada pelo judiciário.
4.4) A Guarda Compartilhada no Direito Brasileiro
No Brasil, a guarda compartilhada não é apreciada em nenhum artigo do Código Civil. A Lei do Divórcio determina que, nos casos de separação consensual, os próprios pais decidam com quem as crianças vão ficar. Quando há brigas, o juiz define quem é o responsável pela discórdia e tira-lhe o direito da guarda. Se a Justiça entender que na separação não houve culpados, a lei prevê que os menores fiquem em poder da mãe. Ora, tal dispositivo nos parece é ambíguo, pois, se a própria Constituição Federal diz que homens e mulheres são iguais perante a lei, porque a mãe tem que ter preferência?
O artigo 13, da Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio), permite ao juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular a guarda de maneira diferente da estabelecida anteriormente, o que nos transmite a possibilidade do uso da guarda compartilhada, quando os traumas e as revoltas, decorrentes da separação, se dissolverem e os pais conseguirem um entendimento amigável e construtivo. Este arbítrio conferido aos magistrados encontra-se inserido no Projeto do novo Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1.590.
Ocorre porém que, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), a decisão acerca do destino da criança, não mais pode ser feita de forma mecânica sob pena de ofensa a seus direitos e a sua dignidade, bem como a dos demais sujeitos que fazem parte do mesmo grupo familiar, devendo-se permitir que cada um desempenhe seu papel de forma livre, na busca da realização pessoal e da felicidade. De acordo com esse instituto, deve-se levar em consideração, sempre que possível, a opinião do menor envolvido.
Porém, o que atualmente tem ocorrido, é que admite-se a tomada de depoimento de testemunha menor em matéria patrimonial, rejeitando-se a possibilidade de tal oitiva quando a matéria versada é a separação de fato ou judicial, por presunção de que seria desaconselhável à estabilidade emocional dos filhos menores, compeli-los à prestação de depoimento em desfavor de qualquer um de seus ascendentes.
Tanto o Código Civil (art.142), como o Código de Processo Civil (art. 405, parágrafo 1º, III, e parágrafo 2º), vedam a oitiva de menores em juízo. Tais dispositivos continuam prevalecendo, apesar do contido no parágrafo 1º, do artigo 28, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) que da seguinte forma dispõe sobre a matéria:
Sempre que possível, a criança ou adolescente deverá ser previamente ouvida e a sua opinião devidamente considerada. Esquecem-se os aplicadores da lei que no campo do Direito de Família , não há lugar para rigidez formal nem para hábitos retrógados e estanques, que mascaram os preceitos constitucionais de igualdade [...]43 .
A questão da Guarda dos Filhos, na justiça brasileira, tem, como regra geral, sua base em teorias ultrapassadas, desconsiderando a evolução da mulher e do homem para seres mais completos, iguais e capazes e, quase sempre, analisando apenas os direitos da mãe e do pai sobre a prole, esquecendo que o direito maior em jogo é o do filho, pela presença dos pais, a fim de que seus desejos e necessidades emocionais e afetivos se satisfaçam integralmente.
Assim, não nos resta dúvida de que a melhor solução à guarda de filhos, quando a ruptura conjugal ocorre, é o acordo estipulado entre os pais, pois o mesmo evitará conflitos e reflexos negativos àqueles. Predomina, no entanto, em nosso país, a guarda única, instituída a um só dos genitores, em elevado percentual à mãe, que se tornou uma solução quase automática, tradicional, transmitindo ao pai a obrigatoriedade dos alimentos e o direito à escassas visitas, mas não a guarda. O genitor, a quem a guarda é atribuída, não detém só a guarda física, mas também a guarda jurídica, ou seja, exerce o pátrio poder na totalidade, em total detrimento aos direitos do outro.
A aplicação mecânica da norma jurídica e a solução dos problemas objetivos com referência exclusiva ao estrito âmbito legal faz com que os aspectos emotivos ou sejam desconsiderados e reprimidos, ou, então, se expressem de forma desordenada em ações judiciais que muitas vezes representam não exatamente um meio de solucionar controvérsias, mas antes, a canalização de uma agressividade ou mal-estar, isto quando não se traduzem na danosa escolha de renúncia aos próprios direitos.
