O DIREITO DO GENITOR NÃO-GUARDIÃO AO ACESSO ÀS INFORMAÇÕES ESCOLARES DO FILHO
Carlos Henrique Bastos da Silva, advogado militante em São Paulo, graduado pela Unip - Universidade Paulista, pós-graduando em Direito Público pela Unisal – Centro Universitário Salesiano de São Paulo. email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
DO DIREITO AO AMPLO, GERAL E IRRESTRITO ACESSO ÀS INFORMAÇÕES ESCOLARES DO FILHO POR GENITOR NÃO-GUARDIÃO
Resumo
O presente trabalho busca discutir e indicar os aspectos legais, jurisprudenciais e doutrinários a dar guarita à pretensão dos genitores não-guardiães em ter acesso amplo, geral e irrestrito às informações escolares e acadêmicas de seus filhos.
Em especial considerando que apesar da iminência de aprovação de projeto de lei que virá a pacificar a questão, o que ocorre em verdade é que muitas vezes as mães, quase sempre guardiãs das crianças e adolescentes, criam uma série de dificuldades ao convívio dos filhos com seus genitores.
Da mesma forma, escolas menos informadas, sob orientação ou não destas mesmas mães, também favorecem este distanciamento, criando fronteiras e barreiras para que os filhos tenham a efetiva participação de seus genitores não-guardiães em seu desenvolvimento escolar. Com isso, tais genitores se tornam meros espectadores da vida de seus filhos, visitantes ocasionais e pagadores de pensão alimentícia.
Este artigo não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas a partir da perspectiva primordial de interesse do infante, procura ser uma reflexão, embora sumária, sobre um dos muros da intolerância cuja sombra se projeta na própria sociedade.
A crença que orienta este trabalho é que a Justiça pode ser o auxílio para que a educação não seja uma ferramenta da tirania, mas sim, calcada no princípio da dignidade pessoa humana, um instrumento de libertação das pessoas e de busca de um futuro melhor - nas mãos de cidadãos mais conscientes, realizados e felizes.
Palavras-chave: Genitor não-guardião. Instituição de ensino. Fornecimento de informações escolares ao genitor que não detém a guarda judicial. Obrigatoriedade. Dano moral. Possibilidade.
Introdução
Os direitos e garantias fundamentais estabelecidos na Constituição Federal correspondem às normas que possibilitam as condições mínimas para a convivência em sociedade, estabelecendo direitos, deveres e limitações aos particulares e ao Estado.
Há de se entender que o rol de direitos elencados no artigo 5º e seus 78 incisos não é exaustivo, mas ressalta-se aqui os princípios da dignidade da pessoa humana e o da isonomia, que garante igualdade entre homens e mulheres, sejam em obrigações, sejam em direitos.
Ainda por força constitucional, tal princípio se estende inclusive a homens e mulheres enquanto pais e mães, na medida que determina como dever-obrigação que pais devem assistir, criar e educar os filhos menores.
Em aderência, os artigos 1.632 e 1.634 do Código Civil asseguram ao genitor que não detém a guarda do filho o amplo direito de participar da vida escolar do filho, não apenas como expressão direito, mas também como dever fundamental do cidadão.
Desta forma, é impensável a eficácia de ato emanado de autoridade escolar, administrativa, legislativa ou judiciária que vise retirar, impedir ou dificultar que o genitor não-guardião exerça o constitucional e sagrado o direito de dirigir e fiscalizar a vida escolar de seus filhos.
Ou seja, salvo em casos excepcionais, quando comprovada a existência das hipóteses legais para restringir a relação do não-guardião com o filho, aquele que comete as condutas do parágrafo anterior viola direito constitucional do cidadão, podendo, inclusive, responder por dano que vier a causar, mesmo que seja exclusivamente moral (art. 186 – Código Civil).
E, adicionalmente, comete verdadeiro atentado às prerrogativas da criança e do adolescente - vítima de igual violência.
É uma truculência que o Estado Democrático de Direito deve combater e repelir com toda força.
Do direito
Em benefício da clareza, é mister transcrever, in verbis, o texto expresso na Constituição da República:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, (...)
nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Ora, a divisão da responsabilidade de educação dos filhos é uma providência necessária sob vários pontos de vista, inclusive psicológico e sociológico, e não somente jurídico, pois atende ao princípio universal do interesse maior da criança e do adolescente.
A inteligência de tal divisão abrange inclusive a situação de genitores não conviventes, haja vista, é claro, que a guarda implica apenas e tão somente na convivência física contínua. Neste sentido, o Código Civil determina de forma categórica:
Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.
Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I – dirigir-lhes a criação e educação;
(...)
