O MEDIADOR E A SEPARAÇÃO DE CASAIS COM FILHOS (ENTREVISTA COM HAIM GRUNSPUN)
Mediação Familiar - O mediador e a separação de casais com filhos
Haim Grunspun é médico, psicólogo clínico, bacharel em Direito e escritor. É professor da PUC-SP desde 1953, onde sempre lecionou sobre sua prática nas três áreas profissionais.
Foi precursor em vários assuntos dessas atividades. Publicou os primeiros livros no Brasil sobre psiquiatria da infância e adolescência, que continuam sendo publicados em edições atualizadas. Foi introdutor da psicoterapia lúdica no Brasil e preparou em todo o país terapeutas infantis, especialmente terapeutas de grupo de crianças, com livro publicado a respeito. Foi precursor sobre os direitos das crianças e adolescentes como hoje são entendidos, publicando artigos e o livro sobre os Direitos das Crianças antes da promulgação da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e Adolescente em 1990, onde foram delineados os direitos das crianças.
Agora se torna novamente iniciador no Brasil, propondo uma nova profissão: a do Mediador Familiar, já difundida em outros países. A função de mediador é importante pelo aumento crescente dos divórcios e das novas formas de família que se formam após as separações. A nova profissão tem origem atual em várias áreas do conhecimento que lidam com casais, filhos, famílias e comunidade. Vamos saber um pouco mais .
C – Como o senhor chegou à idéia deste livro? Quanto tempo levou para escrevê-lo?
H - Fui fazer curso de Direito porque conheci na década de 60, na Dinamarca um velho Professor de Psiquiatria Infantil que se tornou Juiz de Menores, dizendo que não se podia atender integralmente as crianças sem antes defender seus direitos. Do mesmo modo também conheci na década de 90 um Juiz canadense aposentado que se tornou Mediador Familiar como trabalho voluntário, conseguindo acordos familiares na separação de casais centralizando como alvo o melhor interesse das crianças nas controvérsias e disputas familiares. A mediação nos contratos e nos negócios, assim como a arbitragem já estava sendo aceita e em vários países com legislações a respeito de sua aplicação.
O mediador é um novo profissional que está preparado profissionalmente para alcançar um acordo nas controvérsias, conflitos e litígios.
Demorei exatamente 12 meses para escrever o livro. Alguns capítulos foram revistos até 12 vezes segundo o Arquivo do meu computador.
C – O que é ser um mediador familiar? Por que sua atuação é importante?
H - O mediador familiar é um profissional que atua de forma voluntária para chegar estrategicamente a um acordo entre casais que buscam a mediação de forma voluntária. Sua ação é na comunidade e pode intervir em famílias íntegras em via de separação agindo de forma preventiva, pode agir durante a separação ou após a separação quando surgem problemas para criar e educar os filhos nas novas formas de família.
A importância está no reconhecimento pelas comunidades onde há oferta de serviços, onde o número de famílias que procuram cresce de forma geométrica.
Nos países socialmente adiantados, após a aposentadoria não se pode exercer nenhuma atividade remunerada e a participação voluntária, o terceiro setor, aumenta como condição social avançada. Ou se entra no ostracismo e se definha, ou o ser humano procura um trabalho voluntário. Após a aposentadoria, advogados de família, juizes, promotores, psicólogos, psiquiatras, sociólogos, fazem um curso de mediação e se tornam Mediadores Familiares. Com o crescente número de divórcios, esses serviços aliviaram as sobrecargas dos tribunais e aceleraram os processos de separação com menor prejuízo e desgaste psicológico, especialmente para os filhos.
C – Existe diferença entre a mediação no divórcio e (na família) mediação familiar?
H - A mediação no divórcio é o exercício da profissão em duas formas: 1) profissão liberal em ambiente privado, procurado voluntariamente por casais que decidiram se separar; 2) profissional liberal indicado pelo tribunal que encaminha para acordo de algumas questões além de filhos, como partilhas, empresas familiares, sociedades profissionais são as razões de controvérsia. Recebem como profissionais liberais.