Essa peculiaridade vem estampada na Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77, capítulo I, seção II), quando trata “Da Proteção da Pessoa dos Filhos”, onde em diversos artigos, deixam cristalino que a perda da companhia física do menor figura como uma “punição” ao cônjuge responsável pela separação ou divórcio. Na ausência da culpa, defere-se a guarda aquele que já a detinha, quando o fundamento é a ruptura fática da sociedade conjugal. Novamente surge a idéia do legislador de privar o cônjuge, que abandonou o lar, da companhia do filho (art.11, Lei 6.515/77), como forma de punição.
Já, quando há culpa dos dois cônjuges, ocorre uma clara influência da filosofia jusnaturalista, de que o filho deve permanecer com aquela que mantém o vínculo desde a concepção e da filosofia da religiosa, principalmente das igrejas católicas-cristãs, que pregam a idéia de ser um direito exclusivo das mães criarem seus filhos, e moldaram a legislação no sentido de ser a guarda, preferencialmente, deferida à genitora.
Necessário se faz que essa visão puramente civilista de que o instituto visa regularizar uma situação fática seja superada, visão essa que ainda encontra resquício no ECA, artigo 33, parágrafo 1º, e que põe a criança ou adolescente, como um mero objeto de direitos dos pais ou responsáveis.
Porém, para que o novo instituto possa ser adotado, necessário se faz haver a concordância dos genitores, pois se juridicamente são co-responsáveis pelos atos do filho, circunstâncias civis surgirão onde, inúmeras vezes, terão ambos os guardiães que suprir ou complementar a vontade do menor, logo, se o relacionamento pós-conjugal for belicoso, os prejuízos para a criança serão maiores com a guarda compartilhada, do que os benefícios.
Não é raro que, posteriormente às separações e divórcios, busquem as partes eternizar o conflito, valendo-se inclusive dos filhos para tal finalidade, muitas vezes inconscientemente.
Sendo assim, é mister que os cônjuges estejam muito conscientes que terão de, havendo optado pela guarda compartilhada, debater as questões extrajudicialmente e encontrar a solução para as hipóteses do dia a dia em comum acordo, pois, caso contrário, o compartilhar fatalmente estará prejudicado.
Transformar idéias em consciência coletiva nunca foi tarefa fácil, pelo contrário, mas perseguir o justo, o equânime, o benéfico, o lógico, certamente gerará bons resultados.
O principal óbice à guarda compartilhada funda-se, via de regra, nos estudos psicológicos, que apontam a necessidade de que a criança tenha estabilidade, ou seja, um lar definido. Outrossim, por falta de estrutura, principalmente nas Comarcas mais afastadas dos grandes centros, encontra o julgador dificuldades em obter composição e conscientização, no que se refere a guarda, até mesmo pelo fato de que, para tal fim, deve existir um trabalho de acompanhamento de profissionais treinados para tal finalidade, além do operador do direito decidir com os instrumentos legais postos à sua disposição, no caso, a Lei do Divórcio, a qual, embora não vede, não prevê a guarda em questão.
Embora nossa legislação não contenha norma direta, que aborde claramente a guarda compartilhada, como em inúmeros países ocorre, não contém nenhuma regra que a vede, o que deixa implícita a possibilidade de sua ocorrência legal. Segundo a opinião de Eduardo de Oliveira Leite:
Mesmo que a tendência jurídica – quer a doutrinária, quer a jurisprudêncial – tenha se mostrado sempre francamente favorável à guarda materna (especialmente quando se trata de crianças pequenas), as alterações decorrentes da evolução dos costumes e das condutas tem provocado substanciais mudanças nesta matéria44.
Ora pois, assim sendo, inexiste qualquer impedimento a adotar-se a guarda compartilhada, até mesmo porque a Lei não a veda, logo, contrario sensu, a permite.
O magistrado terá todo amparo legal e humanitário ao autorizar a guarda compartilhada, quando os pais à mesma se dispuserem ou quando regularizar a divergência entre os mesmos existentes e, sua percepção, julgá-la a mais benéfica aos envolvidos, podendo encontrar, inclusive, na legislação pátria, vários artigos a orientá-lo nesse sentido, entre os quais, a título de exemplo, podemos citar os seguintes:
a) artigos 4º e 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil existente: “Quando a Lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”; “Na aplicação da Lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
b) artigo 16, do Decreto Lei nº 3.200/41, que se refere a guarda do filho menor, natural, contém em seu “caput” e parágrafos, o arbítrio do juiz de decidir em privilégio ao interesse do menor e da mãe do mesmo.
c) A Constituição Federal de 1988, no parágrafo 5º, do artigo 226, contém o seguinte: “Os direitos e deveres referentes a sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.
