COM QUEM DEVO FICAR? - DANOS PSICOLÓGICOS DA DISPUTA DE GUARDA EM CRIANÇAS
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Ao longo dos tempos a família e a sociedade vêm sofrendo mudanças em suas constituições, sendo que a primeira sofre influências da segunda, ou seja, se uma muda, a outra também. A família nuclear já não é mais referência familiar, pai, mãe e filhos morando na mesma casa não é regra, talvez exceção.
As “produções independentes”, famílias monoparentais, famílias homossexuais, famílias reconstituídas e casais separados formam as novas configurações da estrutura familiar na contemporaneidade.
Acredita-se que as mudanças da família e da sociedade estão influenciando e sofrendo influências do sujeito. Na medida em que as pessoas mudam, modifica a sociedade, constituindo assim um ciclo vicioso de transformações. Vive-se em uma sociedade em que grande parte das pessoas está vivendo o hoje, voltadas somente para si próprias, desconsiderando os sentimentos e os valores dos outros. Casamentos se desfazem porque obstáculos aparecem e as expectativas não são alcançadas.
Percebe-se que o número de dissoluções conjugais cresce a cada ano, alterando a vida de todos os envolvidos, já que é inevitável a readaptação às mudanças que ocorrem. As crianças, envolvidas ou não, são a parte mais vulnerável de um processo de separação. Quando os pais conseguem manter uma boa comunicação entre eles e com as crianças, mantendo vínculos afetivos transmitindo amor, carinho e segurança esse processo torna-se menos traumático.
Porém, não são todos os casais que no momento da separação conjugal conseguem entrar em acordo sobre a divisão de bens e as decisões referentes à sua prole, não diferenciando o papel conjugal do parental. Se esse acordo não surge, os ex-casais partem para a disputa da guarda de seus filhos, dificultando o entendimento deles sobre o desenlace da família e as consequências disso no dia-a-dia. Infelizmente, nem sempre as crianças são poupadas das brigas e discussões da separação e da disputa de guarda, causando nelas sentimentos de medo de serem abandonadas pelo genitor que saiu de casa, insegurança, retraimento e isolamento.
Além de conviver com a distância de um de seus pais, ou pelo menos com o não convívio diário, a criança ainda poderá ficar exposta ao sofrimento de quem fica com a guarda. Para levar essa hipótese em consideração é necessário pensar que quando duas pessoas decidem se separar, por mais que essa seja consensual, a intensidade e os sentimentos dos envolvidos não são os mesmos,
possibilitando que um dos ex-cônjuges sofra. Esse sofrimento, se exposto à criança, poderá produzir sentimentos nela como: insegurança e tristeza, além da intensificação de episódios de choro e maus sentimentos pelo genitor que foi embora de casa e faz aquele que está presente no dia-a-dia sofrer.
Outro dano psicológico que pode resultar da disputa de guarda é o sentimento constante de insegurança, se os pais não conseguirem ser continentes as angústias e as dúvidas das crianças, explicando as mudanças que irão ocorrer, essas poderão sentir-se inseguras e com medo do abandono. Esse sentimento de insegurança fará com que a criança não consiga estabelecer vínculos afetivos sólidos com outras pessoas dificultando a convivência em sociedade, produzindo uma tendência ao isolamento, o que implicará em consequências psicológicas. Além disso, os vínculos entre pais e filhos poderão ficar enfraquecidos, podendo gerar desconforto e prejuízos psicológicos para todos.
Verifica-se que existem casos em que o genitor guardião manipula a criança para odiar o outro genitor. Esses casos, nomeados de Síndrome de Alienação Parental, a SAP, são considerados os mais graves para o desenvolvimento das crianças, pois além do comprometimento e/ou rompimento do vínculo entre eles, há também o dano psicológico que esse fato traz para a criança. Em alguns casos mais graves de Síndrome de Alienação Parental o genitor guardião manipula e a orienta o filho para acusar o outro genitor de abuso sexual, que não aconteceu, produzindo falsas memórias na criança. Quando isso acontece, a criança chega a dar detalhes de uma situação que não ocorreu, mas que foi programada para descrever e afirmar pelo genitor que tem a guarda. Esse acontecimento produz danos psicológicos na criança, rompendo o vínculo com um dos genitores, importante para o seu desenvolvimento, já que para que esse ocorra de maneira saudável é necessário o contato com ambos os pais.