O mediador familiar trabalha em instituições comunitárias, universidades, igrejas, ONGs e de forma voluntária. Quando há remuneração por seus serviços, o dinheiro reverte para a Instituição.
C – Quais os benefícios que os filhos de um casal que está se divorciando podem ter com a mediação?
H - Os filhos são mais protegidos no processo da mediação do que no processo judicial, mesmo quando esse é amigável. No processo judicial sempre há um “ganhador” e um “perdedor”, dependendo dos advogados das partes e os filhos são envolvidos fazendo parte desse processo. Os pais estão em conflito e se odiando. Os filhos amam seu pai e sua mãe. Envolvidos, quando tomam partido de um dos pais, têm culpas conscientes e inconscientes para com o outro lado. Como a mediação centraliza o melhor interesse dos filhos no acordo e planeja as relações nas novas formas de família, respeitando as idades dos filhos em seu desenvolvimento, beneficia os filhos protegendo-os de futuras contendas entre os pais. Facilita também a comunicação entre os pais sobre ao educação e o futuro dos filhos.
C – Quando o psicólogo é consultado em situações de conflito e separação de casais não acaba por exercer a função de mediador ou haveriam diferenças entre as duas profissões? Quais?
H - O psicólogo consultado tem sempre “o meu paciente” para ser ajudado, mesmo quando esse paciente é a família inteira e pode até evitar com sua ajuda a separação ou adiá-la. O psicólogo pode se tornar um mediador e nessa nova função usa estratégias e técnicas para chegar a um acordo e a um plano de família para após o divórcio que deverá ser referendado por um juiz. Quando o psicólogo é mediador ele pode indicar com anuência das partes, psicólogos para avaliação, para laudos ou para terapias que podem perdurar durante o processo de mediação ou se prolongar após a separação.
C - Qual a diferença entre mediação e conciliação?
H - O Fórum não é mais o único local de resolução de disputas. Há um novo espectro de processos na resolução de disputas e litígios chamados de Resolução Alternativa de Disputas. As mais comuns são: Arbitragem, Mediação e Conciliação.
A Arbitragem é um processo legal que se decide fora do Fórum e que resulta numa decisão de obrigações semelhantes aos julgamentos dos Tribunais. As partes em disputa podem submeter seu caso para uma terceira parte neutra, o Árbitro. Esse profissional estabelece um contrato ente as partes que é reconhecido. O árbitro é escolhido pelas partes ou indicado pelo juiz. As partes sempre poderão ir posteriormente aos tribunais. A Austrália a partir de 1998, adotou a arbitragem no divórcio para a resolução das disputas entre as partes. Só a disputa pela guarda dos filhos deverá ir à corte. No Brasil temos a Lei da Arbitragem desde 1996, para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. A lei não é aplicada ao divórcio.
A Conciliação é um processo extrajudicial de Resolução Alternativa de Disputas onde se utiliza a terceiros imparciais mas que não são neutros. O Conciliador conduz o processo na direção de um acordo, opinando e propondo soluções, usando seus conhecimentos profissionais nas opiniões que emite. É o acordo possível que o juiz homologa, mas há entre as partes a influência do poder e do domínio, com ressentimentos das partes e por isso não protege os filhos no divórcio. No Brasil temos a lei sobre conciliação de pequenas causas e os tribunais têm instalado Juntas de Conciliação com resolução entre as partes no mesmo dia.
A Mediação é um processo onde a terceira parte é imparcial e neutra. Não opina, não sugere e nem decide pelas partes. O mediador está proibido por seu Código de Ética de usar seus conhecimentos profissionais especializados, como os de advogado ou psicólogo por exemplo para influir nas decisões. No Brasil não temos ainda Lei de Mediação.
C – A mediação poderia tornar um processo de separação menos doloroso e traumático? Por que?