d) artigo 227, “caput” da Constituição: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, exploração, violência, crueldade e opressão”.
e) artigo 229, da Constituição: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores [...]”.
f) Código Civil, artigo 231, “caput”, e inciso IV, assim se manifesta: “São deveres de ambos os cônjuges” [...] IV – “Sustento, guarda e educação dos filhos”[...].
g) artigo 384, “caput”, e inciso II, contém: “Compete aos pais, quanto a pessoa dos filhos”[...] II – “tê-los em sua companhia e guarda” [...].
h) artigo 1.121, “caput”, e inciso II do Código de Processo Civil, também sobre a guarda de filhos, quando a separação conjugal ocorrer, se manifesta: “A petição, instruída com a certidão de casamento e o contrato antenupcial se houver, conterá”[...] II – “o acordo relativo à guarda de filhos menores”[...].
i) A Lei do Divórcio (Lei 6.515/77), do seu artigo 9º ao artigo 16, contém as regras estabelecidas à Guarda de Filhos. Em seu artigo 9º, nos coloca que: “No caso de dissolução da sociedade conjugal pela separação consensual (art.4º), observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos”. Sabemos que este artigo relega a fixação da guarda dos filhos ao entendimento dos pais, o que poderá ocorrer, inclusive, em separação litigiosa, quando no requerimento da guarda não houver desentendimento entre os cônjuges. Além dos artigos citados, o artigo 27 nos transmite que: “O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos”.
j) A Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e Adolescente, no “caput” de seu artigo 4º, transmite o que o “caput” do art. 227 da CF, contém. O art. 5º assim se criança ou adolescente não será objeto de qualquer forma de negligência [...] punido na forma da Lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
j.1) Coloca o artigo 6º: “Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta [...] e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”.
j.2) O artigo 16, “caput”: “O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos [...]” “V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação”[...].
j.3) Expressa o artigo 19: “Toda criança ou adolescente tem direito de ser criado e educado no seio de sua família [...]”.
j.4) O artigo 27, transmite: “aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação os filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”.
l) A Lei 9.278/96 (Regula o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal), em seu artigo 2º, “caput”, e inciso III, nos coloca que: “São direitos e deveres iguais dos conviventes [...]” “III – guarda, sustento e educação dos filhos comuns”[...].
m) O Projeto do novo Código Civil, aprovado, mas ainda não em vigor, em seus artigos 1.587 à 1.594, capítulo XI, nenhuma modificação nos apresenta ao existente na legislação em vigor.
Assim, tendo como ponto de partida o repertório legislativo supracitado, podemos extrair três princípios fundamentais à guarda compartilhada, sendo eles:
1º - O vínculo parental, os deveres e direitos referentes ao mesmo, não se extinguem com a extinção do vínculo conjugal;
2º - A guarda de filhos é nominada, imposta pelo juiz, quando o desacordo dos pais, a incompetência dos mesmos ou o interesse do menor o exigir;
3º - A guarda compartilhada, é guarda lícita, amparada pela Lei, quando decorrente de acordo entre os pais e/ou for benéfica aos filhos.
Dessa forma, o juiz antes de decidir sobre a guarda de menores, deverá entrevistar pessoalmente os genitores, pois importante se faz que os pais continuem o rumo de suas próprias vidas, com seus interesses e satisfações pessoais.
As decisões tem imenso valor histórico e jurídico porque revelam a quebra de uma tradição secular e salvaguarda no interesse da criança. Adquirida a noção de guarda conjunta e inserida na prática judiciária cotidiana, os Tribunais podem melhor equilibrar os direitos da mãe e do pai45.
Os cuidados com os filhos são primordiais, mas a continuidade da vida pessoal faz parte do equilíbrio emocional de um adulto. É de especial importância o modo como os pais, filhos e advogados venham a encarar a decisão judicial. A alternativa escolhida pelos pais ou imposta pelo juiz deverá preencher o maior número de diretrizes psicológicas possíveis. Com base nisto, o sistema de guarda adotado constituirá solução tomada com critério, bom senso, sensibilidade e adequação. Ensina-nos Eduardo de Oliveira Leite que:
Os Tribunais devem ser suficientemente maleáveis de forma a garantir os melhores interesses da criança e também dos pais. Assim como na separação (ou divórcio), os juizes não vacilam em manter o direto e visitas do pai (quando a Mãe se opõe à visita se o ex-marido já tem nova companheira), da mesma forma os juizes devem ter a liberdade de impor a guarda conjunta aos genitores quando, por exemplo, eles a recusam sem justo motivo46.