A sábia jurisprudência anda no mesmo sentido, posto que o bom-senso e a lógica, aliados ao interesse do menor, devem prevalecer:
DESCONSTITUIÇÃO DE GUARDA DE MENOR. DIREITO DE VISITAÇÃO DO GENITOR. DESENTENDIMENTO ENTRE OS PAIS. NECESSIDADE DE NOVA REGULAMENTAÇÃO. 1. Como decorrência do poder familiar, tem o pai não-guardião o direito de avistar-se com o filho, acompanhando-lhe a educação e estabelecendo com ele um vínculo afetivo saudável. 2. Não havendo bom relacionamento entre os genitores e tendo o pai condições plenas para exercer a visitação, deve lhe ser assegurado o direito de conviver com a filha, o que deverá ser revisto pelo julgador, que deverá, com a possível brevidade, fazer realizar audiência de conciliação e, sendo o caso, redefinir as visitas. 4. A mãe deverá ser severamente advertida de que deve respeitar o período de visitas, ficando esclarecida acerca da responsabilização pela desobediência, bem como do risco de que a guarda possa vir a ser revertida, mediante o devido processo judicial. 4. As visitas devem ser estabelecidas de forma a não tolher a liberdade da menina de manter a sua própria rotina de vida, mas reservando também um precioso espaço para a consolidação do vínculo paterno-filial. 5. Claro que o genitor tem o direito de acompanhar o desenvolvimento escolar da filha, não podendo ser sonegadas informações pela Escola, no entanto, não é recomendável autorizar as visitas em horário de recreio escolar, que é momento de descanso, de lazer e de convivência social da infante com seus colegas. Recurso provido em parte, por maioria. (TJRS, 7ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento 70020662813, Relator Desembargador Sergio Fernando de Vasconcelos Chaves, julgamento em 26/setembro/2007)
Diga-se, por conveniente, que o referido acesso não é privilégio apenas dos pais cujos filhos ainda não tenham atingido a maioridade, pois o mesmo tribunal tem igual entendimento quanto às instituições de ensino superior, conforme julgado que determinou que um pai não-guardião tenha acesso às informações relativas à vida acadêmica dos filhos universitários:
AGRAVO INTERNO. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS A FILHOS MAIORES. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA NO SENTIDO DE PERMITIR ACESSO DO ALIMENTANTE ÀS INFORMAÇÕES DA VIDA ACADÊMICA DOS ALIMENTADOS. RECURSO DESPROVIDO. (...) “Como bem referido pelo Em. Procurador de Justiça, Roberto Bandeira Pereira, em seu parecer, fl. 105, (...) se a maioridade não é suficiente para cessar a obrigação alimentar, também não pode ser óbice ao exercício dos direitos inerentes ao genitor de acompanhar o desenvolvimento acadêmico dos filhos, a fim de melhor aferir a real necessidade do pensionamento e interesse dos alimentados em concluir a formação superior.(...). (TJRS, 7ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento 70022673594, Relator Desembargador Ricardo Raupp Ruschel, julgamento em 14/maio/2008)
Em aderência a este sentido, a legislação especial andou bem e labora em favor do genitor não-guardião, na medida que não restringe, em verdade salvaguarda, os valores norteadores da educação. É o que determina, in verbis, a Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Com isto, é certo afirmar que tumultuar o acesso do genitor não-guardião às informações escolares de um filho é uma forma vil e truculenta de discriminação ao próprio estudante, excluindo-o do convívio familiar consagrado no artigo 227 da Carta Magna e andando na contra-mão das conquistas consagradas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Novos tempos exigem novos educadores - preocupados com a inserção da criança e do adolescente em um mundo no qual as novas organizações familiares, dia após dia, assumem corpos diferenciados.
Pode-se comparar o direito do pai não-guardião acessar as informações escolares com o chamado direito de visita, numa forma ousada de ampliar os horizontes fornecidos por BAPTISTA, que ensina:
O direito de visita - melhor seria direito à visita – consiste no direito de ser visitado, e não no direito de ir visitar o outro. A expressão ‘direito de visita’ deve ser interpretada como a faculdade que alguém tem de receber visita, quer de pais, quer de parentes e amigos. Não é, pois, um direito do pai em relação ao filho, de acordo com o generalizado entendimento, mas um direito do filho em relação ao pai que não tem a guarda, ou em relação a toda e qualquer pessoa cuja conveniência lhe interessa. Não pode assim ser entendido como uma extensão do poder parental.
Ou seja, assegurar ao pai não-guardião o acesso às informações escolares do filho é, antes de tudo, um direito da criança e do adolescente a garantir-lhe o desenvolvimento e preparo para o exercício da cidadania (artigo 53 do Estatuto da Criança e Adolescente).
Muito se fala que a família contemporânea exige uma adaptação dos agentes sociais, por isto, não se pode admitir que uma instituição de ensino opere privilegiando esta ou aquela forma de organização familiar, sob pena de vivenciarmos uma verdadeira ditadura psicológica e voltarmos ao tempo reportado pela Revista Época na reportagem “Os filhos do divórcio”:
Houve um tempo em que o preconceito era forte e resvalava na criança. Algumas escolas nem sequer aceitavam matrícula de filhos de pais separados. Até os anos 70, quando os casos de divórcio começaram a aumentar, era comum pais afastarem seus filhos de crianças cujos lares haviam sido desfeitos. “Ainda hoje há preconceito em alguns lugares, como cidades pequenas e bairros conservadores”, diz Maria Tereza Maldonado [terapeuta e psicóloga membro da Academia Americana de Terapia de Família, e que também fala sobre os traumas de crianças vítimas de genitores guardiães que verbalizam sua raiva do ex-cônjuge na frente dos filhos]”.