H - O processo de separação é sempre doloroso -, para o casal, para os filhos e até para os magistrados que gostariam de terminar cada tragédia de separação o mais rápido possível. É o contrário que acontece: os processos, especialmente os litigiosos, são de longa duração. Além disso, após a sentença as partes geralmente fazem recursos e apelam da sentença para instância superior. Além disso também, as partes voltam aos tribunais com freqüência para revisão de questões do processo como: modificação da pensão alimentícia, mudança de guarda, alteração de domicílio e outras razões.
No processo judicial as emoções humanas mais intensas são exibidas e procuram envolver os profissionais. Medo, hostilidade, ódio, vingança, depressão e ansiedade, fazem o elenco das emoções geralmente experimentadas por pessoas que enfrentam a separação. Acusações, cobranças, ameaças, ameaças e falsidades são expostas desde o início do processo.
O mediador usa de estratégia e técnica que procuram evitar a exteriorização dessa emoções entre as partes, fazendo um projeto e um plano familiar onde os filhos são os centralizadores do processo.
Não significa que a mediação é mágica na resolução das separações. As emoções são as mesmas, mas há alguns facilitadores, entre os quais o mais importante é o das partes procurarem voluntariamente a mediação para acordo.
Precisamos difundir mais entre o público a mediação e seus benefícios para ser procurada voluntariamente com consenso entre as partes.
C – Como trabalhariam os advogados, juizes e mediadores? Haverá espaço para eles?
Os mediadores em sua maioria são advogados de formação. É o que mostram os quadros dos associados das Associações, seguidos de trabalhadores de saúde mental. A maioria dos árbitros também tem origem na advocacia seguidos de economistas e administradores.
Na mediação as partes podem estar acompanhadas por advogados como assessores, de economistas como consultores ou de psiquiatras ou psicólogos como conselheiros. O mediador, como terceira parte neutra e imparcial, ouvindo todos os profissionais úteis para as partes e aproveitando no consenso de todas as contribuições dos especialistas terá elementos facilitadores para o acordo entre as partes. No caso do divórcio, o relatório final deve se r apresentado por um advogado para o juiz homologar. Na maioria das vezes um advogado aceito pelas partes. Com o aumento de negócios globalizados faltarão profissionais habilitados para as relações complexas das relações nos negócios. Se houver diminuição ou abolição das separações e divórcios, deixarão de existir ao mediadores no divórcio e os mediadores familiares.
C – Como a mediação familiar consegue proteger os filhos?
H - A mediação familiar pode ser procurada quando se inicia uma crise na família e atuar de forma preventiva, quando mais protege os filhos. Pode ser procurada após a sentença do juiz no tribunal e fazer a mediação para resolução dos problemas entre os pais sobre esses filhos. Poderá ser procurada por indicação do juiz, antes de exarar a sentença para cursos, orientação ou mediação.
C – Quais seriam as áreas de atuação do mediador?
H - No maior processo civil do século, entre o governo americano e a Microsoft, acusada de monopólio, houve uma fase de mediação. Antes de pronunciar a sentença, o juiz interrompeu o processo para se tentar mediação entre as partes. Um famoso juiz, aceito pelas partes foi indicado como mediador. Após quatro meses -, duração comum da uma mediação, o mediador entregou a súmula ao juiz responsável pelo processo informando que não se chegou a um acordo na mediação. O juiz no dia seguinte pronunciou a sentença, considerando a Microsoft culpada da acusação. A Microsoft poderá ser dividida segundo a sentença, mas cabe ainda recurso para tribunais superiores. Em todas as divergências geradas a partir de diferenças entre partes, sejam pessoas físicas, jurídicas ou Estados. O Presidente Clinton, por exemplo, serviu de mediador em várias pautas a serem ultrapassadas para tentar alcançar a paz no Oriente Médio.
Na resolução de sobrevivência de empresas, nos mercados e nos conflitos de negócios exige-se que os conflitos sejam resolvidos rapidamente e com eficácia; a mediação obtém os melhores resultados.
A área em que a mediação tem se expandido é na separação de casais com filhos. O mediador familiar é um ator social de importância reconhecida como agente de prevenção, em vários países.
C – O que é homeostase familiar?