Junto a isso, o estudo social apresenta-se como mais uma opção para o magistrado durante a instrução processual em ações de guarda de filhos. O indeferimento de pedido de realização de estudo social, feito pela parte, não caracteriza cerceamento de defesa e, mesmo restrito, a confecção do estudo social pode auxiliar o esclarecimento de fatos levantados pelas partes, inclusive, indicando o melhor para a instrução processual. Uma vez determinada sua realização, cabe ao juiz analisar seu conteúdo com atenção, filtrando as informações relevantes e abstraindo influências dispensáveis, visando assim chegar a uma decisão mais próxima o possível dos interesses do menor envolvido.
4.5) Vantagens e Desvantagens da Guarda Compartilhada
O exame da citada guarda, para que sua utilização se torne aceitável e de correta aplicação, deve conter uma análise de seus prós e contras, pois, a princípio, nada é perfeito ou de total inutilidade, com raras exceções, principalmente quando se encontra em jogo o desenvolvimento da personalidade de um ser em constante desenvolvimento.
A guarda compartilhada não está imune a uma profunda e, as vezes, longa conscientização daqueles profissionais que com ela trabalham. Ao longo desta necessária maturação do processo de acolhimento do que é novo, necessária é a constatação principal dos sinais internos e externos de cada caso, a subjetividade e a objetividade de todas as nuances precisam ser exorcizadas, para que possa a citada guarda ser incluída entre as práticas da determinação de guarda em nossos Tribunais. A passagem da teoria à prática só será efetiva após profundos estudos e, só a formação firme, o aporte de condições humanas e materiais poderão fazer com que o juiz de família tenha condições de, passando da teoria à prática, utilizar-se deste novo instituto.
Os efeitos negativos e positivos devem ser avaliados e ponderados, caso a caso, e necessária se faz uma adaptação dos pais, filhos e da sociedade, para que cada envolvido tenha consciência dos direitos e deveres, não só na guarda compartilhada, mas em qualquer tipo de guarda.
4.5.1) Efeitos positivos
No desenvolvimento dos estudos realizados podemos observar que a guarda compartilhada possui pontos favoráveis e desfavoráveis à sua aplicação, em relação ao benefício dos filhos menores envolvidos, bem como aos pais dos mesmos. O presente sub-ítem tem como pretensão apresentar e analisar os efeitos positivos gerados por essa modalidade, dentre os quais destacamos como sendo de maior relevância:
a) maior responsabilidade dos genitores ao atendimento das necessidades dos filhos;
b) maior interação do pai e da mãe no desenvolvimento físico e mental das crianças;
c) menos atrito entre os ex-cônjuges, pois deverão, em conjunto, atender as necessidades dos filhos por um caminho de cooperação mútua.
O que realmente interessa, ao se analisar a situação de um filho menor na separação ou divórcio dos pais, é a sua formação moral, social e psicológica.
Existem estudos científicos que indicam ser a guarda compartilhada mais saudável que a monoparental, porque a presença do pai e da mãe, em igualdade de condições (e não de tempo), proporciona maior equilíbrio emocional aos filhos.
Pesquisas idôneas, como as realizadas pelo doutor Sérgio Eduardo Nick, da Sociedade Brasileira de Psicanálise, constatam que crianças criadas sem a presença de um dos pais, tem aumento significativo em gravidez precoce, abandono de escola, delinqüência juvenil, dependência de drogas entre outros. O autor assim exala sua conclusão após vasta pesquisa realizada no decorrer de anos sobre o novo instituto:
Pelas pesquisas realizadas concluímos que está ocorrendo uma rápida mudança [...] do modelo adversarial típico dos embates judiciais por um modelo que privilegia a busca de relacionamento entre pai e mãe, com vistas a proporcionar um desenvolvimento ótimo dos chamados filhos do divórcio. Fizemos ainda um breve estudo da legislação brasileira para avaliar e sugerir a aplicação desse modelo no Brasil. Nossa conclusão é de que a guarda compartilhada tem amplo respaldo no Estatuto da Criança e do Adolescente como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento47.