Qualquer atitude que resulte em distanciamento do genitor não-guardião deve ser repelida, haja vista o considerável prejuízo que pode causar à formação do menor. Por isto, é de suma relevância as palavras de ANGELUCI, para quem tal comportamento é de todo prejudicial, eis que:
(...) acarreta severos traumas à família desconstituída. O afastamento das pessoas configura, nesse contexto, o primeiro passo para a extinção dos vínculos sentimentais até então existentes, transformando o afeto positivo em negativo, o amor em ódio. No centro desse tormento, crianças em formação devem merecer o zelo necessário para que as desventuras não lhes impossibilitem o crescimento e a conquista da dignidade.
Não há como não concordar com as palavras de SOUZA, que afirma que afastar os pais de seus filhos é ferir a ética das relações de família:
Mesmo depois da separação, a criação dos filhos é peça a ser tocada a quatro mãos. Aqueles que a isso se negam ferem a ética das relações de família e fazem por desmerecer os filhos que têm.
Desta forma, a instituição de ensino que impõe restrições ou dificuldades para que o genitor não-guardião exerça de direito e de fato em sua missão paternal, presta um grande desserviço a criança e a própria sociedade, eis que atua com insensibilidade e falta de inteligência, ao passo que também deixa de observar a própria legislação da educação, quando, em verdade, a instituição deveria ser a mais severa vigilante de tais prerrogativas.
Afinal, não é por mera decoração de letras que vige a Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB), in verbis:
Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:
(...)
VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola;
VII - informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica.
E é importante ressaltar que esta responsabilidade transcende o plano da instituição de ensino como organização, e atinge até mesmo a atividade diária do próprio professor, pois este é o responsável direto pela implementação das políticas pedagógicas ditadas pela escola. Ainda labora neste sentido a LDB:
Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:
I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
(...)
VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.
Na medida em que a lei, na franca observância ao princípio do interesse maior da criança, não limita os direitos do genitor não-guardião, não há o que se falar em autonomia da instituição. Aliás, muito pelo contrário, o legislador sempre tem em mente a ampliação de direitos que visem o bem-estar da criança:
Art. 32. O ensino fundamental obrigatório (...) terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:
II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
(...)
IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.
Por certo que este fortalecimento dos vínculos da família está em sintonia com os conselhos e orientações dos especialistas em educação infantil, conforme ressaltado na Revista Nova Escola, que, tratando sobre as estratégias que a escola pode e deve adotar para os filhos de pais separados, destaca de forma não exaustiva:
- Identifique e elogie os valores e aptidões do aluno
- Não isole a criança e convide-a para participar das atividades
- Conheça o aluno e sua família
O estabelecimento de ensino que não observa tais constatações com certeza terá grandes chances de contribuir para o aumento de uma triste estatística observada pelo Departamento de Serviços Humanos Sociais do Governo dos Estados Unidos, que indica que meninas que crescem sem um forte referencial paterno possuem maiores chances de engravidar na adolescência, e meninos criados sem a presença do pai apresentam maior tendência a fugir de casa ou a consumir drogas:
Mais de ¼ das crianças americanas- aproximadamente 17 milhões – não vivem com seus pais. Meninas sem um pai em suas vidas têm 2 ½ vezes mais propensão a engravidarem na adolescência e 53% mais chances de cometerem suicídio. Meninos sem um pai em suas vidas têm 63% mais chances de fugirem de casa e 37% mais chances de utilizarem drogas. Meninos e meninas sem pai têm duas vezes mais chance de abandonarem a escola, duas vezes mais chances de acabarem na cadeia e aproximadamente quatro vezes mais chances de necessitarem cuidados profissionais para problemas emocionais ou de comportamento.
A escola que desconhece fatos como estes deve repensar seriamente sua relação com a sociedade.
Recentes implementações legislativas
Embora se reconheça que, pelos fundamentos aqui demonstrados em apertada síntese, não há como pairar dúvida sobre a importância e dever da escola no fornecimento de informações escolares de menor ao genitor não-guardião, é lamentável admitir que, muitas vezes, somente a atuação coercitiva do Estado é capaz de obrigar a escola a agir em consonância com o bom-senso e a lógica.
É a partir de tais observações que nasceu a Lei nº 3.849/06, do Distrito Federal, que garante que o genitor não-guardião, independentemente de intervenção judicial ou de autorização do genitor não-guardião, tenha papel ativo no processo de ensino e aprendizagem a que o filho é submetido na escola. A lei também dá o pleno acesso ao genitor não-guardião quanto aos projetos pedagógicos e às instalações da escola. Trata-se de medida inteligente, pois como bem anotou COMEL, “se sabe que, muitas vezes, o genitor guardião chega a proibir expressamente a entrada do outro genitor na escola, inclusive o contato dele com o filho no local, ordem que, de regra, é obedecida pela escola”
Na mesma linha de raciocínio, encontra-se atualmente em discussão no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado nº 218/06, de autoria do Senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que altera o artigo 12 da já citada Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de modo a pacificar o tema em definitivo no território nacional, pois obriga que escolas informem a pais e mães que não convivem diariamente com os filhos a freqüência e o rendimento do aluno, e também sobre a execução da proposta pedagógica da escola. Pelo projeto, o artigo 12, inciso VII, passará a ter a seguinte redação:
Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:
(...)