Considera-se essa “quebra” no vínculo entre a criança e um de seus pais o dano psicológico mais grave, pois ele interfere no desenvolvimento da criança como um todo. Esse vínculo desfeito corre o risco de não ser mais reparado, não oportunizando à criança um desenvolvimento saudável, visto que não terá convívio com ambos os seus genitores. Mesmo que o genitor guardião faça a função do outro com o qual a criança não pôde manter o vínculo, o seu rompimento total trará consequências para o desenvolvimento psicológico da criança. Esses vínculos desfeitos ainda podem ser agravados se os filhos entenderem que são os responsáveis pela separação. As crianças poderão acreditar que é por causa delas que seus pais estão se separando, fazendo movimentos para tentar uni-los novamente. Se isso ocorrer a criança poderá ter seu desenvolvimento prejudicado tentando incansavelmente reaproximá-los.
É importante ressaltar que os danos psicológicos além de prejudicar o desenvolvimento saudável da criança, podem desorientá-la, deixando a com suas referências pessoais comprometidas. Pois se os pais que estão mais próximos e são a fonte de confiança, segurança e proteção prejudicam-na, fazendo com que aconteçam os danos psicológicos, quem poderá protegê-los? A segurança da criança é a família, a qual orienta e encaminha, se essa está com conflitos e não consegue assessorá-los elas podem se sentir confusas.
Compreende-se que os danos psicológicos causados pela disputa de guarda ou pela SAP, são prejudiciais ao desenvolvimento das crianças. Eles podem se manifestar das mais variadas formas, dependendo da idade em que ela se encontra. Mas, independente da idade, os danos psicológicos são difíceis de serem diagnosticados, pois não podem ser medidos.
No caso de crianças, tornam-se vítimas fáceis, pois além da vulnerabilidade, seus pais que deveriam estar dando-lhes proteção estão brigando na defesa de seus próprios interesses. Porém se a criança tiver o apoio incondicional de amigos, familiares, professores, poderá entender as mudanças que irão ocorrer após a separação dos pais, minimizando as consequências durante a adaptação.
É importante ressaltar que em casos de disputa de guarda faz-se necessário que todos os profissionais envolvidos no processo, juízes, promotores, psicólogos, assistentes sociais, entre outros, priorizem sempre o melhor interesse da criança. Essa tem seu tempo diferente do tempo do adulto, sendo que meses sem contato com um dos genitores pode acarretar no rompimento do vínculo entre eles. Por esse motivo é que os processos que envolvem crianças são priorizados pelas Varas de Família, visto que a demora poderá acarretar em prejuízos emocionais para as crianças.
Torna-se imprescindível que a criança possa manifestar sua opinião sobre as decisões que serão tomadas a respeito de sua vida. Porém é necessário que essa escuta seja feita por profissionais especializados, para que possam expressar seu desejo de maneira lúdica, sem que tenha que fazer escolhas forçadas, por exemplo, com quem quer morar. Se a criança for submetida a esse tipo de escolha poderá sentir-se culpada por preferir um ao invés do outro genitor, gerando outro dano psicológico.
Conclui-se que a Psicologia pode contribuir nesse processo de escuta, como também na mediação dos conflitos familiares, favorecendo o diálogo para que o casal chegue a um acordo, diminuindo os efeitos das brigas às crianças. Além disso, o psicólogo poderá auxiliar o Direito nas decisões judiciais, avaliando a família com o intuito de se chegar a decisão mais adequada atendendo as necessidades da criança. Porém, esse novo campo de atuação do psicólogo exigirá especialização para o conhecimento dos termos utilizados pelo Direito, já que a Psicologia Jurídica vem conquistando espaço no campo de trabalho para os profissionais dessa área.
Além da mediação, o trabalho do psicólogo pode auxiliar as crianças que sofrerem os danos psicológicos, pois proporcionará um espaço de escuta, onde possam falar e demonstrar seus sentimentos. Esse acompanhamento da Psicologia poderá amenizar suas consequências, oportunizando a ressignificação das questões que estão relacionadas a eles.
Com isso, pensa-se que a Psicologia pode auxiliar os filhos a entenderem as mudanças que estão acontecendo, da mesma forma que ajudar o casal a resolver os possíveis conflitos da separação, favorecendo o vínculo e as relações desses com os filhos. Além disso, a Psicologia também pode ser agente de profilaxia, tendo como intuito a prevenção de conflitos intrafamiliares que podem dar início aos processos de separação, pois, pode atuar no foco inicial das desavenças, o psicólogo pode favorecer o diálogo, melhorando a qualidade de vida dos integrantes da família.