H - Homeostase é um termo emprestado da biologia do ser vivo. É a Lei dos equilíbrio internos dos organismos vivos. É o processo para manter equilíbrio e estabilidade fisiológica. É a capacidade do corpo de manter e de voltar ao equilíbrio a despeito das alterações exteriores.
Homeostase familiar é o processo pelo qual motivações, afetos, conhecimentos e poder são compensados num equilíbrio dinâmico e adequado.
C – Quando começa a ruptura de um relacionamento?
H - Toda a ruptura da homeostase familiar representa uma crise que pode ser ultrapassada ou mantida causando sofrimentos. Os casais passam por várias crises no casamento e se recuperam. Quando a crise é intensa e não suportável o casal se separa. Quando as crises se tornam freqüentes, basta às vezes, uma pequena ruptura do equilíbrio, e essa corresponde à ruptura definitiva do casamento.
C – Fale um pouco sobre a natureza interdisciplinar da mediação?
H - A nova profissão requer conhecimentos que os cursos atuais de formação profissional não fornecem. Na formação do advogado poucos conhecimentos da dinâmica psicológica do ser humano são transmitidos e quase nenhum sobre economia e contabilidade financeira. Na formação do psicólogo poucos são os conhecimentos sobre leis ou economia que são oferecidos. Na formação do médico não há estudos sobre administração ou economia.
O mediador deve ter formação em áreas que hoje são consideradas interdisciplinares, porque são conhecimentos que pertencem atualmente a profissões distintas. Talvez no futuro deixará de ser interdisciplinar, mas sempre dependerá de especialistas convocados em várias especialidades do conhecimento humano.
C – Como o mediador poderia ajudar os pais separados a construir uma nova família?
H - A separação e o divórcio não acabam com a família. Há uma transformação da família. Pais continuam pais, mães continuam mães e irmãos continuam irmãos. Os pais separados geralmente tentam reconstruir novas famílias. Os julgamentos nos tribunais terminam na sentença exarada pelo juiz . Novas formas de família construídas pelos adultos podem criar conflitos na guarda ou na pensão de alimentos para os filhos e requerem novo processo que pode ser mais longo do que o processo de separação. Na mediação o plano familiar pode prever novas situações para novas famílias reconstruídas com menores prejuízos para os filhos.
C – Quais as dificuldades que um mediador poderia encontrar?
H - As partes ou uma das partes pode desistir da mediação a qualquer momento e em qualquer fase da mediação e procurar advogado para defender seus interesses; esta não é a dificuldade do mediador, pois sempre ele pode esperar a desistência. A dificuldade pode existir quando as decisões procuradas ferem alguma legislação ou direitos constitucionais. Quando a solução só pode se realizar na área do Direito Penal. Quando há dissimulação das partes. Quando está convicto pelas circunstâncias que o processo judicial é a melhor forma para o caso.
C – Como este novo profissional poderia intervir nas crises?
H - O mediador familiar pode intervir em crises antes da separação indicando terapias individuais ou terapia de família, esperando resultados para a resolução da crise antes de indicar a separação como resolução.
O mediador intervém também nos casos dramáticos de violência familiar especialmente entre o casal. O pai, por exemplo, pode ser réu por crime de agressão à esposa e até cumprir pena. Continua porém amando o filho e amado por ele. O casal se separa e o mediador pode intervir no plano familiar para visita dos filhos e a responsabilidade do pai na educação dos filhos.
C – Considerações finais.
H - O Congresso Nacional deve discutir a Lei de Mediação. É importante que as associações de classe, os sindicatos, as comunidades religiosas e a imprensa, esclareçam a sociedade sobre o significado da Mediação. Psicólogos se divorciam, juizes se divorciam, psiquiatras se divorciam, advogados se divorciam, assistentes sociais se divorciam e sacerdotes de diferentes confissões religiosas se divorciam. Todos passam por conflitos semelhantes. É importante que na Lei, o assunto sobre mediação familiar e mediação no divórcio seja esclarecedor sobre a separação dos casais com filhos e útil para a sociedade.