VII – informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a freqüência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola;
Em que pese iminência da aprovação desta alteração, faltando tão somente a sanção do presidente da república, é importante que se diga ela servirá apenas para consolidar o entendimento aqui exposto, pois a ruptura conjugal não significa a ruptura parental, bem como a perda da guarda não destrói o vínculo afetivo entre pais e filhos. Independente do modelo organizacional em que a família se apresenta, o dever de criar os filhos incumbe aos seus genitores, sejam eles conviventes ou não.
Por certo que nestas circunstâncias a escola age com insensibilidade, falta de inteligência e violando o direito da criança, do adolescente e do genitor não-guardião, merecendo destarte a severa reprovação da sociedade e do Poder Judiciário.
Do dano moral
É certo que não cabe ao Direito nortear o bom senso dos indivíduos, mas, por outro lado, estes devem ter a consciência que uma sociedade que prima pela dignidade da pessoa humana não haverá jamais de tolerar que os cidadãos, ao exercerem o seu legítimo direito à paternidade e a filiação, sejam execrados e humilhados de forma tão aviltante.
Resta claro que é devido ao genitor não-guardião indenização a título de dano moral, em virtude, notadamente, do caráter punitivo de tal instituto ao impor sanção pecuniária aos desertores da lei, como forma de impedir que a aberração aconteça em outra oportunidade.
Repousa tal argumentação nas palavras de PEREIRA:
(...) na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas:
I) punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial;
II) pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer a oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material (...).
A escola comete um ato ilícito grave ao optar por uma conduta que contraria a legislação vigente e que prejudica a criança e o genitor não-guardião, potencializando os efeitos nocivos dessa conduta no lapso temporal da evolução escolar.
Em verdade, é um conjunto de abusos e distorções nas relações sociais (e até mesmo de consumo) que causa indignação e perplexidade, traduzidas em sofrimentos emocionais para pai e filhos e com graves conseqüências ao desenvolvimento infantil, posto que afronta os mais elementares direitos do cidadão brasileiro e ameaça, com maldade, a dignidade da pessoa humana.
O dano moral aqui exposto não só é evidente, mas também é repulsivo.
Conclusão
A modernidade e a igualdade de deveres e obrigações levaram o homem (pai) para a educação dos filhos, e que deve ser exercida sempre no interesse destes. Mas neste contexto, pouco importa a forma de constituição da família.
Já se disse que “ser pai é algo que vai além de apenas gerar um filho, é mais que transmitir seus genes para a posteridade, pois a família é o lugar natural de se efetuar a educação e aprender o uso adequado da liberdade. É onde o ser humano em desenvolvimento mais se sente protegido.”
Assim, sabendo-se que das relações familiares e escolares é que nascem os principais valores que nortearão os caminhos de um jovem, nada é mais importante à vida futura e presente da criança do que proporcionar-lhe a possibilidade de encontrar na escola e no ombro materno e paterno o merecido aconchego.
Desta forma, a tríade pais-escola-professores, como entidade, deve ser a vigilante maior a resguardar os interesses da criança, e neste norte deve caminhar, pois garantir aos pais o acesso amplo, geral e irrestrito ao processo escolar da criança e do adolescente é uma responsabilidade e dever que a escola não pode jamais se eximir.
É uma questão de justiça.
É uma questão de bom senso.
É uma questão de inteligência.
BIBLIOGRAFIA
Anais
BAPTISTA, Silvio Neves. A Família na Travessia do Milênio. Anais do II Congresso Brasileiro de Família, IBDFAM, 2000, p. 294.
Artigos e notícias disponíveis em sites da internet
Introdução a declaração de langeac. “HSS Press release, Friday, March 26, 1999. Departamento de Serviços Humanos e Sociais do Governo dos Estados Unidos”. APASE - Associação de Pais e Mães Separados. Disponível em: < http://www.apase.org.br/24300-framedeclaracao.htm>. Acesso em: 16.Mai.2009
COMEL, Denise Damo. O poder familiar e a inovadora Lei nº 3.849/06, do Distrito Federal. Jus Naviganti, Teresina, ano 10, n. 1071, 07.Jun.2006. Disponível em: . Acesso em: 16.Jul.2009
SOUZA, Raquel Pacheco Ribeiro de. A tirania do guardião. Disponível em: . Acesso em: 24.Nov.2006.
Artigos de revistas
ANGELUCI, Cleber Affonso. Abandono afetivo: considerações para a constituição da dignidade da pessoa humana. Revista CEJ, Brasília, edição 33, p. 43-53, abr/jun - 2006
MENDONÇA, Martha. Filhos do divórcio. Revista Época, São Paulo, edição 349, 24.jan.2005.
GENTILE, Paola. ZENTI, Luciana. A vida invade a escola. Revista Nova Escola, São Paulo, edição 141, abril - 2001.
Livros
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002, p. 317.