Já Waldyr Grisard Filho, observa que a Guarda compartilhada apresenta vantagens não só aos filhos, como também aos pais, pois:
[...] além de proporcionar-lhes tomar decisões conjuntas relativas ao destino dos filhos, compartilhando o trabalho e as responsabilidades, minimiza o conflito parental, diminui os sentimentos de culpa e frustração por não cuidar dos mesmos, ajuda-os a atingir os objetivos de trabalharem em prol dos melhores interesses morais e materiais da prole. Compartilhar o cuidado aos filhos, significa conceder aos pais mais espaço para suas outras atividades. A guarda compartilhada oferece aos ex-cônjuges a possibilidade de reconstrução de suas vidas pessoal, profissional, social e psicológica. As estatísticas comprovam que somente 25% das mães com guarda única constituem novas famílias, enquanto 45% delas, do grupo da guarda compartilhada, formam novas uniões. Não deixa a citada guarda de reafirmar a igualdade parental desejada pela Constituição Federal48.
Assim, necessário se faz que as barreiras que geram divisão entre os pais em relação a criação e educação dos filhos, na ocorrência da separação ou divórcio, sejam superadas, para que os filhos, oriundos da falida união, tenham um desenvolvimento seguro e saudável, vindo a tornarem-se cidadãos úteis e necessários ao desenvolvimento da sociedade em que viverem.
4.5.2 - Efeitos negativos
Entre os efeitos negativos dessa modalidade de guarda, os exemplos mais comumente encontrados no escasso repertório doutrinário brasileiro são:
a) Receio, por parte dos menos informados, de o menor vir a passar menos tempo com a mãe, considerada imprescindível ao desenvolvimento salutar da criança;
b) A ausência de um lar estável, podendo surgir daí, como conseqüência, uma confusão mental na criança ou adolescente – esse item não deixa de ser o principal obstáculo à aceitação da guarda compartilhada;
c) Poderia ocorrer que os pais, como guardiães conjuntos, praticarem, isoladamente, atos da vida civil como representantes do filho e, não havendo concordância em relação aos atos praticados, novas batalhas judiciais ocorrerem, renovando-se uma situação traumatizante que poderia ter sido definida quando da separação ou divórcio.
Waldyr Grisard Filho, não deixa de conter o que até agora, no presente item, colocamos:
Os prós e os contras que colhemos na Doutrina, de forma alguma pretendem esgotar as circunstâncias que podem levar o juiz a decidir sobre a conveniência, ou não, da outorga da Guarda Compartilhada. As críticas que se fazem ao novo modelo, porém, não podem ser tidas como absolutas, quando se tem presente, inafastavelmente, que o interesse do menor não mais se prossegue com a guarda única [...]. O objetivo que se persegue na guarda compartilhada é garantir que ambas as figuras paternas mantenham um contato permanente com o menor, brindando-se um modelo de organização familiar que se assemelha a uma família intacta49.
Os Tribunais tendem a seguir entendimento contrário à guarda compartilhada pela justificativa de que a mesma importaria no revezamento periódico do ambiente familiar, é prejudicial à consolidação dos hábitos, valores, padrões e idéias na mente do menor e, conseqüentemente, à formação da responsabilidade do mesmo. Repelindo tal idéia, que nos parece advir de pessoas que desconhecem por completo o assunto, recorremos novamente à lição de Waldyr Grisard Filho que nos coloca a seguinte:
a guarda compartilhada, ao contrario [...], tem como pressuposto uma residência fixa (única e não alternada) do menor, que gera para ele a estabilidade que o Direito e a Psicologia desejam, evitando grandes alterações em sua vida e rotina. [...] O risco de fluidez ambiental, que provocaria confusão na mente do menor, cede ao argumento de que a alternância é uma experiência enriquecedora para ele, porque o expõe a diversidade e o prepara melhor na lida com o futuro50”.
Já, Karen Ribeiro nos esclarece que:
[...] entende-se que um dos genitores terá a guarda física do menor, mas ambos detém a guarda jurídica da prole. A obrigação, ou dever de visita deverá existir para que seja mantido sempre vivos os laços que unem pais e filhos. Ter uma única residência é fator importante, pois será nesse local que a criança se encontrará juridicamente domiciliada e em que terá suas raízes51. E conclui a autora que “a guarda conjunta não veda a possibilidade de o menor passar longos períodos com o genitor descontínuo, apenas não prisma pela guarda alternada propriamente dita52.