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Carlos Henrique Bastos da Silva, advogado militante em São Paulo, graduado pela Unip - Universidade Paulista, pós-graduando em Direito Público pela Unisal – Centro Universitário Salesiano de São Paulo. email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
DO DIREITO AO AMPLO, GERAL E IRRESTRITO ACESSO ÀS INFORMAÇÕES ESCOLARES DO FILHO POR GENITOR NÃO-GUARDIÃO
Resumo
O presente trabalho busca discutir e indicar os aspectos legais, jurisprudenciais e doutrinários a dar guarita à pretensão dos genitores não-guardiães em ter acesso amplo, geral e irrestrito às informações escolares e acadêmicas de seus filhos.
Em especial considerando que apesar da iminência de aprovação de projeto de lei que virá a pacificar a questão, o que ocorre em verdade é que muitas vezes as mães, quase sempre guardiãs das crianças e adolescentes, criam uma série de dificuldades ao convívio dos filhos com seus genitores.
Da mesma forma, escolas menos informadas, sob orientação ou não destas mesmas mães, também favorecem este distanciamento, criando fronteiras e barreiras para que os filhos tenham a efetiva participação de seus genitores não-guardiães em seu desenvolvimento escolar. Com isso, tais genitores se tornam meros espectadores da vida de seus filhos, visitantes ocasionais e pagadores de pensão alimentícia.
Este artigo não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas a partir da perspectiva primordial de interesse do infante, procura ser uma reflexão, embora sumária, sobre um dos muros da intolerância cuja sombra se projeta na própria sociedade.
A crença que orienta este trabalho é que a Justiça pode ser o auxílio para que a educação não seja uma ferramenta da tirania, mas sim, calcada no princípio da dignidade pessoa humana, um instrumento de libertação das pessoas e de busca de um futuro melhor - nas mãos de cidadãos mais conscientes, realizados e felizes.
Palavras-chave: Genitor não-guardião. Instituição de ensino. Fornecimento de informações escolares ao genitor que não detém a guarda judicial. Obrigatoriedade. Dano moral. Possibilidade.
Introdução
Os direitos e garantias fundamentais estabelecidos na Constituição Federal correspondem às normas que possibilitam as condições mínimas para a convivência em sociedade, estabelecendo direitos, deveres e limitações aos particulares e ao Estado.
Há de se entender que o rol de direitos elencados no artigo 5º e seus 78 incisos não é exaustivo, mas ressalta-se aqui os princípios da dignidade da pessoa humana e o da isonomia, que garante igualdade entre homens e mulheres, sejam em obrigações, sejam em direitos.
Ainda por força constitucional, tal princípio se estende inclusive a homens e mulheres enquanto pais e mães, na medida que determina como dever-obrigação que pais devem assistir, criar e educar os filhos menores.
Em aderência, os artigos 1.632 e 1.634 do Código Civil asseguram ao genitor que não detém a guarda do filho o amplo direito de participar da vida escolar do filho, não apenas como expressão direito, mas também como dever fundamental do cidadão.
Desta forma, é impensável a eficácia de ato emanado de autoridade escolar, administrativa, legislativa ou judiciária que vise retirar, impedir ou dificultar que o genitor não-guardião exerça o constitucional e sagrado o direito de dirigir e fiscalizar a vida escolar de seus filhos.
Ou seja, salvo em casos excepcionais, quando comprovada a existência das hipóteses legais para restringir a relação do não-guardião com o filho, aquele que comete as condutas do parágrafo anterior viola direito constitucional do cidadão, podendo, inclusive, responder por dano que vier a causar, mesmo que seja exclusivamente moral (art. 186 – Código Civil).
E, adicionalmente, comete verdadeiro atentado às prerrogativas da criança e do adolescente - vítima de igual violência.
É uma truculência que o Estado Democrático de Direito deve combater e repelir com toda força.
Do direito
Em benefício da clareza, é mister transcrever, in verbis, o texto expresso na Constituição da República:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, (...)
nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Ora, a divisão da responsabilidade de educação dos filhos é uma providência necessária sob vários pontos de vista, inclusive psicológico e sociológico, e não somente jurídico, pois atende ao princípio universal do interesse maior da criança e do adolescente.
A inteligência de tal divisão abrange inclusive a situação de genitores não conviventes, haja vista, é claro, que a guarda implica apenas e tão somente na convivência física contínua. Neste sentido, o Código Civil determina de forma categórica:
Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.
Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I – dirigir-lhes a criação e educação;
(...)
A sábia jurisprudência anda no mesmo sentido, posto que o bom-senso e a lógica, aliados ao interesse do menor, devem prevalecer:
DESCONSTITUIÇÃO DE GUARDA DE MENOR. DIREITO DE VISITAÇÃO DO GENITOR. DESENTENDIMENTO ENTRE OS PAIS. NECESSIDADE DE NOVA REGULAMENTAÇÃO. 1. Como decorrência do poder familiar, tem o pai não-guardião o direito de avistar-se com o filho, acompanhando-lhe a educação e estabelecendo com ele um vínculo afetivo saudável. 2. Não havendo bom relacionamento entre os genitores e tendo o pai condições plenas para exercer a visitação, deve lhe ser assegurado o direito de conviver com a filha, o que deverá ser revisto pelo julgador, que deverá, com a possível brevidade, fazer realizar audiência de conciliação e, sendo o caso, redefinir as visitas. 4. A mãe deverá ser severamente advertida de que deve respeitar o período de visitas, ficando esclarecida acerca da responsabilização pela desobediência, bem como do risco de que a guarda possa vir a ser revertida, mediante o devido processo judicial. 4. As visitas devem ser estabelecidas de forma a não tolher a liberdade da menina de manter a sua própria rotina de vida, mas reservando também um precioso espaço para a consolidação do vínculo paterno-filial. 5. Claro que o genitor tem o direito de acompanhar o desenvolvimento escolar da filha, não podendo ser sonegadas informações pela Escola, no entanto, não é recomendável autorizar as visitas em horário de recreio escolar, que é momento de descanso, de lazer e de convivência social da infante com seus colegas. Recurso provido em parte, por maioria. (TJRS, 7ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento 70020662813, Relator Desembargador Sergio Fernando de Vasconcelos Chaves, julgamento em 26/setembro/2007)
Diga-se, por conveniente, que o referido acesso não é privilégio apenas dos pais cujos filhos ainda não tenham atingido a maioridade, pois o mesmo tribunal tem igual entendimento quanto às instituições de ensino superior, conforme julgado que determinou que um pai não-guardião tenha acesso às informações relativas à vida acadêmica dos filhos universitários:
AGRAVO INTERNO. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS A FILHOS MAIORES. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA NO SENTIDO DE PERMITIR ACESSO DO ALIMENTANTE ÀS INFORMAÇÕES DA VIDA ACADÊMICA DOS ALIMENTADOS. RECURSO DESPROVIDO. (...) “Como bem referido pelo Em. Procurador de Justiça, Roberto Bandeira Pereira, em seu parecer, fl. 105, (...) se a maioridade não é suficiente para cessar a obrigação alimentar, também não pode ser óbice ao exercício dos direitos inerentes ao genitor de acompanhar o desenvolvimento acadêmico dos filhos, a fim de melhor aferir a real necessidade do pensionamento e interesse dos alimentados em concluir a formação superior.(...). (TJRS, 7ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento 70022673594, Relator Desembargador Ricardo Raupp Ruschel, julgamento em 14/maio/2008)
Em aderência a este sentido, a legislação especial andou bem e labora em favor do genitor não-guardião, na medida que não restringe, em verdade salvaguarda, os valores norteadores da educação. É o que determina, in verbis, a Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Com isto, é certo afirmar que tumultuar o acesso do genitor não-guardião às informações escolares de um filho é uma forma vil e truculenta de discriminação ao próprio estudante, excluindo-o do convívio familiar consagrado no artigo 227 da Carta Magna e andando na contra-mão das conquistas consagradas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Novos tempos exigem novos educadores - preocupados com a inserção da criança e do adolescente em um mundo no qual as novas organizações familiares, dia após dia, assumem corpos diferenciados.
Pode-se comparar o direito do pai não-guardião acessar as informações escolares com o chamado direito de visita, numa forma ousada de ampliar os horizontes fornecidos por BAPTISTA, que ensina:
O direito de visita - melhor seria direito à visita – consiste no direito de ser visitado, e não no direito de ir visitar o outro. A expressão ‘direito de visita’ deve ser interpretada como a faculdade que alguém tem de receber visita, quer de pais, quer de parentes e amigos. Não é, pois, um direito do pai em relação ao filho, de acordo com o generalizado entendimento, mas um direito do filho em relação ao pai que não tem a guarda, ou em relação a toda e qualquer pessoa cuja conveniência lhe interessa. Não pode assim ser entendido como uma extensão do poder parental.
Ou seja, assegurar ao pai não-guardião o acesso às informações escolares do filho é, antes de tudo, um direito da criança e do adolescente a garantir-lhe o desenvolvimento e preparo para o exercício da cidadania (artigo 53 do Estatuto da Criança e Adolescente).
Muito se fala que a família contemporânea exige uma adaptação dos agentes sociais, por isto, não se pode admitir que uma instituição de ensino opere privilegiando esta ou aquela forma de organização familiar, sob pena de vivenciarmos uma verdadeira ditadura psicológica e voltarmos ao tempo reportado pela Revista Época na reportagem “Os filhos do divórcio”:
Houve um tempo em que o preconceito era forte e resvalava na criança. Algumas escolas nem sequer aceitavam matrícula de filhos de pais separados. Até os anos 70, quando os casos de divórcio começaram a aumentar, era comum pais afastarem seus filhos de crianças cujos lares haviam sido desfeitos. “Ainda hoje há preconceito em alguns lugares, como cidades pequenas e bairros conservadores”, diz Maria Tereza Maldonado [terapeuta e psicóloga membro da Academia Americana de Terapia de Família, e que também fala sobre os traumas de crianças vítimas de genitores guardiães que verbalizam sua raiva do ex-cônjuge na frente dos filhos]”.