Por se tratar de matéria nova, desconhecida à consciência coletiva, naturalmente empecilhos podem ocorrer, porém, todos de fácil solução, como por exemplo, as seguintes hipóteses:
a) pode ocorrer que os dois genitores desejem para si a guarda, mas quem a detém não concorda em reparti-la. Deve ficar claro na mente dos juízes, que o genitor que se opõe a compartilhar a guarda não deve ser obrigado a fazê-lo. Os genitores podem ambos desejar a guarda porém a intervenção do Estado, na figura do juiz, se faz necessária porque os pais não estão de acordo quanto a isso;
b) a guarda compartilhada também não é indicada nos casos em que os filhos são usados como moeda entre o casal, nas situações em que a disputa pela guarda é apenas um espaço privilegiado para o aparecimento de conflitos deslocados entre os pais;
c) outra situação em que não se aconselha a citada guarda, é quando as crianças são muito pequenas. Conviver ora com a mãe, ora com o pai, em ambientes físicos diferentes, requer uma capacidade de adaptação e de codificação/decodificação da realidade, só possível em crianças mais velhas;
d) também não é aconselhável para crianças que se apresentem ou são inseguras, pois uma criança nestas condições necessita de um contexto estável.
Aqui novamente nos socorremos com a lição de Karen Ribeiro, segundo a qual:
Entende-se que a guarda compartilhada pode não ser adequada a toda e qualquer família, devendo ser analisado o caso concreto para que se vislumbre a sua possível aplicação, pois pode não ser o melhor sistema a ser adotado em determinado momento. Porém não deve ser descartada a priori, como muitas vezes, lamentavelmente, ocorre. [...] o acordo sobre o exercício do poder parental em conjunto poderá ser recusado pelo juiz, desde que fique confirmado o não atendimento do interesse do menor [...]53.
O que se deve ter em mente é que a decisão sobre a guarda, em qualquer uma de suas modalidades, é de supremo interesse dos pais e cabe-lhes com primazia a tomada da solução a ser homologada posteriormente pelo juiz. O acordo é privilegiado até mesmo pela Lei (artigo 1.121, II do Código de Processo Civil), pois a imposição de uma sentença judicial será sempre indesejada, por ser ato estranho ao âmbito familiar. Na relevante opinião de Waldyr Grisard Filho:
quando os pais [...] privilegiam a continuidade de suas relações com as crianças e as protegem de seus conflitos parentais, há toda uma vantagem em atribuir efeitos jurídicos à atitude de cooperação dos pais, entusiasmando a ambos a compartilhar direitos e responsabilidades na proteção e na educação dos filhos54.
Sabemos que no Projeto do Novo Código Civil, o exercício do Pátrio Poder é colocado como igual para o pai e a mãe, marido e mulher, o que pode também ocorrer no pertinente à guarda compartilhada dos filhos, na área jurídica, se a mesma demonstrar ser a mais benéfica ao interesse dos mesmos.
Nesse viés, como uma viagem sem volta, a moldura da guarda compartilhada vai se determinando com a contribuição também da Jurisprudência, dando-se conta os Tribunais que a guarda exclusiva tende a tornar tênue a relação entre o genitor não-guardião e o filho, favorecendo a evaporação da paternidade. É útil, então, reconhecerem as sentenças judiciais, promover a importância da relação paterno/materno filial após o divórcioii.
4.6) Conclusão
Diante de tudo o que foi até aqui exposto, a conclusão que chegamos é de que a disputa entre os casais e as chantagens para conquistar o amor da criança em que se apoiam aqueles que criticam essa nova modalidade de guarda, não encontram guarita na guarda compartilhada, pois a reciproca troca de entendimentos pelos pais detentores conjuntos da guarda afastam as posturas conflituosas, uma vez que se encontram conscientizados de que o mais importante é o bem dos filhos. Por isso, importante se faz a busca por formulas mais adequadas, que objetivem a estruturação do modelo ideal de guarda a ser aplicado em cada caso. Diante de tal necessidade, a guarda compartilhada vem surgindo como modelo ideal para que se aperfeiçoe a correta orientação a ser dadas as crianças, proporcionando-lhes uma adequada formação do caráter e da personalidade no dentro âmbito familiar. Desse modo cumpre à doutrina e à jurisprudência estabelecer soluções que privilegiem essa modalidade de guarda, prestigiando assim, o fortalecimento dos laços familiares visando um pleno e sadio desenvolvimento do menor quando a sociedade conjugal se encontrar irremediavelmente desfeita, de acordo com o artigo 227 do Texto Constitucional.
CARLOS ALBERTO ATÊNCIA TAVEIRA
Presidente Prudente – SP
2002