Qualquer atitude que resulte em distanciamento do genitor não-guardião deve ser repelida, haja vista o considerável prejuízo que pode causar à formação do menor. Por isto, é de suma relevância as palavras de ANGELUCI, para quem tal comportamento é de todo prejudicial, eis que:
(...) acarreta severos traumas à família desconstituída. O afastamento das pessoas configura, nesse contexto, o primeiro passo para a extinção dos vínculos sentimentais até então existentes, transformando o afeto positivo em negativo, o amor em ódio. No centro desse tormento, crianças em formação devem merecer o zelo necessário para que as desventuras não lhes impossibilitem o crescimento e a conquista da dignidade.
Não há como não concordar com as palavras de SOUZA, que afirma que afastar os pais de seus filhos é ferir a ética das relações de família:
Mesmo depois da separação, a criação dos filhos é peça a ser tocada a quatro mãos. Aqueles que a isso se negam ferem a ética das relações de família e fazem por desmerecer os filhos que têm.
Desta forma, a instituição de ensino que impõe restrições ou dificuldades para que o genitor não-guardião exerça de direito e de fato em sua missão paternal, presta um grande desserviço a criança e a própria sociedade, eis que atua com insensibilidade e falta de inteligência, ao passo que também deixa de observar a própria legislação da educação, quando, em verdade, a instituição deveria ser a mais severa vigilante de tais prerrogativas.
Afinal, não é por mera decoração de letras que vige a Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB), in verbis:
Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:
(...)
VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola;
VII - informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica.
E é importante ressaltar que esta responsabilidade transcende o plano da instituição de ensino como organização, e atinge até mesmo a atividade diária do próprio professor, pois este é o responsável direto pela implementação das políticas pedagógicas ditadas pela escola. Ainda labora neste sentido a LDB:
Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:
I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
(...)
VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.
Na medida em que a lei, na franca observância ao princípio do interesse maior da criança, não limita os direitos do genitor não-guardião, não há o que se falar em autonomia da instituição. Aliás, muito pelo contrário, o legislador sempre tem em mente a ampliação de direitos que visem o bem-estar da criança:
Art. 32. O ensino fundamental obrigatório (...) terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:
II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
(...)
IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.
Por certo que este fortalecimento dos vínculos da família está em sintonia com os conselhos e orientações dos especialistas em educação infantil, conforme ressaltado na Revista Nova Escola, que, tratando sobre as estratégias que a escola pode e deve adotar para os filhos de pais separados, destaca de forma não exaustiva:
- Identifique e elogie os valores e aptidões do aluno
- Não isole a criança e convide-a para participar das atividades
- Conheça o aluno e sua família
O estabelecimento de ensino que não observa tais constatações com certeza terá grandes chances de contribuir para o aumento de uma triste estatística observada pelo Departamento de Serviços Humanos Sociais do Governo dos Estados Unidos, que indica que meninas que crescem sem um forte referencial paterno possuem maiores chances de engravidar na adolescência, e meninos criados sem a presença do pai apresentam maior tendência a fugir de casa ou a consumir drogas:
Mais de ¼ das crianças americanas- aproximadamente 17 milhões – não vivem com seus pais. Meninas sem um pai em suas vidas têm 2 ½ vezes mais propensão a engravidarem na adolescência e 53% mais chances de cometerem suicídio. Meninos sem um pai em suas vidas têm 63% mais chances de fugirem de casa e 37% mais chances de utilizarem drogas. Meninos e meninas sem pai têm duas vezes mais chance de abandonarem a escola, duas vezes mais chances de acabarem na cadeia e aproximadamente quatro vezes mais chances de necessitarem cuidados profissionais para problemas emocionais ou de comportamento.
A escola que desconhece fatos como estes deve repensar seriamente sua relação com a sociedade.
Recentes implementações legislativas
Embora se reconheça que, pelos fundamentos aqui demonstrados em apertada síntese, não há como pairar dúvida sobre a importância e dever da escola no fornecimento de informações escolares de menor ao genitor não-guardião, é lamentável admitir que, muitas vezes, somente a atuação coercitiva do Estado é capaz de obrigar a escola a agir em consonância com o bom-senso e a lógica.
É a partir de tais observações que nasceu a Lei nº 3.849/06, do Distrito Federal, que garante que o genitor não-guardião, independentemente de intervenção judicial ou de autorização do genitor não-guardião, tenha papel ativo no processo de ensino e aprendizagem a que o filho é submetido na escola. A lei também dá o pleno acesso ao genitor não-guardião quanto aos projetos pedagógicos e às instalações da escola. Trata-se de medida inteligente, pois como bem anotou COMEL, “se sabe que, muitas vezes, o genitor guardião chega a proibir expressamente a entrada do outro genitor na escola, inclusive o contato dele com o filho no local, ordem que, de regra, é obedecida pela escola”
Na mesma linha de raciocínio, encontra-se atualmente em discussão no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado nº 218/06, de autoria do Senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que altera o artigo 12 da já citada Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de modo a pacificar o tema em definitivo no território nacional, pois obriga que escolas informem a pais e mães que não convivem diariamente com os filhos a freqüência e o rendimento do aluno, e também sobre a execução da proposta pedagógica da escola. Pelo projeto, o artigo 12, inciso VII, passará a ter a seguinte redação:
Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:
(...)
VII – informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a freqüência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola;
Em que pese iminência da aprovação desta alteração, faltando tão somente a sanção do presidente da república, é importante que se diga ela servirá apenas para consolidar o entendimento aqui exposto, pois a ruptura conjugal não significa a ruptura parental, bem como a perda da guarda não destrói o vínculo afetivo entre pais e filhos. Independente do modelo organizacional em que a família se apresenta, o dever de criar os filhos incumbe aos seus genitores, sejam eles conviventes ou não.
Por certo que nestas circunstâncias a escola age com insensibilidade, falta de inteligência e violando o direito da criança, do adolescente e do genitor não-guardião, merecendo destarte a severa reprovação da sociedade e do Poder Judiciário.
Do dano moral
É certo que não cabe ao Direito nortear o bom senso dos indivíduos, mas, por outro lado, estes devem ter a consciência que uma sociedade que prima pela dignidade da pessoa humana não haverá jamais de tolerar que os cidadãos, ao exercerem o seu legítimo direito à paternidade e a filiação, sejam execrados e humilhados de forma tão aviltante.
Resta claro que é devido ao genitor não-guardião indenização a título de dano moral, em virtude, notadamente, do caráter punitivo de tal instituto ao impor sanção pecuniária aos desertores da lei, como forma de impedir que a aberração aconteça em outra oportunidade.
Repousa tal argumentação nas palavras de PEREIRA:
(...) na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas:
I) punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial;
II) pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer a oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material (...).
A escola comete um ato ilícito grave ao optar por uma conduta que contraria a legislação vigente e que prejudica a criança e o genitor não-guardião, potencializando os efeitos nocivos dessa conduta no lapso temporal da evolução escolar.
Em verdade, é um conjunto de abusos e distorções nas relações sociais (e até mesmo de consumo) que causa indignação e perplexidade, traduzidas em sofrimentos emocionais para pai e filhos e com graves conseqüências ao desenvolvimento infantil, posto que afronta os mais elementares direitos do cidadão brasileiro e ameaça, com maldade, a dignidade da pessoa humana.
O dano moral aqui exposto não só é evidente, mas também é repulsivo.
Conclusão
A modernidade e a igualdade de deveres e obrigações levaram o homem (pai) para a educação dos filhos, e que deve ser exercida sempre no interesse destes. Mas neste contexto, pouco importa a forma de constituição da família.
Já se disse que “ser pai é algo que vai além de apenas gerar um filho, é mais que transmitir seus genes para a posteridade, pois a família é o lugar natural de se efetuar a educação e aprender o uso adequado da liberdade. É onde o ser humano em desenvolvimento mais se sente protegido.”
Assim, sabendo-se que das relações familiares e escolares é que nascem os principais valores que nortearão os caminhos de um jovem, nada é mais importante à vida futura e presente da criança do que proporcionar-lhe a possibilidade de encontrar na escola e no ombro materno e paterno o merecido aconchego.
Desta forma, a tríade pais-escola-professores, como entidade, deve ser a vigilante maior a resguardar os interesses da criança, e neste norte deve caminhar, pois garantir aos pais o acesso amplo, geral e irrestrito ao processo escolar da criança e do adolescente é uma responsabilidade e dever que a escola não pode jamais se eximir.
É uma questão de justiça.
É uma questão de bom senso.
É uma questão de inteligência.
BIBLIOGRAFIA
Anais
BAPTISTA, Silvio Neves. A Família na Travessia do Milênio. Anais do II Congresso Brasileiro de Família, IBDFAM, 2000, p. 294.
Artigos e notícias disponíveis em sites da internet
Introdução a declaração de langeac. “HSS Press release, Friday, March 26, 1999. Departamento de Serviços Humanos e Sociais do Governo dos Estados Unidos”. APASE - Associação de Pais e Mães Separados. Disponível em: < http://www.apase.org.br/24300-framedeclaracao.htm>. Acesso em: 16.Mai.2009
COMEL, Denise Damo. O poder familiar e a inovadora Lei nº 3.849/06, do Distrito Federal. Jus Naviganti, Teresina, ano 10, n. 1071, 07.Jun.2006. Disponível em: . Acesso em: 16.Jul.2009
SOUZA, Raquel Pacheco Ribeiro de. A tirania do guardião. Disponível em: . Acesso em: 24.Nov.2006.
Artigos de revistas
ANGELUCI, Cleber Affonso. Abandono afetivo: considerações para a constituição da dignidade da pessoa humana. Revista CEJ, Brasília, edição 33, p. 43-53, abr/jun - 2006
MENDONÇA, Martha. Filhos do divórcio. Revista Época, São Paulo, edição 349, 24.jan.2005.
GENTILE, Paola. ZENTI, Luciana. A vida invade a escola. Revista Nova Escola, São Paulo, edição 141, abril - 2001.
Livros
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002, p. 317.
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Carlos Henrique Bastos da Silva, advogado militante em São Paulo, graduado pela Unip - Universidade Paulista, pós-graduando em Direito Público pela Unisal – Centro Universitário Salesiano de São Paulo. email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.